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Infância, adolescência e direitos sexuais no Brasil:

conservadorismo em azul e rosa


Childhood, adolescence and sexual rights in Brazil: conservatism in blue and pink

 

Ana Paula PENANTE*

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-3449-8674

 

Adrianyce A. Silva de SOUSA**

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-4092-3438

 

Resumo: O presente artigo busca analisar, sob a ótica dos direitos sexuais, as disputas políticas entre as forças sociais da sociedade e do poder público, ao agendar o debate sobre os direitos sexuais das crianças e dos adolescentes no contexto brasileiro. Por meio de uma pesquisa exploratória, realizamos análise documental dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes. Identifica-se que, no marco da sociedade capitalista, o debate brasileiro sobre os direitos sexuais de crianças e de adolescentes é tensionado a partir de duas perspectivas centrais: a primeira, que, imbuída pela lógica da tutela, restringe o exercício da sexualidade ao segmento etário adulto; e a segunda, que fundamentada no paradigma dos direitos humanos, busca assegurar o direito ao desenvolvimento pleno de crianças e de adolescentes, compreendendo a sexualidade como parte do processo de socialização e de construção do gênero humano.

Palavras-Chave: Infância e Adolescência. Direitos Sexuais. Direitos Humanos. Emancipação.

 

Abstract: This article analyses the political disputes between the social forces of society and public power, from the perspective of sexual rights, by opening a debate on the sexual rights of children and adolescents in the Brazilian context. Through exploratory research, we carried out a documentary analysis of the sexual rights of children and adolescents. We identified that, within the framework of capitalist society, the Brazilian debate on the sexual rights of children and adolescents is tensioned from two central perspectives: the first, imbued by the logic of guardianship, seeks to restrict the exercise of sexuality to adults; and the second, based on the paradigm of human rights, seeks to ensure the right to the full development of children and adolescents, understanding sexuality as part of the process of socialisation and the make-up of the human race.

Keywords: Children and adolescence. Sexual rights. Human rights. Emancipation.

 

Submetido em: 30/8/2022. Revisto em: 12/12/2022. Aceito em: 20/1/2023.

 

 

Introdução

 

O

s estudos sobre infância e adolescência possuem largo histórico[1], entretanto, no nosso entendimento, são recentes as análises que se debruçam sobre a infância e a adolescência, em suas particularidades históricas, a partir de uma perspectiva ontológica[2]. Nesse texto, partimos da compreensão ontológica e, por isso, localizamos a infância e adolescência[3] como categorias pertencentes ao desenvolvimento do gênero humano. Nesse sentido, possuem dinamicidade e legalidade próprias, assim como têm autonomia relativa diante do modo pelo qual o ser social, no desenvolvimento histórico social, produz a sua existência material.

 

Assim, situamos a infância e adolescência nas contradições da dinâmica capitalista, sociabilidade na qual a plena realização do gênero humano está cerceada pela lógica da mercadoria. Isto implica considerar que os sujeitos sociais expressam limites, tanto em suas capacidades criadoras e autocriadoras, dada sua apartação do trabalho e seu produto, como nas dimensões humanizadoras daí decorrentes, como a sociabilidade, a consciência, o pertencimento ao gênero e o exercício de liberdade, assumindo, pois, nessas dimensões a positividade burguesa (NETTO, 1981). Nos termos de Lessa (2007),

 

[...] nem todas as objetivações/exteriorizações assumem papel positivo no desenvolvimento da generalidade humana. [...] tais objetivações, ao invés de contribuir com o devir-humano dos homens, se transmutam em negação da essência humana, em expressão da desumanidade criada pelo próprio homem (LESSA, 2007, p. 125).

 

Logo, localizamos a sexualidade como uma dimensão estritamente social, posto que decorrente do processo de socialização e do afastamento da determinação meramente instintiva ligada ao ato de reprodução da espécie. Uma dimensão social, parte do processo de socialização e construção do gênero humano, que se particulariza historicamente. Considerando que “[...] a substância de cada indivíduo é dada pela direção e pelo tipo das relações que esse indivíduo estabelece com o mundo [...]” (LESSA, 2007, p. 111), a sexualidade, a nosso ver, assume formas que serão mediadas por outros múltiplos processos como parte constitutiva e constituinte, a exemplo: a racionalidade; a afetividade; a construção dos corpos; o prazer; as carícias; o sexo; os desejos; a fantasia; a relação com as/os outras/os e consigo mesma/o; o sentimento de pertencimento social; e demais manifestações (PENANTE, 2018). Isso significa dizer que o que se coloca na imediaticidade social, na aparência dos processos, são já as formas e expressões da sexualidade atravessadas por um modo de ser e de existir de uma dada sociabilidade, a burguesa, cujas profundas contradições são estereotipadas em uma sexualidade compreendida a partir de binômios como “[...] certo/errado, normal/patológico, precoce/tardio, moral/imoral, masculino/feminino, heterossexual/homo-bi-pansexual; adulto/infantil” (PENANTE, 2018).

 

Tendo estes pressupostos, procuramos discutir, nesse texto, a questão da sexualidade de crianças e de adolescentes, visibilizando como as contradições mencionadas anteriormente vão se expressar na ótica dos direitos sexuais positivados[4] na particularidade brasileira. Para subsidiar nossas reflexões, realizamos um estudo exploratório, em documentos de primeira mão, acerca dos direitos humanos e dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes, uma vez que a pesquisa exploratória visa a “[...] desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista, a formulação de problemas mais preciosos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 2006, p. 27).

 

O levantamento documental utilizou como marco histórico o período entre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990) e a Nota Pública sobre Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes (2017) expedida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Também foram incluídos, nos eixos de análise, os documentos internacionais que subsidiaram a construção do ECA e, anteriores ao período histórico delimitado. Nessa direção, o arcabouço documental foi selecionado considerando também os principais documentos mencionados ou discutidos nos Grupos de Trabalho do II Congresso Brasileiro de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, realizado em 2018. Além disso, foram levantadas iniciativas como campanhas e projetos de abrangência nacional com relevância para o tema e/ou com repercussão midiática, a fim de ilustrar o campo de disputa ideopolítica presente na realidade brasileira.

 

Nossas análises identificaram que a lógica adultocêntrica, marcada pela prática tutelar e pela vitimização, é a que tem hegemonizado a agenda pública e referenciando legislações, programas e projetos voltados a crianças e adolescentes. Não comparece assim, a nosso ver, a sexualidade na infância e na adolescência como autônoma, a partir de uma perspectiva crítica de direitos sociais.

 

Direitos sexuais de crianças e de adolescentes?

 

Práticas que focalizam a violação e a vitimização são muito comuns no âmbito da defesa dos direitos de crianças e de adolescentes. Primeiro, pela prepotência adulta de enxergar a criança como um ser frágil e inferior, perspectiva que enaltece o papel do adulto como salvador ou herói. Segundo, porque seria por demais subversivo romper com todos os valores judaico-cristãos que colocam a criança no lugar passivo de apenas receber proteção[5]. Por exemplo, a prática vitimizadora pode ser observada, em nossa sociedade, quando não existe tabu ou constrangimento em falar de crianças ou de adolescentes que são vítimas de violência sexual, todavia apresenta-se grande dificuldade em dialogar sobre a distribuição de camisinhas nas escolas ou sobre o respeito a meninas e a meninos homossexuais.

 

Em oposição a práticas tutelares, os direitos sexuais são compreendidos como aqueles que dizem respeito “[...] à igualdade e à liberdade no exercício da sexualidade” (ÁVILA, 2003, p. 466). E, nesse campo, ainda que a compreensão da sexualidade não seja ontologicamente fundada, ela é importante para trazer para o campo teórico, político e ideológico um quadro mais denso para pensar e tratar a sexualidade e os direitos sexuais.

 

A entrada do sexo e da sexualidade no panorama dos direitos amplia as possibilidades de entendimento a respeito da abrangência das relações sociais ligadas às dimensões que constituem e são constituídas pela sexualidade no processo de construção e autoconstrução humana. Com isso, amplia-se também a incidência política em torno das questões relativas à sexualidade e das importantes transformações que precisam ser desencadeadas nas políticas públicas para o atendimento das demandas apresentadas em torno da sexualidade e cidadania.

 

[...] No passado, as abordagens do desenvolvimento baseadas nas necessidades (basic needs approach) e a relutância em pensar a sexualidade e o prazer sexual como necessidades básicas – que têm efeitos em todos os aspectos da vida – tornaram obscuras as conexões entre sexualidade e desenvolvimento e impediram que elas fossem melhor exploradas. Em anos recentes, a adoção de um enfoque de desenvolvimento baseado em direitos tem contribuído para tornar essas conexões mais evidentes: os direitos são, claramente, uma porta de entrada para falar sobre sexualidade em relação a muitos outros domínios da vida e sobre as implicações desses vínculos para o desenvolvimento (ARMAS, 2008, p. 60).

 

Compreendemos que é próprio da sociabilidade burguesa a hierarquização das necessidades humanas e, por isso, aparecem na cena abordagens que deslocam os direitos sexuais para uma relevância de segunda ordem.

 

[...] Os direitos sexuais não são menos importantes do que os direitos à educação, à saúde ou ao trabalho... os direitos sexuais são todos esses direitos... Apesar do consenso teórico sobre a integralidade, formuladoras/es de políticas raramente tentaram levar em consideração os muitos vínculos reais e práticos entre os direitos sexuais e os outros direitos (CORNWALL; JOLLY, 2008, p. 39).

 

No que se refere a crianças e adolescentes, a admissão do exercício da sexualidade sob a ótica do Direito encontra dificuldades específicas, que se traduzem em estereótipos como: a idealização de que a sexualidade é uma dimensão pertencente exclusivamente ao universo adulto; a dificuldade de superar uma compreensão da sexualidade reduzida ao ato sexual; o não reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos que sentem, refletem e tomam decisões diante das situações que vivenciam e, portanto, podem exercer seus direitos (PENANTE, 2018).

 

Nesse sentido, a apropriação dos processos, apenas em sua aparência, sem considerar suas determinações ontológicas, cristaliza a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento da criança e do adolescente como forma social que justifica a retirada do exercício do direito, limitando, assim, a possibilidade do respeito integral, de consideração das suas orientações sexuais e de seus relacionamentos afetivos. O que não significa deixar de reconhecer que é importante o estabelecimento de limites ao exercício da sexualidade infanto-adolescente, em contrário, esse reconhecimento não deve ser tomado como um mecanismo de proibição ou de cerceamento das experiências sexuais que compõem o processo de desenvolvimento humano durante a infância e a adolescência.

 

[...] Considerando-se que a liberdade afetivo-sexual da criança e adolescente tem o seu exercício limitado pelo seu grau de desenvolvimento bio-psico-social, há que se colocar, mesmo assim, essa liberdade afetivo-sexual como um direito e regulá-la de maneira emancipatória e não castradora. A normatização jurídica virá para garantir a plenitude do direito à afetividade e à sexualidade, numa construção só aparentemente contraditória: limita-se o exercício do direito para garantir a plenitude do direito (NOGUEIRA NETO, 2012, p. 29).

 

É na infância e na adolescência, por meio da socialização cotidiana, que a sexualidade se desenvolve como distanciamento à determinação biológica, expressando-se numa infinidade de atos:

 

[...] a não autoidentificação ou ] a autoidentificação da criança como pertencente a um gênero construído em torno de masculinidades e feminilidades; a descoberta do próprio corpo e a observação das características semelhantes e distintas às demais pessoas; o início da escolha das peças de seu vestuário; [...] o surgimento das atrações (o ‘gostar’) e escolha de parceiras/os nos espaços de convívio da criança; o início de relacionamentos afetivos (o ‘ficar’ e o namorar); a descoberta das zonas erógenas do corpo; a masturbação; o início da vida sexual ativa; e outros momentos que preenchem o cotidiano infantil e adolescente de curiosidade, prazer e realização sexual (PENANTE, 2018, p. 97).

 

Entretanto, como é no cotidiano em que se efetiva a socialização, nele já está expresso o modo de ser e existir da sociabilidade, estabelecendo uma hierarquização e prioridade do ser adulto em detrimento do ser criança e adolescente. Esses elementos nos permitem afirmar que a sociabilidade burguesa repercute na vida de crianças e de adolescentes, especialmente a partir do cerceamento - da liberdade e autonomia – que é próprio do seu modo de ser, reatualizando os traços conservadores presentes na formação social brasileira.

 

Direitos Sexuais no Brasil: compreensões acerca da sexualidade de crianças e de adolescentes

 

Conforme destacamos anteriormente, é pelas tensões e reflexões em torno da própria compreensão de sexualidade e sua dimensão nas vivências de crianças e de adolescentes que também se problematizam as tendências progressistas que embasam o debate sobre os direitos sexuais. Essas problemáticas atravessam as proposições voltadas para este tema. Assim, é possível afirmar que as iniciativas brasileiras em torno dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes movimentam-se ora contribuindo para potencializar os direitos sexuais, ora violando estes direitos.

 

Apresentamos, a seguir, cinco quadros que permitem visualizar alguns documentos regulatórios e iniciativas de abrangência nacional em torno dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes do período 1990 a 2017. Os documentos e iniciativas foram classificados em eixos: a) planos e políticas; b) leis e projetos de lei; c) documentos regulatórios de direitos humanos e notas públicas; d) programas e projetos; e) campanhas.

 

No eixo concernente a planos e políticas (Quadro 1), identificam-se alguns aspectos favoráveis à promoção dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes. Na Política Nacional de Garantia, Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (2011-2020), destacamos, entre seus princípios: universalidade dos direitos; igualdade e direito à diversidade; proteção integral; participação e controle social; e intersetorialidade e trabalho em rede. No Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2013), identificamos, entre as suas diretrizes: o respeito à diversidade étnico-cultural, à identidade e orientação sexual, à equidade de gênero e às particularidades das condições físicas, sensoriais e mentais; e o fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem adulto na elaboração do seu projeto de vida. No Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (2013), encontramos, entre suas diretrizes: incentivar o protagonismo, participação e a autonomia de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e de suas famílias; garantir as visitas familiares e íntimas, com ênfase na convivência com os parceiros/as, filhos/as e genitores, além da participação da família na condução da política socioeducativa; e garantir o direito à sexualidade e saúde reprodutiva, respeitando a identidade de gênero e a orientação sexual[6].

 

Quadro 1: Planos e Políticas brasileiras em que os direitos sexuais de crianças e de adolescentes são abordados de forma relevante (1990 – 2017)

 

Política Nacional de Garantia, Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (2011-2020)

Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (2013)

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2013)

   Fonte: Elaboração própria durante a pesquisa.

 

Do ponto de vista da concepção, vale observar que os documentos destacados no Quadro 1 foram construídos por meio de pressão social, o que resultou na incorporação de uma perspectiva de promoção e defesa dos direitos humanos. Portanto, o contexto de escrita e de publicação desses documentos favoreceu a inclusão de valores progressistas na delimitação normativa dessas políticas, ainda que a autonomia e igualdade defendidas nesses documentos estejam situadas na sociedade burguesa, cuja sociabilidade mina processos verdadeiramente autônomos e igualitários pela submissão da classe trabalhadora ao capital, e que ganham particulares contornos se considerarmos também os atravessamentos que o conservadorismo, de cariz religioso, busca exercer nessas disputas.

 

No eixo das leis e projetos de lei (Quadro 2), destacamos a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, por trazerem os princípios da proteção integral e prioridade absoluta da criança e do adolescente perante o Estado, a sociedade e as famílias, assim estabelecendo a base para a formulação e efetivação do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. As legislações supracitadas abarcam os direitos sexuais, por garantirem às crianças e aos adolescentes o direito ao desenvolvimento integral. Contudo, o ECA aborda a sexualidade infanto-adolescente em menção direta apenas à violência sexual, ainda que especificada em várias situações.

 

Quadro 2: Leis e Projetos de Lei que dissertam sobre direitos sexuais de crianças e de adolescentes (1988 – 2017) [7]

Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988)

Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990)

Projeto de Lei do Senado 193/2016: “Escola sem Partido”[8] (BRASIL, 2016)

Fonte: Elaboração própria durante a pesquisa.

 

Enquanto o ECA abarca um contexto de progressos na defesa dos direitos de crianças e de adolescentes, o Projeto de Lei Escola Sem Partido aponta outra direção, ao fragmentar o conceito de desenvolvimento integral e evidenciar um contexto de retrocessos políticos. Esse Projeto configura-se, sob a ótica conservadora, como um grande problematizador dos direitos sexuais e da liberdade das crianças e dos adolescentes no ambiente escolar, ao propor que a educação pública seja um ambiente de neutralidade política. O referido projeto trata a orientação sexual sob o rótulo de opção sexual e considera que as escolas não têm por finalidade atender demandas relacionadas a gênero e orientação sexual vivenciadas pela comunidade escolar, alegando que as/os alunas/os devem identificar-se com sua identidade biológica de sexo.

 

No eixo dos documentos regulatórios de direitos humanos e notas públicas (Quadro 3), a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) introduz o princípio da não-discriminação por qualquer condição da criança e do adolescente ou de sua família, caracterizando a criança como sujeito de direitos, que possui prioridade absoluta nas políticas públicas e proteção em qualquer circunstância. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) funda o princípio da proteção integral e reconhece o direito da criança e do adolescente a participar das decisões que lhes dizem respeito, assegurando-lhe também o direito à liberdade de expressão e acesso amplo às informações. Essa Convenção também responsabiliza os Estados-membros (países) pela proteção da criança e do adolescente contra todas as formas de violência, citando entre elas a violência sexual.

 

Quadro 3: Documentos regulatórios de Direitos Humanos e notas públicas que versam sobre direitos sexuais de crianças e de adolescentes (1959-2017)

 

Declaração Universal dos Direitos da Criança (FUNDAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 1959)

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1989)

Nota Pública do CONANDA sobre Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes (CONSELHO NACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 2017)

Fonte: Elaboração própria durante a pesquisa.

 

No âmbito brasileiro, a Nota Pública do CONANDA sobre Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes (CONSELHO NACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 2017) demarcou um posicionamento muito importante para o reconhecimento dos direitos sexuais da criança e do adolescente por parte das gestoras e gestores públicos, tendo em vista o constante desrespeito aos direitos sexuais pela prática interventiva do Estado na prestação dos serviços públicos.

 

Essa nota reafirma a consonância do CONANDA com os princípios defendidos pelos documentos internacionais de direitos humanos e o repúdio à LGBTfobia quando: alerta para os danos causados pela imposição de padrões tradicionais de feminilidade e de masculinidade às crianças e aos adolescentes; reconhece a importância da veiculação de informações que contribuam para a proteção integral de forma apropriada à linguagem da criança e do adolescente; repudia iniciativas que reprimam ou criminalizem a promoção da equidade de gênero e ofendam a liberdade de expressão da criança e do adolescente; conclama os diversos setores da sociedade a se mobilizarem em torno do enfrentamento da violação de direitos sexuais da criança e do adolescente; e recomenda ao Estado brasileiro que capacite os profissionais da rede de atendimento à criança e ao adolescente sobre direitos humanos, gênero e direitos sexuais e reprodutivos (CONSELHO NACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 2017).

 

Entre os documentos publicados por órgãos públicos no Brasil, a referida Nota Pública expedida pelo CONANDA figura como um marco para o destaque e a ampliação do debate sobre direitos sexuais da criança e do adolescente, assumindo com coragem uma posição de defesa dos direitos humanos e de luta pela efetivação dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes.

 

No eixo sobre programas e projetos (Quadro 4) identificamos explícita tensão entre as estratégias que apontam a necessidade de autonomia de crianças e de adolescentes e as estratégias que se servem de práticas tutelares. O Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA), responsável pela coordenação do Disque 100, e o Programa Brasil sem Homofobia caracterizam um esforço governamental em responder à reivindicação social por medidas contra as violações de direitos sofridas pelo povo brasileiro, no que toca à sexualidade, à orientação sexual e à identidade de gênero. Entre as ações duramente atacadas pelos setores conservadores, destaca-se o Projeto Escola sem Homofobia previsto pelo Programa Federal Brasil sem Homofobia, que foi recebido por parte da sociedade brasileira como uma ofensa moral e desacato aos bons e velhos valores tradicionais.

 

 

 

 

 

Quadro 4: Programas e Projetos brasileiros sensíveis aos direitos sexuais de crianças e de

adolescentes (1990 – 2017)

Projeto "Quebrando o Silêncio" (2002)

Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (2003)

Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual (2004)

Projeto "Crescer Sem Violência"[9] (2009)

Projeto "Pipo e Fifi"[10] (2014)

Fonte: Elaboração própria durante a pesquisa.

 

O Projeto religioso Quebrando o Silêncio, projeto educativo com foco na prevenção do abuso sexual e da violência doméstica promovido pela Igreja Adventista do Sétimo Dia em oito países da América do Sul (IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, [2022]), faz um apelo à sacralização do corpo infantil, principalmente do corpo feminino. Em 2017, a difusão do jingle Seu corpo é um tesourinho teve repercussão nacional. A música tema da campanha era cantada em dueto por uma menina e um adulto homem, apresentando o corpo da criança como algo que não pode ser tocado. Evidencia-se o moralismo, ainda que sutil, ao reforçar o princípio cristão da castidade, enquanto a abordagem poderia dar-se pela via do fortalecimento da autonomia e do autocuidado da criança com seu corpo.

 

Em contracorrente, os projetos: Crescer sem Violência e Pipo e Fifi, propõem a discussão da violência sexual contra crianças e adolescentes por uma perspectiva que não nega a sexualidade e prioriza a criança dentro do processo de educação sexual. Esses projetos confirmam que é possível promover um diálogo sobre sexualidade e direitos sexuais coerente com o desenvolvimento infanto-adolescente e direcionado diretamente a elas/eles, proporcionando à criança e ao adolescente a centralidade no processo de construção e afirmação dos seus direitos sexuais.

 

No último eixo, referente às campanhas promovidas no Brasil (Quadro 5), destacam-se entre as campanhas do Governo Federal a Campanha Nacional 18 de maio e a Campanha Proteja Brasil, ambas comprometidas com o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. A Campanha Proteja Brasil sensibiliza e estimula a sociedade a denunciar todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes durante o carnaval. Em termos de visibilidade, estas campanhas ganharam amplo apoio social, por meio da divulgação da Central Disque 100.

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 5 - Campanhas brasileiras de âmbito nacional sensíveis aos direitos sexuais de crianças e de adolescentes (1990 – 2017)

Campanha "Todos contra a Pedofilia" (2007);

18 de maio - Dia Nacional de Enfrentamento à Violências Sexual contra Crianças e Adolescentes[11] (2000)

Campanha “Carinho de Verdade” (2010)

Campanha contra o “Kit Gay” (2011)

Campanha contra o HPV (2014)

Campanha “Proteja Brasil” (2014)

Campanha "Criança Não Namora! Nem de brincadeira" (2017)

Fonte: Elaboração própria durante a pesquisa.

 

Apontamos para as campanhas: Todos contra a Pedofilia e, Criança não Namora! com ressalvas. A Campanha Todos contra Pedofilia, alavancada pelo pastor e Ex-Senador Magno Malta, enquadra, equivocadamente, todo tipo de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes como pedofilia, reforçando uma suposta natureza patológica do comportamento do/a agressor/a. Essa abordagem despolitiza a violência e desresponsabiliza a cultura patriarcal das violências que produz, em detrimento da supervalorização da questão biomédica na classificação das condutas sociais. A Campanha Criança não namora! proposta inicialmente pela Secretaria de Assistência Social do Amazonas e, posteriormente, ampliada para outros estados brasileiros, aborda a questão da erotização infantil como um aspecto cultural a ser combatido solitariamente pelas famílias, desconsiderando o invólucro da mercantilização do sexo e das relações sociais. Além disso, o slogan da campanha recai justamente sobre o cerceamento da prática do brincar, que é um direito e um dos poucos espaços onde a criança consegue expressar-se livremente, dominando o contexto em que está inserida.

 

A Campanha Carinho de Verdade, desenvolvida pelo Sistema S, é uma estratégia de mobilização da sociedade brasileira para o problema da exploração sexual de crianças e de adolescentes. Esta campanha tem um aspecto interessante, que é a inclusão do setor privado no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, afinal, as empresas e o mercado também precisam assumir o ônus das mazelas sociais geradas pela desigualdade econômica, como a exploração sexual de crianças e de adolescentes. Um ponto negativo da campanha é o fato de trazer o carinho como a chave para enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes, enquanto, muito além do carinho, essas crianças e adolescentes em situação de violência necessitam de acesso aos direitos sociais, como meio de proteção e de fortalecimento dos vínculos familiares.

 

A Campanha contra o HPV traz uma ação concreta de garantia do direito à saúde sexual, baseada no diagnóstico de maior vulnerabilidade das meninas às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Esta campanha, idealizada pelo Governo Federal e executada pelo Sistema Único de Saúde, consiste no oferecimento de vacina de prevenção ao HPV a meninas entre nove e treze anos de idade. Tal iniciativa pública tensiona a cultura de que as meninas não podem exercer sua sexualidade ativamente, em oposição à cultura dominante em que as mulheres só estão autorizadas a estabelecer relações sexuais após o casamento, ainda assim, em resposta ao desejo sexual de seus maridos.

 

Por fim, a Campanha contra o Kit Gay representa, junto à proposição do Programa Escola sem Partido, um dos maiores ataques à Educação para a diversidade e direitos humanos no Brasil. A mobilização social de grupos conservadores e da Bancada Evangélica (impulsionada por Jair Bolsonaro, Deputado Federal à época) conseguiu vetar a distribuição de material didático sobre a diversidade na escola, no governo da Ex-Presidente Dilma Rousseff. O material didático foi preparado por especialistas da área de Educação, e sua não distribuição constituiu-se como uma perda irreparável à possibilidade de fortalecer na sociedade os princípios do respeito, da liberdade e da cidadania pela via da educação escolar e, assim, instaurar uma ação concreta de respeito aos direitos sexuais na formação educacional.

 

Considerando o exposto anteriormente, é possível identificar que existe uma movimentação no País em torno dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes expresso não apenas como debate social em aberto, mas como disputa nas políticas e ações realizadas no Estado.

 

Notas finais: o caráter estratégico do pleno exercício dos direitos sexuais de crianças e de adolescentes

 

No modelo hegemônico de sexualidade atual, é estipulado para as crianças e para os adolescentes o lugar de vítimas, como a principal maneira de estarem incluídas nos debates realizados sobre sexualidade e direitos. Essa concepção de sexualidade, baseada unicamente no risco, impede que a dimensão sexual na vida de crianças e de adolescentes seja pensada para além dos imperativos de permissão ou de proibição, distanciando-se em muito de uma compreensão ontológica que entenda a sexualidade como uma dimensão particular de desenvolvimento do ser social.

 

A superação da lógica vitimizadora de crianças e de adolescentes não corresponde ao menosprezo pelas consequências de uma vida sexual não-protegida ou ao fim do enfrentamento à violência sexual. O que está em questão é o respeito aos processos envolvidos no modo pelo qual a sexualidade se manifesta durante a infância e a adolescência e a garantia de condições adequadas e conscientes a essa vivência sexual. O reconhecimento da existência da dimensão sexual das crianças e dos adolescentes dá maior condições de luta e reivindicação para que se constituam projetos, legislações e ações que abarquem essa realidade, em um constante movimento educativo de toda a sociedade a partir de valores promotores da igualdade, da liberdade e do respeito à diversidade humana.

 

Em conclusão, identificamos o predomínio de dois padrões de tratamento da sexualidade infanto-adolescente na realidade brasileira contemporânea, que apontam rumos opostos: o primeiro preza pela autonomia das crianças e dos adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos sexuais; o segundo é orientado pela prática da tutela, reduz o papel das crianças e dos adolescentes a objetos de cuidado, traduzido no controle e na dominação adultocêntrica. Consideramos, pois, que essa relação contraditória, entre a defesa da autonomia ou da tutela de crianças e de adolescentes, destaca-se entre os principais motivos pelos quais ainda não conseguimos, como sociedade, presenciar avanços mais significativos nas legislações voltadas para os direitos de crianças e de adolescentes. Ainda que aquelas legislações não se constituam como dimensões revolucionárias em uma sociedade de classe, quanto mais o conservadorismo ganha força na dinâmica social brasileira, mais estratégica se torna a pauta sobre os direitos sexuais de crianças e de adolescentes.

 

 

Referências

 

ARCANI, Carolina. Pipo e Fifi: ensinando proteção contra violência sexual. Ilustrações Isabela Santos. Curitiba: Caqui, 2018.

 

AREND, Silvia Maria Fávero; MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de; SOSENSKI, Susana. Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas. Ponta Grossa: Editora Toda Palavra, 2018.

 

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Livros Técnicos e Científicos, 1981.

 

ARMAS, Henry. Explorar os vínculos entre sexualidade e direitos para enfrentar a pobreza. In: CORNWALL, Andrea; JOLLY, Susie (Orgs.). Questões de sexualidade: ensaios transculturais. Rio de Janeiro: Editora Abia, 2008.

 

ÁVILA, Maria Betânia. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para as políticas de saúde. In: Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 19. (Sup. 2), p. 465-469, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/q9MctdsGhp3QSKspjfPt5Rx/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 25 jul. 2022.

 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília (DF): Senado Federal, 2016. Disponível em:  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf.

Acesso em: 25 jul. 2022.

 

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente e dá outras providências. Brasília (DF), 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 5 dez. 2016.

 

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Programa Escola sem Partido. Brasília (DF), 2016. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3410752&ts=1630411033190&disposition=inline. Acesso em: 25 jul. 2022.

 

CALIARI, Hingridy Fassarella. Uma crítica ontológica aos estudos das juventudes a partir de Georg Lukács. 2021. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana)- Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

 

CHILDHOOD. Childhood Brasil – Pela Proteção da Infância. Crescer sem violência. São Paulo: Childhood Brasil Pela Proteção da Infância, 10 set. 2018. Disponível em: http://www.childhood.org.br/crescer-sem-violencia. Acesso em: 4 dez. 2022.

 

CONSELHO NACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Brasil). Nota Pública do CONANDA sobre Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes. Brasília (DF): SEDH/CONANDA, 2017.

 

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ESCOLA SEM PARTIDO. Quem somos. [S.l.], [2022]. Disponível em: http://escolasempartido.org/quem-somos/. Acesso em 25 jul. 2022.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

 

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LUKÁCS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social, 2. São Paulo: Editora Boitempo, 2013.

 

MELLO, Marília Montenegro Pessoa de [et al]. Dos espaços aos direitos: a realidade da ressocialização na aplicação das medidas socioeducativas de internação das adolescentes do sexo feminino em conflito com a lei nas cinco regiões. Brasília (DF): Conselho Nacional de Justiça, 2015.

 

NOGUEIRA NETO, Wanderlino. Sexualidade infanto-adolescente e seu reconhecimento como direitos humanos: a necessidade de mais reflexão e teorizações. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 15-32, jan. 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652012000100002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 10 dez. 2022.

 

NETTO, José Paulo. Capitalismo e reificação. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1981.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.  Convenção sobre os Direitos da Criança Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990. [s.l.], 1989. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/convdir_crianca.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022.

 

PENANTE, Ana Paula. Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes: a pintura de um novo quadro. 2018. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana)-Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

 

PERONDI, Maurício; SCHERER, Giovane Antônio; VIEIRA, Patrícia Machado; GROSSI, Patrícia Krieger. Infâncias, adolescências e juventudes na perspectiva dos direitos humanos: onde estamos? Para onde vamos? Porto Alegre: EDIPUCRS, 2018.

 

RAMIDOFF, Mário Luiz. Infâncias, Adolescências e Juventudes: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Movimentos Sociais. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória: FDV Publicações, v. 17, n. 2, p. 219-240, 2016.

 

 

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Ana Paula PENANTE Trabalhou na concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados, na redação do artigo e na revisão crítica.

Graduada em Serviço Social. Mestra em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB). Assessora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, Brasília (DF).

 

Adrianyce A. Silva de SOUSA Trabalhou na concepção, delineamento, na redação do artigo e na revisão crítica.

Graduada em Serviço Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora Associada 01 da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional. Coordenadora do Núcleo Interinstitucional de estudos e pesquisas sobre Teoria Social, Trabalho e Serviço Social (NUTSS).

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* Assistente Social. Mestra em Políticas Públicas e Formação Humana. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB). Assessora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. (UNODC, Brasília (DF), Brasil). SCS, Quadra 2, Ed. Serra Dourada, Salas 410-418, Brasília (DF), CEP.: 70300-902. E-mail: anapenante@gmail.com.

** Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Professora Associada 01 da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. (UFF, Niterói, Brasil). R. Alexandre Moura, 8, São Domingos, Niterói (RJ), CEP.: 24210-200. E do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional. E-mail: adrianyce@gmail.com; nutss.uff@gmail.com.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2022 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[1] Ainda que, em 1762, a publicação Émile ou l’Éducation do genebrino Jean-Jacques Rousseau seja inaugural no debate sobre a infância e a juventude, é relativamente consensual que esses estudos passam a se desenvolver no século XX. E a obra L’enfant et la vie familiale sous L’Ancien Régime, publicada em 1960, pelo autor Philippe Ariès, é a primeira grande sistematização. Essa obra foi traduzida em Portugal como A criança e a vida familiar no antigo regime e, no Brasil, tem uma versão resumida baseada na versão francesa (abreviada de 1973) conhecida como História social da criança e da família (ARIÈS, 1981).

[2] São residuais os estudos que utilizam a ontologia do ser social para pensar a infância e a adolescência. Não desconhecemos aqui a belíssima tese intitulada Uma crítica ontológica aos estudos das juventudes a partir de Georg Lukács (CALIARI, 2021).

[3] Vale ressaltar o nosso entendimento a respeito das particularidades vivenciadas por crianças e por adolescentes em seus diferentes contextos de classe social, região, cultura, raça, gênero, entre outras condições que vão determinar a sociabilidade destes sujeitos. Autoras e autores latino-americanos, como Perondi, Scherer, Vieira e Grossi (2018), Ramidoff (2016) e Arend, Moura e Sosenski (2018), têm trabalhado com o conceito de infâncias, adolescências e juventudes, no plural, justamente na intenção de tornar nítida a existência de abismos sociais e culturais quando tratamos desses segmentos geracionais em nossas discussões.

[4] Ou seja, entendemos como direitos positivados aqueles que passam a ser reconhecidos dentro da legalidade burguesa e que, se tomados em si mesmos, mistificam os limites dos direitos na própria ordem burguesa. Nesse sentido, trata-se de reconhecer seu caráter estratégico, sem, contudo, autonomizá-los das determinações de classe. Nos termos de Lukács “[...] O funcionamento do direito positivo está baseado, portanto, no seguinte método: manipular um turbilhão de contradições de maneira que disso surja não só um sistema unitário, mas um sistema capaz de regular, na prática, o acontecer social contraditório, tendendo para sua otimização, capaz de mover-se elasticamente entre polos antinômicos [...] visando implementar, no curso das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que se movimenta de modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais favoráveis para essa sociedade, que exerçam as influências mais favoráveis sobre a práxis social. Fica claro que, para isso, faz-se necessária uma técnica de manipulação bem própria, o que já basta para explicar que o fato de que esse complexo só é capaz de se reproduzir se a sociedade renovar constantemente a produção dos ‘especialistas’ [...] necessários para tal” (LUKÁCS, 2013, p. 247).

[5] Destaca-se que de forma alguma desprezamos aqui os cuidados necessários à infância, tendo em consideração sua condição peculiar de desenvolvimento e a proteção integral de seus direitos. No entanto, o que está sendo questionado é a comodidade em manter as crianças na condição de vítimas, em detrimento da promoção de processos autônomos.

[6] Contraditoriamente, as condutas praticadas nas unidades de socioeducação, em meio fechado, refletem desrespeito à orientação sexual das/os adolescentes e estabelecem regras diferenciadas por gênero no que toca ao direito às visitas íntimas. Em pesquisa sobre ressocialização de adolescentes do sexo feminino em regime fechado, Mello et al. (2015, p. 161) identificou que “nenhuma das unidades visitadas (nos estados do Pará, Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal) garantia o direito a visita íntima para as adolescentes”.

[7] Não desconhecemos o recente Projeto de Lei nº 4019/21, que propõe a proibição da instalação e a adequação de banheiros, vestiários e assemelhados na modalidade unissex, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho. O referido projeto encontra-se pronto para entrar na pauta de votações na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara Legislativa Federal. É importante atentar para o fato de o debate sobre a instalação de banheiros unissex em escolas ter-se tornado uma pauta legislativa em alguns estados brasileiros, como Paraná e Roraima. Contudo, ainda não fizemos uma análise sobre essa questão. 

[8] O movimento “‘Escola Sem Partido’ se divide em duas vertentes muito bem definidas, uma, que trabalha à luz do Projeto Escola Sem Partido, outra, uma associação informal de pais, alunos e conselheiros preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior” (ESCOLA SEM PARTIDO, [2022]). Utilizando o slogan por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar, foram propostos 20 (vinte) Projetos de Lei no Brasil inteiro até julho de 2018. O Projeto de Lei do Senado 193/2016 (BRASIL, 2016)  encontra-se arquivado.

[9] O Projeto Crescer sem Violência foi realizado pelo Canal Futura, em parceria com a Childhood Brasil, a Fundação Vale e a Fundação das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) Brasil. Foram criadas as séries: Que exploração é essa? (2009) e, Que abuso é esse? (2014) para abordar a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes fazendo uso da linguagem lúdica (CHILDHOOD, 2018).

[10] “Pipo e Fifi” (ARCANI, 2018) é um premiado livro infantil que funciona como uma ferramenta de proteção, explica às crianças, a partir dos 3 anos de idade, conceitos básicos sobre o corpo, sentimentos, convivência e trocas afetivas. O livro já teve mais de 100.000 cópias distribuídas no Brasil, além da tradução e distribuição em outros países, como a Inglaterra, Espanha, Portugal, Cabo Verde e Estados Unidos.

[11] O Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes foi instituído pela Lei Federal 9.970/00, em memória ao dia 18 de maio de 1973, quando foi cometido o crime contra a criança Araceli em Vitória (ES).