‘Caça às bruxas’ neodireitista:
rechaço à democracia e às políticas sociais
Neo-right ‘witch hunt’: the rejection of
democracy and social policies
Talita Kelly de Sousa PASSOS*
https://orcid.org/0000-0003-0607-8100
Solange Maria TEIXEIRA**
http://orcid.org/0000-0002-8570-5311
Resumo: Analisa a atuação da Nova Direita no mundo e no
Brasil, a partir de sua configuração e pilares de atuação, além de evidenciar
as consequências para a sociedade, por meio de revisão intencional de
Literatura crítica. Põe-se em relevo o ferrenho ataque neodireitista
à democracia e às políticas sociais, bem como a ressignificação dos elementos
construídos historicamente que contribuem para a manutenção da vida em
sociedade, com o intuito de legitimar e intensificar a acumulação capitalista
em seu estágio mais destrutivo. Conclui-se que urge a necessidade de uma
profunda transformação e do desmantelamento da racionalidade capitalista para a
sobrevivência humana. Fazer readaptações ou negociações, como as
esquerdas vêm realizando nos últimos anos, só retroalimenta o sistema
capitalista, que ressurge com maior poder devastador.
Palavras-chave: Nova
Direita. Democracia. Políticas Sociais.
Abstract: This article
analyses the performance of the New Right across the world and in Brazil, including
its form and principals of action, evidence of the consequences for society, and
a review of critical Literature. The staunch neo-right attack on democracy and
social policies is highlighted, as well as the redefinition of historically
constructed elements that contribute to the maintenance of life in society, and
which aim to legitimise and intensify capitalist accumulation in its most
destructive stage. It concludes that, for human survival there is an urgent
need for a profound transformation and the dismantling of the capitalist
rationality. Making readjustments or negotiations, as the Left
has been doing in recent years, only feeds back the capitalist system, which
reappears with greater, more devastating power.
Keywords: New Right.
Democracy. Social politics.
Submetido em: 24/1/2021. Revisto em: 18/12/2022.
Aceito em: 16/1/2023.
Introdução
objetivo deste artigo é promover uma
análise do avanço da Nova Direita[1], decorrente da atual etapa do
capitalismo e do extremismo que ela assume com as forças políticas neoconservadoras[2] e ultraneoliberais[3] da extrema direita e os ataques à
democracia, ao social, à política e ao sistema de proteção social universalista
e redistributivista, ressignificando, mediante uma
confluência perversa, princípios e conquistas históricas da sociedade.
Trata-se de um artigo decorrente de
uma pesquisa teórica de base bibliográfica. Utilizou-se a metodologia
qualitativa; a seleção da literatura foi intencional, mediante autores com
trabalhos numa perspectiva crítica. Encontrou-se na literatura diferentes
contribuições para o debate, adotando-se os aportes teóricos das obras de Potyara Pereira (2020), estabelecendo um dialógico com os
pós-estruturalistas Brown (2019) e Dardot e Laval
(2016), que destacam em suas reflexões a atuação da Nova Direita e o
neoliberalismo. Apesar de os autores trabalharem em perspectivas teórico-metodológicas
diferentes, todos oferecem valiosas contribuições sobre a realidade contemporânea.
Com eles se busca dialogar, problematizar e ampliar estas contribuições,
tomadas como totalidades parciais, particularidades de uma totalidade mais
geral.
Com base nesses autores, entende-se que
o aspecto político, o social, a sociedade e a justiça social[4] são atacados e que o individualismo
exacerbado ganha centralidade. No lugar do social sobressai a ideia do conjunto
de indivíduos ou famílias em condições de concorrência para a obtenção de
sucesso e há o esvaziamento dos aspectos políticos da vida em sociedade e o
rechaço à democracia.
Nessa lógica do neoconservadorismo de
direita e do ultraneoliberalismo, os valores do
mercado são transferidos para a sociedade. Esta visa atingir a eficiência e a eficácia,
à semelhança das empresas privadas, ficando refém das privatizações, da
política de redução de gasto público e das metas fiscais, ao custo do desmonte
das políticas sociais.
A extrema direita[5] é resultante desta atual fase da
acumulação capitalista e a alimenta. Resulta das crises e ressentimentos de
sujeitos e atores que reagem à deslegitimação da supremacia branca, masculina e
cristã, especialmente com o avanço das políticas de inclusão social e das demandas
progressistas de direitos, respeito, igualdade e democracia. Embora os direitos
civis, políticos e sociais e o acesso às políticas públicas sejam apenas uma
faceta da emancipação política do capitalismo reformista, hoje eles estão
ameaçados e em rota de colisão com os interesses egoístas e de superexploração
do capitalismo contemporâneo.
Conclui-se que em prol da própria
sobrevivência da espécie humana, levando em conta o alto poder destrutivo do
atual estágio do capitalismo, faz-se necessária uma intensa e profunda
transformação da ordem social vigente. Esta não pode ser conduzida de forma semelhante
às readaptações ou negociações realizadas pelas esquerdas nos
últimos anos. A mudança sugerida neste trabalho requer o desmantelamento e a
total destruição da racionalidade capitalista.
1 A
Nova Direita como força política do capitalismo contemporâneo e o desprezo à democracia
São
evidentes os ataques à democracia contemporânea, sendo esta ressignificada e
esvaziada do sentido congênito liberal para o qual foi pensada. O próprio
capitalismo que aproveitou os princípios democráticos para a sua expansão demonstra
incompatibilidade quando suas estratégias de acumulação são refreadas. Para Burgaya (2020), a democracia que antes era a deliberação
para a confrontação de interesses divergentes, hoje se tornou basicamente uma
distração.
Como
destaca Brown (2019, p. 33), “[...] a palavra ‘democracia’ deriva de termos
gregos antigos, demos (o povo) e kratos
(poder ou governo) [...]. Significa os arranjos políticos por meio dos
quais um povo governa a si mesmo [...]”, tendo por base a igualdade política.
Isso indica que as democracias liberais burguesas ou capitalistas nunca foram
democracias plenas, mas conseguiram avançar da lógica representativa do
sufrágio universal para formas deliberativas, na abertura às demandas populares.
Estão na origem das pressões, das correlações de forças e do consenso de que o
Estado deve promover bens e serviços públicos de proteção social e garantia de
direitos sociais fundamentais.
Apesar dos vários entendimentos que circundam
a categoria, partimos da concepção de que a democracia é paradoxal: ao mesmo tempo
que foi implantada na sociedade moderna como estratégia capitalista de acumulação
e legitimação, já que a igualdade política não é acompanhada da igualdade
econômica e material, também pode ser usada a favor da classe subalterna para o
atendimento de suas demandas.
Ainda
que marcada por contradições e estratégias de dominação para fragmentar e
reduzir esse poder reivindicativo e participativo, abrem-se brechas
institucionais que podem fazer incidir no Estado os interesses e as reivindicações
imediatos das populações. As lutas pela ampliação da democracia para incluir
não apenas os mecanismos de representação, mas a participação direta dos
trabalhadores, são decorrência do avanço das lutas desses sujeitos sociais. Por
essas e outras possibilidades, os governos de Nova Direita atacam de forma
contundente a democracia e os princípios a ela vinculados.
Segundo
Brown (2019), o “[...] neoliberalismo – as instituições, as políticas, a
racionalidade política ‒
juntamente com sua cria, a financeirização, provavelmente moldaram a história
mundial recente” (BROWN, 2019, p. 28), ao prepararem “[...] o terreno para
mobilizar e legitimar forças ferozmente antidemocráticas na segunda década do
século XXI” (BROWN, 2019, p. 16).
Trata-se da ascensão da Nova Direita e seu agravamento com a extrema direita em
muitos países do Ocidente.
Neste
artigo, utilizaremos a definição da Nova Direita conferida por Pereira (2016) que
a entende como uma mistura política, econômica e cultural baseada na fusão de
valores e interesses contraditórios de origem neoliberal e neoconservadora. Para
Pereira C. P. (2016), dessas duas ideologias conflitantes derivou uma nova
prática política, econômica, social e cultural pautada pelo neoliberalismo
econômico e pelo neoconservadorismo social e político.
A defesa neoliberal do livre mercado; do indivíduo; da
liberdade negativa; da autorresponsabilização e da
proteção mínima aliou-se à argumentação conservadora em favor da autoridade do
Estado (governo forte); da disciplina e da ordem; da hierarquia; da
subordinação e do resgate de valores tradicionais como família patriarcal,
propriedade privada, patriotismo, bons costumes e moral (PEREIRA, 2016, p. 120).
Esta
Nova Direita constitui um espectro político-ideológico que confere as bases da
regulação social e legitimidade ao capitalismo financeiro. Expressa um projeto
societário neoconservador, regressivo e autoritário que perpassa todos os
âmbitos da vida em sociedade para fins de legitimação. A crise da economia
mundial em 2008 radicalizou ainda mais essas tendências de direita, abrindo
amplos espaços para a sua expansão, o que culminou numa dimensão ainda mais
extremada da direita e num novo período de ataques à democracia, criticada por
ampliar constantemente as despesas do Estado, com novos direitos e políticas
sociais de inclusão social.
Esse
momento histórico é marcado também pela expansão do neoliberalismo, uma nova
superestrutura do modelo de acumulação financeirizado
e globalizado, que rege a ordem mundial, criando novas
subjetividades, novas regras e normas de conduta, em que o mercado é o espelho
para a sociedade e o Estado, mas também para o modo de pensar e agir das
pessoas.
Em
relação ao papel do Estado nesse novo cenário, apesar de sua função de reforma
e administração da sociedade para colocá-la à disposição do mercado, ele deve
ser direcionado com a mesma perspectiva das empresas privadas, um verdadeiro Estado-empresa,
voltado a proteger os interesses do mercado. O antigo Estado não possui
eficácia e deve comportar-se de modo idêntico ao setor privado ‒ mais reativo, flexível,
inovador e tecnicamente mais eficaz. A concorrência passa a ser a palavra-chave
da nova gestão pública, e o Estado deve concorrer com outros atores, em especial
no plano mundial. Os agentes públicos devem ser conduzidos por um novo modelo
de gestão do desempenho (DARDOT; LAVAL, 2016).
A
mesma racionalidade empresarial adotada pelo Estado é transferida para a
sociedade. O novo sujeito é considerado proprietário de capital humano,
sendo o responsável pelo seu sucesso ou fracasso. O indivíduo volta-se para a
realização pessoal. Esta racionalidade efetiva-se de forma perversa nas
individualidades:
[...] a racionalidade neoliberal produz o sujeito de que
necessita a fim de ordenar os meios de governá-lo para que ele se conduza realmente
como uma entidade em competição. Deve maximizar seus resultados, expondo-se a
riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais fracassos (DARDOT;
LAVAL, 2016, p. 328).
Por
isso, não obter sucesso profissional ou o status
almejado pela sociedade produz uma série de doenças e transtornos psicológicos,
tão comuns na atualidade, considerando que as oportunidades e condições de
sucesso não atingirão a todos, dadas as desigualdades inerentes ao próprio
sistema capitalista. A atuação da Nova Direita se dirige desde a reforma do
Estado até a assimilação, por parte do indivíduo, de novos valores e de uma
nova cultura. Esta última vem sendo construída há décadas, anulando ou
ressignificando valores, principalmente a democracia, o Estado social, a justiça
social, a igualdade etc.
Nesse
processo, o neoliberalismo foi importante para a mobilização e a legitimação das
forças que ascenderam na segunda metade do século XXI, porém não foi o único
responsável por esta alavancada (BROWN, 2019). As crises, os ressentimentos
raciais, as perdas econômicas e da supremacia masculina, branca e cristã
fizeram emergir e legitimar forças de extrema direita pelo mundo. São grupos
radicais que conflitam com a ciência e a razão, rejeitando a argumentação
racional e se posicionando contrariamente ao Estado social e sua política de
inclusão social e equidade.
Como
destaca Brown (2019, p. 10):
Uma combinação de libertarismo, moralismo, autoritarismo,
nacionalismo, ódio ao Estado, conservadorismo cristão e racismo se soma aos valores
já familiares do neoliberalismo (favorecimento do capital, repressão ao
trabalho, demonização do Estado social e do político, ataque às igualdades e
exaltação da liberdade) (BROW, 2019, p. 10).
A noção
de liberdade é utilizada para desmantelar a noção de social, numa política que
atinge diretamente a democracia, “[...] contesta a igualdade e o secularismo,
mas também as proteções ambientais, de saúde, de segurança, laborais e ao
consumidor” (BROWN, 2019, p. 48). A ela se soma a crítica ao Estado de Bem-Estar
Social, à social-democracia e à justiça social.
Desde
o advento do neoliberalismo, a justiça social é constantemente atacada em favor
do discurso de liberdade que, com a ascensão da extrema direita, recrudesce
ainda mais, de forma vil e sem pudor ou censura. Essa crítica aberta transforma-se
em instrumento de regressões e desmantelamentos das conquistas históricas,
tidas como direitos fundamentais. A alternativa conservadora seria o estímulo à
moral e ao mercado, responsáveis pela criação e manutenção da ordem ampliada.
De
acordo com o neoliberalismo, tanto a moral como o mercado surgem de forma
natural e se autorregulam espontaneamente. O social, a sociedade e a justiça
social, por sua vez, não dão vazão à liberdade por sofrerem intervenções e não
priorizarem a conduta, mas os efeitos. De acordo com Brown (2019),os neoliberais entendem como perigosos os guerreiros da
justiça social pois podem “[...] recriar o mundo com base num plano racional
ou grande cálculo moral, recorrendo à ilusão fatal da sociedade e ao princípio
equivocado da igualdade para atacar os pilares gêmeos da civilização: a
moralidade tradicional e os mercados competitivos” (BROWN, 2019, p. 47).
À
medida que o social e a sociedade sofrem desmantelamento, perdem-se de vista as
perspectivas para o futuro. As estratégias antidemocráticas em curso apagam as
possibilidades utópicas e até mesmo as distopias. Brown (2019) ressalta o fato
de que o neoliberalismo preparou o terreno para a racionalidade antidemocrática
em curso; esta subverteu os postulados neoliberais de contenção dos sentimentos
fascistas e poderes totalitários pelo mercado e da separação da política e dos
mercados. Há ainda a expansão da esfera pessoal, protegida em favor da
liberdade. O autor menciona situações recentes, nas quais as legislações e os princípios
democráticos que resguardam a coletividade estão sendo burlados, em favor da
proteção de interesses individuais.
O
ataque à democracia é variado e, segundo Chauí (2019, não paginado), “[...] politicamente põe fim às duas formas
democráticas existentes no modo de produção capitalista: (a) põe fim à
social-democracia, com a privatização dos direitos sociais, o aumento da
desigualdade e da exclusão [...]”, mas também àquele que lhe deu sustentáculo,
ou seja, b) a democracia liberal representativa:
[...] definindo a política como gestão e não mais
como discussão e decisão públicas da vontade dos representados por seus
representantes eleitos; os gestores criam a imagem de que são os representantes
do verdadeiro povo, da maioria silenciosa com a qual se relacionam
ininterruptamente e diretamente por meio do twitter, de blogs e redes sociais – isto é, por meio do digital party –, operando sem mediação institucional, pondo em
dúvida a validade dos parlamentos políticos e das instituições jurídicas (CHAUÍ,
2019, não paginado).
O
cenário político não é mais o Parlamento ou os espaços tradicionais de tomada
de decisão, porém os novos espaços de legitimação que se tornam meios de
comunicação de massa. Como exemplo, citam-se as redes sociais e os canais
televisivos. O cenário democrático não passa de um cenário midiático (BURGAYA,
2020).
Em
consonância com esse pensamento, Pereira, C. P. P. (2020) entende a democracia
contemporânea como uma democracia de fachada, utilizada pela neodireita em diversas ocasiões para justificar ou ocultar
ações antidemocráticas. A autora afirma que não existe democracia; em seu
lugar, houve a irrupção da corpocracia – “[...]
um modelo político no qual as decisões que impactam as coletividades são tomadas
por grandes corporações nacionais e internacionais, por bancos e outras instituições
financeiras” (PEREIRA, C. P. P., 2020, p. 128).
Segundo
Burgaya (2020), a participação popular se reduz ao
voto, que por sua vez também tem seu sentido político esvaziado. Comumente, as fakenews manipulam a opinião pública e, sobretudo,
os resultados das eleições, tendo em vista que a decisão do eleitorado é
burlada diante dessas informações.
2 É
possível falar de Nova Direita no Brasil?
Nesta
seção, o introito analítico parte da seguinte interrogação: o que de fato tem
de novidade na nova direita brasileira, na atual conjuntura de dominância burguesa?
A
formação histórica do Estado burguês brasileiro foi assinalada pela
coexistência de modernidade e conservadorismo, configurando uma economia
dependente do capitalismo internacional, com base no trabalho escravo, no latifúndio,
na superexploração e na formação tardia da classe trabalhadora. Revela desprezo
pelos princípios democráticos, uma exacerbada exploração da força de trabalho e
a manipulação/despolitização das lutas da classe trabalhadora. O capitalismo no
Brasil adaptou-se aos diversos regimes políticos, sobretudo àqueles
autocráticos e de exceção, contrários aos ideais liberais de democracia (SANTOS,
2020).
Para
assegurar a dominação burguesa em curso, sobretudo após a Revolução de 1930 ‒ que possibilitou o
desenvolvimento do capitalismo no país ‒, foram criadas condições especiais, alicerçadas na
esfera política, cujo centro era o Estado. Este foi fundamental para a
reprodução e a manutenção dos interesses capitalistas; em vários momentos da
história brasileira, chegou a assumir o papel das classes burguesas nessa
tarefa. O Estado capitalista brasileiro estruturou-se como um Estado forte na
defesa e preservação dos interesses capitalistas, e com baixa soberania no que
tange aos interesses das potências imperiais. Estavam ausentes os valores
progressistas no campo da cidadania e da democracia burguesa (SANTOS, 2020).
Santos
(2020), ao tratar sobre as particularidades de formação do Estado capitalista
brasileiro, mostra como o capitalismo aqui desenvolvido foi capaz de se adaptar
aos diversos governos. Em períodos de grande tensão entre as classes, era
possível negociar com a classe trabalhadora dominada, por meio do Estado[6],
desde que tais negociações não afetassem a estrutura de poder e as relações
econômicas. Um exemplo citado pela autora refere-se ao período do governo de
João Goulart, época de crise econômica em que as classes sociais já se
reconheciam e estavam definidas. A classe dominada questionava o poder e as
formas de dominação autocráticas centradas no Estado e buscava transformações
sociais por meio das brechas democráticas.
Nesse
período, as reformas de base promovidas por João Goulart ampliaram o escopo do
Estado às demandas sociais; estas, por sua vez, alteravam a estrutura das
tradicionais oligarquias agrárias e colocavam em risco o seu poder, o que levou
ao golpe político civil-militar que depôs o então presidente (SANTOS, 2020).
No
auge do desenvolvimento capitalista no Brasil, em seu estágio monopolista, a
burguesia tomou para si o controle do Estado, reprimindo as ameaças e resistências
à ordem instituída e intensificando a associação com o capitalismo financeiro
internacional. Situação vivenciada de forma diferente pelos países centrais
nesse mesmo estágio capitalista, que buscaram articular a “[...] ampliação das
funções econômicas do Estado a funções sociais regidas por princípios
democráticos e de cidadania” (SANTOS, 2020, p. 231).
Mesmo
com a Constituição Federal de 1988, elaborada em meio a disputas e conciliações
de classes sociais e com perfil social-democrata, as conquistas previstas
legalmente foram minimizadas diante do avanço neoliberal, porquanto não se
rompeu com os traços conservadores; estes, por meio de dispositivos políticos e
ideológicos, possibilitaram a restrição dos ganhos sociais presentes na Carta
Magna.
A
partir da década de 1990, observa-se a contrarreforma do Estado brasileiro no tocante
às conquistas constantes na CF 1988 (SANTOS, 2020), início da adesão do país ao
receituário neoliberal ortodoxo, de privatizações, redução do gasto público,
descentralização como sinônimo de desresponsabilização federal e políticas
focalizadas e seletivas.
Apesar
de os governos petistas (Lula e Dilma) priorizarem ações no âmbito das demandas
sociais que se direcionaram na contramão das investidas neoliberais realizadas
até então, também reproduziram a prédica neoliberal e beneficiaram a autocracia
brasileira. Repete-se na história brasileira a nêmesis da ordem capitalista com
base no autoritarismo institucional e no rechaço dos princípios democráticos: o
golpe de 2016, que resultou no impeachment
da presidente Dilma Rousseff, apesar de não
militar, apresenta similitude com o golpe que depôs João Goulart: os interesses
capitalistas encontravam-se ameaçados em face do atendimento das demandas da
classe trabalhadora.
Na
mesma direção, Santos (2017) argumenta que a Ação Penal (AP) 470, que culminou
com o golpe de 2016, inaugurou a atitude conservadora ao interromper um mandato
por via não eleitoral, com base na intervenção direta do Judiciário.
Aproveitou-se de um pretexto sem fundamentação real e instaurou “[...] o
primeiro processo político de degradação, além do de punição penal, com apoio
midiático e apelo classista” (SANTOS, 2017, p. 159).
Segundo
o autor, por mais que os golpes fossem comuns na breve história da democracia,
os golpes parlamentares são fenômenos inéditos nas democracias contemporâneas
representativas de massa. No recente caso brasileiro, foi produto da cisão no
pacto social, econômico e político que sustentava o governo; o resultado foi um
governo golpista simpático à direita (SANTOS, 2017).
O
ilegítimo presidente Michel Temer, expressão de um partido de centro-direita, como
um bom servo à coligação de forças que o colocaram no poder, iniciou as reformas
neoliberais de cunho extremamente perverso para a grande massa trabalhadora. Entre
elas cita-se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto dos gastos
públicos, que congela o gasto público por vinte anos, comprometendo a proteção
social a níveis cada vez mais baixos; e a Lei 13.467/2017, que trata da Reforma
Trabalhista, outra legislação que desmonta os direitos sociais, dada a perda da
segurança trabalhista e a precarização do trabalho.
Além
das reformas no âmbito econômico, cita-se ainda a excrecência do conservadorismo
nos últimos anos, muitas vezes incitado pelas lideranças políticas. Os dois últimos
presidentes, em diversas situações, remeteram-se à moralidade conservadora, que
ganha notabilidade nos últimos anos. Cita-se a expressão bela, recatada, do
lar, utilizada em uma reportagem pela (revista) Veja, para atribuir qualidades à esposa do ex-presidente
Michel Temer, alvo de inúmeras críticas, considerando o retorno à situação de mulher subserviente,
proveniente do machismo e do patriarcado.
A
Nova Direita no Brasil, cordata e bem organizada,
consegue talvez o maior feito nos últimos anos: eleger a personificação
estridente dos neos (liberalismo e
conservadorismo) já pontuados ‒ Jair Messias
Bolsonaro. A base política do atual presidente foi construída pela “[...] criminalização
da política e das lutas sociais, e por sua aproximação às Forças Armadas”. Sua
base parlamentar foram as bancadas evangélicas, conhecidas como BBB (Bíblia, Boi
e Bala) (COGGIOLA, 2020, p. 24).
O
desmonte das políticas sociais, a intensificação da miséria e das desigualdades
sociais, além das exigências morais evangélicas em nome da honra, da pátria e da
família, tomaram proporções incomensuráveis. Para tanto, os neodireitistas
brasileiros recorreram ao uso da violência, à defesa da militarização e à
perseguição a tudo e a todos que não se ajustassem a essa nova realidade.
Para
Coggiola (2020), a cassação e a prisão de Lula decorrem
da ascensão de Bolsonaro e são o produto de uma massa passiva e despolitizada
que optou pelo candidato da extrema direita. As medidas não poderiam ser
diferentes daquilo que se esperava.
Bolsonaro estruturou um governo que apontou para
políticas que, além da privatização do patrimônio público e do avanço sobre as
riquezas naturais, deveria suprimir direitos sociais, retroceder no combate às
opressões das minorias, aumentar a violência rural e urbana e atacar de forma
contundente as políticas públicas, suas instituições e o funcionalismo. Para
avançar e retirar conquistas históricas da classe trabalhadora, anunciou que
iria criminalizar o ativismo, atacar sindicatos e combater os movimentos
sociais, buscando neutralizar ou eliminar qualquer oposição (COGIOLLA
(2020, p. 29-30).
O
Brasil de Bolsonaro ficou dividido numa polarização de classes sem precedentes:
polarização econômica, social, regional, étnica e mesmo sexual (COGGIOLA, 2020).
O governo é conhecido internacionalmente pelas ações desastrosas, pelo
autoritarismo e pelo sarcasmo desrespeitoso do presidente em diversas
situações, sobretudo ao escarnecer das torturas sofridas pelas vítimas da
ditatura militar no país. Constata-se uma polarização e uma dualidade no país,
expressas na fórmula direita versus esquerda.
Mas
o que existe de ‘novidade’ na Nova Direita brasileira, se
se considera que as práticas e discursos reproduzidos atualmente de
forma pública sempre existiram, porém se encontravam camufladas? Para Pereira
(2016), o que distingue a Nova Direita de outras concepções de direita
anteriores é a fusão de valores e interesses contraditórios, de origem neoliberal
e neoconservadora, que resultou na nova prática política, econômica, social e
cultural:
O saldo dessa mescla neoliberal-neoconservadora foi a
instituição de um Estado socialmente limitado, não garantidor de direitos sociais,
provedor de políticas de proteção social residuais, contingenciais e
estigmatizantes, por um lado, embora forte, centralizador e controlador, por outro
(PEREIRA, 2016, p. 120).
O
Estado brasileiro cumpre um papel fundamental nesta nova realidade. É um Brasil
para poucos favorecidos. As ações estatais restringem-se a medidas para reduzir
os gastos públicos e em defesa dos interesses corporativos capitalistas. A
ausência de um Estado social trouxe sérias consequências, em especial no atual
cenário pandêmico vivenciado. Mais uma vez na história, foi possível evidenciar
a importância do investimento público na saúde, na pesquisa e na tecnologia. O
Sistema Único de Saúde, mesmo diante dos ataques e cortes sofridos nos últimos
anos, pôde comprovar sua eficiência e garantir a inclusão de toda a população.
3 A
Nova Direita e as consequências nas Políticas Sociais
Para
iniciar a discussão acerca do impacto da racionalidade neodireitista
sobre as políticas sociais, segundo Faleiros (2000), deve-se considerar o
movimento do capital e dos movimentos sociais concretos, “[...] que o obrigam
a cuidar da saúde, da duração da vida do trabalhador, da sua reprodução
imediata e a longo prazo” (FALEIROS, 2000, p. 59). Ao analisar tais políticas,
é errôneo compreendê-las como resultado apenas do capital, ou como o reino dos
direitos e das conquistas sociais, sem levar em consideração “[...] os limites
impostos ao capital pela sua própria realidade e pelas lutas sociais” (FALEIROS,
2000, p. 59).
A
política social capitalista tem função de acumulação e legitimação, logo, ideológica,
e procura atender os indivíduos que têm dificuldades de reprodução social, limitada
pela impossibilidade de o indivíduo manter-se com o salário que recebe, ou
mesmo pela incapacidade de dispor de um trabalho. A política social
estigmatiza, controla e esconde da população a raiz estrutural dos problemas
sociais, a fim de legitimar a acumulação capitalista. Entretanto, a depender do
movimento histórico das lutas sociais, as políticas sociais podem ser utilizadas
em favor da classe trabalhadora, para a efetivação de direitos de cidadania, assim
como se deu no período do Welfare State.
No
cenário contemporâneo, no entanto, as políticas sociais são um dos aspectos do
campo político que mais sofrem com a força avassaladora neodireitista.
Após o advento do neoliberalismo, houve mudança no estágio de proteção social ‒ de Welfare State passou-se para Welfare Mix ou Welfare Pluralism ‒, cuja sustentação se
realiza sob o acordo de três setores-chave (Estado, mercado e sociedade civil),
deixando de ter por base a relação hierárquica na qual o Estado era
protagonista e adotando o princípio de horizontalidade. Assim, o bem-estar de
uma determinada sociedade passa a ser mantido, ainda que um dos setores tenha a
sua participação reduzida, tendo em vista que ambos transferem as responsabilidades
da proteção social (PEREIRA, C. P., 2016).
Esse
novo estágio da proteção social revela o escamoteamento
das estratégias neoliberais, desresponsabilizando o Estado pela primazia na
proteção social e deixando-a a cargo do mercado. A consequência para as
populações mais pobres e vulneráveis foi a responsabilidade por sua
autossustentação. Desde os anos de 1990, ganha destaque uma nova estratégia de
ativação dos dependentes da proteção social para o trabalho: aqueles que precisam
receber assistência são obrigados a trabalhar ou a receber treinamento.
Entretanto, o trabalho disponível para esta força de trabalho é “[...] precário,
flexível, desprotegido e de baixa remuneração” (PEREIRA, C. P., 2016, p. 31).
Esse tipo de proteção social é denominada de Workfare/Labourfare[7]
e mostra-se perfeitamente compatível com o ideal neodireitista
já apontado.
Como
alternativa, implanta-se um novo tipo de proteção social, conhecido como
redes de proteção social (safety nets),
em que o Estado é o coordenador dos serviços, programas e projetos e, por meio
de parcerias, oferta proteção social imediata aos indivíduos e/ou grupos em situação
de vulnerabilidade. As redes desenvolvidas mesclam atividades preventivas e
corretivas compensatórias, de natureza pública e privada, e ganham legitimidade
por meio de estratégias plurais de proteção social (PEREIRA, C. P., 2016).
Essa
nova gestão das políticas sociais, de acordo com Behring e Boschetti (2007),
pertence a um dos componentes do tripé[8]
neoliberal voltado para as políticas sociais – a descentralização, efetivada
não como compartilhamento de poder entre esferas, mas na transferência de responsabilidades
entre os entes da federação ou para organizações privadas ou da sociedade
civil.
Surgem
outras tendências desse tipo de proteção social, como a adoção do conceito de
risco, que banaliza as sérias consequências promovidas pelo sistema capitalista
em relação à maior parte da população mundial, e a novidade do termo ‘empoderamento’,
referente ao enfrentamento dos infortúnios vivenciados pelos desvalidos
socialmente, por meio do rebaixamento de suas necessidades e das formas de
satisfazê-las. Conforme Pereira, C. P. (2016, p. 152), “[...] o trágico é
considerar que essas estratégias de sobrevivência constituam escolhas
diante de riscos, tidos como naturais e inevitáveis”.
O
Estado oferta proteção mínima contra os riscos sociais, desde que seus recursos
financeiros e administrativos o permitam, visando criar condições para que
indivíduos, famílias e comunidades possam lidar com esses riscos por conta
própria. Somente quando o indivíduo se encontra em casos de extrema pobreza é
que se concede o direito de ser assistido, preferencialmente por meio de
transferências diretas de renda, mediante o atendimento de determinadas
condicionalidades (PEREIRA, C. P., 2016).
Na
percepção neodireitista, a utilização eficaz dos
parcos recursos públicos ocorre com a focalização na proteção social que visa
atender com justiça os que mais precisam. Nessa perspectiva, ressalta-se a
estigmatização sofrida pelos beneficiários que precisam ser atendidos por tal protetivismo, cujos preconceito e insensibilidade social
promovem a chamada infantilização ou burrificação
do pobre que não soube ser competente ao gerir sua vida. Apesar de os adeptos
da Nova Direita rejeitarem a proteção social, a maioria reconhece a importância
social desta, ainda que como forma de legitimação do modo capitalista de
produção, e estabelecem o residualismo dessa proteção:
[...] Por isso, aceitam que os mais pobres entre os mais
pobres recebam algum tipo de auxílio governamental, desde que esse auxílio seja,
de preferência, transferência de rendimentos mínimos, muito bem focalizado
(para evitar o suposto desperdício de recursos), condicional (e não um
direito), emergencial e com prazo limitado (e não vitalício) [...]. A proteção neodireitista, portanto, deve ser residual, ínfima, capaz
de ‘permitir’ em vez de ‘proporcionar’, ou seja, deve ter por finalidade
capacitar os indivíduos para que encontrem formas de autoproteção, mesmo que,
para isso, o Estado precise ajudá-los minimamente, por meio de transferências
monetárias diretas ou facilitando a atuação do voluntariado e do mercado
(George e Wilding, 1994). O Estado deve ser o mais
distante possível, cedendo espaço, sempre, a outros atores sociais, de natureza
privada. Sua atuação só é incentivada para servir aos interesses do mercado,
protegendo-o, salvando-o nas crises e facilitando suas transações e expansões
[...]. (PEREIRA, C. P., 2016, p. 163-164).
No
Brasil, a ampliação da proteção social, tão necessária no atual cenário de
pandemia, foi efetivada com o Auxílio Emergencial, sob os ditames neodireitistas, que explicita os aspectos supracitados:
focalização, condicionalidade, residualidade e
limitação de tempo (muito curto, por sinal).
Pereira,
P. A. P. (2020) argumenta que essa alteração sofrida pela proteção social ao
longo dos últimos anos foi resultado do deslocamento que orientava o padrão das
ações protetivas: de ethos solidário
para moral individualista possessiva. A primeira, parte da noção de uma
política social como “[...] política pública e direito de cidadania social e se
põe a serviço de demandas e necessidades sociais engendradas pela relação
antagônica entre capital e trabalho, na qual o capital possui supremacia
estrutural” (PEREIRA, P. A. P., 2020, p. 88-89). A segunda é considerada pelo
viés do pensamento político liberal inglês e “[...] deriva da concepção de que
todo indivíduo é portador da qualidade possessiva de ser,
essencialmente, proprietário de si e de suas capacidades, sem que tenha,
para isso, algo a dever à sociedade” (PEREIRA, P. A. P., 2020, p. 89).
O
atual cenário de contrarreformas conservadoras que desmantelam e precarizam as
políticas sociais caminha para fortalecer o mix público/privado, o pluralismo
de bem-estar e as tendências familista e mercantilizadora
na oferta de proteção social. Desde o governo Temer até o de Bolsonaro, as
medidas tomadas, como a Emenda Constitucional 55/2016 ‒ conhecida como Lei do Teto do Gasto Público ‒, a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirização e a PEC
6/2019 (ou da Reforma da Previdência Social), entre outras, são parte de um
projeto mais amplo de ajuste fiscal neoliberal autoritário brasileiro e que, sem
dúvida, ampliará os desprotegidos sociais, responsabilizados pelos problemas
que enfrentam.
O
modelo de acumulação por espoliação (HARVEY, 2014) expande-se desde 1970 e
atinge níveis cada vez mais nefastos, especialmente em tempos de extrema direita
‒ entre eles a regressão dos estatutos regulatórios
destinados a proteger o trabalho, o meio ambiente, os diversos segmentos
sociais historicamente em desvantagem social, a expropriação por via da
privatização de bens anteriormente públicos como os serviços das políticas
públicas.
Bens
como água, energia e outros essenciais à coletividade são alvo do capital sobreacumulado, incluindo o fundo público, expropriado pelo
capital financeiro, que tenta matar por inanição as políticas sociais,
desmantela a democracia, as perspectivas de desenvolvimento econômico e social
das periferias e qualquer possibilidade de estas mudarem sua inserção na
divisão internacional do trabalho.
Conforme
evidenciado ao longo da discussão, o maior descalabro para a humanidade nos dias atuais certamente é o entranhamento das ideias da
Nova Direita em todas as dimensões da vida em sociedade, até mesmo na ideia de inexistir
alternativa para a ordem social vigente. O sustentáculo dessas vitórias baseia-se
na destruição, na ressignificação e no desmonte dos princípios que asseguram
uma vivência alicerçada na coletividade e nas estratégias para silenciar o
grande inimigo capitalista: uma sociedade politizada e com consciência
classista. A centralidade do eu reduz o poder do nós, aniquilando
as possibilidades de transformação.
Considerações
Finais
Este
trabalho não intenciona trazer respostas prontas para os questionamentos
apontados ao longo da discussão. Tampouco intenta esgotar as questões aqui pontuadas
sobre a potência destruidora proveniente da junção da racionalidade neoliberal
e neoconservadora nestas últimas décadas. Objetiva fazer uma análise realista,
crítica, impulsionadora de novos estudos, além de trazer esperança para o
futuro a partir de uma visão crítica que desvela o aparente e permite reconstruir
os destroços deixados por um sistema perverso. Tal possibilidade deve ser
efetivada por meio de uma profunda transformação e do desmantelamento da
racionalidade capitalista, que ameaça a sobrevivência humana.
Mais
do que nunca, as lutas por emancipação humana e as resistências individuais e
coletivas se fazem necessárias ao problematizarem os limites da emancipação
política e seu caráter reformista, agora rejeitada, redefinida, negada e
transmutada em liberdade, individualismo, competição e autorresponsabilidade. Fazer
readaptações, como adoção de políticas de combate à pobreza em
detrimento das políticas universais, ou negociações, para se constituir
em consensos de classes com alianças com a centro-direita, com a burguesia do
agronegócio, como as esquerdas vêm realizando nos últimos anos, só
retroalimenta o monstro, que a cada vez ressurge com maior poder destrutivo.
O
retorno à justiça social e às dimensões que remetam à coletividade, com uma
perspectiva crítica, desalienante e de emancipação, é
a alternativa apontada neste artigo. O caminho e o ponto de partida talvez
ainda constituam uma incógnita, mas se parte desse horizonte utópico para a possibilidade
de dias melhores.
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SANTOS, W. G. A
democracia impedida: o Brasil no século XXI.Rio
de Janeiro: FGV
Editora, 2017.
________________________________________________________________________________________________
Talita
Kelly de Sousa Passos Trabalhou na concepção, delineamento, análise,
interpretação dos dados e redação do artigo.
Assistente
Social da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas
Integradas (Semcaspi) do e da Delegacia Especializada
de Atendimento a Mulher (Sul) do município de
Teresina (PI). Possui Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas, pela
Universidade Federal do Piauí.
Solange
Maria Teixeira Trabalhou na redação, revisão crítica e aprovação da
versão a ser publicada.
Possui Pós-Doutorado em
Serviço Social pela PUC-SP (2009), Doutorado em
Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (2006), Mestrado em
Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998) e
Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (1991).
Atualmente é professora titular da Universidade Federal do Piauí e Bolsista de
Produtividade pelo CNPq. Coordenadora da Pós-graduação em Políticas
Públicas/UFPI.
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* Assistente Social. Doutora em Políticas
Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Assistente Social na Secretaria
Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi, Teresina, Brasil). Rua Álvaro Mendes, nº861,
Centro (Sul), Teresina, CEP.: 64000-060. E-mail: talitakelly18@hotmail.com.
**
Assistente Social. Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada e
Coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Piauí (UFPI, Teresina, Brasil). Endereço institucional:
Campus Universitário Ministro Petrônio Portella. Bairro Ininga,
Teresina (PI), CEP.: 64049-550. E-mail: solangeufpi@gmail.com.
© A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial. O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
[1] Esta nova direita se diferencia da velha
direita aristocrática que defendia o antigo status
quo, a autoridade, a hierarquia, os valores tradicionais; da direita
liberal que defendia o liberalismo e a ordem burguesa livre das amarras do
passado e do comunismo. A Nova Direita avança com a atual etapa do capitalismo financeirizado, globalizado e neoliberal. Apesar de algumas
divergências com os neoliberais, têm em comum a defesa da ordem burguesa
mundial e a contraposição ao Estado de Bem-Estar Social. Defendem valores
tradicionais de família, propriedade, patriotismo e o movimento livre dos
mercados e da ordem gerada de forma espontânea por este movimento.
[2] Os neoconservadores a contraposição ao
Estado de Bem-Estar Social. Defendem valores tradicionais de família,
propriedade, patriotismo e o movimento livre dos mercados e da ordem gerada de
forma espontânea por este movimento.desde
os anos 1950 tentaram reformular e resgatar os ideais do liberalismo clássico;
entendiam que a liberdade somente seria possível com “[...] uma prerrogativa
moral e um objetivo transcendental” (MOLL, [S.d], p.
2). Nas décadas seguintes, 1960 e 1970, com o descontentamento em relação ao
liberalismo estadunidense, ao conservadorismo moderado e em oposição ao
comunismo, foi formada uma nova geração de conservadores, defensores dos ideais
do liberalismo clássico com uma perspectiva moral da sociedade (MOLL, [S.d.]). O
conservadorismo tradicional em defesa da liberdade não aceita interferência do
Estado, ainda que seja para moldar a sociedade a certos valores morais, diferentemente
dos neoconservadores (conhecidos também como conservadores americanos), que
aprovam a atuação estatal no saneamento das finanças e não nas necessidades
sociais (LACERDA, 2018). Essa dimensão moralista os caracteriza e diferencia
dos conservadores liberais.
[3] Adota-se o entendimento do ultraneoliberalismo como etapa superior do neoliberalismo,
marcado pela radicalização dos princípios do liberalismo clássico. De acordo
com Fontes (2020), esse estágio do liberalismo utiliza o Estado com seus instrumentos
de blindagem, propaganda e as instâncias coercitivas para bloquear qualquer
ação dos setores populares, ainda que seja para o cumprimento da própria Constituição,
favorecendo os proprietários e empresários e utilizando como mecanismo de
atuação a austeridade fiscal. Conforme Cassin (2022), o ultraneoliberalismo
aprofundou o desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas com a
expropriação dos direitos e das políticas sociais para a superexploração da
força de trabalho, na tentativa de enfrentar os efeitos da crise de 2008 e
contrapor-se à tendência à queda da taxa de lucro.
[4] Apesar dos vários entendimentos que
perpassam a Justiça Social, neste artigo a abordaremos vinculada à visão da
social-democracia que inclui, para além da igualdade formal para todos,
igualdade de oportunidades, também a igualdade de resultados, ou seja, o acesso
igualitário aos bens e serviços públicos, ao reconhecimento e inclusão dos que
sofrem maiores desigualdades sociais históricas. Logo, trata-se de emancipação
política na ordem burguesa, via direitos e políticas sociais públicas.
[5] A extrema direita é parte desta Nova
Direita que se torna extremada. No Brasil, além de autoritária e
antidemocrática, é miliciana e fundamentalista.
[6] Concorda-se com a visão de Santos (2020)
sobre o entendimento do Estado como uma relação social, que mesmo de filiação
classista e comprometido com os detentores do poder, não pode estar exclusivamente
sujeito aos seus interesses, tendo em vista que para legitimar-se precisa atender
às demandas da classe trabalhadora, sendo também funcional a esta classe.
[7] Pereira, C. P. P. (2016) cita Guy Stading (2013), que estabelece a diferença entre os principais
termos referentes ao trabalho ‒
work (atividade produtora de valor de
uso, não comercializável) e labour (relacionado
à produção de valor de troca ‒
mercadorias), na língua inglesa. Segundo o autor citado, a nomenclatura correta
a ser utilizada para especificar o novo padrão de proteção social seria Labourfare.
[8] O trinômio articulado do ideário
neoliberal para as políticas sociais seria: privatização, focalização e
descentralização (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).