“Questão social”, fome e
(in)segurança alimentar e nutricional no Brasil neoliberal
“The social question”,
hunger, and food and nutritional (in)security in neoliberal Brazil
Robson
Roberto SILVA*
https://orcid.org/0000-0003-0699-853X
Resumo: Este artigo busca apreender a
fome como uma das manifestações da insegurança alimentar e nutricional, considerando
essas manifestações como expressões da “questão social” e as formas de
enfrentamento por parte do Estado brasileiro. Particularmente, procura
analisar a fome e a (in)segurança alimentar e nutricional, a partir da dinâmica do neoliberalismo no país,
sobretudo no contexto dos governos nacionais de extrema direita e da COVID-19. Para
tanto, adota a pesquisa bibliográfica e documental, que se orientou pela teoria
social crítica apoiada na tradição marxista. Assim, apresenta as causas dessas
manifestações da “questão social”, suas principais expressões e as formas de intervenção social do Estado, considerando
as particularidades dos governos nacionais que assumiram diferentes vertentes
neoliberais, mas que preservaram os princípios fundamentais do neoliberalismo.
Palavras-chave: “Questão
social”. Fome. Segurança alimentar e nutricional. Brasil. Neoliberalismo.
Abstract: This article understands hunger as a manifestation of food and nutritional
insecurity, it addresses these manifestations, as expressions of the “social
question”, and the forms by which the Brazilian State seeks to confronts them. In particular, it analyses hunger, and food and nutritional
(in)security, in relation to the dynamics of neoliberalism in the country,
especially in the context of recent Far-Right national governments and
COVID-19. To this end, it employs bibliographical and documental research,
guided by critical social theory based on the Marxist tradition. It presents
the causes of these manifestations of the “social question”, their main
expressions and the forms of social intervention by the State, taking account
of the particularities of different national governments that demonstrated
different aspects of neoliberalism, but which preserved its fundamental neoliberal
principles.
Keywords: “Social question”. Hunger. Food and nutritional security. Brazil. Neoliberalism.
Submetido em: 8/10/2022. Revisto em: 8/10/2022
e 20/11/2022. Aceito em: 15/1/2023.
Introdução
E |
ste artigo busca apreender
a fome como uma das manifestações da insegurança alimentar e nutricional,
considerando essas manifestações como expressões da “questão social” e as
formas de enfrentamento por parte do Estado brasileiro. Particularmente, procura analisar a (in)segurança alimentar e nutricional
no pós-1990, destacando os efeitos da neoliberalização no agravamento e nas
formas de enfrentamento pelos governos nacionais, principalmente os de extrema
direita, como o de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), que vem convivendo com a pandemia da Coronavírus
Disease 2019 (COVID-19).
Desde o golpe institucional de 2016, que
levou a deposição da presidenta da República Dilma Rousseff, eleita pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), iniciou-se um período da história do país marcado pela
ascensão de governos de extrema direita. De um modo geral, o extremismo de
direita no Brasil tem sido caracterizado pelo forte nacionalismo; ultraconservadorismo,
que vem acompanhado do racismo, da xenofobia, da homofobia e da transfobia; pela
defesa de regimes autoritários e neofascistas; e de um neoliberalismo
radicalizado denominado de ultra neoliberalismo[1].
O contexto dos governos de
extrema-direita de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022)
é marcado por uma crise internacional do capital, que produziu efeitos deletérios
na economia brasileira. Em particular, o governo Bolsonaro, além de ser caracterizado
pelo aumento do conservadorismo, do neofascismo, do negacionismo e do
neoliberalismo radicalizado, é também marcado pela pandemia da COVID-19 e pela Guerra Russo-Ucraniana,
que agravaram, ainda mais, a crise do capital e suas consequências sociais sobre
a classe trabalhadora. Diante desse cenário, este artigo busca apreender a fome como uma das manifestações
da insegurança alimentar e nutricional, considerando-as como expressões da “questão
social”. Além disso, procura identificar
as formas utilizadas pelo Estado brasileiro para enfrentar esses problemas
sociais, principalmente pelos governos nacionais de diferentes matizes neoliberais,
como os de extrema direita.
Sabe-se
que a relação entre a fome, a insegurança alimentar e nutricional e a “questão social” não é nova. Entretanto, poucos são os estudos que fazem
essa análise. Ao utilizar as palavras-chave (fome e “questão social”), de forma
conjunta, no campo de busca da Biblioteca Eletrônica Científica
Online, o Scielo, em 10 de novembro de 2022, apenas 14 artigos apareceram
e nove trabalhos foram identificados ao buscar pelas palavras-chave
(insegurança alimentar e nutricional e “questão social”), também de forma
articulada; desses nove trabalhos, quatro estão na lista dos artigos
buscados através das palavras-chave (fome e “questão social”). Nenhum desses
artigos adotaram no título a palavra “questão social”. No resumo e no corpo do
texto desse universo de trabalho levantados, o termo “questão social” aparece em
apenas 8 (oito) trabalhos, que estão relacionados a objetivos diversos. Porém,
o objetivo que mais aparece é referente à análise de programas sociais de
enfrentamento à fome, principalmente do Fome Zero e do Bolsa Família, seguido de
artigos com outros objetivos variados como analisar a luta da sociedade civil
contra a fome; debater a comida frente aos desafios impostos pelo capitalismo
contemporâneo; examinar como a valorização do capital reflete na segurança
alimentar e nutricional e apreender o processo de construção das políticas
sociais relacionadas à alimentação e à nutrição.
Sendo assim, cabe apontar que, ao menos nesta Biblioteca Eletrônica Científica Online, uma das mais importantes
no meio acadêmico e científico, o tema da fome e da (in)segurança alimentar e
nutricional e sua relação com a “questão social” não aparece em grande parte
dos artigos. Além disso, esses trabalhos não tiveram a preocupação de examinar esse
tema, comparando as diferentes conjunturas e as particularidades dos governos nacionais,
sobretudo no contexto neoliberal. Por essa razão, este artigo procura analisar a fome como
uma das manifestações da insegurança alimentar e nutricional, considerando também
esse problema social como uma das expressões da “questão social”, ao longo das transformações
sócio-históricas no Brasil. O destaque é dado ao período neoliberal iniciado
nos anos 1990, principalmente ao contexto dos governos de extrema direita e da
pandemia da COVID-19.
Para alcançar esse
objetivo, este artigo adotou, como perspectiva teórico-metodológica, a teoria
social crítica apoiada na tradição marxista, que auxiliou na apreensão da “questão
social” e na maneira de compreender o seu enfrentamento por parte do Estado. Aqui
cabe dizer que, dos oito artigos sobre o tema da fome e da insegurança
alimentar e nutricional identificados na Biblioteca Eletrônica Científica Online, apenas quatro
conceituam a “questão social” a partir de autores da tradição marxista. Dos outros
quatro artigos, dois não fazem referência a autores que conceituam a “questão
social” e os outros dois fazem referência a autores que defendem uma “nova” pobreza
ou uma “nova questão social” e que são considerados pós-modernos. Diferentes dessas
abordagens formais-abstrata, este artigo utilizou as contribuições teóricas de marxistas
com mais incidência no debate nacional sobre o tema da “questão social”, no âmbito
do Serviço Social, como Netto (2001, 2013), Iamamoto
(2004, 2007, 2013), Iamamoto e Carvalho (2006),
Santos (2012), Castelo (2010, 2021) e Yazbek (2021).
Em particular, Castelo
(2010) apresenta uma síntese das contribuições teóricas de Marx e Engels e da
tradição marxista para apreender a “questão social” na sua totalidade e
confrontar as concepções fragmentadas e imediatistas sobre
esse fenômeno social. Ao contrário dessas abordagens formais-abstrata, esse
autor compreende a “questão social” como produto social, historicamente
determinado pelo modo de produção capitalista, considerando os seus elementos
básicos: capital, trabalho assalariado e lutas operárias, como também a forma
do Estado conceber e de intervir nas expressões da “questão social”. A esse
respeito, lembra Tonet (1995), que “[...] a raiz dos males sociais é buscada em
todos os lugares, menos onde ela efetivamente se encontra e que o remédio é
sempre alguma medida de reforma e nunca a revolução. Como diz Marx: ‘O Estado
jamais encontrará no Estado e na organização da sociedade o fundamento dos
males sociais’” (TONET, 1995, p. 51).
Sobre essa afirmação, Marx (2010), em Glosas críticas
marginais ao artigo O rei da Prússia e a
reforma social.
De um Prussiano, destacou que a atuação do Estado inglês direcionada
ao pauperismo demonstrou que a burocracia estatal compreende os problemas da
sociedade distantes das condições sociais que explicam ou que coloquem em risco
a sua própria existência. Assim, o pauperismo não foi visto como uma
consequência do regime da grande indústria, mas como um problema decorrente da
lei natural, da vida particular, das falhas eventuais da administração ou de
caráter dos trabalhadores. Logo, tanto o Estado inglês quanto outros Estados,
procuraram e procuram encontrar as soluções para os problemas sociais no âmbito
da administração ou na forma de Estado, pois não podem ser enfrentados de outro
modo sob pena de colocar em xeque a ordem burguesa. Como esclarece o próprio autor:
[...] para
a Inglaterra a miséria está fundada na lei
da natureza, segundo a qual a população constante e obrigatoriamente extrapola
os meios de subsistência. Numa outra perspectiva, ela explica o pauperismo a
partir da má vontade dos pobres
[...]. Por fim, todos os Estados buscam
a causa nas falhas casuais ou intencionais da administração e, por isso mesmo, em medidas administrativas o
remédio para suas mazelas (MARX, 2010, p. 38-39, grifos do autor).
A partir dessas
contribuições teóricas de autores que auxiliam na apreensão dos elementos
constitutivos da “questão social” e na forma do Estado compreendê-la e enfrentá-la
é que se buscou problematizar os dados e as informações sobre a fome e a (in) segurança
alimentar e nutricional no Brasil. Tais dados e informações foram levantados a
partir de uma pesquisa bibliográfica e documental que ocorreu entre junho de 2021
e maio de 2022 nas plataformas de
bibliotecas digitais, nos sites de periódicos científicos de órgãos públicos,
como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e de organizações que atuam
na área da segurança alimentar e nutricional, (como o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), o Fórum Brasileiro de Segurança
Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Rede de Informação e Ação pelo Direito a se
Alimentar (FIAN BRASIL) e a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN)), com base nas seguintes
palavras-chave: “questão social”, fome, e (in)segurança alimentar e nutricional.
Os
dados e as informações que foram levantados na pesquisa bibliográfica (em
livros, artigos, teses e dissertações sobre o tema) e na pesquisa documental –,
com base em síntese de indicadores sociais, notas, informes, inquéritos, cartas de organizações
(conselhos, fóruns e redes), relatórios de pesquisas e das conferências nacionais
dessa área social (referenciados neste
trabalho) –, estão ligados às causas da fome e da insegurança alimentar e
nutricional (como a concentração de renda, de terra, o racismo, o patriarcado e o autoritarismo), as suas principais expressões (como o número
de pessoas e setores da população em situação de fome no país, as dificuldades desses
segmentos, sobretudo em razão da falta/insuficiência
de renda ou aumento da cesta básica, de terem
acesso aos produtos alimentícios, a não prestação de serviços públicos
essenciais, o inadequado controle de qualidade dos alimentos etc.) como também a forma
como o Estado vem intervindo nesses problemas sociais por meio de ações,
planos, projetos, programas, políticas e sistemas sociais, incluindo aqui as
medidas contrarreformistas de destruição dos direitos
e de degradação do meio ambiente.
Dessa maneira, foi possível apresentar
os principais resultados dessa pesquisa neste trabalho, cujo eixo de análise também
está centrado na apreensão da fome e da insegurança alimentar e nutricional
como expressões da “questão social” e na forma como o Estado brasileiro enfrenta
essas manifestações, sem colocar em xeque a ordem capitalista[2].
Este eixo de análise orientou as três seções articuladas deste artigo: a primeira
trata da fome e da insegurança alimentar e nutricional
no desenvolvimento do capitalismo dependente brasileiro; a segunda analisa a fome
e a (in) segurança alimentar e nutricional no contexto da neoliberalização; e a
terceira, que é um desdobramento da seção anterior, trata desse tema no contexto dos
governos neoliberais de extrema direita e da COVID-19. Por fim, o trabalho
apresenta suas considerações finais como um último momento de síntese dessas três
seções.
A fome e a insegurança alimentar e nutricional no desenvolvimento
do capitalismo dependente brasileiro
No
capitalismo, as desigualdades e as lutas sociais delas decorrentes derivam do
fenômeno chamado “questão social”, que é ocasionado pelo caráter coletivo da
produção contraposto a apropriação privada do trabalho, das condições
necessárias para a sua realização, assim como dos seus frutos (IAMAMOTO, 2004).
Segundo Netto (2013), esse fenômeno, apesar de estar na origem do capitalismo, apenas
foi denominado como “questão social” na terceira década do século XIX para explicar
o pauperismo na Europa Ocidental. Porém, alerta que “[...] a caracterização da
‘questão social’, em suas manifestações já conhecidas e em suas expressões
novas, tem de considerar as particularidades histórico-culturais e nacionais”
(NETTO, 2013, p. 11). Segundo Yazbek (2021, p. 20) na “América Latina a ‘questão
social’ vai
expressar os traços comuns da longa história de dependência do continente”.
Neste sentido, a
apreensão da “questão social” e de suas expressões no Brasil, sem desprezar o
caráter universal da lei geral de acumulação capitalista e suas especificidades
nacionais, deve considerar as particularidades do capitalismo dependente na
formação social brasileira. Destaca-se o caráter da modernização conservadora
operada pelo nascimento e desenvolvimento do capitalismo no país, que não
rompeu com as características mais marcantes da economia escravista, como o latifúndio
e a monocultura (cabe mencionar aqui também o patriarcado e o racismo
estrutural e estruturante); os processos de revolução passiva, que se expressam
por meio de práticas das classes dominantes de excluir ou de impedir que as
classes subalternas participem dos processos de decisão política; e o papel central
do Estado, que impedia e impede a emergência de sujeitos defensores de interesses
coletivos e de projetos alternativos de sociedade (NETTO, 1996).
Considerando o contexto
da Primeira República, Iamamoto e Carvalho (2006)
apontam que o aparecimento da “questão social” “[...] diz respeito diretamente
à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca
profundamente seu passado recente” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006, p. 125). Para
demonstrar esse aparecimento, os autores ressaltam o longo processo de transição
por meio do qual se constituiu um mercado de trabalho nos moldes capitalistas, sobretudo
no momento de pleno amadurecimento desse mercado nos principais centros
urbanos. No começo do século XX, destacam que a exploração abusiva dos
operários pelo capital, a constituição dos operários como classe social, sua
luta defensiva e reivindicatória, fez com que a classe dominante e suas frações
fossem obrigadas a se posicionar, em particular por intermédio do Estado (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2006) [3].
Segundo Castro (1984),
o problema da fome, “[...] longe de traduzir obra do acaso, parece condicionado
às mesmas leis gerais que regulam as outras manifestações sociais de nossa
cultura” (CASTRO, 1984, p. 20). Desde o período da colonização, passando pelo
contexto do nascimento e desenvolvimento do capitalismo brasileiro, a economia
estava subordinada aos interesses do capital estrangeiro, mercantil em um
primeiro momento e posteriormente monopolista. Ao longo dessa trajetória sócio-histórica,
Castro (1965) considerou a fome “[...] produto, antes de tudo, da desumana
exploração das riquezas coloniais por processos de economia devastadores, monocultura
e latifúndio, que permitiam a obtenção, por preços vis, das matérias-primas
indispensáveis ao seu industrialismo próspero” (CASTRO, 1965, p. 49).
Particularmente, Castro
(1984) apontou que na fase de transição da economia agrária para a agroindustrial,
na qual desenvolve o processo de urbanização, o problema da fome no Brasil manteve-se
para a maioria trabalhadora e de suas famílias; e diferente de países como os
Estados Unidos, que passaram pela transição do regime de produção sem desequilibrar
a alimentação, no Brasil e em outros países da América Latina, “[...] a indústria
do ‘fique rico depressa’ para uns poucos [foi], ao mesmo tempo, a ‘indústria da
fome’ para a maioria” (CASTRO, 1984, p. 269).
A industrialização,
ainda que restringida, impulsionou o crescimento da economia no país a partir
de 1930, principalmente em alguns setores, como o industrial e o agrário, que
nos 15 anos seguidos, segundo Castro (1984), tiveram um aumento da produção, em
média, de 190% e de 40%, respectivamente. Contudo, esse autor sinalizou que não
ocorreu uma distribuição real das rendas, como também não houve um investimento
efetivo nas diferentes regiões e setores da economia. Portanto, o país não
experimentou um autêntico desenvolvimento social. Pelo contrário, “[...] a fome
no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários
setores de nossas atividades, é consequência, antes de tudo, de seu passado
histórico, com os seus grupos humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia”
(CASTRO, 1984, p. 16).
Nesse período, Castro (1984)
denunciou os preconceitos morais, os interesses econômicos e o racismo das
classes dominantes para justificar o problema da fome no país. Ziegler (2012)
apontou que, no Documentário do Nordeste
de 1937, Josué de Castro retomou argumentações desenvolvidas no texto Alimentação e raça de 1935. Neste
Documentário, ao criticar a tese dominante nos meios políticos e intelectuais,
que considerava os afro-brasileiros, os índios e os caboclos preguiçosos, pouco
inteligentes e avessos ao trabalho e que atrelavam, por essas razões, a subalimentação
por causa da raça, Josué de Castro demonstrou como as classes dominantes estavam
presas a visões preconceituosas racistas (ZIEGLER, 2012).
Desde os anos 1930, o
Estado vem adotando ações centralizadas, emergenciais e compensatórias no
enfrentamento da fome[4]; e
que em determinadas conjunturas foram importantes para amenizar a situação de
fome de milhares de trabalhadores e famílias, ainda que não tocassem no padrão
de desigualdade social oriundo do processo de produção, no qual os
latifundiários e as sociedades multinacionais estrangeiras controlavam e controlam
a maior parte da produção agrícola exportadora, que contribuiu com um
crescimento espetacular da Europa no pós-guerra (ZIEGLER, 2012).
A irrupção do
capitalismo monopolista dependente no final dos anos 1950 (FERNANDES, 1981),
que se caracterizou pelo investimento na industrialização pesada e por uma expansão
das relações capitalistas na agricultura, contribuiu com o aumento do desempregado,
do subempregado e da indigência, o que impulsionou a organização política da
classe trabalhadora nos centros urbanos e nas áreas rurais. Na região Nordeste,
por exemplo, provocou o surgimento das Ligas Camponesas, com o objetivo inicial
de atender os interesses dos mortos de fome e de misérias (CASTRO, 1967). Tais
Ligas lutaram pela posse da terra e pela reforma agrária. Um dos seus
principais sujeitos, Francisco Julião, alertou os camponeses que “[...] ‘não
pode haver felicidade de estomago vazio’, ‘a fome é inadiável e não se
transfere: ou se mata a fome ou se morre dela’, [...] ‘o inimigo é o
latifundiário’” (CASTRO, 1967, p. 199).
Porém, com o golpe civil-militar
de 1964, que serviu para consolidar o capitalismo monopolista dependente no
país, as Ligas Camponesas, os sindicatos agrícolas e industriais, os partidos e
os movimentos sociais de esquerda foram derrotados pelos serviços secretos e comandos
da ditadura civil-militar. Apenas subsistiram de forma clandestina pequenos
grupos de resistência, como os armados (ZIEGLER, 2012). As ações de enfrentamento
à fome foram extintas, com exceção da merenda escolar. Além disso, a ditadura impediu
que o problema da fome fosse apreendido como produto da concentração de renda e
de terra, passando a considerar como um dos temas proibidos ou como um fenômeno
biológico ou nutricional (CERRI; SANTOS, 2003; SILVA, 2006).
Apenas
com o fim da ditadura civil-militar foi possível avançar no debate sobre as
causas estruturais do problema da fome no país; e apreendê-la como uma
expressão nefasta do estado de insegurança alimentar e nutricional, que se
manifesta pela dificuldade da maioria trabalhadora de ter acesso aos produtos
alimentícios, principalmente por não dispor de renda para comprar os alimentos;
pela dificuldade de acessar os serviços públicos de saúde, educação, saneamento
e abastecimento de água; pela falta de condições dignas de moradia (HOFFMANN,
1996); pelo inadequado controle de qualidade dos alimentos; pelo abastecimento
de alimentos irregular em várias áreas rurais e urbanas; pela extrema
concentração de terra e de renda; pela falta de apoio ao pequeno produtor; e pela
lentidão da reforma agrária (VALENTE, 2002).
Tais
manifestações da insegurança alimentar e nutricional, por expressarem desigualdades,
são determinadas pela contradição entre capital e trabalho; portanto, correspondem
as expressões da “questão social”. Nessa
direção, Pinheiro e Carvalho (2010) destacam que “[...] a contradição
capital-trabalho é capaz de
determinar quadros de carências e desequilíbrios nutricionais que são evidências de um mesmo fenômeno social: a insegurança alimentar e nutricional” (PINHEIRO;
CARVALHO, 2010, p. 125-126). As autoras reforçam que a “questão social” também
se expressa por meio da questão alimentar e nutricional (da fome, da desnutrição,
da obesidade ou da má nutrição), posto que a submissão do trabalho e da sociedade
ao capital interfere no modo de se alimentar, viver, adoecer e morrer da
população.
Os
avanços no debate conceitual e político sobre a (in)segurança alimentar e
nutricional decorrentes da resistência dos setores democrático-populares no
período da redemocratização se expressaram, no ano de 1986, com a
sistematização de um primeiro conceito de segurança alimentar no âmbito do
Ministério da Agricultura; com a criação da proposta de técnicos e consultores
desse Ministério de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar vinculado à
Presidência da República; com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde:
luta pelo direito à saúde e reconhecimento da alimentação como direito; e, como
desdobramento dessa, a realização da I Conferência Nacional de Alimentação e
Nutrição. Contudo, esses avanços não foram suficientes para alterar o caráter
centralizador, emergencial e a superposição de ações nessa área social, com a manutenção
e a criação de programas de alimentação, como o Programa de Alimentação Popular e o
conhecido Tíquete de Leite (CERRI; SANTOS, 2003; BURLANDY, 2003).
A Constituição Federal de 1988, embora tenha incluído, em
parte, os anseios da classe trabalhadora –, como os direitos políticos e sociais,
em especial atenção dada ao direito ao trabalho, a incorporação da noção de seguridade
social constituída pelas políticas de saúde, previdência e assistência social,
e a responsabilidade do Estado em realizar a reforma agrária –, incorporou principalmente as reivindicações do grande capital
nacional e, em particular, das multinacionais e da rede internacional de poder
financeiro e político (FERNANDES, 2006), que se beneficiaram com o projeto
neoliberal em curso no Brasil desde o começo dos anos 1990.
A fome e
a (in) segurança alimentar e nutricional no contexto brasileiro da
neoliberalização
Como resposta à crise econômica,
que persistia desde o começo dos anos 1980, o Estado brasileiro, no início da
década de 1990, passou a colocar em prática o projeto neoliberal, em sintonia
com as diretrizes do chamado Consenso de Washington. Desse modo, o país passou
a se inserir no atual estágio de internacionalização do capital, mantendo a sua
dependência e subalternidade. Com base em Netto (1998), Antunes (2009) destacou
que “[...] o processo de reestruturação produtiva do capital [é] a base
material do projeto ideopolítico neoliberal, a estrutura
sob a qual se erige o ideário e a pragmática neoliberal” (ANTUNES, 2009, p,
60). Essa programática vem se expressando por meio de
um “[...] movimento pendular, ou seja, quer via governos neoliberais ‘puros’
[ortodoxos ou radicais], quer pela ação de governos mais próximos ao
social-liberalismo, sendo em ambos os casos os pressupostos fundamentais do
neoliberalismo se mantêm essencialmente preservados” (ANTUNES, 2018, p. 267).
O governo nacional de Fernando
Collor de Melo (1990-1992) foi o primeiro a adotar o receituário neoliberal ortodoxo.
Em 1991, o Partido dos Trabalhadores (PT), que forjou um governo paralelo,
elaborou uma proposta de política nacional de segurança alimentar e nutricional,
que foi apresentada ao governo Collor e que não se interessou. Após o seu impeachment, o PT reapresentou esta
proposta ao novo presidente da República, Itamar Franco (1992-1994), que em
maio de 1993 criou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).
Este Conselho tinha como principal objetivo coordenar a elaboração e a implementação
do Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria, que estava voltado para as 32
milhões de pessoas em situação de fome e pobreza extrema no país. Porém, este
Plano não tocou no padrão de acumulação que agravava a
pauperização absoluta, exatamente por estar articulado a uma política econômica
neoliberal. Em julho de 1994, o CONSEA convocou a I
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que ampliou o
conceito de segurança alimentar, com a incorporação da dimensão nutricional, e confirmou
a concentração da renda e da terra como uma das principais causas da situação de
insegurança alimentar e nutricional, que corresponde a uma das expressões da
“questão social” agravada nesse contexto de internacionalização do capital. Como
lembra Iamamoto (2007),
O capital
internacionalizado produz a concentração de renda, em um polo social (que é,
também espacial) e, noutro, a polarização da pobreza e da miséria, potenciando
exponencialmente a lei geral da acumulação capitalista, em que se sustenta a “questão
social” (IAMAMOTO, 2007, p. 111).
Não é por acaso que no ano de
1993 mais de 40% da população estava abaixo da linha da pobreza, sendo que
aproximadamente 20% estavam abaixo da linha da indigência (GONÇALVES, 1999). Contudo, a vitória na eleição para a presidência
da República de Fernando
Henrique Cardoso (FHC), em 1994, significou um retrocesso em várias áreas, em
particular da segurança alimentar e nutricional pois esse ex-ministro da fazenda
do governo anterior, nos seus dois mandatos (1995-2002), buscou consolidar o
projeto neoliberal ortodoxo que solapava as conquistas dos setores
democrático-populares incorporadas na Constituição Federal de 1988 e nas leis sociais dos
anos 1990. Como exemplo, por meio da Medida Provisória nº 813/1995, criou o
Programa Comunidade Solidária e o seu Conselho Consultivo, que extinguiu o
CONSEA. Neste Conselho do Comunidade Solidária, a segurança alimentar e
nutricional foi diluída em seus vários componentes (alimentação e nutrição,
questão agrária, geração de emprego e renda, etc.), perdendo
a sua centralidade (BURLANDY, 2003). Na área de alimentação e nutrição, os programas
que faziam parte da Agenda Básica do Comunidade Solidária mantiveram o caráter emergencial
e assistencialista (SILVA, 2006).
Essa decomposição dos
componentes da segurança alimentar e nutricional, que levou ao máximo a sua
extinção, ocorreu porque o governo FHC considerava que a proposta criada pelo
CONSEA (extinto por esse governo) poderia ser um entrave na exportação de
produtos do
setor primário (agricultura, pecuária, extrativismo), tendo em vista que
a União Europeia e os Estados Unidos poderiam, assim, manter a política de
subsídios e o fechamento dos mercados aos produtos do agronegócio brasileiro. Esse
possível entrave era visto com preocupação pelo governo, que estava disposto a ceder
ao máximo para favorecer a exportação dos produtos do agronegócio no mercado
internacional mundializado. O custo disso
para o país veio acompanhado do aumento da fome, da desnutrição e, de um modo geral,
da insegurança alimentar e nutricional (VALENTE, 2003).
Segundo Lavinas (1998),
nos três primeiros anos do governo FHC
(1995-1997) ocorreu uma melhora no acesso alimentar dos
setores mais pobres da população, que foi decorrente do controle da
inflação e do aumento do salário mínimo ocasionados pela estabilidade criada
pelo Plano Real, mas essa alteração só foi possível de ser notada no cenário
nacional, pois nesse mesmo período houve o aumento da pobreza e da miséria nas
principais metrópoles do país, que foi resultado do crescimento do desemprego,
principalmente entre os trabalhadores menos qualificados. Contudo, a partir de
1997 nota-se uma reversão dessa tendência nacional de melhoria do acesso a
alimentos, que se deve ao efeito conjugado da queda da renda dos trabalhadores
e do aumento do preço da cesta básica. Os programas de enfrentamento à fome e à
pobreza, sobretudo no segundo mandato de FHC, como os programas ministeriais de
transferência direta de renda mínima, não produziram efeitos que pudessem
alterar significativamente essa realidade. Pelo contrário, de acordo com Rocha
(2003), entre os anos 1999 e 2001, o número de indigentes no país aumentou de
8,74% para 10,15%.
Entretanto,
esse contexto de profundo retrocesso social não ocorreu sem resistência dos
setores democrático-populares, que se expressou com a
participação e sistematização de um conceito de segurança alimentar e
nutricional à Cúpula Mundial da Alimentação em 1996; a difusão do conceito no
país; a criação do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN);
da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos; e a elaboração do Projeto
Fome Zero (PFZ) pelo Instituto Cidadania: uma organização do Partido dos Trabalhadores
(PT) presidida, na época, por Luiz Inácio Lula da Silva, que conseguiu ser eleito
em 2002 para a
presidência da República,
em decorrência do descontentamento dos trabalhadores e de frações da burguesia
nacional com os governos de FHC, das transformações da sociedade, do PT e desse
próprio dirigente.
Durante
os seus dois governos (2003-2010), Lula, por meio de uma variante
social-liberal, manteve o projeto neoliberal do governo FHC[5],
pois preservou os interesses do capital financeiro, com a manutenção do superávit
primário associada ao pagamento de juros e encargos da dívida pública, além de
ter reeditado e adotado um conjunto de medidas contrarreformistas.
Assim, seu
governo relegou as ações estruturais do PFZ, como os programas de reforma agrária e
de geração de emprego e renda, que são considerados importantes para atenuar as
determinações da insegurança alimentar e nutricional. Isto é, seu governo limitou-se
a manter um padrão minimalista de intervenção nessa expressão da “questão
social” –, a partir da implementação de ações específicas e locais, como os programas
de transferência direta de renda mínima, de doação e distribuição de cestas básicas,
de aquisição e incentivo à distribuição de leite, dos restaurantes populares e
dos bancos de alimentos –, que produziu efeitos emergenciais consideráveis, mas
sem alterar substancialmente as suas causas reais.
Por meio do PFZ, o
governo Lula recriou em 2003 o CONSEA, que passou a atuar no processo de construção de uma
política nacional para essa área social e criou o Programa Bolsa Família (PBF),
que passou a ser o principal programa do seu governo. Em 2004, o CONSEA convocou
a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN) (BRASIL,
2004), que denunciou a política econômica e o custo da dívida pública, como as
principais causas da insegurança alimentar, da desnutrição e da obesidade de 53
milhões de brasileiros (as), que estavam abaixo da linha da pobreza. Segundo
Filgueiras e Gonçalves (2007), os governos Lula condicionaram as áreas sociais à
política econômica neoliberal ancorada na ideologia do social-liberalismo.
Assim, a compreensão das desigualdades sociais e da pobreza, como também a
forma de conceber e de implementar as políticas sociais, restringiram ao âmbito
da classe trabalhadora e de seus rendimentos, desconsiderando, portanto, os
rendimentos do capital e as causas estruturantes dos problemas sociais.
O CONSEA –, que participou da
elaboração do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN)
instituído pela Lei Orgânica de SAN de 2006, do qual também faz parte –,
convocou a
III CNSAN, em 2007, que apontou que a segurança alimentar e nutricional no país
depende de um conjunto de prioridades estruturais, como: a coordenação de uma política
econômica e social, que subordine o desenvolvimento econômico às prioridades
sociais e à sustentabilidade ambiental; o fortalecimento do papel do
Estado na garantia dos direitos sociais; a realização da reforma agrária, a geração de
emprego e renda, bem como um conjunto de ações específicas e locais. Porém, esta
Conferência não deixou de destacar os avanços
institucionais e a melhora dos indicadores sociais, que demostraram ter havido uma diminuição da pobreza absoluta e da fome
desde 2003, mas sem ocorrer uma redução substantiva das desigualdades,
principalmente fundiária (BRASIL, 2007).
Iamamoto (2013), ao se basear no
relatório da ONU-PNUD
(PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2010), aponta que dos
15 países com maior desigualdade no mundo, dez estão localizados na América
Latina e Caribe, sendo que o Brasil e o Equador possuem o terceiro pior Índice
Gini: 0,56 (quanto mais próximo de 01 o coeficiente, mais desigual é o país).
Além disso, a autora aponta que o grau de concentração de propriedade da terra
no Brasil não sofreu nenhuma alteração significativa desde 1985, pois destaca
que no 10º Censo Agropecuário 2006, do IBGE, o Índice de Gini (indicador da desigualdade
da propriedade fundiária) registrou 0,854 pontos, praticamente o mesmo das
pesquisas anteriores: 0,856 pontos na pesquisa
de (1995-1996) e 0,857 pontos na de 1985. Essa “[...]
desigualdade é indissociável do processo de ‘modernização produtiva’ e da
inserção do país no competitivo mercado mundial de commodities agrícolas,
atualizando sua condição histórica de economia agroexportadora [...]” (IAMAMOTO,
2013, p. 327), tendo em vista que a autora chama atenção para a compra de
terras por grandes conglomerados financeiros mundiais, sem controle público, voltados
à produção de produtos agropecuários para exportação, à disputa pela água, por
recursos minerais e pela biodiversidade.
Entretanto,
Iamamoto (2013), ao considerar o relatório A
década inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda (INSTITUTO
DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2012), constata que, embora a desigualdade
brasileira esteja entre as doze mais altas do mundo, ela esteve em queda, pois o
Índice de Gini, nessa década, de 0,53 pontos foi o menor desde os registros
nacionais iniciados em 1960. Essa inédita redução da desigualdade de renda – e
não da concentração da propriedade e de capital –, identificada pelo IPEA
(2012) nesse período, teve como fontes, captadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD): o trabalho (58%), a previdência (19%), o Programa
Bolsa Família (13%), o Benefício de Prestação Continuada (4%) e outras rendas, como
aluguéis e juros (6%). Assim, nota-se que a redução da desigualdade de renda
esteve atrelada ao trabalho e às prestações sociais previdenciárias. Porém, sem
os programas e benefícios assistenciais de transferência direta de renda mínima,
essa desigualdade de renda teria caído 36% menos nessa década (INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA, 2012).
Apesar desses
avanços no enfrentamento da desigualdade de renda, da pobreza absoluta e de
outras conquistas
no campo jurídico-político[6], o governo de Dilma Rousseff
(2011-2016), também eleita pelo PT, deu continuidade à vertente social-liberal,
ao manter a política econômica neoliberal e o padrão minimalista de intervenção
nas expressões da “questão social”. A exemplo, manteve o PBF, criou o Plano
Brasil sem Miséria e o Programa
Brasil Carinhoso, mesmo os sujeitos mais progressistas denunciando as reais determinações
da fome e da insegurança alimentar no país, o que demonstra que as causas
estruturantes dessas expressões da “questão social” não vêm ganhando
centralidade na formulação e implementação das políticas sociais ou, como apontou
Pinheiro e
Carvalho (2010), não vêm tendo impacto nos arranjos político-institucionais dessa área
social.
Nos
dois governos Dilma, por exemplo, o CONSEA convocou duas conferências
nacionais. Nos respectivos relatórios destas duas Conferências há um reconhecimento
dos avanços obtidos no campo jurídico-político e no enfrentamento da insegurança
alimentar e nutricional no país, que conseguiu, em 2014, sair pela primeira vez
do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Contudo, estes dois
documentos destacam que a insegurança alimentar e nutricional persiste,
particularmente entre os povos indígenas, as comunidades tradicionais, as
populações urbanas em situação de rua e miséria, a comunidade LGBTQIA+, as
pessoas com deficiência, os segmentos da população negra e, em especial, entre as
mulheres que são as principais ou únicas responsáveis pelos meios de
subsistência de suas famílias. As causas desse estado permanente de insegurança
alimentar e nutricional estão relacionadas à contradição entre capital e trabalho
e às particularidades que o capitalismo dependente assume na formação social
brasileira, como se pode concluir do relatório da IV CNSAN:
[...] nosso país ainda se defronta com
contradições e desafios decorrentes de nosso histórico de desigualdade social e
racial, das marcas deixadas pelo autoritarismo no Estado brasileiro e de um
sistema político que limita a representação democrática. Estão suficientemente
demonstrados os danos causados pelo modelo agrícola concentrador de terra, pela
monocultura intensiva em agrotóxicos e os riscos da
utilização dos transgênicos (BRASIL, 2012, p. 14).
Com
a realização da V CNSAN, em 2015, procurou-se assegurar a manutenção das conquistas nessa
área social e resistir aos retrocessos e ameaças à democracia liberal
brasileira (BRASIL, 2015). Porém, com o impeachment
da presidenta
Dilma em 2016, que se traduziu em um golpe institucional, e a posse do seu
vice, Michel Temer e, logo em seguida, com a vitória na eleição de 2018 para a
presidência da República do candidato da extrema direita, Jair Messias
Bolsonaro, iniciou-se um período da história do país marcado pelo aumento do conservadorismo, do neofascismo, do
negacionismo e por um neoliberalismo radicalizado, que vem agravando a fome
e a insegurança alimentar e nutricional, com o desmonte dessa área social e
adoção de medidas emergenciais e assistencialistas, em particular no contexto
da pandemia da COVID-19.
A insegurança alimentar e
nutricional no contexto dos governos neoliberais de extrema direita e da COVID-19
O agravamento da insegurança alimentar e
nutricional e principalmente da fome, como expressões da “questão social”, tem uma relação direta com as crises inerentes ao modo de
produção capitalista e que afetam principalmente a maioria trabalhadora. Segundo
Teixeira (2022), “[...] a fome tem uma relação direta com as crises econômicas
em uma sociedade salarial. Se a forma de acesso a bens e serviços é o salário e
a renda, a ausência destes leva a população à situação de fome [...]” (TEIXEIRA,
2022, p. 454), que já aumentava, pois “[...] os dados da Pesquisa de Amostra de
Domicílios POF (2017-2018) apontavam que a fome voltava a crescer no Brasil
desde 2016” (TEIXEIRA, 2022, p. 454). Esse
aumento da fome e da insegurança alimentar e nutricional, em tempos de crise,
está também associado à atuação do Estado, que, em momentos como esse, tende,
ainda mais, a priorizar os interesses do capital, sobretudo financeiro, em detrimento
das necessidades sociais da maioria trabalhadora.
A FIAN BRASIL, sem desprezar os avanços e os
desafios herdados pelos governos anteriores, apresentou, por meio de um
informe, os retrocessos gerados com
esse golpe institucional de 2016: na capacidade do Estado de garantir a proteção
social e de combater à fome, com a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 e com os
projetos de contrarreforma da previdência social e trabalhista; na promoção de sistemas sustentáveis de produção e consumo
de alimentos nutricionalmente adequados, com a ampliação do poder da bancada
ruralista no Congresso Nacional e com a implementação de um conjunto de medidas
contrarreformistas (extinção do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, fragilização da concepção, da institucionalidade e dos
programas voltados para a agricultura familiar, desqualificação da reforma
agrária, desconstrução dos direitos constitucionais dos povos indígenas,
aumento da precarização dos órgãos de proteção aos povos e comunidades
tradicionais e do racismo institucional); na abordagem intersetorial e
participativa da segurança alimentar e nutricional como direito, em decorrência
do descaso com as experiências de democracia participativa e da interrupção das
ações nessa área, que estão atreladas ao corte orçamentário; e no agravamento
da criminalização e da violência dos movimentos sociais e entidades de defesa
de direitos humanos (FIAN BRASIL, 2017). Desse modo, pode-se notar que o
agravamento da fome e da insegurança alimentar pós golpe institucional de 2016
é decorrente das medidas do Estado, que promoveram o desmonte das políticas e
dos programas da área da segurança alimentar e nutricional, em particular os
voltados aos camponeses, e que, ao mesmo tempo, favoreceram os interesses do
agronegócio exportador. Como também aponta Cunha (2017),
[...] as iniciativas agrárias do governo
Temer significam um duro golpe contra os direitos e programas voltados aos
camponeses, com a extinção de ministérios, órgãos e programas que lhes
favoreciam. O apoio oficial irrestrito ao agronegócio vem possibilitando o
avanço da fronteira agrícola sobre territórios ocupados pelos camponeses, com
efeitos nefastos sobre as políticas fundiárias e de distribuição da propriedade
e renda no campo. Mas não só isso, a violência crua se recrudesceu, materializando-se
em mortes e violências as mais diversas, com crescimento dos envolvidos em
conflitos por terra e água. Enquanto isso, a ideologia dominante encontrou o
seu jargão preferido, ‘o agro é pop’ (CUNHA, 2017, p. 321-322).
Em apenas um ano, a
Síntese de Indicadores Sociais do IBGE mostrou um aumento da pobreza, entre
2016 e 2017, de 52,8
milhões para 54,8 milhões de pessoas; e da pobreza extrema de 13,5 milhões para
15,2 milhões de pessoas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018).
Ao mesmo tempo, o agronegócio, com subsídios do Estado, vem batendo recordes com
a venda de produtos agrícolas para o exterior, mas sem que isso se reverta, nacionalmente,
na ampliação de empregos e no atendimento às demandas da população por uma alimentação
em quantidade e de qualidade.
Com a eleição para a presidência da República do
candidato Bolsonaro, hoje filiado ao Partido Liberal (PL), alçou ao poder um
governo neoliberal de extrema direita, com nítidas características neofacistas
e negacionistas, que vem aumentando a pobreza e a fome no país, com a
implementação de um programa que favorece o mercado, do qual fazem parte: a contrarreforma da previdência
social; o Plano Mais Brasil constituído pela Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) Emergencial, PEC dos Fundos, PEC do Pacto Federativo; e o
projeto de contrarreforma da administração pública.
No âmbito da segurança
alimentar e nutricional, o SISAN vem passado por um acelerado desmonte, que
envolve: a extinção do CONSEA e da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional, que tinha um papel importante na coordenação intersetorial da PNSAN,
na descentralização do Sistema e na gestão de programas estratégicos; a
focalização ainda maior nos usuários/beneficiários do PBF, em razão do orçamento
de 2020 inferior ao de 2019 e da utilização de critérios para o cancelamento de
benefícios; a desativação da CAISAN e a não convocação da VI Conferência
Nacional, prevista para acontecer em 2019 (FIAN BRASIL, 2017); a redução drástica de recursos financeiros
para este Sistema, que, em 2014, tinha um orçamento de 2,5 bilhões e que passa a
dispor, em 2019, apenas de R$ 447 milhões; e o
desmantelamento das ações voltadas para a agricultura familiar, assentamentos
rurais, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (FÓRUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL et al., 2020).
Neste
sentido, cabe destacar o aumento do desmatamento e da degradação florestal, que
favorece o sistema agroindustrial, conhecido como agronegócio, sobretudo na
Amazônia. Segundo
Azevedo (2022), “[...] a Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (IPAM) [aponta que], no período de agosto de 2018 a julho de 2021, o
desmatamento na Amazônia aumentou 56,6% em relação ao mesmo período em anos
anteriores, só em Unidades de Conservação o aumento foi de 63,7%” (AZEVEDO,
2022, p. 492). A autora ainda demonstra, a partir dessa nota do IPAM, que esse
desmatamento tem sido favorecido por medidas governamentais, que passam pelo
corte no orçamento, substituição de gestores a frente de experiências exitosas,
flexibilização das penalidades, desmonte das instâncias de governança e de participação
social e desarticulação institucional.
Essas medidas, que
fazem parte do programa neoliberal do governo de extrema direita de Bolsonaro e
que vêm promovendo o desmonte da política ambiental e, de um modo geral, das
políticas sociais, agravaram ainda mais a pandemia da COVID-19, que vem expondo
a olho nu a forma pela qual o capitalismo explora a força de trabalho,
principalmente os setores pauperizados, constituídos por homens e mulheres
negras, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais.
A PENSSAN realizou um inquérito
nacional em 2020, com o objetivo de analisar a insegurança alimentar no Brasil
no contexto da pandemia da COVID-19; e constatou que 55,2% dos domicílios
brasileiros possuíam moradores(as) em estado de insegurança alimentar e
nutricional, e 9% de domicílios conviviam com a fome. Em outros termos, do
total de 211,7 milhões de brasileiros (as), 116,8 milhões conviviam com algum
grau de insegurança alimentar e nutricional, destes 43,4 milhões não tinham
alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros (as) enfrentavam
a fome. A situação de insegurança alimentar e
nutricional grave foi maior quando a pessoa estava desempregada e com o
trabalho informal; e nas pessoas do sexo feminino ou de raça/cor da pele
autodeclarada preta/parda ou com menor escolaridade. Este inquérito
nacional identificou que a crise econômica e política, dos últimos anos,
agravou ainda mais a pandemia da COVID-19 e seus resultados demonstram que o
país possui hoje dois mapas da fome: “[...] um é o Mapa Geográfico, como mostram
as desigualdades regionais relativas à [insegurança alimentar e nutricional] e
fome; [e] o segundo, um Mapa Humano, mostrando que poucos detêm o direito
humano à alimentação adequada e saudável” (REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E
SEGURANÇA ALIMENTAR, 2021, p. 54).
Entretanto, com essa crise
pandêmica, o governo Bolsonaro não demonstrou a mesma agilidade e o interesse
de investir na área social, como teve ao divulgar, por meio do Banco Central,
um pacote de medidas, que liberou aos bancos, em 24 de março de 2020, um valor
dez vezes maior do que foi gasto durante a crise de 2008, ou seja, cerca de R$
1,2 trilhão para empréstimos a pessoas e empresas, como forma de atenuar as
consequências da crise, mas que foram decisivas para o lucro de 24,3 bilhões dos
quatro maiores bancos no país no 1º semestre de 2020
(SALVADOR,
2020).
Por essa razão, a
situação de fome e de insegurança alimentar e nutricional, como expressões da
“questão social”, vem sendo agravada por medidas contrarreformistas
do Estado, que favorecem o capital de dominação financeira, mesmo aquelas
nomeadas pelos governos neoliberais de políticas de combate à fome e à pobreza,
como os programas de transferência direta de renda mínima, que são concebidos, aceitos
e adotados por esses governos, de diferentes matizes, por estarem atrelados às
falhas de mercado. Como esclarece Castelo (2008), na visão do
social-liberalismo e, mais ainda, do neoliberalismo radicalizado, como se pode
aqui incluir, “[...] o pauperismo não deve ser atribuído à dinâmica da
acumulação capitalista e a inserção subordinada do Brasil no mercado mundial
[...], mas sim às falhas de mercado e a não-dotação de certos ativos por parte
dos pobres” (CASTELO, 2008, p. 30).
Logo, não é de estranhar
que num cenário de crise pandêmica, no qual a “questão social” está mais
maximizada, a opção pelo governo neoliberal de extrema direita de Bolsonaro tenha
sido a de propor um Auxílio Emergencial, que expressa uma das formas emergenciais
recorrentes na atualidade de enfrentar a fome e a insegurança alimentar e
nutricional, mas que não alteram as suas causas reais. Teixeira (2022), nessa
direção, demonstra a má gestão da crise sanitária por parte deste governo, com “[...]
a não existência de um plano para a crise, a ausência de uma resposta econômica
aos efeitos da pandemia, especialmente na relação com os alimentos [...]” (TEIXEIRA,
2022, p. 455); e lembra que o governo demorou a propor o Auxílio Emergencial.
Além de demorar a tomar
iniciativa, o governo Bolsonaro, quando resolveu se posicionar, propôs um
Auxílio Emergencial no valor ínfimo de R$ 200,00, que foi ampliado pela pressão
dos setores democrático-populares no Congresso Nacional, mas que desconsiderou
o marco jurídico da política de assistência social, que prevê ações para
situações de vulnerabilidade e de calamidade pública, bem como a Lei nº 10.835/2004,
que institui a renda básica de cidadania. A implementação desse Auxílio foi
marcada pela burocratização e outras inúmeras dificuldades (longas filas, falta
de explicação e orientação, demora no pagamento etc.). Por meio da Medida Provisória
nº 1.061/2021, o governo Bolsonaro revogou o PBF, que, apesar das suas
limitações, apresentou avanços desde 2003 no enfrentamento da fome, e instituiu
o Programa Auxílio Brasil, como uma estratégia
político-eleitoreira e clientelista. De acordo com Boschetti (2022), “[...]
é um programa populista, casuístico, eleitoralista,
clientelista, forjado para, como o presidente aprendeu bem, ‘manter-se no poder’
[...]” (BOSCHETTI, 2022, não paginado); e que tem um impacto político num
cenário marcado por milhões de trabalhadores desempregados e com ocupações
informais.
Porém, o Auxílio Brasil está muito aquém de atender
o universo de usuários em situação de fome e insegurança alimentar e
nutricional, que aumentou nos últimos anos, principalmente nesse atual contexto
da pandemia da COVID-19, como demonstram as recentes pesquisas. Além disso, está
longe de enfrentar as diversas manifestações de insegurança alimentar e nutricional,
principalmente quando se nota que o governo Bolsonaro vem mantendo a tendência de privilegiar programas
de transferência direta de renda mínima em detrimento de políticas e serviços
sociais. A esse respeito, pode-se identificar que o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (PLOA) para 2023 prevê, por um lado, o aumento de recursos
para o Auxílio Brasil, mas sem manter o valor de R$ 600,00 (definido a partir
da PEC 15/22 e prometido na campanha eleitoral para a presidência da República
pelo Bolsonaro), ou seja, apenas o valor médio de R$ 405,00, que está sendo proposto;
e, por outro lado, o PLOA 2023 prevê cortes expressivos no orçamento das
políticas garantidoras de direitos sociais; em particular, uma redução drástica
de recursos para ações de segurança alimentar e nutricional, que vem acompanhada
praticamente da extinção de importantes programas dessa área social.
Diante desse cenário
trágico, os setores democrático-populares vêm reivindicando a revogação da
EC-95/2016, das contrarreformas (trabalhistas e da previdência social) e o
fortalecimento do Estado na garantia dos direitos sociais, como forma de
avançar no enfrentamento das manifestações da insegurança alimentar e
nutricional, apreendidas aqui como expressões da “questão social”, que só serão
definitivamente superadas, como ressalta Teixeira (2022), com a construção de
outra ordem societária, que passa pela organização e conquista do poder popular
pela maioria trabalhadora, como forma de projetar uma sociedade, na qual produtores/as sejam livres, e possam livremente
ser associados/as.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho,
chamou-se atenção para a apreensão da fome e da insegurança alimentar e
nutricional, como expressões da “questão social”, tendo em vista que essa forma
de compreender esses problemas sociais podem contribuir com a práxis emancipatória
fundamental para construir uma outra ordem societária. A teoria social de Marx e Engels e da tradição
marxista constituem, nesse caso, em um referencial teórico-metodológico importante
para apreender que as raízes dessas manifestações da “questão social” estão atribuídas
à lei geral de acumulação capitalista e às particularidades que ela assume no
capitalismo dependente brasileiro. Desse modo, foi possível notar que –,
diferente das análises sobre o problema da fome e da insegurança alimentar e
nutricional, como uma questão natural, biológica, individual e/ou como uma
“nova questão social”, que não considera suas raízes históricas no conflito entre
capital e trabalho –, as causas desses problemas sociais rementem à produção de
riqueza e, por consequência, à produção reiterada de pobreza e de desigualdades,
tendo em vista que estão relacionadas à concentração de renda, de terra, ao racismo,
ao patriarcado, ao autoritarismo e às formas de intervenção do Estado capitalista na
economia e no social.
Pôde-se notar que a
persistência da fome numa econômica capitalista dependente, como a brasileira, vem
contribuído, desde o início do século XX, com a organização de sujeitos coletivos
e individuais, que lutaram e lutam para combater essa expressão da “questão
social”, como Josué de Castro, cuja história intelectual e política se confunde
com a história do enfrentamento à fome no país e no mundo. Em decorrência da
luta desses sujeitos progressistas, constatou-se que, com a redemocratização do
país, a fome passou a ser considerada como uma expressão nefasta da insegurança
alimentar e nutricional, e que importantes avanços jurídico-políticos ocorreram
desde então nessa área social. Entretanto, a dinâmica da neoliberalização
iniciada no país nos anos 1990 se expressou com governos nacionais de
diferentes matizes, que, sem desprezar os princípios fundamentais do
neoliberalismo, assumiram formas particulares de conceber e enfrentar essas
expressões da “questão social”.
Nos governos
neoliberais ortodoxos (Collor, Itamar e principalmente FHC), notou-se que a
fome, como uma das manifestações da insegurança alimentar e nutricional, agravou-se
em decorrência do padrão de acumulação capitalista, da inserção subalterna do
país no mercado mundial e da política econômica neoliberal, que não alteraram a
concentração de terra e de renda. Embora tenha ocorrido, nos primeiros anos do
Plano Real, um aumento do salário mínimo que permitiu,
nacionalmente, uma melhora do acesso alimentar dos setores mais pauperizados da
população, sobretudo nas áreas rurais; nesse mesmo período, nas regiões
metropolitanas do país ocorreu o aumento da pobreza. A situação agravou-se a partir
de 1997 com o aumento da indigência, que evidenciava que os programas de
enfrentamento à fome estavam muito aquém de alterar esse quadro, principalmente
porque as ações dos governos FHC não se orientaram pela proposta de segurança
alimentar e nutricional criada pelo CONSEA em 1994. Pelo contrário, este
Conselho foi extinto e a concepção e as ações de segurança alimentar e
nutricional, nos governos FHC, foram diluídas em seus componentes básicos, o
que acarretou praticamente a sua extinção, embora tivesse ocorrido, em alguns
momentos pontuais, a retomada do tema na agenda governamental, muito em
decorrência da pressão dos setores progressistas da sociedade.
Nos
governos nacionais do PT (Lula e Dilma), que adotaram o neoliberalismo pela
vida do social-liberalismo, identificou-se que as causas da fome como uma das manifestações
da insegurança alimentar e nutricional e uma das expressões da “questão social”
continuaram atreladas ao padrão de acumulação capitalista e a inserção
subalterna do país no mercado mundial. Contudo, percebeu-se que, diferente dos
governos FHC, esses governos adotaram uma concepção de segurança alimentar e
nutricional, que orientou a construção de leis e normas, a institucionalização de conselhos,
sistemas, políticas e programas sociais, que, mesmo possuindo muitas contradições
e limitações, foram considerados fundamentais para assegurar o direito à
alimentação e à segurança alimentar e nutricional.
Não por
acaso, constatou-se, a partir desses avanços político-institucionais, uma melhora
dos indicadores sociais, que se expressou com a redução da fome e a retirada do
país, pela primeira vez, do Mapa da Fome da ONU. Porém, identificou-se que, apesar
da redução inédita da desigualdade de renda e da pobreza absoluta, não houve
nesse período uma redução da concentração da propriedade e de capital. Além
disso, se é bem verdade que o conjunto de ações especificas e locais
emergenciais foram importantes para atenuar a fome e a pobreza absoluta, não
foram elas que produziram os maiores impactos. Notou-se que essa alteração foi
atribuída principalmente ao trabalho e em particular ao
aumento do salário mínimo, que foi maior do que nos governos de FHC, e as prestações sociais previdenciárias,
mas que não foram suficientes para alterar o quadro de insegurança alimentar e
nutricional que persistia entre os segmentos da população mais pauperizados
(como índios, pessoas em situação de rua, com deficiência, da comunidade LGBTQIA+,
homens negros e principalmente as mulheres negras), nem mesmo para alterar os
pilares estruturantes das desigualdades.
Nos governos de
extrema direita (Temer e Bolsonaro), que optaram, em um contexto de crise, por uma vertente radicalizada do
neoliberalismo, constatou-se que a política econômica e as medidas contrarreformistas de destruição dos direitos e de degradação
do meio ambiente produziram um acelerado desmonte da política de segurança
alimentar e nutricional, com a extinção do CONSEA, de secretárias e de
programas; com a fragilização de ações ligadas à agricultura familiar e à
reforma agrária; e com a redução drástica de recursos financeiros para
essa área social. Por consequência, identificou-se que essas medidas agravaram
à fome e à insegurança alimentar e nutricional no país, principalmente nos
setores da população, que estão desempregados, subempregados e na informalidade
e que são constituídos, sobretudo, por homens e mulheres negras. Assim, o Brasil
retornou ao Mapa da Fome.
A gravidade aumentou
com a pandemia da COVID-19 e com as medidas do governo Bolsonaro que favoreceram,
nesse contexto, principalmente o agronegócio e o capital financeiro. A
implementação do Auxílio Emergencial e posteriormente do Auxílio Brasil, embora
tenha tido efeitos emergenciais no contingente de trabalhadores desempregados,
subempregados e informais, foi usada como uma estratégia político-eleitoreira
por parte do governo Bolsonaro, que não atendeu o universo de usuários em situação de
fome e muito menos as diversas manifestações de insegurança alimentar e
nutricional país.
Assim,
pôde-se notar que a dinâmica da neoliberalização pela lente dos governos
nacionais assumiu particularidades no tocante ao enfrentamento dessas
expressões da “questão social”, mas em todo período analisado as ações
estruturantes não foram colocadas como prioridade, apenas aquelas que mantém a ordem
social vigente. Desse modo, cabe dizer que o enfrentamento dessas expressões da “questão
social”, que leve também em consideração a sua totalidade, só é possível com a
construção de outra ordem societária, na qual não haja nenhuma forma de
exploração, dominação, opressão e injustiça social.
Referências
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afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.
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Robson Roberto SILVA
Possui graduação em
Serviço Social (2005) e mestrado em Política Social (2007), ambos pela Escola
de Serviço Social (ESS) da Universidade Federal Fluminense (UFF). É especialista
em Serviço Social, Direitos Sociais e Competências Profissionais (2010) pela Universidade
de Brasília (UNB). Doutor em Serviço Social pelo
Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Pós-doutor em Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação
em Serviço Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto da ESS da UFF de Niterói,
onde participa como pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Desenvolvimento Capitalista, Trabalho e Política Social (GPODE). Tem
experiência profissional em ensino na área de Fundamentos de Serviço Social e
em pesquisa e extensão relacionadas às políticas sociais e aos espaços
sócio-ocupacionais de atuação dos assistentes sociais. Sua produção acadêmica
concentra-se nas áreas: avaliação e gestão de políticas sociais; seguridade
social e política de assistência social; e Serviço Social.
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* Assistente Social. Doutor em Serviço Social. Professor Adjunto da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. (UFF, Niterói, Brasil). Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n° Campus do Gragoatá, Bloco E, São Domingos Niterói, Rio de Janeiro (RJ), CEP: 24210-201. E-mail: robson.essuff@gmail.com.
© A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial. O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
[1] Segundo Boschetti e Behring (2021, p. 73),
“[...] o ultraneoliberalismo é reforçado também por
um reacionarismo violento — neofascista —, que se evidencia em discursos e
ações de criminalização das lutas sociais e do pensamento de esquerda, que
fortalece o negacionismo e persegue a autonomia da pesquisa, da formação e da
produção de conhecimento, com ataques virulentos contra as universidades públicas.
O conservadorismo moral negligência os direitos humanos e as conquistas
civilizatórias no campo da cidadania constitucional. A investida contra os
direitos conquistados pelas mulheres na forma de crítica à ‘ideologia de gênero’
se adensa com uma profunda LGTBfobia, manifestações
racistas e destruição da vida dos povos originários”.
[2] Como lembra Netto (2001, p. 28) “[...] tomar
a ‘questão social’ como problemática configuradora de uma processual específica
é remetê-la concretamente à relação capital/trabalho –, o que significa,
liminarmente, colocar em xeque a ordem burguesa”.
[3] Estudos recentes vêm aprofundando e trazendo novos e velhos
elementos sobre a gênese da “questão social” no Brasil. Segundo Castelo (2021,
p. 95-96), “Dentre as polêmicas, apresentamos
uma contribuição sobre os estudos das origens da ‘questão social’ no Brasil.
Afinal, quando ela surge? Comumente a ‘questão social’ é apresentada na
literatura especializada do Serviço Social como produto da Era Vargas ou do
período colonial. No nosso caso, trazemos para o debate a hipótese da origem da ‘questão social’ estar localizada no início do Segundo Reinado”.
[4] Sobre essas ações, ver Burlandy
(2003) e Silva (2006).
[5] De acordo com Filgueiras e Gonçalves
(2007), o governo Lula manteve a mesma política
econômica executada pelo governo FHC. Segundo Coutinho (2008, p. 141), “Lula desarmou
as resistências ao modelo liberal-corporativo e abriu assim caminho para uma
maior e mais estável consolidação da hegemonia neoliberal”.
[6] Ainda sobre os avanços,
destaca-se a criação de decretos, leis e emendas constitucionais direcionadas a
essa área social, como o Decreto nº 6.273/2007 que instituiu, como instância do SISAN, a Câmara
Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN); a Lei nº 11.947/2009,
que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro
Direto na Escola aos estudantes da educação básica; a Emenda Constitucional nº 64/2010,
que alterou o artigo 6º da
Constituição Federal de 1988, incluindo o direito à alimentação como
um direito social; e o
Decreto nº 7.272/2010, que regulamentou a lei que criou o SISAN;
instituiu a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), e
estabeleceu os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional.