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Descolonizando corpos: feminicídio reprodutivo e a

coculpabilidade do Estado

 

Decolonising the body: reproductive femicide and the joint culpability of the State

 

Ana Claudia da Silva ABREU*

*    http://orci.org/0000-0002-5157-7868

 

Resumo: Avalia partindo da categoria feminicídio, as mortes de mulheres decorrentes de abortos inseguros como feminicídio reprodutivo, pois são resultado tanto da criminalização, marcada pelo controle patriarcal dos corpos das mulheres, quanto da omissão do Estado, que não garante o acesso à saúde e aos direitos reprodutivos, precarizando a vida das mulheres. Com aporte nos feminismos decoloniais, propomos discutir a imposição colonial da maternidade e como o sistema moderno colonial de gênero desumaniza as mulheres não brancas. Inseridas essas mortes na necropolítica de gênero, é possível pensar em estratégias jurídicas de responsabilização estatal e, a partir delas, propor a coculpabilidade do Estado e a inexigibilidade de conduta diversa como possibilidades de extinção da culpabilidade nos delitos de aborto.

Palavras-chave: Feminicídio Reprodutivo. Necropolítica de Gênero. Sistema Colonial de Gênero. Coculpabilidade.

 

Abstract: Based on the category of femicide, this article considers the deaths of women resulting from unsafe abortions to be reproductive femicide, since they result from both criminalisation, stemming from the patriarchal control of women’s bodies, and State failure to guarantee access to health and reproductive rights, which makes women’s lives precarious. Based on decolonial feminisms, we discuss the colonial imposition of motherhood, and how the modern colonial gender system dehumanises non-white women. Locating these deaths in the arena of gender necropolitics makes it is possible to consider the legal strategies by which the State is held accountable and, based on them, to propose the joint culpability of the State, and the unenforceability of different forms of conduct, as possible means of removing culpability in abortion crimes.

Keywords: Reproductive femicide. Necropolitics of gender. Colonial gender system. Joint culpability.

 

Submetido em: 31/8/2022. Revisto em: 2/12/2022. Aceito em: 11/1/2023.

 

Introdução

 

S

egundo o Ministério da Saúde, um milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos no Brasil, os quais levaram à hospitalização de 250 mil mulheres por ano e causaram a morte de 203 mulheres em 2016, representando uma morte a cada 2 dias (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2018). As maiores vítimas são as mulheres negras e pobres: “[...] de 2009 a 2018, o SUS registrou oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto. A cada 10 que morreram, 6 eram pretas ou pardas” (LICHOTTI; MAZZA; BUONO, 2020, não paginado). Com base na Pesquisa Nacional do Aborto, o percentual de aborto induzido em mulheres negras é o dobro do índice relativo às mulheres brancas e a possibilidade de uma mulher preta ou parda morrer devido a um abortamento é 2,5 vezes maior (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017).

 

A criminalização do aborto, além de não coibir a prática, faz parte de um processo de desumanização das mulheres negras e indígenas que teve início com a colonização no Brasil e que se perpetua nas políticas do Estado nos dias de hoje, que vulnerabiliza ainda mais essas milhares de mulheres que, na maioria das vezes, não possuem outra escolha que não seja se submeter aos abortos clandestinos que podem levar à sua morte. A proibição do aborto é um aparato patriarcal, colonial, capitalista e racista que controla as mulheres por meio de estratégias que incidem sobre os seus corpos, sua sexualidade e sua capacidade reprodutiva.

 

A agenda da descriminalização do aborto integra a reinvindicação dos movimentos feministas há muitas décadas e é uma luta marcada por avanços e retrocessos. No Brasil, a resistência a essa tese evidencia o campo de disputa de poder em torno do aborto, portanto, não podemos aguardar a descriminalização, seja via legislativa ou judicial, precisamos pensar em mecanismos de responsabilização do Estado pelos abortos e pelas mortes dele decorrentes.

 

Para pensar essa problematização, o trabalho foi dividido em três partes. Primeiramente, apresentamos a leitura do feminicídio reprodutivo como um instrumento de necropolítica de gênero, visto que a imposição da maternidade e a criminalização do aborto são vias de controle político do corpo e gestão da vida que produzem a morte sistemática de mulheres em abortos clandestinos. Depois, a partir da lente dos feminismos decoloniais[1], com fundamento especialmente na construção teórica de María Lugones (2014) e Rita Laura Segato (2012)[2], iremos analisar a construção e a imposição da maternidade como um aparato colonial. Por fim, trazemos uma estratégia propositiva, visando não só a responsabilização do Estado pelas mortes decorrentes de abortamentos inseguros, como também repensar a responsabilidade penal das mulheres que praticam os abortos.

 

1 Feminicídio reprodutivo e a necropolítica de gênero

 

A definição de feminicídio como a morte de uma mulher por razões de gênero é uma questão complexa que requer a análise aprofundada das suas várias dimensões. Nesse estudo, tomamos o feminicídio como uma categoria de análise, com o fim de evidenciar as causas das mortes misóginas de mulheres em todo o mundo, como também assentar as bases científicas para dar visibilidade a esses crimes e quantificá-los (COPELLO, 2012, p. 129).

 

O termo foi usado pela primeira vez por Diana Russell, no Tribunal Internacional sobre crimes contra as mulheres, em Bruxelas, no ano de 1976. Russell (2011) conta que optou pela palavra femicide como uma alternativa ao caráter genérico do termo homicide e para designar o assassinato misógino de mulheres e de meninas. Após algumas mudanças, definiu o feminicídio como a morte de mulheres por homens porque elas são mulheres.

 

Cabe ressaltar, também, como se deu a recepção da categoria feminicídio na América Latina. A expressão feminicídio foi cunhada por Marcela Lagarde y Los Ríos (2006) a partir do termo femicide, para que não fosse traduzido para o espanhol como femicídio ou homicídio feminino. O objetivo era um conceito claro e distinto, de modo a conter todo o seu significado e destacar a construção social desse crime de ódio, além disso, a autora acrescentou ao conceito a omissão do governo do México e de seu aparato repressivo em investigar e punir os assassinatos de mulheres na Ciudad de Juarez, em um contexto de impunidade e conivência do Estado (ABREU, 2022). Para que haja o feminicídio, segundo essa concepção específica, deve ocorrer a impunidade, a omissão, a negligência e a conivência das autoridades estatais, que não criam segurança para a vida das mulheres, razão pela qual o feminicídio é um crime de Estado. De acordo com Lagarde (2006), pelo menos para o México, a violência feminicida é acompanhada pela violência institucional, que leva à impunidade, a qual faz parte do próprio fenômeno.

 

No Brasil, a Lei n. 13.104/2015 (BRASIL, 2015), ao prever o feminicídio como a morte de mulheres por razões de sexo feminino, define seu âmbito de aplicação ao contexto da violência doméstica ou familiar ou do menosprezo ou discriminação à condição de mulher. No entanto, apesar a abrangência da disposição legal, existe uma dificuldade prática de compreensão do significante menosprezo ou discriminação à condição de mulher, o que limita a sua aplicação concreta. Nesse sentido, após a análise de mais de 500 denúncias de feminicídios (consumados e tentados), Ana Claudia Abreu (2022) constatou que o entendimento do sistema de justiça criminal sobre essa violência está estritamente vinculado ao contexto do feminicídio íntimo, vinculado às relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto.

 

Enquanto limitarmos o fenômeno do feminicídio às relações interpessoais, de parentesco ou de afeto, reforçamos um conceito colonizado e hegemônico de feminicídio, o feminicídio íntimo. Por essa razão, propomos a sua ampliação para abranger outros cenários e incluir a violência praticada ou tolerada pelo Estado, inserindo-se, nesse contexto, os feminicídios reprodutivos, ou seja, as mortes vinculadas às políticas estatais de controle do corpo e sexualidade da mulher, responsáveis pela morte de milhares de mulheres todos os anos.

 

Nesta senda, Jill Radford e Diane Russell (1992) analisam o conceito de feminicídio como uma espécie de terrorismo sexual e, além das definições legais, incluem também as situações em que a morte decorre de práticas sociais e estatais patriarcais. As autoras estadunidenses explicam que as políticas de proibição do aborto são claros exemplos do modo como o poder patriarcal impede as mulheres de controlar os seus corpos e que, ao relegar a elas o aborto inseguro, as condenam indiretamente à pena de morte. Segundo Rita Segato (2006), a denúncia ao terrorismo sexual perpetuado pela dominação masculina desmascara o patriarcado como uma instituição que se assenta no controle das mulheres e, assim, revela a dimensão política desses assassinatos como uma ação dirigida à conservação e à reprodução desse poder.

 

Da mesma forma, Russell (2011) esclarece que na sua definição de feminicídio estão incluídas outras formas de assassinatos de mulheres decorrentes de práticas governamentais patriarcais e religiosas que proíbem as mulheres de usar métodos anticoncepcionais ou realizar abortos e que, como consequência, milhões de gestantes morrem todos os dias em decorrência de abortamentos inseguros. Diana Russel e Roberta Harmes (2006), usam a designação feminicídio encoberto para se referir às formas encobertas de assassinar as mulheres por meio de práticas institucionais e sociais misóginas, como as mortes de mulheres em abortos inseguros.  É essa a dimensão de feminicídio que será explorada no presente artigo, ou seja, iremos analisar o feminicídio reprodutivo e como as políticas estatais de proibição ao aborto são responsáveis pela morte de milhares de mulheres todos os anos.

 

Joice Nielsson (2020) insere a morte sistemática de mulheres na América Latina no conceito de necropolítica de gênero “[...] no qual o feminicídio passa a ser um instrumento do biopatriarcalismo estatal, que tem utilizado a necropolítica para gerenciar a vida, produzindo a morte em nome da maximização da exploração da vida” (NIELSSON, 2020, p. 145). Izabel Gomes (2018) esclarece que essa necropolítica, “Torna possível por (entre outros elementos) uma descartabilidade biopolítica das mulheres, na medida em que há dispositivos sociais que contribuem para uma política voltada para a morte de mulheres” (GOMES, 2018, p. 5).

 

Para uma melhor compreensão do conceito de necropolítica, importa, ainda que brevemente, definir seus marcos teóricos. Inicialmente, temos o conceito de biopoder em Michel Foucault (2005), um poder que realiza a gestão da vida das populações como uma técnica de governo, com o fim de fazer viver, deixar morrer. Segundo o autor, “[...] o direito de soberania é, portanto, o de fazer morrer ou de deixar viver. E depois, este novo direito e que se instala: o direito de fazer viver e de deixar morrer” (FOUCAULT, 2005, p. 287). Na sequência, Giorgio Agambem (2010) vincula o biopoder à soberania e aos conceitos de homo sacer e vida nua, como um conjunto de estratégias de governo cujo fim é controlar os corpos, a saúde e a vida a população, por mecanismos que regulam a reprodução, a fertilidade e a mortalidade. Dessa forma, o poder soberano transforma a vida nua em vida matável. Por fim, localizando o debate nos países que vivem sob a égide do colonialismo, Achille Mbembe (2016) desenvolve as noções de necropolítica e necropoder como instrumentos que criam mundos de morte, ou seja, novas formas de existência social em que parte da população é relegada ao status social de mortos-vivos. Para ele, o biopoder moderno é um produto do mundo colonial e da racialização imposta pelo colonialismo, sendo, desse modo, preciso olhar para a escravização como uma das primeiras instâncias de experimentação da biopolítica.

 

Berenice Bento (2018) analisa o papel do Estado como uma agente fundamental na distribuição desigual da categoria humanidade. Segundo a autora, o que caracteriza a necrobiopolítica em contextos de estados coloniais como os latino-americanos é que “[...] a governabilidade, para existir, precisa produzir interruptamente zonas de morte” (BENTO, 2018, p. 3). Nesse contexto, para que uma vida seja passível de luto, Judith Butler (2015) argumenta que é preciso que ela seja reconhecida como vida, portanto, as vidas que não são reconhecidas nos enquadramentos, nunca serão perdidas. Ou seja, uma vida só é enlutável quando ela tem valor. Segundo a autora, a distribuição da condição de precariedade é desigual, na medida em que as práticas políticas, econômicas e legais maximizam a precariedade de uns e minimizam a de outros. A raça/etnia, o gênero/sexualidade e a classe social atravessam de forma distinta os corpos, submetendo-se à exposição diferenciada, à violência e à morte.

 

As mortes decorrentes de abortos clandestinos configuram feminicídio reprodutivo ou de Estado, pois estão inseridas nessas estratégias de gestão da vida que regulam as populações, os corpos e os desejos em um contexto de necropolítica de gênero. A maternidade compulsória e a criminalização do aborto obrigam as mulheres a se submeterem ao patriarcado colonial racista (SAGOT, 2013), que expõe determinadas sujeitas às zonas de morte (MBEMBE, 2016), escolhe quais vidas são descartáveis, distribuindo desigualmente a precariedade (BUTLER, 2015).

 

No Brasil, as vidas descartáveis têm gênero, raça/etnia, cor e classe social. Com a colonização, as negras escravizadas e as indígenas foram, no decorrer de nossa história, de nossa literatura, associadas à natureza, animalizadas e demonizadas, o que levou a que os seus corpos fossem violentados. Os mitos da feminilidade, impostos pelo colonizador, funcionam para estigmatizar as mulheres e assim hierarquizá-las e, com o desenvolvimento desses sistemas patriarcais, tornaram-se marcas que, além de legitimar certos padrões comportamentais, impõem ao longo da história e até os dias de hoje, mecanismos de gestão da vida e dos corpos das mulheres não brancas (COLLINS, 2019).

 

Desse modo, os feminicídios reprodutivos e a necropolítica de gênero seguem atravessados pela raça, expondo às zonas de morte as mulheres racializadas.

 

2 As origens coloniais da maternidade compulsória

 

A maior mortalidade das mulheres negras em abortos inseguros revela não só em que medida o patriarcado controla a vida das mulheres, mas também que o racismo implica em uma maior vulnerabilização das mulheres não brancas, ou seja, a criminalização, além de não evitar a prática dos abortos, marginaliza ainda mais os corpos que gestam, especialmente os racializados e empobrecidos.

 

O tratamento da proibição do aborto pelo pensamento feminista hegemônico está inserido na colonialidade, pois além de caracterizar-se como uma pauta marcadamente liberal, assenta-se na mulher como uma categoria universal, distanciada das especificidades que atingem a vida das mulheres na América Latina. Falando sobre a colonização discursiva do feminismos latino-americanos, Yuderkys Espinosa-Minõso (2020) alerta sobre a origem majoritariamente burguesa, branca, urbana e heteronormativa; e a influência que as feministas latino-americanas sofreram do programa político e ideológico europeu.

 

A pauta liberal da descriminalização do aborto funda-se em um conceito de mulher universal, ou seja, falar em liberdade de escolha exige o reconhecimento das mulheres (todas elas) como sujeitos de direitos, capazes de tomar as suas decisões sem a interferência de terceiros ou do Estado. Por essa razão, não podemos avaliar a questão apenas sob o prisma da dominação de gênero, pois essa discussão requer um olhar fundado em um saber decolonial que evidencia outros eixos de dominação. Trata-se de uma perspectiva que fala a partir das sujeitas colonizadas e das minorias invisibilizadas, um saber construído por e para as mulheres do Terceiro Mundo, que propõe soluções para os problemas enfrentados por uma pluralidade de mulheres, cujas vivências são marcadas pela colonialidade.

 

María Lugones (2014) explica que a missão civilizatória, aí incluída também a conversão ao cristianismo, tornou-se a marca do humano. O gênero pertence apenas aos civilizados, homens ou mulheres. Os colonizados, indígenas das Américas e o(a)s africano(a)s escravizado(a)s), são classificados como machos e fêmeas, espécies não humanas, sexuais e selvagens. O homem (colonizador, europeu, burguês) tornou-se o sujeito apto a decidir, um ser civilizado, cristão e heterossexual. A mulher branca é entendida apenas como a reprodutora da raça e do capital, domesticada por meio da sua passividade, do controle da sua sexualidade e pelos seus deveres de cuidado com a casa, os filhos e o marido. O(a)s colonizado(a)s, por sua vez, são tachados de bestiais, sujeitos não gendrados, diferenciados entre si como machos e fêmeas, assim, “[...] machos tornaram-se não-humanos-por-não-homens, e fêmeas colonizadas tornaram-se não-humanas-por-não-mulheres” (LUGONES, 2014, p. 937).

 

Considerando “[...] a hierarquia dicotômica entre o humano e o não humano como a dicotomia central da modernidade colonial [...]” (LUGONES, 2014, p. 936), analisar o projeto colonizador e a divisão dos sujeitos entre humanos e não humanos deve passar por essas estratégias de enfrentamento à imposição da maternidade, pois a questão do aborto na América Latina evidencia o sucesso da missão civilizatória do cristianismo ao construir a não humanidade da mulher, um sujeito sem capacidade ética de decidir (DIORGENES, 2017).

 

A mulher desumanizada não está inserida na categoria mulher universal, primeiro porque ela não é uma mulher, é uma fêmea, um sujeito racializado e ressignificado pela colonialidade. A imposição da maternidade e a domesticação dos corpos das mulheres são mecanismos à disposição de um sistema de dominação e exploração da força de trabalho, tanto na produção quanto na reprodução social, com o fim de criar as condições para o modo de produção capitalista. Como destaca Nathalia Diorgenes (2017), essa dominação violenta fundou o Estado, as leis, justificou os estupros das mulheres escravizadas e a domesticação das mulheres brancas, marcando politicamente o lugar das mulheres no mundo colonizado.

 

Os mitos de feminilidade, por sua vez, revelaram-se instrumentos de controle social informal de corpos femininos e, a depender da raça e classe social, foram atribuídos caraterísticas e papéis diversos, impondo às mulheres diferentes lugares de subalternidade e opressão, em sociedades marcadas pela cultura patriarcal. As mulheres brancas tiveram sua imagem vinculada a mitos como a fragilidade feminina e a docilidade. As mulheres não brancas, vistas apenas como força de trabalho, não se adequavam a esse ideal de feminilidade frágil e, por serem consideradas objetos exóticos e sensuais, foram violentadas sexualmente. Por força do mito, essas características permanecem no imaginário social até os dias de hoje, acentuando desigualdades raciais e de classe entre mulheres (PIMENTEL; WANDERLEY, 2020, p. 263).

 

Esse processo de desumanização e demonização das mulheres negras e das indígenas justificou a violação sistemática dos seus corpos e atravessa a maternidade como um instrumento de controle da sua sexualidade e capacidade reprodutiva. Quando elas engravidavam, deviam manter o mesmo ritmo de trabalho, visto que a fragilidade é um ideal feminino da branquitude. Além disso, quando as crianças nasciam, essas mulheres não tinham o direito de serem mães, pois seus filhos passavam a ser propriedade dos senhores e, ainda, como ressalta Lorena Telles (2018), as mulheres escravizadas tornavam-se amas de leite na casa-grande ou eram alugadas para outras famílias senhoriais para amamentar as crianças brancas. Em suma, o corpo e seus recursos eram propriedade do senhor, ou seja, antes da gravidez, a violência sexual; durante a gestação, a exploração da força de trabalho; e, após o parto, a expropriação do leite materno e do cuidado maternal, que eram dirigidos às crianças brancas (GONZAGA; MAYORGA, 2019).

 

Essas experiências são ocultadas pela colonialidade que apresenta a maternidade como algo natural, “[...] tomada como experiência universal por meio da história de um corpo dócil que chegou ao seu destino [...]” (GONZAGA; MAYORGA, 2019, p. 63), ou seja, a crença difundida da maternidade como o destino do feminino e como uma verdade universal, evidencia que ela “[...] é uma instituição politicamente organizada, cientificamente reificada e explorada e juridicamente controlada” (GONZAGA; MAYORGA, 2019, p. 63). E como essa instituição se consolida? Por duas práticas, uma repressora e violenta, que se exerce por meio da criminalização do aborto e da esterilização forçada; e outra realizada por discursos (religiosos, médico-científicos, jurídicos) que valorizam e hierarquizam as mulheres pela adequação ao modelo de maternidade ideal.

 

Além da imposição da maternidade, o heteropatriarcado também é um regime que coloniza afetos e desejos e que, ao impor a heteronorma para fins de garantir a procriação, impede o livre desenvolvimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A colonização naturaliza a maternidade e a heterossexualidade, ocultando outros atravessamentos, como a raça. Tais mecanismos garantem que as mulheres brancas cumpram o seu destino, procriar, do mesmo modo em que impõem sanções às mulheres negras, desde as dificuldades para o acesso à saúde e aos direitos reprodutivos, como os riscos decorrentes dos abortos inseguros (GONÇALVES; GONZAGA, 2020, p. 38).

 

O aborto e sua criminalização, no contexto latino-americano, são questões constituídas por diversos eixos de poder, ou seja, fenômenos atravessados por uma complexa correlação de forças e que atinge diferentemente as mulheres, que relega às negras e às indígenas as condições de precariedade. As legislações que criminalizam essa prática são um instrumento dos estados-nação e foram construídas pelos processos de colonialidade do gênero racializada, imponto um tratamento legal ultrapassado, classista e racista, que retira das mulheres latino-americanas o direito de dispor de forma livre sobre os seus próprios corpos. É um mecanismo que nos aprisiona ao papel de fêmeas reprodutoras de força de trabalho para o capitalismo transnacional, desprezando as condições de vida a que estamos submetidas. Ainda, os Estados não garantem estrutura para as mulheres exercerem a maternidade com dignidade, em razão da violação dos direitos reprodutivos e pela ausência de políticas públicas como creches, por exemplo. Assim, o feminismo decolonial permite compreender a geopolítica de nossos corpos e a racialização de nossas vidas (DIORGENES, 2017).

 

A proibição do aborto é um instrumento do sistema colonial de gênero que toma o corpo e a sexualidade das mulheres como um assunto público e que, além de controlá-las, vulnerabiliza as mulheres negras e pobres, mais expostas à violência e à morte. Inserir as mortes decorrentes de abortos inseguros na categoria feminicídio reprodutivo é uma forma de discutir a responsabilidade do Estado, não só por essas mortes, como também pelos crimes praticados.

 

 

 

3 Coculpabilidade do estado colonizador

 

Considerando que o caminho da descriminalização ainda parece muito longe, em razão das disputas de poder que envolvem a temática, precisamos encontrar brechas que tragam soluções práticas viáveis. Nossa proposição é abrir essas fissuras via Direito Penal, por meio do enquadramento desses abortos na causa de exclusão da culpabilidade conhecida como inexigibilidade de conduta diversa, analisada sob o prisma da coculpabilidade do Estado.

 

O crime, segundo conceito analítico tripartido, é formado por três elementos: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. A culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato típico e ilícito, ou seja, significa que, se a conduta praticada era reprovável, deve o autor ser responsabilizado pelo injusto penal. Esse juízo de reprovação é analisado pela concorrência de três elementos: imputabilidade (capacidade de entender e de agir), potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

 

A exigibilidade de conduta diversa, “[...] um dos elementos mais importantes da reprovabilidade vem ser exatamente essa possibilidade concreta que tem o autor de determinar-se conforme o sentido em favor da conduta jurídica” (BITENCOURT, 2022, p. 139). O Código Penal traz duas causas legais de exclusão desse elemento, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica à ordem não manifestamente ilegal, conforme disposição do artigo 22[3]. É possível, também, pensar em hipóteses supra ou extra legais de exclusão, ou seja, outras situações que, ainda que não previstas expressamente em lei, autorizariam o sujeito a não se comportar de acordo com o direito. Para recair o juízo de reprovação sobre a conduta exige-se uma normalidade ou igualdade de circunstâncias que autorizem um comportamento segundo a lei, portanto, em situações anormais ou desiguais a excludente deverá ser aplicada.

 

Como bem explica Raquel Scalcon (2016), existem situações concretas que, pelas suas características, podem autorizar alguém a não agir nos exatos termos da lei penal.  Analisando o aborto realizado em gestantes contaminadas pelo vírus Zika ou cujos fetos apresentam microcefalia decorrente da contaminação pelo vírus, a autora destaca que ante à doença, estaríamos diante de uma situação fática de notória anormalidade, de tal modo que “[...] não parece possível exigir-se da mulher que atue conforme a proibição penal, a qual pressupõe, é lógico, um estado fático de suficiente normalidade” (SCALCON, 2016, p. 9).

 

O aborto miserável ou econômico também pode ser apontado como uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, ou seja, a interrupção da gravidez praticada pela mulher que se encontra em situação de miserabilidade extrema, não podendo, ante as condições que ela se encontra, exigir dela um comportamento diverso. Essa hipótese é afastada pela doutrina penal malestream (CAMPOS; SEVERI, 2019)[4], que em defesa da vida intrauterina, ignora a existência de outros direitos envolvidos na questão, como a autonomia da mulher sobre o seu corpo e a liberdade de reprodução, dentre outros, e rechaça o reconhecimento da causa de exclusão da culpabilidade, além de ignorar qualquer responsabilidade do Estado.

“A construção da dogmática penal é um espaço de privilégio masculino: majoritariamente são os homens (na sua maioria brancos, heterossexuais e de posição social privilegiada) que orientam os dogmas de quando, como, por quem e para quem as decisões são tomadas” (MENDES, 2020, p. 149). É um saber calcado em um padrão eurocêntrico de produção do conhecimento, dissociado dos estudos de gênero, sexualidade, raça, etnia e classe social, fundado no paradigma androcêntrico da segurança jurídica e nos dogmas da neutralidade e da objetividade. Assim, o discurso jurídico hegemônico sobre o aborto, marcado por uma interpretação masculinista da tipificação, esconde sob esse paradigma as desigualdades existentes na categoria mulher, que é plural.

 

Simone de Sá Figueirêdo (2017) analisou o caminho utilizado pelo Poder Judiciário para o acolhimento das causas supra legais de inexigibilidade de conduta diversa. Em relação ao aborto econômico, a autora identificou que, em geral, a tese não tem sido admitida com base em um fato do passado. Segundo a autora, o entendimento de que “[...] é exigível ter um filho quando não se pode de forma alguma tê-lo, notadamente, em um país omisso em relação à prestação de muitos direitos básicos, apenas em face de uma suposta falta de precaução anterior, pode ser interpretada como uma punição ainda mais severa” (FIGUEIRÊDO, 2017, p. 254).

 

Figueirêdo (2017) também aponta o fundamento de que a adoção da excludente seria uma ameaça à segurança jurídica e que a sua admissão traria consequências negativas ao funcionamento do sistema penal, considerando que essa causa de extinção da punibilidade não está prevista em lei. Esses argumentos revelam que os critérios interpretativos da norma penal estão ancorados por uma perspectiva androcêntrica e sexista, que serve para a manutenção do status de subordinação das mulheres. Além disso, “[...] justificando as suas decisões com base na ideia de segurança jurídica, o judiciário brasileiro acaba por revelar as suas próprias inseguranças em relação ao instituto em si, base desse complexo e importante elemento que é a culpabilidade” (FIGUEIRÊDO, 2017. p. 293).

 

São interpretações que privilegiam visões objetivas do aborto e que visam impor uma homogeneidade, como se as relações sociais não fossem situadas, gendradas e racializadas. Partindo dessas constatações e avançando um pouco mais, propomos o uso da causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa a partir de uma outra perspectiva, aliando-a à teoria da coculpabilidade do Estado colonial, racista e patriarcal, que não garante dignamente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, sobretudo as racializadas e empobrecidas.

 

Conforme visto, a desigualdade de gênero, raça e classe pode favorecer o cometimento de abortamentos visto que, em razão da sua vulnerabilidade econômica e social, das dificuldades de acesso a informações relativas à educação sexual e reprodutiva, aliado ao racismo institucional dos serviços de saúde, a mulher negra é empurrada para a prática do aborto e após a interrupção da gravidez sua vulnerabilidade social aumenta. Raúl Zaffaroni e José Pierangeli (2013) afirmam que: “[...] há sujeitos que têm menor âmbito de autodeterminação, condicionado por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2013, p. 547).

 

O Estado não está preocupado em punir os abortos, em fiscalizar e determinar o fechamento das clínicas ou, ainda, em reprimir a compra e venda de medicamentos abortivos. Tampouco há interesse em punir as mortes decorrentes de métodos clandestinos. E o que evidencia essa omissão é que a criminalização, uma tática colonial que tomou os corpos, a vida e a autonomia das mulheres, já cumpre por si só o seu papel: controlar a sexualidade feminina. Nesse contexto, Soraia da Rosa Mendes (2020) propõe o conceito de feminicídio de Estado para designar o feminicídio reprodutivo, pois as mortes decorrentes de abortos inseguros estão vinculadas à qualidade dos serviços de saúde ofertados, portanto, seriam evitáveis por meio de políticas públicas adequadas.

 

No âmbito do sistema de justiça criminal, a questão do aborto só pode ser pensada a partir de um julgamento que esteja amparado em uma perspectiva de gênero apta a “[...] modificar a forma tradicional de se fazer justiça e compreender que esse problema está alicerçado na forma como as relações de poder são construídas em nossa sociedade” (ABREU, 2022, p. 58).

A perspectiva de gênero é uma ferramenta metodológica, criada pelas teorias feministas que, em substituição ao paradigma da neutralidade metodológica do Direito, propõe uma atividade jurisdicional comprometida com a eliminação das relações de subordinação e desigualdade fundadas em motivações de sexo e/ou gênero, assim como de outras categorias interseccionais (SEVERI, 2016).

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em outubro de 2021, publicou o ‘Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021’. A partir da análise da relação entre gênero e direito, o documento destaca que a sociedade brasileira é fundada em profundas desigualdades, as quais impõem desvantagens para alguns grupos sociais e privilégios para outros e que a influência patriarcal constrói os estereótipos que constituem a mulher como um ser hierarquicamente inferior, frágil e destinada a certas posições e papéis sociais. Dessa forma, a elaboração das leis e a sua aplicação pelos operadores do direito não estão alheias a essa ordem patriarcal que estrutura a sociedade, ou seja, o direito reflete uma visão androcêntrica de mundo e, ainda que se funde na neutralidade e na universalidade, toma a perspectiva masculina como parâmetro do humano (BRASIL, 2021).

 

O Protocolo traz poucas recomendações sobre o aborto. Há menção a dois julgados, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (2012), que decidiu pela ausência de tipicidade da interrupção antecipada de gravidez em casos de anencefalia fetal; e o Habeas Corpus 124.306 (BRASIL, 2016), com decisão incidental de inconstitucionalidade da criminalização do aborto até a 12ª semana. Segundo o documento, essas decisões seriam em alguma medida, julgamentos com perspectiva de gênero, pois afastam os estereótipos que vinculam a existência das mulheres à maternidade e realizam a “[...] análise das condições precárias nas quais muitas mulheres experienciam a gravidez [...], da falta de recursos e de apoio para a criação de crianças no Brasil e dos riscos à saúde e à vida de muitas mulheres que recorrem a procedimentos clandestinos” (BRASIL, 2021, p. 90).

 

Mas é preciso ir além, ou seja, não apenas considerar as condições precárias nas quais muitas mulheres experienciam a gravidez. Um julgamento com perspectiva de gênero exige avaliar a corresponsabilidade do Estado, seja na prática dos abortos, seja na causação das mortes dessas mulheres. Ainda, não podemos ignorar que o sistema de justiça criminal é formado por uma maioria de homens brancos e proprietários e que as decisões judiciais estão inseridas na colonialidade. São esses valores androcêntricos e de branquitude que estão reproduzidos na percepção do aborto pelo sistema de justiça e refletem o conhecimento produzido pela dogmática penal, majoritariamente masculina e forjada por esses valores.

 

Em relação ao Habeas Corpus (HC) 124.306 (BRASIL, 2016), segundo os fundamentos da decisão, a criminalização viola os direitos fundamentais da mulher (direitos sexuais e reprodutivos, autonomia da mulher, integridade física e psíquica e igualdade) e o princípio da proporcionalidade. A decisão destaca, também, o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres, pois impede que elas realizem o aborto com médicos em clínicas privadas e recorram ao Sistema Único de Saúde para fazer o procedimento, ocasionando múltiplos casos de automutilações, lesões graves e mortes decorrentes do aborto inseguro. Em seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso se refere à decisão pela interrupção da gravidez como uma escolha trágica, que ninguém em sã consciência fará por prazer ou diletantismo e acrescenta que, além desse quadro, não existe necessidade de o Estado tornar a vida dessa mulher ainda pior, processando-a criminalmente (BRASIL, 2016).

 

A corresponsabilidade do Estado se impõe na medida em que ao gerir os corpos e as vidas das mulheres, via criminalização do aborto, as mortes decorrentes dessas práticas misóginas, além de configurarem feminicídio reprodutivo, integram uma necropolítica de gênero que cria zonas de morte, expondo à morte e à violência as mulheres negras e pobres, desumanizadas pelo sistema moderno colonial de gênero. Dadas essas premissas, resta muito clara a coculpabilidade do Estado que, ao proibir no aborto, negligencia os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O Estado é, igualmente, o responsável pelas desigualdades das experiências sexuais e reprodutivas das mulheres brancas e das não brancas. A aplicação da teoria da coculpabilidade e da causa de inexigibilidade de conduta é uma possibilidade, via Direito Penal, de nos julgamentos de processos criminais de aborto, avaliar a realidade social e as condições precárias da mulher que praticou o abortamento e, a partir desses elementos, garantir a exclusão da culpabilidade e consequente absolvição.

 

Esses argumentos evidenciam a coculpabilidade do Estado e deixam claro que não é possível exigir das mulheres brasileiras, diante de uma gravidez não planejada e de toda a conjuntura analisada, se comportem conforme o direito, que proíbe a interrupção da gravidez. Aplicar a inexigibilidade diversa e a coculpabilidade do Estado para excluir a responsabilidade penal da mulher que aborta é uma forma de abrir uma fissura para quem sabe, descolonizar o Direito, seus discursos e suas práticas e mudar a perspectiva dos julgamentos.

 

4 Conclusão

 

Descolonizar é uma empreitada difícil, que passa pelo processo de reconhecer que existe um opressor em cada uma de nós.  Exige a compreensão de que nossa existência, nossos saberes e a forma como produzimos o conhecimento seguem atravessados pela colonialidade.

 

Nossa proposta de análise sobre o aborto está fundada em um olhar que enxerga a diferença colonial e que resiste ao “[...] próprio hábito epistemológico de apagá-la” (LUGONES, 2014, p. 948). Ao visibilizar o processo de precarização das mulheres, sobretudo as não brancas, permitimos abrir algumas brechas para o enfrentamento desse problema.

 

Resistir à colonialidade de gênero é um processo de habitar a si mesmas, retomar nossos corpos e nossas sexualidades, uma forma de insurgência anticolonial e antirracista que promove a construção de um pensamento outro, inserido na realidade concreta, apto a abrir fissuras e alterar as estruturas produtoras da subalternidade.

 

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Ana Cláudia da Silva ABREU

Advogada e professora universitária, nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direitos. Autora da obra: Denúncias de Feminicídios e Silenciamentos: olhares descoloniais sobre a atuação do sistema de justiça criminal.

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*Advogada. Doutora em Direito. Professora de Direito Penal no Centro Universitário Campo Real. (CUCR, Guarapuava, Brasil). Rua Comendador Norberto, n. 1299, Santa Cruz, Guarapuava (PR), CEP.: 85015-240. E-mail: anaclaudia.silva@gmail.com.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2022 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

 

[1] Impõe esclarecer a adoção da terminologia feminismos decoloniais no presente artigo. No Diccionario del pensamiento alternativo, organizado por Hugo Biagini e Arturo Roig (2008), sobre o verbete lemos: “[...] pensamento descolonial/decolonial [...]” os autores explicam que as duas grafias estão corretas, destacando-se uma preferência na Argentina pelo uso do temo descolonial enquanto nos demais países optou-se pela designação decolonial. Conforme Castro Gómes e Grosfoguel (2007), o termo decolonial contrapõe-se à colonialidade, enquanto descolonial seria uma contraposição ao colonialismo. Suzana de Castro (2020) justifica a sua opção pelo termo decolonial, pela impossibilidade de superarmos as marcas do colonialismo e também porque, em conformidade com Catherine Walsh (2013), essa designação indica não apenas reação, mas uma postura de ação para a construção de alternativas mais inclusivas e positivas sobre os saberes e as práticas do continente latino-americano.  A partir desses esclarecimentos, usaremos o termo decolonial para enfatizar que o processo de descolonização não garantiu a superação da lógica colonial, ou seja, a sociedade é marcada pela colonialidade, uma estrutura de dominação e exploração que teve início com a colonização e se perpetua na atualidade. Assim, uma postura decolonial, de resistência e de ação se conforma com a busca de alternativas para a superação da colonialidade.

[2] Em que pese as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) determinarem que a referência/citação seja realizada com o uso apenas do sobrenome do(as) autoras(es), optamos, no presente artigo por uma postura desafiadora. As regras de editoração de texto da ABNT estão assentadas nas epistemologias hegemônicas e nos dogmas amplamente difundidos da neutralidade, objetividade e universalidade, os quais ocultam o(a) pesquisador(a). As mulheres foram historicamente silenciadas e, além disso, a colonialidade do saber elege um modo de produção do conhecimento hegemônico e inferioriza certos saberes e epistemologias. Por essas razões, ressaltamos a necessidade de indicação do prenome das autoras citadas/referenciadas, para garantir uma maior visibilidade para as autoras mulheres.

[3] Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem (BRASIL, 1940).

[4] Esse termo foi utilizado pelas autoras para demarcar a centralidade masculina na produção do direito.