Logotipo

Descrição gerada automaticamente

Contributos à análise do amor entre casais que vivem na rua

 

Contributions to the analysis of love between couples who live on the street

 

Nádia Xavier MOREIRA*

Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0001-7533-4636

 

Ana Cláudia Silva FIGUEIREDO**

Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0001-8974-0483

 

Resumo: Aborda os relacionamentos amorosos – afetivos e sexuais – entre moradores de rua, entendendo tais vínculos como um evento – acontecimento culturalmente significativo em determinado contexto. O presente estudo ancora-se nas construções teóricas de Marshall Sahlins acerca desta categoria, bem como nos estudos voltados à análise de como vínculos e emoções se conjugam e se inscrevem no campo social. A partir da observação participante e da análise das produções bibliográficas buscou-se entender como esses relacionamentos amorosos são vivenciados. Os resultados do estudo indicam que o amor na (de) rua se constitui em um evento na medida em que a rua é reinventada. Antes de ser um local de sofrimento, a rua é o espaço do privado, de vivência da intimidade, de construção de vínculos e relações amorosas. Moradores de rua em seu cotidiano vivenciam tal experiência de acordo com o seu modo de vida, dentro do seu campo de possibilidades, em geral esses encontros amorosos se inscrevem como histórias de amores possíveis.

Palavras-chave: População em situação de rua. Vínculos afetivos e sexuais. Evento.

 

Abstract: This article aims to address the loving relationships – affective and sexual ones – among the homeless, understanding such relations as an event – culturally significant instances in a given context. The present study is grounded on the theoretical constructions of Marshall Sahlins about this category, as well as on the studies focused on the analysis of how bonds and emotions are combined and inscribed in the social field. From participant observation and analysis of bibliographic productions, we sought to understand how these loving relationships are experienced. The results of the study indicate that love on (of) the street is an event as the street is reinvented. Before being a place of suffering, it is a space for the private, for experiencing intimacy, for building bonds and loving relationships. In their daily lives, homeless people go through this experience according to their way of life, within their field of possibilities, in general, these encounters are inscribed as stories of possible loves.

Keywords: Homeless. Affective and sexual bonds. Event.

 

Submetido em: 6/11/2020. Revisto em: 17/1/2023. Aceito em: 5/3/2023.

 

 

Introdução

 

O

s relacionamentos íntimos e amorosos entre casais em situação de rua é um fato absolutamente corriqueiro entre as pessoas que vivem neste espaço e seguem os mesmos padrões normativos dos relacionamentos conjugais, exceto a ausência de moradia e de um espaço adequado para o exercício da intimidade.

 

“Gina[1] é o meu amor, com ela eu suporto tudo, passo fome e frio na rua. Temos planos, quem sabe um dia de casar [...]. A gente come e bebe o que tem. Gosto de ver o sorriso dela quando a gente acorda, ela é a melhor parte da minha vida. Só saio da rua se for com ela.” Relatou Elias durante uma abordagem socioassistencial, cujo objetivo era retirá-los – ele e sua companheira – da rua. Entretanto, a única forma de acolhimento possível, na ocasião, era a de abrigá-los em locais distintos, algo impensado para ambos. Fizemos questão de anotar em sua ficha o argumento utilizado, dada a sua fundamentação e procedência, ainda que soubéssemos que as instituições de acolhimento não reconhecessem como legítima, a solicitação feita. Já Adriana e Alexon, ambos também moradores de rua, conforme descrito numa reportagem do G1 (GIANTOMASO, 2020), conheceram-se na rua, porém estabeleceram relações mais íntimas num abrigo, adaptado para o acolhimento provisório, a fim de evitar a propagação do COVID-19 nesse segmento social. Adriana relatou que, após uma semana no abrigo, Alexon decidiu abandonar o local: "eu não podia deixar o amor da minha vida ir embora!", confessa Adriana. A partir de então, passaram a viver juntos, como casal.

 

Os depoimentos indicam que, subvertendo expectativas e projeções em torno deste ambiente, a rua pode também significar, para quem nela sobrevive, um lócus de construção de redes de afeto e não somente um espaço de dor, de isolamento e de solidão. Portanto, a rua, espaço físico e social onde estão situados os corpos desses sujeitos, é também lugar de construção e reconstrução de valores, de modos de vida, de estratégias de sobrevivência, de vínculos de amizade e também de histórias de amores possíveis.

 

O que ambos os relatos (de Gina e Elias; Adriana e Alexon) nos revelam é que, tal como argumenta o antropólogo americano Marshall Sahlins (1987, p. 174), “[...] o uso de conceitos convencionais em contextos empíricos, sujeita os significados culturais a reavaliações práticas”. Pois, “[...] nada pode garantir que sujeitos inteligentes e motivados, com interesses e biografias sociais diversas, utilizarão as categorias existentes das maneiras prescritas” (SAHLINS, 1987, p. 181). As ações criativas dos sujeitos históricos implicam na reavaliação dos significados na prática, alterando historicamente os esquemas culturais no mundo ou na ação: “Os significados culturais, sobrecarregados pelo mundo, são assim alterados” (SAHLINS, 1987, p. 174). Portanto, a cultura não é algo estável. Ela é sempre um entrecruzamento.

 

Partindo do argumento em defesa da inseparabilidade da reprodução e transformação cultural, Sahlins sugere o conceito de estrutura da conjuntura, fundamental ao entendimento da mudança cultural. Tal conceito encontra-se associado ao modo como as culturas reagem a um evento, possibilitando ao contexto imediato dialogar com estruturas anteriores. Na definição do autor (SAHLINS, 1987), evento consiste na “[...] realização prática das categorias culturais em um contexto histórico específico, assim como se expressa nas ações motivadas dos agentes históricos, o que inclui a microssociologia de sua interação” (SAHLINS, 1987, p. 15). Adiante, complementa (SAHLINS, 1987): “[...] um conjunto de relações históricas que, enquanto reproduzem as categorias culturais, lhes dão novos valores retirados do contexto pragmático” (SAHLINS, 1987, p. 160). A estrutura da conjuntura, por se tratar de um conceito inserido entre o evento e a estrutura, pode ser considerada uma noção mediadora entre sincronia e diacronia.

 

Este artigo, em diálogo com tal referencial, tem como principal objetivo abordar, através de produções bibliográficas e da observação participante, os relacionamentos afetivos e sexuais de pessoas que têm a rua como espaço de moradia permanente[2], característica urbana que se eleva à condição de evento – um acontecimento culturalmente significativo em determinado contexto, posto a pressionar a estrutura da conjuntura. Tomamos de empréstimo para tal as construções teóricas de Marshall Sahlins acerca dessa categoria, bem como estudos voltados à análise de como vínculos e emoções se conjugam e se inscrevem no campo social (LE BRETON, 2009; PAUGAM, 2008, 2019; REZENDE; COELHO, 2010).

 

A problemática da população de rua tem sido um tema abordado em diversas áreas do conhecimento e amplamente estudado no campo das Ciências Sociais a partir de diferentes perspectivas históricas, estruturais e culturais. Para a compressão desta categoria social na contemporaneidade foram mobilizados diferentes autores: ARAÚJO, 2008; BURSZTYN, 2008; ESCOREL, 1999, 2008; CEFAÏ, 2013; FREHSE, 2013; BRAGA; SOUSA, 2019; HONORATO; OLIVEIRA, 2020; MACHADO; NUNES, 2022; SPOSATI, 2009.

 

Contudo, o foco da produção teórica ainda tem se debruçado em analisar este fenômeno sob o prisma da pobreza, exclusão e vulnerabilidades dele decorrentes. Ainda há uma escassez de estudos e pesquisas voltadas para o tema das emoções na vida das pessoas que estão em situação de rua[3].

 

Há de se considerar, nesse aspecto, que as imagens sociais projetadas em torno da rua não a reconhecem como espaço dos afetos. Nas esteiras da clássica oposição casa versus rua, dentro da proposta damattiana (DAMATTA, 2012), a casa seria o local da privacidade e da intimidade; já a rua, o espaço do anonimato e da desordem. Contribuindo para esse debate, o historiador Robert Pechman (2009), entende que, desde o século XVII, a rua é tematizada pelo viés da desordem, do vício e do perigo: “[...] é de lá que a ameaça promete corroer a sociedade, com a peste, as epidemias, as doenças, a sujeira, os miasmas, [...], a prostituição, a sexualidade, a mendicância, a incivilidade, a violência, a revolta, a insurreição e... a revolução” (PECHMAN, 2009, p. 353). Entendemos, portanto, que o amor na (de) rua subverte, de algum modo, tais projeções.

 

A escolha por tal objeto de investigação encontra-se diretamente relacionada à nossa trajetória profissional de 18 anos de atuação no campo da assistência social numa grande metrópole brasileira, intervindo diretamente nas questões de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e violação de direitos, bem como por meio do nosso exercício no magistério superior, trabalhando com o tema da exclusão social e do lugar das emoções e dos sentimentos associados aos que sobrevivem a essa situação.

 

Ao longo desse percurso, percebemos nas narrativas dos colegas de trabalho familiarizados com o tema, bem como por meio da observação participante, em diversos momentos de interlocução com moradores de rua, a pouca, ou mesmo, inexistente percepção social de que entre moradores de rua se formem casais, unidos por vínculos amorosos, afetivos e sexuais.

 

Defendemos a relevância sobre tal questão, afinal os relacionamentos afetivo-sexuais assumem um papel central para o ser humano, compondo os fios fundamentais da tessitura social. Os indivíduos que estão em situação de rua, embora estigmatizados e excluídos de aspectos fundamentais da sociedade, como pessoas, não estão isentos de manifestar sentimentos. Logo, ainda que desconsideradas, as emoções constituem um lugar importante na vida desses sujeitos e os relacionamentos afetivo-sexuais (namoro, casamento, rolo ou qualquer outra definição), por sua vez, acatando a idealização em torno do amor, estão incorporados em seu modo de vida, alimentando seus sonhos e projetos possíveis[4].

 

Entendemos que a abordagem priorizada por esse estudo, enfocando as relações afetivo-sexuais de casais em situação de rua, pode contribuir para novos olhares sobre a questão, aprofundando e complexificando o entendimento sobre o fenômeno, fornecendo, desse modo, elementos para que se possa compreender e tratar essa problemática sob outras perspectivas. Impacta o trabalho, assim, na criação de políticas públicas condizentes, de programas, de projetos e de ações voltados para esse segmento, bem como para o aprimoramento das estratégias de atuação profissional nessa área.

 

1 População de rua no Brasil: contextualizando o debate

 

As questões trazidas por este estudo encontram-se intimamente relacionadas ao processo de pauperização, de acirramento das desigualdades e da consequente exclusão social, vivenciada historicamente por segmentos da sociedade brasileira. Tal processo adveio, sobretudo, das transformações das relações sociais: senhorial-escravista para burguesa-capitalista, no contexto da urbanização do país (VALLADARES, 1991). Desde então, é possível observar que a pobreza no Brasil tem uma cor, dada ser composta, majoritariamente, por homens, mulheres e crianças negras, os quais, mesmo depois da abolição da escravatura, não foram totalmente incorporados à dinâmica da sociedade – industrial e capitalista – emergente[5].

 

Segundo Telles (2001), a pobreza brasileira subsistiu nas franjas do mercado de trabalho, no submundo da economia informal, nos confins do mundo rural e de herança oligárquica, ou seja, naquilo que presidiu a entrada do país no mundo capitalista. Para a autora, a nossa pobreza nunca foi formulada no horizonte da cidadania. A população em situação de rua é, inquestionavelmente, a expressão mais aguda desse processo de pauperização da sociedade brasileira[6].

 

O Estado brasileiro, mormente assegura no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito social à moradia[7] a todos os cidadãos, entretanto sabemos tratar-se ainda de uma questão de distante alcance. Pois, como nos ensina Gueiros (1991, p. 54), “[...] o estatuto legal não é garantia de exercício de direito. Nem sempre as forças que bastam para a inclusão do direito ao nível do jurídico são suficientes para forçar a sua efetivação”. Ao observarmos com destaque as grandes metrópoles brasileiras, notamos que o fenômeno da população em situação de rua tem perfil variado – pessoas de diferentes ciclos etários – e tem se expressado de forma crescente no que tange à exclusão e ao isolamento.

 

Vale observar que o Brasil não conta com dados oficiais sobre esse segmento populacional, o que implica negativamente na implementação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da questão. O Censo Demográfico de 2010 e o Censo em andamento de 2022 incluem na sua contagem apenas a população domiciliada.

 

Desse modo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), desde 2015, tem baseado sua estimativa sobre a população em situação de rua no Brasil utilizando-se de dados oficiais informados por 1.924 prefeituras. A última nota técnica do IPEA (NATALINO, 2022) analisou a evolução no quantitativo de população em situação de rua entre 2012 e 2022 a partir de um modelo teórico que considera variáveis de crescimento demográfico, centralidade e dinamismo urbano, vulnerabilidade social, equipamentos e serviços da assistência social voltados à população de rua, bem como o número de pessoas em situação de rua cadastradas no Cadastro Único. Para 2022, o Instituto estimou que existam 281.472 pessoas em situação de rua no Brasil.

 

Este estudo comparativo do IPEA (NATALINO, 2022) mostra que entre 2012 e 2022 houve um aumento de mais de 300% desse segmento populacional, especialmente na Região Sudeste (53,75%) obedecendo a mesma escala das pesquisas anteriores. Entre 2020 e 2021, a explosão desse fenômeno deve-se ao impacto da pandemia da COVID-19 sobre o aumento das vulnerabilidades e da pobreza, que tiveram como consequência o aumento do número de pessoas em situação de rua. Como o segmento mais vulnerável da população, por não possuir condições de atender aos padrões de higiene, proteção e isolamento recomendados pelas organizações sanitárias, a população em situação de rua configura-se nesse contexto como uma questão complexa, tanto do ponto de vista das políticas públicas, quanto como objeto de estudos e pesquisas científicas.

 

Ademais, tomando como referência o censo realizado na cidade do Rio de Janeiro em 2020, pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos e pela Secretaria Municipal de Assistência Social, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, contabilizou-se 7.272 pessoas vivendo em condições de extrema vulnerabilidade social na metrópole carioca[8]. Sobre o perfil destaca-se que: a maioria são pessoas do sexo masculino (80,7%), que possuem entre 18 e 49 anos (65,7%) e com baixa escolaridade (Ensino Fundamental – 67%). A concentração se dá na maior parte na região central (31,9%), área que abriga os centros histórico e econômico da cidade. De acordo com os dados, 62,8%, declaram realizar alguma atividade para obter renda. Dentre as principais atividades identificadas estão a catação de materiais recicláveis ou lixo (47,5%) e a comercialização informal de produtos na rua (26%). Cerca de 3.289 entrevistados responderam fazer uso de pelo menos 1 tipo de droga, sendo 797 casos de uso de crack e 1.169 de cocaína. A condição de vulnerabilidade social extrema se acentuou ainda mais com a pandemia da Covid-19. Aproximadamente 750 pessoas indicaram ter ido para as ruas depois que a pandemia começou e os principais motivos foram a perda de emprego e de moradia.

 

Em que pese essa realidade, há de se considerar que a implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004 (BRASIL, 2005), representou um importante avanço no campo da assistência social para esse segmento, dado ter assegurado a essa população, os serviços de atendimento especializados.

 

A PNAS (BRASIL, 2005) reordenou a política de assistência no país, alçando-a ao status de política pública no âmbito do Sistema de Seguridade Social, fomentando condições materiais para a criação e implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como um sistema descentralizado, participativo e não contributivo que tem como objetivo assegurar a proteção social aos indivíduos e famílias por meio da oferta de ações, serviços, programas e projetos socioassistenciais. A proteção social no âmbito do SUAS está organizada por níveis de complexidade em Proteção Social Básica e Especial. A temática da população em situação de rua configura-se como demanda complexa, cuja referência são os serviços de média e alta complexidade ofertados nos espaços dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, dos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua e das Unidades de Acolhimento, que por sua natureza devem realizar as ações de busca ativa, abordagem social, atendimento / acompanhamento e acolhimento institucional.

 

Temos também a aprovação do Decreto Federal nº 7.053, em 2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, outro marco regulatório importante. Um dos pontos relevantes trazidos pelo decreto é em relação à definição de população em situação de rua, entendida como segue:

 

Art. 1o  Fica instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a ser implementada de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos previstos neste Decreto.

Parágrafo único.  Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (BRASIL, 2009a, não paginado, grifos nossos).

 

À luz do decreto, esse segmento no Brasil seria formado, tal como nos sugere Bursztyn (2008), pelos “[...] desnecessários, [...], os nômades, excluídos e viradores [...]” (BURSZTYN, 2008, p. 139) ou meramente lúmpen, que sobrevivem de esmolas, da caridade pública ou privada e de biscates e de atividades informais. São ainda, na definição de Escorel (2008, p. 139), “[...] personagens e cenários do drama social, naturalizados e banalizados em sua miséria e isolamento que vivem nas ruas sem poder se fixar e expostos a própria sorte”. Configura-se, nesse sentido, dentre as questões mais desafiantes da pobreza contemporânea e uma das maiores expressões da exclusão social.

 

Castel (1997), ao abordar o tema da exclusão social, discorre sobre um conjunto de privações relacionadas à instabilidade ou à expulsão do mercado de trabalho, à inserção relacional, às fragilidades dos suportes protetores ou ao isolamento social. Para o autor, há um modo de existência de um certo número de grupos ou de indivíduos rejeitados do circuito comum das relações sociais, são os indigentes, os drop outs, sem domicílio fixo, ou seja, os desfiliados, indivíduos que deixam de pertencer, de estar vinculados ao universo do trabalho e/ou a redes sociais mais amplas. Para Castel (2000), a desfiliação é a categoria que se manifesta com maior impacto na vida do indivíduo, dada a ruptura que promove em relação às normas de reprodução social hegemônicas, alterando as formas de sociabilidade, impactando nas referências sociais de moradia, família, amigos e outras formas de identidade e inserção social do sujeito.

 

PAUGAM et al. (2003), adensando o debate, entende ser a pobreza, além de um estado de carências materiais, um estatuto social específico e inferior, o qual implica em processos de perdas de referências (dessocialização) e de desqualificação social. Entende ser esta “[...] um processo dinâmico que tem múltiplas dimensões, além da questão econômica e social, ela perpassa pela identidade dos sujeitos e a percepção que estes têm acerca de sua própria situação e de sua relação com os outros” (PAUGAM et al., 2003, p. 47).

 

Dialogando com esses autores, Escorel (1999) pensa o fenômeno da população em situação de rua para além da dimensão extrema da pobreza, da miséria e da exclusão. Considera, assim, o aspecto pessoal do indivíduo, destituído de família, de rumo, de renda e de seu lugar no mundo, cuja rotina de sobrevivência é marcada não só pela busca por lugares, redes de apoio e de identidade, mas, notadamente, por uma trajetória assinalada por medos, ausências e preconceitos.

 

Afinal, viver na rua impõe aos sujeitos uma condição de invisibilidade, anonimato e rompimento com padrões de hábitos e costumes socialmente esperados, muitos dos quais associados ao processo de formação do homem civilizado (ELIAS, 2011) – a exemplo de fazer as refeições sentado à mesa, usando garfo, faca e guardanapo, dormir na cama, tomar banho, manter relações sexuais em espaço privado, realizar necessidades fisiológicas em lugares adequados[9]. Nesse sentido, a sobrevivência no contexto da rua impõe a suspensão das noções de vergonha, higiene e da própria ideia de individualidade, componente central da modernidade.

 

A despeito dessa difícil situação, contraditoriamente, a população em situação de rua, através das suas ações práticas, ressignifica também o estar nesse lugar. Pois, morar nesse espaço requer desses indivíduos criatividade e adaptações para o enfrentamento dessa realidade. Defendemos o argumento de que tal acontecimento urbano se eleva à condição de evento, na proporção que a rua é reinventada como espaço do privado, de vivência da intimidade, de construção de vínculos e relações amorosas.

 

2 Sobre as contribuições de Marshall Sahlins ao conceito de evento

 

O eixo fundamental das reflexões de Sahlins em sua obra Ilhas de história (1987) está construído na relação entre história, estrutura, evento e dinâmica cultural. Para esse autor, “[...] a história é ordenada culturalmente de diferentes modos [...]. O contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática” (SAHLINS, 1987, p. 7).

 

Nesse sentido, a cultura é historicamente tanto reproduzida como alterada na ação. Pois, se, por um lado, as pessoas conferem sentido aos objetos e organizam seus projetos a partir de pré-noções de ordem cultural; por outro, as ações criativas dos sujeitos históricos implicam na reavaliação dos significados na prática, modificando historicamente os esquemas culturais. Na medida em que os significados são submetidos a riscos empíricos, o simbólico é pragmático e o sistema é a síntese da reprodução e da variação.

 

Para o autor, a estrutura – relações simbólicas de ordem cultural – é na verdade um objeto histórico: “[...] o problema agora é de fazer explodir o conceito de história pela experiência antropológica da cultura. As consequências [...] não são unilaterais; [...] uma experiência histórica fará explodir o conceito antropológico de cultura – incluindo a estrutura” (SAHLINS, 1987, p. 19). A estrutura se realiza tanto na convenção quanto na ação. Assim, caso as relações entre as categorias mudem, a estrutura é também transformada. Para Sahlins, a cultura – por ser um objeto histórico, logo, arbitrário – funcionaria como uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente, de diacronia e sincronia. Portanto, a cultura não é algo estável. Ela é sempre um entrecruzamento.

 

A fim de evidenciar que história e estrutura não se excluem mutuamente, Sahlins analisou os impactos da chegada às ilhas havaianas, durante o século XVIII, de James Cook, capitão da Marinha Real inglesa:

 

Ao chegar em 1779, Cook foi inicialmente recebido como um Deus descido a terra, especificamente como Lono, um dos maiores deuses do panteon havaiano. Quando, poucos meses mais tarde, Cook levantou velas, mas foi inesperadamente forçado a voltar ao porto, o estado de espírito dos havaianos mudou drasticamente e Cook foi morto numa briga sobre um barco (SCHWARTZMAN, 1984, p. 272).

 

Para o autor, a experiência de Cook comprovou que o mundo não é obrigado a seguir a lógica pela qual é concebido. Segundo Sahlins, a partir do evento do retorno do Capitão Cook, os nativos orquestraram-no a seu modo, com sua historicidade, conferindo-lhe significação de acordo com as suas categorias culturais: “[...] culturas diferentes, historicidades diferentes” (SAHLINS, 1987, p. 21). Evidencia-se, ainda, que a transformação de uma cultura é também um modo de sua reprodução. Podemos perceber em tal análise um clássico exemplo da teoria do autor acerca das relações entre estrutura e evento:

 

Cada qual à sua maneira, chefes e povo reagiam ao estrangeiro de acordo com suas auto concepções e seus habituais interesses. As formas culturais tradicionais abarcavam o evento extraordinário e recriavam as distinções dadas de status, com o efeito de reproduzir a cultura da forma que estava constituída. As condições específicas do contato europeu deram origem a formas de oposição entre chefia e pessoas comuns que não estavam previstas nas relações tradicionais. No mundo ou na ação tecnicamente, em atos de referência - categorias culturais adquirem novos valores funcionais (SAHLINS, 1987, p. 174).

 

Desse modo, um evento, conforme demonstra Sahlins, não constitui apenas em um acontecimento do fenômeno, mas naquilo que é dado como interpretação, e adquire significância histórica apenas quando apropriado pelo esquema cultural.

 

3 Quando o amor entra na cena da rua: relacionamentos afetivos e sexuais de casais em situação de rua como evento

 

Segundo Sahlins (1987; 2004), um evento se implanta no domínio humano por meio dos valores culturalmente estabelecidos. Haja vista que o nosso interesse e investimento no passado não se constituem em uma simples vontade de compreender aquilo que foi feito e concebido anteriormente a nós. Para o autor, entre os fatos e nós, há um contexto e um sistema que media o que compreendemos como evento, sendo a “[...] cultura justamente a organização da situação atual em termos do passado” (SAHLINS, 1987, p.193).

 

Na prática historiográfica, agitações a um dado fluxo normativo são aquelas comumente elevadas ao patamar de eventos. Seres, objetos ou atos específicos são totalizados de acordo com o contexto em que ocorrem. São capazes, portanto, de afetar a ordem de um dado sistema. Inversamente, de acordo com o contexto das relações de um sistema, categorias e hierarquias são particularizadas em pessoas, lugares, objetos ou atos específicos.

 

O evento se desdobra simultaneamente em dois planos: como ação individual e como representação coletiva; como a relação entre certas histórias de vida e uma história acima e além dessas outras; o evento é uma atualização única de um fenômeno geral; temos por um lado, a contingência histórica e as particularidades da ação individual e por outro, aquelas dimensões recorrentes do evento, onde podemos reconhecer uma certa ordem cultural (SAHLINS, 1987, p. 143-144).

 

Nessa perspectiva, podemos pensar no amor na (de) rua como um evento, na proporção em que este se revela, para além de sua dimensão individual e coletiva, mas, sobretudo, na dimensão simbólica. Traduzindo-se, assim, numa atualização na forma de viver e habitar esse espaço, rompendo-se, desse modo, com uma perspectiva de uma história única de dor e sofrimento para aqueles que moram na rua, representando uma guinada na forma de se realizar a experiência e o espaço do exercício da vivência amorosa. Afinal,

Se percorrermos a história da pintura, a partir do século XVIII, se enveredarmos pela literatura do século XIX, se adentrarmos o cinema do século XX e se espreitarmos a publicidade do século XXI, verificaremos como a rua vai ser tematizada pelo viés da desordem, [...] lugar da arruaça. [...]. Rua há sempre de lembrar a ralé, o viver sem teto, a ausência de família, a falta de amarras, a exclusão (PECHMAN, 2009, p. 263).

 

Garantir a sobrevivência em ambiente tão inóspito, requer dos sujeitos, que moram permanentemente nesse lugar, saber manejá-lo, estabelecendo vínculos com redes de solidariedade e de cuidado mútuo. Ganha relevância nesse aspecto conhecer os serviços públicos disponíveis, com destaque para os de saúde e assistência social, as organizações de suporte para banho, alimentação, dentre outros.

 

Importa destacar nessa última questão que a população em situação de rua carrega consigo uma trajetória de quebra de vínculos de trabalho e do ideal de cidadania. Ademais, seus vínculos de filiação e parentesco, em sua grande maioria, estão esgarçados ou mesmo rompidos. Isolamento e solidão são palavras comumente evocadas para descrever a situação desses sujeitos. Para Escorel (1995), a principal característica do isolamento é a impotência e a incapacidade de agir.

 

Não posso agir porque não há ninguém para agir comigo. [...] o isolamento torna-se insuportável quando o homem isolado não é ‘de interesse de ninguém’. E aí o isolamento torna-se solidão. A solidão significa a experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter (ESCOREL, 1995, p. 9).

 

Todavia, tal como entendido por Paugam (2019), estabelecer vínculos faz parte da existência humana, assegurando aos homens e mulheres proteção frente aos riscos do cotidiano e reconhecimento de sua existência e identidade. Tal assertiva se expressa com vigor nas estratégias de sobrevivência da população em situação de rua.

 

O viver na rua não se garante com práticas de isolamento e sem trocas, faz-se necessário tecer redes de solidariedade. Quem cai na rua não tem como viver sozinho. Para ser aceito ‘não pode ser um parasita’, e isso inclui compartilhar desde o pedir dinheiro ou alimento aos transeuntes, realizar pequenos serviços como limpar a rua, cuidar do lixo de algum estabelecimento comercial, fazer pequenos favores aos comerciantes ou camelôs, dentre outros (KUNZ; HECKERT; CARVALHO, 2014, p. 927).

 

Portanto, os indivíduos, ainda que passem por processos de rupturas, têm a necessidade e a capacidade de estabelecerem novos vínculos, edificados por laços de amor, amizade, solidariedade, afinidade ou pela participação em um mesmo modo de vida, isto é, pelo compartilhamento de uma forma de organização social com estratégias, uso do espaço e estabelecimento de relações próprias da sobrevivência (PAUGAM, 2019).

 

É pelo modo de viver na rua, com suas regras e códigos de conduta particulares, que a população moradora desse lugar, através de ações criativas, movimenta encontros e afetos decorrentes, construindo e reconstruindo vínculos, os quais podem se desdobrar em um tipo específico: os relacionamentos afetivo-conjugais.

 

Nesta perspectiva, se o evento é uma diferença que faz diferença, a existência de casais que vivenciam a experiência do amor na rua impõe perturbações a um dado fluxo normativo – mais do que uma simples irrupção de um acontecimento urbano, própria da cotidianidade no tecido da cidade –, implicando na possibilidade da reavaliação dos significados e categorias, associados às ideias de isolamento, solidão e ausência de vínculos, historicamente atribuídas em torno do viver permanentemente na rua. Alargam-se, desse modo, as maneiras de se conceber o estar nesse local e o ser desse local.

 

Todavia, há de se considerar que um evento não existe sem o sistema simbólico: “[...] é que a definição de um ‘algo-acontecido’, como um evento, assim como suas consequências históricas específicas, tem de depender da estrutura em vigor” (SAHLINS, 2004, p. 322). Acontecimentos só se tornam eventos quando se projetam como algo significativo com efeitos históricos, abrigados na cultura em questão, cuja maneira de acolhimento nunca é a única possível, posto ser o evento uma interpretação de algo acontecido e interpretações variam. Nas palavras de Sahlins (2004, p. 372): “As ordens culturais são sistemas-de-eventos, uma vez que se reproduzem por meio de um mundo do qual elas mesmas não são produtoras”.

 

Nessa perspectiva, conforme já discutido nesse estudo, quando olhamos para trás, o fazemos dentro de uma lógica cultural na qual estamos inseridos. Sahlins parte da concepção de que as pessoas usam as ordens culturais para moldar sua construção e ação no mundo. Quando agem, as pessoas colocam suas construções em jogo, usando-as para se referir ao mundo. Pois, O olho que vê é o órgão da tradição (BOAS, 1986).

 

Ancorando-nos em tais contribuições, podemos afirmar que as percepções que circulam em número maior na sociedade em torno da conjugalidade não reconhecem como casal duas pessoas em situação de rua que vivem um relacionamento afetivo-sexual. Esse fato se encontra refletido no desenho das políticas públicas.

 

No caso específico da cidade do Rio de Janeiro, não há serviços públicos de acolhimento na modalidade casal. Os quartos são coletivos e os alojamentos organizados por sexo e faixa etária. Por essa razão, muitos casais não aderem ao abrigamento e permanecem dormindo juntos na rua[10]. A negação da legitimidade dessas relações também aparece no conteúdo da ouvidoria pública municipal, serviço destinado ao atendimento de queixas, solicitações e reclamações do cidadão carioca[11]. Dentre as queixas em relação à população em situação de rua, através desse canal, encontram-se aquelas registradas pela presença de casais dormindo juntos e fazendo sexo na rua. Tais fatos permitem também entrever o estigma (GOFFMAN, 1988) em torno desses sujeitos[12].

 

Destacamos que, ainda que impere o não reconhecimento dessas relações, existem iniciativas, advindas de organizações da sociedade civil, a exemplo do Movimento Nacional da População de Rua e do Movimento Nacional de Casais em Situação de Rua, que reivindicam a garantia dos direitos dos casais em situação de rua enquanto família. Retomando as contribuições de Sahlins, podemos pensar em tais movimentos como aqueles com potencial de não apenas incorporar uma ordem sistêmica, mas de transformá-la através de atos-mediações que representem as disposições de todo um grupo. Os atos dos indivíduos sócio-históricos são transformados em ícones de conceitos que interagem com a estrutura social.

 

O indivíduo é um ser social, mas nunca devemos esquecer que é um ser social individual, com uma biografia que não é idêntica à de ninguém mais. Trata-se de alguém a quem ‘é preciso prestar atenção’. Isso porque, [...] se existe um ‘mim’ que incorpora a atitude de algum grupo em algum nível de generalidade, há também um ‘eu’ que preserva uma liberdade potencial de reagir ao ‘outro generalizado’ (SAHLINS, 2004, p. 309).

 

Entendemos que no “[...] imaginário social, evoca-se a ideia do casal como um par associado por vínculos afetivos e sexuais de base estável, com um forte compromisso de apoio recíproco, com o objetivo de formar uma nova família incluindo, se possível, filhos” (FERES-CARNEIRO; DINIZ NETO, 2010, p. 270). Ou seja, uma concepção de conjugalidade pensada a partir da realidade dos extratos médios da sociedade, cujo projeto e a ideia de casal estão bem definidos a partir de um modo de vida próprio desse segmento, nos quais encontram-se presentes objetivos comuns de filhos, aquisição de bens e da preservação da individualidade. Tal repertório social encontra-se ainda estreitamente vinculado ao ideal de amor-romântico e ao casamento.

 

Segundo Giddens (1993), a valorização do afeto e do erotismo como base do relacionamento conjugal, assim como a ideologia do amor-romântico, são invenções caudatárias da ideologia burguesa, a partir do século XVIII, quando a sexualidade passa a ocupar papel central dentro do casamento. No decorrer do século XIX, o amor romântico fez do amor passion um conjunto de crenças e o amor passou a ser projetado na idealização do outro, assumindo um caráter sonhador e fantasioso.

 

E são as categorias associadas ao paradigma do amor romântico que os casais em situação de rua vêm questionar. Encontrando-se vinculadas a essa percepção de amor, os ideais de beleza e de limpeza, de vivência da intimidade de forma privada, longe do olhar público. Ao não se encaixarem nesse padrão de relação amorosa evocado em número maior no imaginário social, tais casais, por meio de suas ações práticas, vivem essa experiência dentro das possibilidades apresentadas pelo seu modo de vida.

 

Contudo, como bem demonstra Sahlins, o mundo não é obrigado a se reproduzir tal qual pensado por categorias tradicionais, pois os significados culturais se alteram a partir de novos valores funcionais atribuídos às categorias, ora por meio de mudanças no mundo ou por atos de referência. Ao transformar as relações entre categorias, a estrutura finda por se transformar também: “[...] a cultura funciona como uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente” (SAHLINS, 1987, p. 180).

 

No desenrolar dos acontecimentos, ao interpretar o passado, homens e mulheres repensam suas categorias, submetendo-as a riscos empíricos, do cotidiano. Remodela-se, nessa perspectiva, o sentido original das categorias culturais pela introdução de novos significados, de novos símbolos, acarretando alterações na maneira de pensar e agir da sociedade.

 

Argumentamos que esses casais experimentam histórias e amores possíveis, permeados de uma multiplicidade de emoções e sentimentos, tal como destaca Goldenberg (2001) usando como referência Simone de Beauvoir (1980) na célebre obra O segundo sexo. Entre um homem e uma mulher há muitas possibilidades de relacionamentos afetivos, tais como: o amor, a amizade, o prazer sexual, a cumplicidade, a camaradagem, a confiança e a ternura. Cada casal dentro do seu campo de possibilidades encontra uma forma ideal para suas relações. As elaborações da autora se mostram bastante apropriadas para situar e legitimar os relacionamentos entre casais sob quaisquer situações.

 

Considerações finais

 

Tendo como ponto de partida nossa trajetória profissional, como assistentes sociais numa grande metrópole brasileira e no exercício do magistério superior, buscamos analisar o fenômeno do amor na (de) rua como um evento, tal como proposto por Sahlins. A interlocução com o pensamento do autor e com outros referenciais dos campos sociológico e antropológico permitiu desenvolver a ideia central desse estudo: o amor, vivido na rua, espaço historicamente associado “[...] ao conflito, à confusão, à desordem; a algo da qualidade do externo, do público, do mundano [...]; a algo da ordem popular, plebeia, vulgar” (PECHMAN, 2009, p. 356). Constituindo, dessa forma, um acontecimento cultural significativo, um evento, posto subverter categorias culturais tradicionais sob as quais o amor é pensado, vinculado, notadamente, ao ideal do amor-romântico.

 

Entendemos que, ainda que as pessoas em situação de rua não estejam alheias a tais projeções em torno do amor, a rua não oferece condição alguma ao ritual dessa experiência, dado, sobretudo tendo em conta a inexistência de espaço reservado à intimidade, tampouco à higiene adequada. Argumentamos, portanto, que os casais em situação de rua vivenciam a experiência afetivo-sexual de acordo com o seu modo de vida, dentro de um campo de possibilidades, desfrutando, assim, de história e de amores possíveis.

 

O amor na (de) rua se eleva, portanto, a condição de evento, na medida em que a rua é reinventada como espaço do privado, de vivência da intimidade, de construção de vínculos e de relações amorosas. E, ato contínuo, local de exercício da sexualidade e do erotismo, experienciado, agora, sob os olhares indiscretos e reprovadores da sociedade. Evidencia-se, desse modo, que “[...] o mundo não é obrigado a obedecer à lógica pela qual é concebido” (SAHLINS, 1987, p. 174).

 

À luz dos referenciais que consubstanciaram o projeto ético-político profissional do serviço social brasileiro, assistentes sociais devem estar capacitados para investigar, acolher e encaminhar as demandas da díade, oferecendo olhares diferenciados acerca desse fenômeno social. Trata-se, portanto, de esquadrinhar a rua não somente enquanto espaço de relações de produção, mas, também de produção de relações (PORTELLA, 1995). Adensam-se, desse modo, as possibilidades de compreensão e de engajamento político na defesa e ampliação dos direitos da população em situação de rua.

 

Referências

 

ARAÚJO, C. H. Migrações e vida nas ruas. In: BURSZTYN, M. (Org.). No meio da rua:

nômades excluídos e viradores. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

 

BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BOAS, F. Anthropology and modern life. New York: Dover, 1986.

 

BRAGA, I. A.; SOUSA, M. C. de. Narrativas e vivências na rua e a política de assistência social. Sociedade em debate, Pelotas, v. 25, n. 3, p.105-118, set./dez. 2019.

 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

BRASIL. Decreto Federal nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm. Acesso em: 23 abr. 2020.

 

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua: aprendendo a contar – Pesquisa Nacional da População em situação de Rua. Brasília (DF): MDS; SAGI; SNAS, 2009b. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/Rua_aprendendo_a_contar.pdf. Acesso em: 12 jan. 2023.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília (DF): MDS, 2005.

 

BURSZTYN, M. Da pobreza à miséria, da miséria à exclusão: o caso das populações de rua. In: BURSZTYN, M. (org.) No meio da rua: nômades excluídos e viradores. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

 

CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: BELFIORE-ANDERLEY, M.; BÓGUS, L.; YAZBEK, M. C. (gs.). Desigualdade e a questão social. 2. ed. São Paulo: EUC, 2000. p. 17-49.

 

CASTEL, R. A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à “desfiliação”. CADERNO CRH, Salvador, n. 26/27, p. 19-40, jan./dez. 1997.

 

CEFAÏ, D. Grande exclusão e urgência social no Brasil: cuidar dos moradores de rua em Paris. Contemporâneas, Florianopólis: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 3, n. 2, p. 265-286, jul./dez.2013.

 

DA MATTA, R. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de

Janeiro: Rocco, 2012.

 

ELIAS, N.  O processo civilizador 1: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

 

ESCOREL, S. Vivendo de teimosos: moradores de rua da cidade do Rio de Janeiro. In: BURSZTYN, Marcel (org.). No meio da rua: nômades excluídos e viradores. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

ESCOREL, S. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.

 

ESCOREL, S. Exclusão social no Brasil contemporâneo: um fenômeno sociocultural

totalitário? In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 19., Caxambu, 1995. Anais… Caxambu:

ANPOCS, out. 1995. (GT - Cidadania, Conflito e Transformações Urbanas).

 

FÉRES-CARNEIRO, T.; DINIZ NETO, O. A construção e dissolução da conjugalidade: padrões relacionais. Revisão Crítica da Literatura, Paideia, Ribeirão Preto, v. 20, n. 46, p. 269–278, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/paideia/a/wXJdmRvwzh4B4LpDwkfSvLQ/abstract/?lang=pt. Acesso em: 23 abr. 2020.

 

FREHSE, F. A rua no Brasil em questão (etnográfica). Anuário antropológico, Brasília (DF), v. 38, n. 2, p. 99-129, 2013. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6859. Acesso em:

23 abr. 2020.

 

GIANTOMASO, C. Ex-moradores de rua se casam após relação iniciada em abrigo

contra a Covid-19 em Piracicaba. G1, Piracicaba, 13 jun. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2020/06/13/ex-moradores-de-rua-se-casam-apos-relacao-iniciada-em-abrigo-contra-a-covid-19-em-piracicaba.ghtml. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

GIDDENS, A. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas

sociedades modernas. São Paulo: UNES, 1993.

 

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre manipulação da identidade deteriorada. Rio de

Janeiro: Guanabara, 1988.

 

GOLDENBERG, M. Sobre a invenção do casal: estudos e pesquisas em psicologia. Rio de Janeiro: UERJ Publicações, 2001.

 

GUEIROS, M. J. G. Serviço social e cidadania. Rio de Janeiro: Agir, 1991.

 

HONORATO, B. E. F.; OLIVEIRA, A. C. S. População em situação de rua e Covid-19. Revista de Administração Pública: RAP, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 1064-1078, jul./ago. 2020. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/81903/78129. Acesso em: 12 jan. 2023.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e pesquisas: informação demográfica e socioeconômica, n. 41, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em: 15 maio 2020.

 

KUNZ, G. S.; HECKERT, A. L.; CARVALHO, S. V. Modos de vida da população em situação de rua: inventando táticas nas ruas de Vitória/ES. Fractal:

Revista de Psicologia, v. 26, n. 3, p. 919-942, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/fractal/v26n3/0104-8023-fractal-26-03-0919.pdf. Acesso em: 4 jun. 2020.

 

LE BRETON, D. Paixões ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis: Vozes, 2009.

 

MACHADO, R. W. G.; NUNES, N. R. de A.  Opressões cruzadas: intersecções entre situação de rua, gênero e sexualidade. In: NUNES, N. R. de A.; SENNA, M. de C. M.; CINACCHI, G. B. (orgs.). População em situação de rua: abordagens interdisciplinares e perspectivas intersetoriais. 1. ed. Porto Alegre: Editora Rede UNIDA, 2022. (Série Saúde & Amazônia, 19).

 

NATALINO, M. Estimativa da população em situação de rua no Brasil (2012-2022). Brasília (DF): Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2022. Disponível em:

https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11604/1/NT_Estimativa_da_Populacao_Publicacao_Preliminar.pdf. Acesso em: 12 jan. 2023.

 

PAUGAM, S. Desigualdades e laços sociais: por uma renovação da teoria do vínculo.

Entrevista concedida a Pedro Martins Serra e Marcus de Campus Bicudo. PLURAL, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v. 26.1, p. 208-232, 2019.

 

PAUGAM, S. Le lien social. Paris: Presses Universitaires de France, 2008.

 

PAUGAM, S. et al. Desqualificação social: ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo:

Cortez, 2003.

 

PECHMAN, R. 9 Cenas, algumas obs-cenas da rua. Fractal: Revista de Psicologia, [online], v. 21, n. 2, p. 351-368, maio/ago. 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/240773041_9_cenas_algumas_obs-cenas_da_rua. Acesso em: 23 abr. 2020.

 

PORTELLA, E. Educação pela cidade. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 120, p. 109-114, jan./mar. 1995.

 

REZENDE, C. B.; COELHO, M. C. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2010. (Série Sociedade e Cultura).

 

RIO DE JANEIRO. Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. Levantamento do Censo de População em Situação de Rua na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2020. Disponível em: https://www.data.rio/apps/PCRJ::censo-de-popula%C3%A7%C3%A3o-em-situa%C3%A7%C3%A3o-de-rua-2020-1/explore. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

SAHLINS, M. Cultura na prática. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

 

SAHLINS, M. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

 

SCHWARTZMAN, S. Estrutura e história. Anuário Antropológico, Brasília (DF), v. 8, n. 1, p. 270-282, 1984. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6315. Acesso em: 23 abr. 2020.

 

SHAKESPEARE, W. Grandes obras de Shakespeare 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.

 

SILVA, C. L. da.  Estudo sobre a população adulta em situação de rua. São Paulo: PUC, 2012.

 

SPOSATI, A. O caminho do reconhecimento dos direitos da população em situação de rua: de indivíduo a população. In: BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua: aprendendo a contar – pesquisa Nacional da População em situação de Rua.

Brasília (DF): MDS; SAGI; SNAS, 2009. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/Rua_aprendendo_a_contar.pdf. Acesso em: 12 jan. 2023.

 

TELLES, V. Pobreza e cidadania. São Paulo: Editora 34, 2001.

 

VALLADARES, L. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. In: BOSCHI, Renato. Corporativismo e Desigualdade: A construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1991.

 

 

 

________________________________________________________________________________________________

Nádia Xavier MOREIRA Trabalhou na redação e na revisão crítica do artigo.

Pós-doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Oficial Superior da Marinha do Brasil (Capitão de Fragata). Professora da Escola Superior de Defesa (ESD).

 

Ana Cláudia Silva FIGUEIREDO Trabalhou na concepção e delineamento do artigo.  

Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Maranhão, Pós-Graduada (Mestrado em Serviço Social) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, compõe o quadro técnico como servidora estatutária da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desde 2004. Profissional com vasta experiência e conhecimentos específicos na execução e gestão da Política de Assistência Social, da Política de Acolhimento e Atendimento a crianças e adolescentes com foco na violação de direitos (trabalho infantil, violência doméstica e sexual). Atualmente presta assessoria técnica ao gabinete da Secretaria Municipal de Assistência Social da Cidade do Rio de Janeiro e desenvolve pesquisas sobre População em Situação de Rua. 

________________________________________________________________________________________________

 



* Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente da Escola Superior de Defesa. (ESG, Brasília (DF), Brasil). St. de Mansões Dom Bosco, Setor de Habitações Individuais Sul, Lago Sul, Brasília (DF), CEP.: 71686-900. E-mail: nadiaxmoreira@yahoo.com.br.

** Assistente Social. Doutoranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC, Rio de Janeiro, Brasil). Assistente social da Prefeitura do Rio de Janeiro. (PMRJ, Rio de Janeiro, Brasil). Rua Afonso Cavalcante, nº 455, sala 501, Cidade Nova, Rio de Janeiro, CEP.: 20211-110. E-mail: nanafiguei@hotmail.com.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023. Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[1] Os nomes dos participantes desse estudo foram alterados para garantir a confidencialidade.

[2]Levantamento realizado em 2020 (RIO DE JANEIRO, 2020), pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, em parceria com o a Secretaria Municipal de Saúde e do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), apontou que a cena da rua na cidade do Rio de Janeiro era composta por indivíduos de diferentes perfis que poderiam ser agrupados em duas grandes categorias: aqueles que usam o espaço da rua como local de trabalho, em geral trabalhadores precarizados do mercado informal (ambulantes e catadores), os quais moram em regiões distantes e não têm como despender recursos diários com transporte; e aqueles que usam a rua como moradia permanente. Em geral, o primeiro grupo mantém vínculos familiares e o segundo não.

[3]A título de ilustração, realizamos uma busca exploratória no banco de periódicos da Capes nos últimos 5 anos (2015 / 2020) com a palavra-chave ‘população de rua’ e identificamos 792 produções. Com o filtro ‘população de rua e emoções’ 28 produções científicas foram identificadas.

[4]A passagem, proferida por Shylock, personagem agiota judeu, na peça de Shakespeare O Mercador de Veneza, embora traga instigantes questionamentos para se pensar no antissemitismo, também oferece a possibilidade de se refletir sobre o processo de desumanização de segmentos sociais estigmatizados, a exemplo da população em situação de rua: "Sou um judeu. Então, um judeu não possui olhos? Um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões? Não é alimentado pelos mesmos alimentos, ferido com as mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos remédios, aquecido e esfriado pelo mesmo verão e pelo mesmo inverno que um cristão? Se nos cortam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? Mas, se nos ultrajam não podemos nos vingar?! Se somos como vocês quanto ao resto, também somos semelhantes nisso." - Shylock em O Mercador de Veneza Ato 3, cena 1 (SHAKESPEARE, 2017, p. 286-287).

[5] Dados publicados em boletim pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020), Desigualdades por cor e raça no Brasil, apontam que, em 2018, as pessoas de cor ou raça preta ou parda compunham a maior parte da força de trabalho no País, perfazendo o número de 57,7 milhões de pessoas, isto é, 25,2% a mais do que a população de cor ou raça branca na força de trabalho, que totalizava 46,1 milhões. Todavia, no mesmo ano, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$ 2796) foi 73,9% superior ao das pretas ou pardas (R$ 1608).

[6] De acordo com a pesquisa realizada por Silva (2012), tal fenômeno urbano ganhou relevância no contexto internacional nos anos 1990, com o aumento significativo da população em situação de rua nas grandes capitais europeias e nos EUA. Estes países realizaram os primeiros Censos Homeless e os relatórios descritivos sobre essa questão. No Brasil, as primeiras iniciativas para o atendimento a este público foram realizadas pelas organizações religiosas na década de 1950, tarefa mais tarde absorvida pelo voluntariado e, a partir dos anos 1990, pelo Estado.

[7] Art. 6°- São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (BRASIL, 1988, grifo nosso).

[8] O Censo realizado em 2022 ainda não está disponível para consulta pública.

[9] Segundo Le Breton (2009), o controle das excreções corporais – cuspir, assoar, urinar, defecar, arrotar – foi transportado para o interior do homem, assim como a repressão das emoções e expressões corporais, antes executadas sem cuidado em relação à presença de outras pessoas, permitindo ao homem melhores condições de civilidade.

[10]A pandemia do COVID-19 alterou circunstancialmente essa realidade. Muitos governos municipais destinaram unidades de acolhimento emergenciais especificamente para casais em situação de rua, a exemplo das cidades de Salvador e do Rio de Janeiro.

[11]A ouvidoria pública está em consonância com a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011 e com as Legislações Municipais. Nos termos do Decreto nº 42.719/2017, a ouvidoria é uma instância de participação e controle social responsável pelo tratamento das manifestações relativas às políticas e aos serviços públicos prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas à avaliação da efetividade e ao aprimoramento da gestão pública.

[12]O termo estigma, segundo Goffman (1988), é usado para definir um atributo profundamente depreciativo, é a marca ou sinal que designa o seu portador como desqualificado ou menos valorizado; diz-se do indivíduo que está inabilitado para aceitação social plena.