Onda progressista na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México, o
caminho escarpado das reformas estruturais[1]
The Progressive wave in Latin America: Argentina, Brazil, Colombia,
Mexico, the steep path to structural reform
https://orcid.org/0000-0002-3861
Resumo: Depois dos fracassos econômicos,
ambientais e sociais de uma direita no poder e, no Brasil, de uma extrema
direita enfraquecendo as instituições, quase todos os países estão voltando a
uma onda progressista. De um país para outro, essa onda difere, às vezes
profundamente em seus projetos. O que une primeiro é a rejeição da experiência
dolorosa do passado, depois um conjunto de esperanças, para alguns de uma sociedade
melhor, para outros de uma sociedade profundamente diferente. Se a utopia é a
condição do movimento, se o sonho é necessário, se pedir o impossível é a coisa
mais realista, é preciso mais do que nunca fazer uma anatomia dos problemas
estruturais vividos pelas economias de cada um dos países do para influenciar o
curso dos acontecimentos e abrir caminhos certamente íngremes mas novos para
superar as dificuldades econômicas e sociais. Os países latino-americanos estão
no fio da navalha. Não é igual para todos, ainda que esse “fio da navalha”
tenha características comuns. Quatro países são destacados neste artigo:
Argentina, Brasil, Colômbia e México.
Palavras-chave: Estagnação econômica. Distribuição
de renda. Volatilidade do PIB. Desindustrialização. Reforma tributária. Competitividade.
Mercado interno.
Abstract: Following the economic, environmental and
social failures of the Right-wing in power, which, in Brazil, was the Extreme Right,
which also weakened the institutions of power, almost all countries are
returning to a Progressive wave. This wave differs, sometimes profoundly, in
its aims, from country to country. What primarily unites them is their
rejection of the painful past experiences, followed by a set of hopes, some for
of a better society, others for of a profoundly different society. If utopia is
the condition of the movement, if the dream is necessary, if asking for the
impossible is to be realistic, it is more than ever necessary to determine the
anatomy of the structural problems experienced by the economies of every country.
This would allow the course of events to be influenced, and open new pathways
which, although precarious, would overcome economic and social difficulties. Latin
American countries are on a knife edge, but it is not the same for each of them,
even though this “razor’s edge” has common characteristics. Four countries are
highlighted in this article: Argentina, Brazil, Colombia and Mexico.
Keywords: Economic stagnation. Income distribution. GDP
volatility. Deindustrialisation. Tax reform. Competitiveness. Internal market.
Submetido em: 6/12/2022.
Aceito em: 12/12/2022.
Introdução
U |
ma nova fase política se abre na América Latina.
Numerosos países latino-americanos atualmente estão surfando em uma onda
progressista.
Presidentes recém eleitos e seus governos sucedem
governos de direita mal sucedidos que deixam uma pesada herança para
administrar: uma dívida colossal na Argentina com Macri (dezembro de 2015 –
dezembro de 2018), instituições maltratadas e o retorno da fome com Bolsonaro
no Brasil (01/01/2109 – 31/12/2022), incapacidade de retomar o crescimento e elevada
corrupção com Peña Nieto no México (01 dezembro 2012 – 30 novembro 2018),
questionamentos dos acordos de paz e ameaças contra ex-guerrilheiros na
Colômbia de Duque Marquez (08/2018 – 08-2022). Entretanto, essa onda
progressista se caracteriza por uma profunda heterogeneidade nos principais
países latino-americanos. É provável que no Brasil um governo de centro
direita, ou melhor de centro, seja o sucessor daquele do ex-presidente
Bolsonaro com a chegada de Lula ao poder no início de 2023. A redistribuição de
renda em favor dos mais desfavorecidos, desejável e necessária, será
acompanhada do respeito aos grandes equilíbrios. Na Argentina, as
transferências sociais e o aumento dos salários são ameaçados pela inflação,
que está se tornando cada vez mais incontrolável. No México, a política social
de Lopez Obrador, conhecido como AMLO, até 2022, é ligeiramente inferior àquela
desenvolvida pelo governo anterior. Ela é acompanhada, entretanto, de uma
política com um tom fortemente nacionalista nos setores estratégicos como a
energia. Por outro lado, ela se alinha aos Estados Unidos quanto à gestão dos
fluxos migratórios. Enfim, na Colômbia, uma reforma fiscal que visa instaurar
um sistema de tributação mais progressivo está sendo implementado bem como uma
reforma do sistema de previdência destinada a cobrir os idosos que não tem uma
aposentadoria, pois não puderam contribuir. Ela se refere à metade da população
idosa. Finalmente, certos governos (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile ...) são
movidos por movimentos sociais (aborto, reconhecimento dos direitos de homossexuais,
incluindo o casamento) outros não o são (México).
Após os fracassos tanto econômicos, ambientais e sociais
de uma direita no poder, e no Brasil de uma extrema direita que enfraqueceu as instituições,
quase todos os países estão passando por uma onda progressista. Esta onda é
diferente entre os países às vezes com profundas diferenças em seus projetos. O
que os une é, primeiro, a rejeição da dolorosa experiência sofrida, em seguida,
um conjunto de esperanças, para uns de uma sociedade melhor, para outros de uma
sociedade profundamente diferente.
Se a utopia é a condição do movimento, se sonhar é
preciso, se pedir o impossível é o que há de mais realista, mais do que nunca é
necessário fazer uma anatomia (‘da sociedade burguesa’ dizia Marx) dos
problemas estruturais que as economias de cada um dos países estão sofrendo
para influenciar sobre o curso dos acontecimentos e de abrir os caminhos
certamente escarpados, mas novos. Os países latino-americanos estão sobre um
fio da navalha. Que não é a mesma coisa para todos eles, mesmo se esse ‘fio da
navalha’ apresente traços comuns. Não analisar as fraquezas e as forças
potenciais, pensar que o dinheiro pode ser mágico, abre o caminho para falhas e
decepções previsíveis à altura dos sonhos que foram alimentados.
1 O que une e diferencia os países latino-americanos
A maior parte dos países latino-americanos têm numerosos
pontos em comum: elevada desigualdade de riqueza e de renda, altos índices de informalidade
no emprego e como consequência elevada taxa de pobreza[2]; uma reprimarização[3] da economia; uma deterioração significativa do meio
ambiente (desmatamento acelerado da Amazônia e também a extração de minerais e
o uso maciço de OGM); uma abertura financeira maior do que a abertura comercial;
uma desindustrialização precoce[4] (inclusive no México no que se refere à indústria voltada
para o mercado interno); uma tendência à estagnação econômica; um nível de
violência extremamente importante em alguns países, importante em outros; uma
desconfiança das instituições devido ao ambiente de corrupção e de clientelismo.
Nós limitaremos nossa análise a quatro países: a
Argentina (Fernandez: 10 de dezembro 2019 ...), o Brasil (Da Silva, conhecido
como Lula: 1º de janeiro 2023), a Colômbia (Petro: 7 de agosto 2022) e o México
(Lopez Obrador: 1º de dezembro 2018)[5]. Esses quatro países são os maiores em superfície e
população e os mais poderosos da América Latina em termos do PIB per capita.
Com algumas nuances eles marcam todas as caixas enunciadas acima. Eles sofrem
as mesmas feridas, aquelas que chamamos as oito feridas da América Latina (SALAMA,
2020b). Sobre esses pontos comuns, entretanto é preciso colocar algumas
diferenças. O Brasil é caracterizado por uma presença evangélica significativa,
particularmente conservadora e presente nos estratos mais pobres e menos
instruídos da população, que se manifestou recentemente em um chamado de seus
principais pastores a votar no presidente em fim de mandato, Bolsonaro (SALAMA,
2020a, 4º capítulo). A Argentina está sofrendo dois problemas: uma inflação
muito elevada que deverá estar em torno de 100% em 2022 (Quadro 1), e de uma
fuga maciça de capitais a um ponto que podemos considerar que esse país está
mais longe de Deus e mais próximo dos Estados Unidos do que o México ... (WAINER,
2021). O México – apesar do progressismo anunciado pelo seu presidente – é um dos
países latino-americanos que retomou uma política macroeconômica digna do Consenso
de Washington e seu respeito pelos grandes equilíbrios durante a pandemia,
enquanto que a maioria dos outros países deixavam inflar seus déficits
orçamentários, praticando uma política keynesiana de fato, que antes era
injuriada, a fim de preservar a população mais pobre dos efeitos mais negativos
da crise sobre a pobreza, sem nem sempre conseguir[6]. Finalmente, o México exporta sobretudo produtos
manufaturados montados para os Estados Unidos e Canadá, enquanto os outros
países se reprimarizaram nos anos 1990 e sobretudo em 2000, exportando cada vez
mais matérias primas para os países asiáticos grandes demandantes desses
recursos naturais (CORDERA et al., 2015). O México tem também taxas de
mortalidade muito elevadas ligadas às rotas das drogas e seus controles, e à
corrupção e ao clientelismo ao ponto em que certos autores não hesitam em
qualificar esse país de Narco-Estado (SOLIS GONZALEZ, 2012). Enfim, a Colômbia,
rica em matérias primas diversificadas, sofre um déficit crônico em sua balança
comercial e em conta corrente[7] acoplados a um déficit orçamentário (GONZALES, 2021). Ao
contrário do México, a Colômbia tenta implementar reformas estruturais, em
particular modificando o sistema tributário em vigor, particularmente
regressivo, apesar de seus gastos sociais estejam em um nível baixo e ampliar o
sistema de distribuição de aposentadorias. A dívida pública externa tem
disparado desde 2012. A restrição externa pesa cada vez mais e limita as
margens de manobra do governo Petro. A Colômbia ainda permanece flagelada pela
violência, aquela ligada ao tráfico de drogas e, até há pouco tempo, às
guerrilhas, embora estas tenham diminuído consideravelmente nos últimos anos
após os acordos de paz.
Com a pandemia, todos sofreram uma retomada da inflação
(amplificada pela guerra na Ucrânia), uma queda mais ou menos pronunciada de
seus PIB em 2020 (Anexo 1), um crescimento das desigualdades de renda e
patrimônio, um aumento da pobreza e sobretudo de suas formas extremas, com
exceção de alguns meses em 2020 e 2021 no Brasil (RAZAFINDRAKOTO; ROUBAUD;
SALUDJIAN, 2022; SALAMA, 2021a), as ajudas (Auxílio emergencial) frearam
e até reverteram esse crescimento da miséria. Com a recuperação econômica
relativamente forte em 2021, que foi mais lenta em 2022, a pobreza diminuiu em
alguns países, como o México, mas frequentemente com o crescimento nas
desigualdades de renda e riqueza, a pobreza extrema se manteve ou diminuiu
ligeiramente, a fome também fez a sua reaparição em alguns países, como o
Brasil.
Todos sofreram uma queda pronunciada da população economicamente
ativa em 2020 – empregos formais e informais[8] mais o desemprego – que a retomada de 2021 e 2022 não conseguiu
reverter totalmente.
Tabela
2: População economicamente ativa (PEA): Argentina, Brasil,
Colômbia, México, 2016-3o Trimestre 2021
Países |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
2020 |
1o tri 2021 |
2o tri 2021 |
3o tri 2021 |
Argentina |
57,5 |
57,8 |
58,5 |
59,1 |
54,1 |
58,9 |
58,4 |
59,3 |
Brasil |
62,8 |
63,1 |
63,2 |
63,6 |
59,3 |
59,8 |
60,8 |
61,9 |
Colômbia |
64,5 |
64,4 |
64,0 |
63,3 |
59,2 |
60,7 |
59,9 |
60,9 |
México |
59,7 |
59,3 |
59,6 |
60,1 |
55,6 |
57,1 |
59,0 |
59,4 |
Fonte:
Organización Internacional del Trabajo (2021).
Nestes anos tão difíceis, todos eles sofreram uma queda
nos empregos formais e mais surpreendente uma queda ainda mais pronunciada nos
empregos informais (RAZAFINDRAKOTO; ROUBAUD; SALUDJIAN, 2022, SALAMA, 2021a) houvesse ou não uma
política de ajuda. Os empregos informais não são, salvo marginalmente, uma
“esponja” possível para os empregos formais (aqueles que tinham um emprego
formal, que foram despedidos, e com uma proteção social insuficiente, buscando
um emprego informal para sua sobrevivência, a queda de um produzindo o aumento
de outro). Ao contrário do que se pôde observar nos países avançados, a redução
da população economicamente ativa reflete uma retirada parcial e temporária do
mercado de trabalho. Ela afetou mais particularmente aqueles que têm um emprego
informal, quer dizer a maioria dos mais pobres[9].
As margens de manobra são limitadas não somente por
razões externas, mas igualmente pelas internas. Os países latino-americanos
sofrem uma dupla restrição internacional. 1/ A crise precipitada pela pandemia
e aquela provocada pela guerra, as duas se manifestaram na retomada inflacionária
e na provável recessão não somente nos países avançados, mas também na China,
cujos efeitos sobre os preços das matérias primas são suscetíveis de reativar a
restrição externa em sua balança comercial, que eles conseguiram evitar durante
cerca de trinta anos. 2/ A crise climática e a necessidade de mudar seu modelo
de produção, em direção a economias que respeitem mais o meio ambiente ao
risco, se não fizerem, de serem penalizados em seus intercâmbios comerciais.
À essas crises se acrescenta a herança estagnacionista.
Como os países rentistas poderiam se reconectar com o espírito empresarial schumpeteriano...
É possível quebrar o círculo vicioso da estagnação econômica e favorecer a
mobilidade social, combatendo ao mesmo tempo os danos ambientais (SVAMPA, 2021)
e diminuir as desigualdades sociais extremamente elevadas? É possível, graças à
esta onda progressista e sua dinâmica potencial, além das urnas, que os
salários aumentem, que haja uma diminuição significativa das desigualdades
sociais respeitando as crescentes restrições ambientais?
2 Um contexto pouco favorável: ameaça
de recessão mundial e tendência à estagnação econômica
A.
Um contexto
internacional pouco favorável
Como indicamos, a sucessão das crises internacionais
(pandemia, guerra na Ucrânia, crise climática) em um período muito curto e sem
perspectivas atuais de superá-las, têm consequências negativas sobre o
crescimento dos países avançados e das economias emergentes asiáticas. A
desaceleração econômica da China, e a iminente a recessão em muitos países
avançados rompem com o contexto internacional do início dos anos 2000. Ontem, a
maior parte das economias latino-americanos havia se beneficiado do relaxamento
de suas restrições externas graças à forte demanda de matérias primas dos países
asiáticos e o consequente aumento de seus preços e volumes vendidos. Eles
acentuaram a reprimarização de suas economias, iniciada em fins dos anos 1990,
ao mesmo tempo em que degradaram o meio ambiente[10]. Esta vantagem – o afrouxamento da restrição externa –
produziu, no entanto, um efeito perverso, devido à falta de reformas
estruturais (reforma fiscal, política industrial) e não produziu um aumento
significativo do crescimento e, portanto, na mobilidade social. A valorização
da moeda nacional frente ao dólar, mais ou menos importante segundo os países,
tornou mais difícil a produção e as exportações de produtos industriais,
facilitou a sua importação e favorizou uma desindustrialização precoce (Anexo
2). Isto não é, certamente, a única razão da desindustrialização observada, mas
teve um efeito definitivo[11].
Atualmente, a desaceleração econômica e a provável recessão
não deixarão de afetar os preços das matérias primas e as quantidades
exportadas, com exceção do gás e do petróleo. O contexto internacional é,
portanto, diferente. Provavelmente, não deve mais favorecer um relaxamento da
restrição externa e seus primeiros efeitos já são a desvalorização das moedas
nacionais em relação ao dólar, sem que isso favoreça suas exportações de
produtos industriais, salvo para o México.
A crise provocada pelo vírus precipitou um movimento
latente que se manifestou desde o final da primeira década dos anos 2000. As
primeiras medidas protecionistas foram adotadas (SALAMA, 2018). Elas aumentaram
com a pandemia e a guerra na Ucrânia e em especial nos Estados Unidos no
contexto de um mega plano de recuperação. A crise provocada pelo vírus mostrou
os limites do rompimento internacional da cadeia de valores, não somente devido
ao abandono da produção de certos produtos estratégicos (produtos
farmacêuticos, deslocalização da produção de bens de alta tecnologia), mas porque
esta característica da hiper globalização repousava sobre uma organização do
trabalho chamada de just-in-time (estoques zero, organização do trabalho
chamada de toyotista). A hiper globalização retornou assim à globalização do
passado, com a diferença que mais regulamentada.
Mais precisamente, a primeira onda da pandemia ocorreu
nos países asiáticos, fornecedores de numerosos segmentos das linhas de produção.
O efeito imediato da crise na Ásia foi uma queda em suas exportações e,
portanto, uma paralisia em numerosas empresas nos países europeus e
norte-americanos. Não sendo mais possível a entrega just-in-time, foi
preciso se contentar com o just-in-case... daí a escassez de suprimentos
e a improvisação internacional para a obtenção deste ou daquele produto em
falta.
A crise econômica se propagou pela Europa e depois nos
Estados Unidos antes mesmo de serem afetados pelo vírus. Esta crise de
abastecimento, portanto, se propagou mais rapidamente que o vírus. Quando a
onda do vírus atingiu a Europa e depois os Estados Unidos, as medidas de
contenção que a acompanhou precipitaram o colapso econômico da maioria desses
países em 2020. A forte recuperação econômica em 2021 provocou uma retomada da
inflação devido principalmente às dificuldades na oferta que descrevemos acima
e muito pouco ao excesso de demanda, com exceção daquela das classes médias
altas que puderam economizar durante o período de confinamento. A guerra na
Ucrânia quebrou a recuperação econômica, os preços de certas matérias primas
pesaram desmesuradamente sobre os custos das empresas conduzindo à uma queda no
poder de compra da maior parte da população.
O contexto internacional é, portanto, diferente. De um
fator favorável se torna uma restrição. Mas, uma restrição que pode ser uma
oportunidade para mudar o regime de crescimento para uma condição de menor
dependência e mais voluntarismo se os governos conseguirem liberar as margens
de manobra para fazê-lo, o que, considerando certos interesses nacionais e sua
forte presença no Congresso, não é evidente.
B.
O contexto nacional
também não é favorável
Os países latino-americanos sofrem de uma tendência à
estagnação econômica. A taxa média de crescimento anual do PIB na América
Latina é baixa, um pouco mais de dois por cento há mais de trinta anos (Anexo 1),
menos se considerarmos o PIB por habitante e ainda menos se levamos em conta a
“década perdida” dos anos 1980 caracterizada pela profunda crise devido à
gestão da dívida externa que se tornou insustentável.
O crescimento do PIB no México foi, em média, de 2,31% ao
ano durante o período. Segundo o Banco do México e o INEGI, a taxa média de
crescimento do PIB por habitante foi de 0,74% entre 1983 e 2018, ou seja, muito
menos do que os 2% necessários para duplicá-lo em 35 anos, na melhor das
hipóteses. A grande diferença em relação à taxa de crescimento do PIB per
capita é explicada pela elevada taxa de crescimento demográfico até 2000. Na
Argentina, de 1980 a 2016, o crescimento médio do PIB per capita foi em média
0,64% menor do que aquele observado para o conjunto dos outros países da
América Latina, 1,4% (Coatz D., Garcia Diaz F., Porta F. e Schteingart D. in Mercado R. (Org), 2018). Com um índice igual a 100 para o PIB per capita em 1950, o
valor desse índice é de 206 na Argentina em 2017, enquanto que atingia 382 na
América Latina e 492 na Europa na mesma data[12]. Portanto, foram necessários 67 anos para dobrar o PIB
per capita, na Argentina. Se considerarmos o crescimento das desigualdades
nesse período, é compreensível que o PIB per capita tenha menos que dobrado
para pelo menos metade da população nesse período. Com uma taxa de crescimento
do PIB per capita tão fraco, a mobilidade social só pode ser marginal apesar
dos esforços feitos por alguns governos para aumentar a assistência social.
Quadro
2: Quando a matemática tem significado social
As
consequências sociais de um crescimento fraco no longo prazo são muito
importantes. Um pequeno exercício matemático mostra isso facilmente. Com uma
taxa média de crescimento anual do PIB per capita, regular, de 2%, ele dobra em
35 anos, menos se o crescimento é irregular – o que é particularmente o caso da
América Latina se compararmos com os países asiáticos – devido ao efeito de
histerese[13].
Com uma taxa de crescimento anual média regular de 8% do PIB per capita, o PIB
per capita dobra em 9 anos. Se esse crescimento é regular, a mobilidade social
é muito alta. Uma criança que nasce pobre – tal como a pobreza é definida –
tem, então, grande chance de não ser mais quando chegue a idade adulta, mesmo
quando o elevado crescimento é acompanhado de um aumento considerável na
desigualdade de renda, como foi o caso da China durante muitas décadas. Por
outro lado, se a taxa de crescimento for somente de 2% ao ano em média, a
mobilidade social é muito fraca. Ela pode ser aumentada através de uma política
de redistribuição. Assim, o Brasil diminuiu fortemente a pobreza absoluta
(relembremos que esta pode ser suprimida ao contrário da pobreza relativa)
durante os governos de Lula I e II (01.01.2003-01.01.2011) e de D. Roussef I, mas
o fato do crescimento ser fraco e irregular torna muito difícil de aumentar
duravelmente e fortemente a mobilidade social, mesmo com um aumento dos gastos
sociais e de educação. A crise econômica sob D. Roussef II (presidência
interrompida após um ‘golpe de Estado legal’), a chegada do vice-presidente
Temer à presidência, apesar das fortes suspeitas de corrupção ativa que pesavam
sobre ele e depois a de Bolsonaro mostraram quanto essas políticas de
redistribuição (Bolsa Família, Auxílio habitacional, fome zero) podem
ser reversíveis diante das crises e da redução dessas ajudas sociais como foi o
caso, com a exceção de alguns meses com o auxílio emergencial[14]
durante a pandemia.
Figura
1: Taxa de crescimento médio anual do PIB a preço
constante, América Latina, 1990-2021*
Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (2022a).
Entre os quatro países analisados aqui, a Argentina e o
México apresentam as menores taxas de crescimento do seu PIB per capita no
longo prazo.
Esta tendência à estagnação econômica é a consequência de
uma taxa de formação bruta de capital fixo medíocre nos últimos 40 anos e uma
tendência de uma parte dos investidores a optarem por um comportamento
rentista.
Tabela
3: Formação bruta de capital fixo em % do PIB, em dólares
de 2010, 2011-2020*
Países |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2109 |
2020* |
Argentina |
18.4 |
17.3 |
17.3 |
16.5 |
16.7 |
16 |
17.7 |
17.1 |
14.7 |
14.2 |
Brasil |
21.1 |
20.9 |
21.4 |
20.4 |
18.2 |
16.6 |
15.9 |
16.5 |
16.9 |
17.5 |
Colômbia |
23.1 |
23 |
23.7 |
24.8 |
24.8 |
23.6 |
23.7 |
23.3 |
23.3 |
19.8 |
México |
22.5 |
22.7 |
21.7 |
21.7 |
22 |
21.6 |
20.9 |
20.6 |
19.7 |
17.5 |
Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (2022b).
*dados provisórios.
Podemos, portanto, caracterizar os últimos quarenta anos
por uma tendência à estagnação do PIB per capita, mais particularmente na
Argentina e no México, embora a maior parte desses países tenha experimentado
uma ligeira recuperação durante a primeira década dos anos 2000 (CORDERA, 2015;
ROMERO TELLAECHE, 2014). Ao contrário de uma crença relativamente difundida
essas economias foram pouco ou não emergentes. Portanto, elas não convergiram
ou convergiram pouco para o nível de renda per capita dos países avançados, ao
contrário de muitos países asiáticos. O Brasil, país emblemático tanto pelo seu
peso econômico quanto pelo impacto positivo das políticas empreendidas pelo
presidente Lula I e Lula II e a desastrosa sob o governo Bolsonaro, não
experimentou essa convergência. Seu PIB per capita, medido em relação ao dos
Estados Unidos, é aproximadamente o mesmo que em 1960, embora tenha se
aproximado nas décadas 1960-1970 e na primeira década de 2000.
C.
Em termos de
políticas econômicas, as condições do sucesso.
Por que insistir sobre a tendência à estagnação econômica?
Porque, como nós indicamos, romper com essa tendência constitui a condição sine
qua non para que a mobilidade social melhore de maneira significativa e,
sobretudo, durável. Podemos relacionar como causas da tendência à estagnação,
as desigualdades de renda e de riqueza extremamente elevadas, a volatilidade no
crescimento quando é muito elevado, a reprimarização e a desindustrialização
que a acompanha e depois classificar essas causas. Todos esses fatores têm sua
importância, mas alguns mais do que outros segundo os países.
Para o Brasil, Colômbia e México, a tendência à
estagnação é explicada fundamentalmente, mas não somente, pela elevada
desigualdade de renda (FURTADO, 1966). A ausência de uma política industrial
não permite atenuar, ou reverter, o efeito negativo sobre o crescimento das
desigualdades, particularmente no México onde as exportações de bens
industriais para os Estados Unidos e o Canadá não tem os efeitos de
encadeamento sobre a indústria em seu conjunto (com exceção de parte da indústria
automobilística), apesar da abertura ao comércio internacional mais importante
do que a do Brasil, por exemplo. Ao contrário, a elevada volatilidade do
crescimento, altas taxas de crescimento alternando com crises profundas,
explicaria o fraco crescimento da Argentina no longo prazo (DIAMAND, 1973,
anexo 3 e análise aprofundada em SALAMA, 2020b, 2021b).
Tabela 4:
Causas da tendência à estagnação da taxa de crescimento do PIB
|
Argentina |
Brasil |
Colômbia |
México |
Reprimarização |
+ |
++ |
++ |
+ |
Industrialização-desindustrialização |
+ |
++ |
+ |
++ |
Volatilidade |
+++ |
+ |
|
+ |
Desigualdade |
+ então ++ |
+++ |
+++ |
+++ |
Fonte:
Salama (2020a, 2021b).
A restrição externa atua fortemente na Argentina. Antes,
ela estava localizada no saldo da balança comercial. Atualmente, a
reprimarização da economia produziu um relaxamento nessa restrição graças ao
aumento da cotação da soja e das quantidades exportadas. Mas, essa restrição
externa, relaxada ao nível da balança comercial, foi reforçada ao nível do balanço
em conta corrente e do balanço de capitais com as saídas maciças de capitais. O
saldo negativo líquido da balança comercial e, portanto, do balanço em conta
corrente, geraram saídas de capitais, desvalorizações, fontes de picos
inflacionários e uma recessão temporária. O crescimento então é afetado ao
ponto de parecer com os movimentos de um pêndulo, donde a expressão pendulo
cunhada por Diamand (1973).
Quadro
3: Volatilidade, inflação, enriquecimento e empobrecimento
e estagnação a longo prazo na Argentina
Quando
a volatilidade do crescimento é a causa principal do fraco crescimento médio a
longo prazo, é preciso atacar suas causas, ou seja, a fuga de capitais e as
razões pelas quais ela ocorre maciçamente. Essas fugas de capitais alimentam a
desconfiança em relação à política econômica do governo, tem um impacto sobre a
taxa de câmbio e, em última instância, sobre a taxa de inflação. A alta
dos preços se acelera, o que prejudica as tentativas do governo e dos
sindicatos de manter o poder de compra. Ao mesmo tempo, a fuga de capitais não
conduz imediatamente à uma queda do PIB. Desde que o saldo da balança comercial
continue positivo (que é o caso atual da Argentina), desde que as reservas
cambiais sejam suficientes, o crescimento pode continuar, inclusive a uma taxa
relativamente elevada (o que ainda é o caso, com exceção do ano de 2020). Mas,
à medida que a inflação se torna cada vez mais incontrolável, as perspectivas
de uma mega desvalorização se tornam cada vez mais prováveis, alimentando ainda
mais a fuga de capitais. A fim de evitar essa mega desvalorização, fonte de
crise e de perda significativa do poder de compra, o governo multiplica as
taxas “vantajosas” de câmbio ao lado da taxa oficial de câmbio – no momento em
que escrevemos são seis[15]
–, promove pequenas desvalorizações para frear essas fugas e estabilizar a taxa
oficial de câmbio (ver o gráfico no Anexo 4). A especulação sobre a taxa
oficial de câmbio futura pode enriquecer aqueles que têm os meios para
especular e reforça o caráter rentista dos investidores. Por outro lado, o
poder de compra da grande maioria da população cai, sobretudo para os mais
pobres, apesar das transferências sociais que se tornam ineficazes porque são
insuficientes. O respeito às regras estabelecidas com o Fundo Monetário
Internacional para obter um reescalonamento da dívida externa e liberar
recursos orçamentários para o pagamento do serviço da dívida resulta na
limitação das despesas públicas amputando esses gastos sociais, como é o caso
no final de 2022. A inflação e depois a crise, juntamente com uma inflação
persistente, é uma “fábrica de pobres”. No final, a taxa de crescimento médio a
longo prazo é reduzida. O governo progressista da argentina enfrenta o seguinte
dilema: ou procede à uma maxidesvalorização esperando que, após um pico da
inflação, ela seja suficiente para deter a alta de preços, com risco de uma
perda substancial no poder de compra, ou promove pequenas desvalorização,
multiplica as taxas de câmbio “vantajosas” para frear a saída de capitais, sem
poder evitar uma queda no poder de compra e no longo prazo impedir a
volatilidade do crescimento e seus efeitos sobre a taxa de câmbio e sobre o
poder de compra. Dilema que é igualmente uma armadilha política.
Nos países em que a amplitude das desigualdades é tão
alta que impede uma retomada econômica durável é necessário diminuir essa
desigualdade. Existem várias possibilidades para obter essa diminuição e
favorecer uma sociedade mais inclusiva. Um aumento significativo do salário
mínimo (que foi feito no México com a chegada de Lopez Obrador ao poder) e a
abertura de negociações salariais, acompanhadas de transferências sociais
substanciais para os mais pobres fazem parte do programa de Lula. Além dessas
medidas imediatas, mas que não são fáceis de serem aprovadas quando a
presidência não tem maioria no Congresso[16], se acrescenta uma reforma fiscal que possa inverter a
regressividade atual do sistema tributário[17] e uma modificação significativa no sistema
previdenciário. Este último é necessário, sobretudo, nos países que no passado
optaram por um sistema de capitalização no qual uma grande parte da população
não tem acesso à aposentadoria como a Colômbia ou o México. Isso é o que a
Colômbia[18] está fazendo.
A implementação, mesmo que parcial, de um sistema de
repartição na previdência, o aumento dos benefícios frequentemente muito
baixos, quando existem, permitiria a redução das desigualdades de renda
melhorando a situação dos mais pobres e a retomada do crescimento. Sozinhas,
essas medidas não são suficientes. Elas devem ser acompanhadas de uma política
industrial ‘agressiva’ procurando desenvolver indústrias estratégicas, como
Lula I e Lula II haviam tentado fazer com a extração do petróleo do pré-sal
(longe da costa, em águas muito profundas), como Lopez Obrador está tentando
impor com a implantação industrial de uma gigantesca refinaria de petróleo[19], e o estabelecimento de um monopólio para regular a
distribuição de eletricidade (CFE[20]).
Entretanto, a questão do aumento necessário dos salários
não poderá ser feita pela economia sem um rápido aumento da produtividade do
trabalho. Embora ainda relativamente fechados – salvo o México e a Colômbia em
menor grau – e apesar de sua abertura ao comércio internacional nos últimos
trinta anos, esses países sofrem de uma baixa produtividade e de uma
competitividade medíocre. Mais precisamente, se tomarmos o exemplo da
Argentina, o tecido industrial está passando por um envelhecimento
significativo, mas muito desigual, de seu aparato industrial devido aos investimentos
insuficientes no passado, de um reduzido nível de crescimento da produtividade
do trabalho, estes últimos fortemente desiguais de acordo com os setores. Que
seja a diferença de crescimento da renda per capita ou da produtividade, a
comparação com os Estados Unidos é instrutiva.
Quadro 4: Um falso debate:
mercado interno versus mercado externo Em economias relativamente fechadas, mas cada
vez mais abertas como são as economias latino-americanas, o crescimento pode
ser puxado pela dinâmica do mercado interno e, portanto, crescimento da renda
dos mais desamparados, além dos pobres. Entretanto, esse aumento da renda só
é possível e duradouro se a produtividade do trabalho também aumentar. Se não
for esse o caso, o déficit da balança comercial de bens industriais,
conhecidos como bens transacionáveis, só pode crescer e a dependência das
rendas obtidas das exportações de matérias primas só pode aumentar. É
suficiente que essas rendas caiam devido à uma conjuntura desfavorável na Ásia,
por exemplo, para que o espectro da desvalorização da taxa de câmbio ameace
novamente, com todas as consequências sociais que isso implica. No mundo
globalizado, a distinção entre mercado interno e mercado externo perde,
então, sua importância. Como se sabe, a competitividade não se resume
apenas ao nível dos salários e de sua evolução. Se este fosse o caso, não se
compreenderia que países, como a Suíça, possam ter o saldo de sua balança
comercial positivo apesar dos salários relativamente elevados. A maior parte
das empresas na Suíça são muito competitivas em bens de alta tecnologia, os
mais procurados. O custo unitário do trabalho, um dos
indicadores de competitividade, depende diretamente de três variáveis: a taxa
de câmbio real, o nível dos salários e da produtividade do trabalho. A
competitividade depende igualmente, mas indiretamente, de outras variáveis
como a qualidade das instituições, a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
etc.). O custo unitário do trabalho (e sua evolução) está evoluindo
desfavoravelmente na América Latina, o que se traduz por uma rápida
desindustrialização. Segundo um estudo já antigo (FRANKEL; RAPETTI,
2011), mas cujos ensinamentos são sempre atuais, o aumento da taxa real de
câmbio é uma causa preponderante do aumento do custo unitário do trabalho
entre 2000 e 2010, seguido do diferencial de produtividade. Com efeito a produtividade
do trabalho cresce menos no Brasil, no Chile, na Argentina e na Colômbia do
que nos países avançados ou na China. O aumento dos salários mais elevado que
o da produtividade em certos países como o Brasil e Argentina, só chega em
terceiro lugar. A principal lição que
se pode tirar dessa análise é que se os governos progressistas quiserem reverter
a tendência à estagnação do PIB, prejudicial à mobilidade social, eles não
somente devem favorecer o aumento dos salários mais baixos como também atuar
sobre a taxa de câmbio real e sobre a produtividade. Sobre a taxa de câmbio,
as evoluções recentes da taxa indicam uma tendência à desvalorização e se for
necessária uma revalorização existem soluções técnicas para a esterilização
do excesso de dólares existentes, embora as decisões políticas para sua
implementação às vezes sejam difíceis porque os interesses em manter
valorizado podem ser muito fortes (a valorização torna as importações mais
baratas, portanto, ela é deflacionista e num contexto de retomada
inflacionária ela permite limitar a perda do poder de compra dos
trabalhadores e reduzir o custo das empresas muito importadoras, ela favorece
a fuga de capitais daqueles que esperam uma desvalorização). Sobre a
produtividade, é mais difícil. O esforço em pesquisa e desenvolvimento na
América Latina é particularmente medíocre. O país que dedica mais recursos à
pesquisa é o Brasil, com 1% do seu PIB, os demais estão em torno de 0,6%. A
Coréia do Sul dedica mais de 4,5% de seu PIB para a pesquisa. É claro que é
um indicador, existem outros como o número de patentes per capita etc., mas
tais dados são edificantes... e permitem medir a amplitude dos esforços a
realizar, quanto a mudança no comportamento dos empresários é necessária para
passar de um comportamento rentista para uma dinâmica schumpeteriana que
favoreça a inovação ao invés do lucro (paradoxalmente, lucro quer
dizer lucro em português... embora na realidade tenha recuperado seu sentido
pejorativo original no Brasil: o lucro buscado com ganância, seja legal ou
não). |
Fonte:
Della
Paoloera, Duran Amorocho e Musacchio (2018), a partir de dados oficiais
reconstruídos por Benetrix et al. (2012).
Quadro
5: Diferença de crescimento do PIB e da produtividade
Estados Unidos-Argentina
|
1900-1919 |
1920-1930 |
1931-1943 |
1944-1972 |
1973-1990 |
1991-2007 |
Diferença do PIB/t |
-1,0 |
2,6 |
-6,6 |
2,2 |
-2,3 |
0,0 |
Diferença de produtividade do trabalho |
0,4 |
1,0 |
-4,9 |
1,4 |
-1,0 |
-2,6 |
Segundo
Coatz e Scheingart (2016), à taxa de câmbio peso-dólar de 2005, se o crescimento
da produtividade do trabalho no setor industrial for de 3% ao ano nos Estados
Unidos e de 4% na Argentina, seriam necessários 101 anos para anular a
diferença de produtividade entre esses dois países, e se fosse de 10% ao ano na
Argentina, seriam necessários 15 anos. O problema é que se está longe dos 3% ao
ano (COATZ; SCHEINGART, 2016, p.43).
4
Conclusão
Argentina,
Brasil, Colômbia sofreram uma desindustrialização relacionada aos efeitos da reprimarização.
O México, menos rico em matérias primas não sofreu uma reprimarização, mas
recebe um volume muito importante de transferências de divisas de seus
trabalhadores, que emigraram para os Estados Unidos. Ele sofre de uma
desindustrialização nas indústrias voltadas para o mercado interno[21].
Ainda assim, está na moda condenar o crescimento, a industrialização e
denunciar um discurso produtivista quando se defende a reindustrialização.
É
correto que o crescimento e a industrialização, a segunda gerando a primeira,
foram acompanhados de uma importante deterioração do meio ambiente no passado e
ainda hoje. Os modelos de substituição de importações do passado (dos anos 1935
aos anos 1970, caracterizados por um elevado crescimento) e a reprimarização de
hoje, tornaram-se insustentáveis para o meio ambiente. A reprimarização das
economias conduziu, na maioria dos casos, a danos irreversíveis sobre o meio
ambiente, aos estilos de vida e à saúde das populações vizinhas. De fato, o
crescimento da agricultura de exportação tem sido obtido às custas dos
camponeses. A mineração tem sido realizada principalmente em detrimento da
população indígena. A reprimarização foi realizada com desprezo ao meio
ambiente e da saúde dos camponeses, dos mineiros e da população ao redor. É
também o caso das indústrias exportadoras de bens industriais no México. Ela se
traduziu pela deterioração da saúde dos camponeses e trabalhadores, seja direta
ou indiretamente, pelos efeitos da poluição e do desmatamento sobre o clima.
Impor normas ambientais e seu respeito é cada vez mais uma necessidade de
sobrevivência.
Enfim,
a questão é dupla: o crescimento conduz necessariamente à uma deterioração do
meio ambiente? Ou então, tem-se que optar pelo decrescimento e proibir a
implantação de fábricas em nome precisamente da poluição que elas produzem e
favorecer a pesquisa, estabelecer um conjunto de regras restritivas aplicáveis
igualmente aos produtos importados, a fim de favorecer uma industrialização
mais neutra em relação ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores? Esta é a
aposta que os teóricos do desenvolvimento sustentável entenderam: o respeito às
condições sociais e do meio ambiente. Esta “toca do rato” existe. Ao invés de
se opor o emprego ao clima, é melhor procurar formas de compatibilizá-los,
especialmente porque hoje sabemos as consequências sociais em termos de
mobilidade social e do aumento das desigualdades se nada for feito para superar
esta tendência à estagnação.
A
crise é estrutural na América Latina. Portanto, somente as respostas situadas a
este nível poder permitir a superação dos obstáculos a um desenvolvimento sustentável
e à inclusão daqueles que são excluídos. As reformas econômicas radicais, na
magnitude dos problemas as serem resolvidos, são em número de três:
1)
No contexto latino-americano, em que o mercado interno
desempenha um papel importante, é necessário aumentar o poder de compra do
trabalho. Esta melhoria do poder de compra pode dinamizar o mercado interno.
Paradoxalmente, a justiça social está ligada à eficiência econômica: mais empregos,
menos informalidade. Esta é uma medida para ser tomada imediatamente, mas sua
eficácia duradoura exige esforços no sentido de melhorar a produtividade e que
haja uma política industrial agressiva, como tem sido o caso em vários países
asiáticos.
2)
A melhoria do poder de compra dos mais pobres e das
classes médias (baixas e médias) não se reduz somente ao aumento dos salários,
que poderia ser revertido pelo aumento acelerado dos preços. Uma reforma fiscal
e a extensão do sistema de previdência por repartição para a população que não
pode contribuir, devido à falta de recursos, pode contribuir para o aumento do
poder de compra dos mais desamparados. Isto não é apenas uma necessidade ética,
mas também econômica.
3)
A reindustrialização com respeito ao meio ambiente e a soberania
sobre os setores estratégicos, legitima o retorno ao protecionismo seletivo e
temporário, como muitos países asiáticos fizeram, mas também os Estados Unidos.
É o conjunto dessas medidas que constitui uma ruptura. O
retorno de governos progressistas nos países analisados pode conduzir à essa
ruptura. Entretanto, as condições políticas para realizar essa ruptura não
estão presentes, no momento. Esses governos ou não tem um programa para a
ruptura, ou o tem parcialmente, ou, enfim, nem todos têm uma maioria em seus
respectivos Congressos. Existe uma margem de manobra, de dinâmicas possíveis,
mas elas dependem sobretudo dos movimentos de massa, que no momento estão
relativamente ausentes quanto às questões estritamente econômicas. É, também,
muito provável que em alguns países haja reformas mais significativas do que em
outros, que a melhoria do poder de compra seja decidida, bem como medidas para
proteção do meio ambiente e que projetos industriais ligados à busca de maior
soberania sejam empreendidos. Isto é importante, sobretudo em vista do passivo
deixado pelos governos de direita, mas que não está à altura dos problemas
enfrentados por esses países há dezenas de anos.
Quais são as chances para realizar essas reformas
estruturais? Trata-se de desenvolver uma política de redistribuição afim de
reduzir a pobreza, de diminuir os danos ambientais, então a probabilidade de
sucesso relativo é suficientemente forte, especialmente no Brasil e na Colômbia.
Se se trata de implementar reformas estruturais como uma reforma fiscal, uma
política industrial agressiva, uma proteção ambiental eficaz para escapar
duravelmente da tendência à estagnação econômica e à reduzida mobilidade social
que ela produz, então a probabilidade de sucesso é bastante baixa considerando
o contexto internacional, e a relação de forças dentro dos parlamentos, exceto
marginalmente em certos países.
É forçoso reconhecer que, no estado atual, as margens de
manobra são estreitas para decidir tais políticas estruturais, a menos que uma
ascensão do movimento de massas mude a situação e abra novas perspectivas. Esta
pode ser uma visão um tanto pessimista sobre o futuro dessa onda progressista,
que alguns chamariam de realismo, mas é desse pessimismo que se alimenta o
“otimismo da vontade”.
Referências
As revistas e relatórios de
instituições internacionais e nacionais são citadas no texto quando são fontes
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Agradecimentos
A Arturo Anguiano, Nicolas
Bénies e Francis Sitel pelos seus comentários muito úteis.
________________________________________________________________________________________________
Pierre SALAMA
Um economista latino-americanista.
Professor emérito das Universidades de Sorbone Paris-Norte. Últimos livros
publicados: Contágio do vírus, contágio econômico, riscos políticos na
América Latina, Ed. Croquant, 2020. Economia da América Latina, com
Mylène Gaulard. Ed. Bréal, 2020.
________________________________________________________________________________________________
Anexo n° 1: Taxa de crescimento do PIB a
preços constantes, Argentina, Brasil, Colômbia, México, 1992 - 2021 |
|||||||||
|
1992 |
1993 |
1994 |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
1999 |
2000 |
Argentina |
7,9 |
8,0 |
5,8 |
-2,8 |
5,5 |
8,1 |
3,9 |
-3,4 |
-0,8 |
Brasil |
-0,5 |
49,0 |
5,9 |
4,2 |
2,2 |
3,4 |
0,3 |
0,5 |
4,4 |
Colômbia |
4,0 |
5,4 |
5,8 |
5,2 |
2,1 |
3,4 |
0,6 |
-4,2 |
2,9 |
México |
2,5 |
1,9 |
4,9 |
-6,3 |
6,8 |
6,8 |
5,2 |
2,8 |
4,9 |
|
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005 |
2006 |
2007 |
2008 |
2009 |
Argentina |
-4,4 |
-10,9 |
8,8 |
9,0 |
8,9 |
8,0 |
9,0 |
3,3 |
-5,9 |
Brasil |
1,4 |
3,1 |
1,1 |
5,8 |
3,2 |
4,0 |
6,1 |
5,8 |
-0,1 |
Colômbia |
1,7 |
2,0 |
3,9 |
5,3 |
4,8 |
6,7 |
6,7 |
3,3 |
1,1 |
México |
-0,4 |
0,0 |
1,3 |
3,9 |
2,3 |
4,5 |
2,3 |
1,1 |
-5,3 |
|
2010 |
2011 |
2012 |
2014 |
2015 |
2016 |
2107 |
2018 |
|
Argentina |
10,1 |
6,0 |
-1,0 |
-2,5 |
2,7 |
-2,1 |
2,8 |
-2,6 |
|
Brasil |
7,5 |
4,0 |
1,9 |
0,5 |
-3,5 |
-3,3 |
1,3 |
1,8 |
|
Colômbia |
4,5 |
6,9 |
3,9 |
4,2 |
3,0 |
2,1 |
1,4 |
2,6 |
|
México |
5,1 |
3,7 |
3,6 |
2,8 |
3,3 |
2,6 |
2,1 |
2,2 |
|
|
2019 |
2020 |
2021 |
2022* |
|||||
Argentina |
-2,0 |
-9,9 |
10,3 |
3,0 |
|||||
Brasil |
1,2 |
-3,9 |
4,6 |
1,4 |
|||||
Colômbia |
3,2 |
-7,0 |
10,6 |
9,4 |
|||||
México |
-0,2 |
-8,2 |
4,8 |
2,1 |
|||||
Fontes: Para Argentina
e Colômbia |
|||||||||
Pode
ser acessada em: https://donnees.banquemondiale.org/indicateur/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CO-AR-SA&name_desc=false |
|||||||||
Para o México, pode ser acessada em: |
|||||||||
Para o Brasil, pode ser acessada em: |
|||||||||
https://donnees.banquemondiale.org/indicateur/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CO-BR&name_desc=false |
Anexo 2: Nível do PIB per capita, em US
dólares (PPC de 1990), no início da desindutrialização em alguns países da OCDE
e da América Latina, 1950-2011 |
||||||
País |
Participação da parte superior da indústria manufatureira
no PIB |
Participação da parte superior dos
assalariados da industria manufatureira no PIB |
||||
Part (%) |
Ano |
PIB per capita |
Part (%) |
Ano |
PIB per capita |
|
Países desenvolvidos da OCDE |
||||||
Canadá |
23,29 |
1961 |
8.833 |
22,73 a |
1970 |
12.050 |
França |
25,4 b |
1961 |
7.716 |
27,89 |
1974 |
13.113 |
Alemanha (Rep. Federal) |
40,65 |
1961 |
7.952 |
39,39 a |
1970 |
10.839 |
Japão |
32,63 |
1970 |
9.714 |
27,44 |
1973 |
11.434 |
Espanha |
23,33 |
1972 |
7.099 |
27,47 |
1971 |
6.618 |
Suécia |
26,94 |
1974 |
13.885 |
28,29 |
1974 |
13.885 |
Gran Bretanha |
36,90 |
1955 |
7.868 |
41,83 |
154 |
7.619 |
Estados Unidos |
26,47 |
1953 |
10.613 |
27,83 |
1953 |
10.613 |
Países da América Latina |
||||||
Argentina |
34,85 |
1976 |
7.965 |
24,69 c |
1984 |
7.426 |
Brasil |
32,47 |
1985 |
4.914 |
17,08 |
1978 |
4.678 |
Chile |
19,57 |
1974 |
4.992 |
16,80 |
1976 |
4.347 |
Colômbia |
20,05 |
1976 |
3.713 |
25,95 d |
1978 |
4.042 |
México |
23,34 |
1988 |
5.771 |
19,56 |
2000 |
7.275 |
Perú |
21,51 |
1988 |
3.766 |
23,24 e |
1986 |
3.946 |
Uruguai |
2342,00 |
1986 |
6.015 |
30,57 |
1974 |
5.123 |
Venezuela |
30,85 |
1986 |
8.725 |
17,18 |
1987 |
8.805 |
Fonte: Cálculos realizados por Victor Krasilshchikov (2020) a partir dos
dados da UNCTAD e do ILO (para 1970-2011); Para a Gran Bretanha e os Estados
Unidos: UK Central Statistical Office 1961: 105-107, 130, 239, 243; 1965:
107; 1970: 118, 279, 285; US Bureau of the Census 1956: 296; 1959: 304, 307;
1961: 203, 207, 301, 304; 1965: 326; OECD/OCDE 1979: 7-8, 103-104, 195-196;
MoF 1998, table 6.1; GGDC 2013. |
Anexo 3: Volatilidades Argentina, Brasil, México |
||||||
Volatilidade da Argentina |
Fonte: Maurixio (2019).
Volatilidade do Brasil
Fonte: Chauvet (2019).
Volatilidade do México
Anexo 4: Taxas de câmbio na Argentina
Fonte: BCRA. O aumento do
índice corresponde a uma desvalorização - depreciação da moeda nacional em
relação a outras moedas, e vice-versa. Uma desvalorização é inicialmente
inflacionária, uma valorização deve contribuir para uma desaceleração na alta
dos preços. Nem sempre é assim, a manutenção de uma taxa de câmbio nominal e a
existência de um aumento de preços mais elevado (devido à espiral
salários-lucros de preços ascendentes, alterações significativas na estrutura de
preços relativos entre e dentro dos bens públicos e privados, e desconfiança da
eficácia da política do governo) resulta em uma valorização em termos reais da
moeda nacional. Isso aumenta a probabilidade de uma desvalorização, que é ela
própria inflacionária. Ligeiras desvalorizações nominais, inferiores à subida
dos preços, traduzem-se também numa apreciação real da moeda. São consequência
da vontade do governo de estabilizar a taxa de câmbio, de evitar uma
megadesvalorização muito inflacionária, mas não conseguem conter a aceleração
da alta de preços. Isso pode ser observado nos dois gráficos: o primeiro mostra
uma queda do índice de câmbio real em 2022, revelando uma apreciação e o
segundo uma elevação do valor nominal da taxa de câmbio devido a minidesvalorizações
no mesmo período. Esta é a política seguida pelo governo em 2022, Ver: Informe
CESO, Nov 2022: Devaluar o estabilizar?
Figura 2: Desvalorização da taxa
nominal de câmbio e inflação, 2011-2022 |
Fonte: CESO, a partir dos dados do BCRA.
[1] Texto traduzido pelo professor doutor
Paulo Nakatani (docente do Departamento de Economia e do PPGPS/Ufes).
* Economista. Doutor em Ciências Econômicas.
Um latino-americanista. Professor emérito das Universidades de Sorbone
Paris-Norte. CEPN- CNRS, UMR 7115. E-mail:
psalama@wanadoo.fr.
© A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2022 Acesso
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[2] Definição: Entre as numerosas definições
nos países em desenvolvimento e/ou emergentes, a mais corrente é a medida da
pobreza absoluta. Ela difere daquela em vigor nas economias avançadas (pobreza
relativa). A primeira depende de uma cesta de bens que se pode adquirir ou não,
a segunda é relativa e depende da distribuição de renda. A primeira pode
portando ser suprimida, a segunda não, salvo se acharmos que se pode eliminar
as desigualdades de renda, mas ela pode e deve ser diminuída pois ela tornou-se
insustentável socialmente, politicamente e eticamente desde cerca de trinta anos.
Na América Latina, são pobres os indivíduos (ou famílias) que não conseguem
obter um certo nível de renda. Esta é definida como a renda que permite seja a
compra de bens de consumo, cujo conteúdo em calorias deve levar à reprodução
física desse indivíduo (ou da família) e o pagamento de um certo número de serviços
(aluguel, transporte, etc.). A pobreza extrema ou a indigência é a situação na
qual se encontram indivíduos (ou domicílios) cuja renda não lhe permite
adquirir os bens de consumo necessários à sua reprodução.
[3] Definição: Diz se que a reprimarização ocorre
quando a estrutura das exportações de um país muda significativamente em favor
da exportação de matérias primas em detrimento dos produtos industriais que se
tornaram menos competitivos.
[4] Definição: Diz se que desindustrialização
de um país emergente é precoce em comparação com a desindustrialização que
afeta certos países avançados quando a renda per capita no início desse
processo é a metade daquela dos países avançados no momento que começa a
desindustrialização (ver Anexo 2).
[5] Por que esses quatro países? Por duas
razões. Porque são economicamente os mais importantes de América Latina e são
emblemáticos pelos problemas que devem resolver, porque são eles que nós
conhecemos mais intimamente, combinando estudos de textos, documentos,
relatórios e visitas ao local, e pesquisas de campo que dão sentido aos dados
estatísticos abstratos. Entretanto, não são os únicos que deveriam ter sido
estudados. O Chile teria merecido um lugar especial porque uma “nova” esquerda
está aparecendo e tentando profundas reformas apesar da oposição do seu Congresso,
o Perú – país de abundantes recursos naturais por excelência, de desigualdades
de renda consideráveis, de um fracasso diante da pandemia – com sua sucessão de
Presidentes aprisionados teria merecido igualmente uma análise aprofundada. Nós
deixamos deliberadamente de fora a Nicarágua caída no totalitarismo, a
Venezuela e sua feroz repressão contra as oposições, de seu óbvio fracasso
econômico e a considerável migração de sua população para os países vizinhos. Para
nós, seus governos não são nem de esquerda nem progressistas, mesmo que uma
velha esquerda adepta das teses “campistas” ainda mantenha olhares carinhosos
para esses governos.
[6] O aumento dos gastos sociais do governo
central mexicano durante a pandemia em 2020 (ano da crise aberta) – excluindo
os gastos com saúde – em relação a 2019 foi particularmente baixo: 0,2% do PIB,
enquanto foi de 3% na Colômbia, de 3,5% na Argentina e de 7,6% no Brasil,
segundo os dados da Cepal. Segundo o INEGI, os trabalhadores pobres passam de
36,6% no primeiro trimestre de 2020 para 46,4% e 46% no segundo e terceiro
trimestre de 2020. Com a retomada econômica, ela baixou. No primeiro trimestre
de 2022 ela se situava em um nível próximo daquele de 2019, antes da pandemia,
ou seja, 39,6% e 38,6%.
[7] Definição: Balança comercial, é o conjunto
do movimento de mercadorias e serviços para (exportações), ou a partir de
(importações) para o exterior. O saldo da balança comercial pode ser positivo
ou negativo. Balança em conta corrente (ou de transações correntes, ou ainda de
pagamentos correntes), nela se inclui a balança comercial e os movimentos de
divisas ligadas ao deslocamento de mercadorias (transportes e seguros), ao movimento
de migrantes que vão trabalhar no exterior e de imigrantes (transferências
líquidas), entradas e saídas de capitais (lucros e dividendos repatriados
líquidos, juros da dívida pública e privada), enfim, ao turismo.
[8] Definição: De maneira geral, a informalidade
na América Latina tem três origens: 1/ a primeira é o resultado de relações de
produção específicas: o autoritarismo-paternalismo que predominou até
recentemente no campo e nas pequenas cidades. O emprego assume, então, aspectos
de favor, sobretudo nas pequenas empresas, que fazem com que aquele que consegue
um emprego se sinta obrigado frente ao seu empregador. O empregador não tem
necessidade de declarar o emprego, paga mal o empregado e lhe impõe as chamadas
condições de trabalho não-decentes, em violação à legislação trabalhista. A
contrapartida desse autoritarismo é o paternalismo, o empregador tem a
obrigação “moral” de cuidar de seu empregado quando ele está doente. O fato é
que, com a generalização da mercadoria e o desenvolvimento capitalista, esta
contrapartida desaparece progressivamente e só resta o aspecto informal, ilegal
segundo a legislação trabalhista, da previdência social e da tributação. 2/ A
reduzida taxa de investimento e o crescimento demográfico aos quais se
acrescenta a migração do campo para a cidade. As empresas não podem, portanto,
oferecer um número suficiente de empregos formais. A busca de empregos de
sobrevivência ou para a estrita sobrevivência se desenvolve junto com a
informalidade. Pode-se considerar também que não há um setor informal em si,
mas um entrelaçamento de atividades (empregos) formais e informais, umas se
apoiando reciprocamente sobre as outras. 3/ Novas formas de informalidade
aparecem ligadas ao desenvolvimento das novas tecnologias. Graças à internet e
às plataformas, se desenvolvem novas formas de trabalho conhecidas como
“uberização dos empregos”, o trabalhador adquire o status de empreendedor
autônomo, trabalhando em condições mais precárias e quase sem proteção social.
Enfim, as empresas formais recorrem frequentemente ao emprego informal. Por
exemplo, a porcentagem de empregos informais nos empregos mantidos nas empresas
formais no México aumentou para 36% nessas empresas em março de 2020. Em
seguida, baixou para 30,8% no primeiro trimestre de 2022 em parte graças à
retomada econômica e provavelmente ainda mais devido à uma nova regulamentação
decidida pelo governo de Lopez Obrador que limita a prática de terceirização
utilizada pelas grandes empresas para aproveitar tanto os salários mais baixos recebidos
pelos trabalhadores informais quanto sua maior flexibilidade.
[9] A literatura sobre a retirada parcial do
mercado de trabalho nos países avançados, mais particularmente nos Estados
Unidos, é abundante. Destaca-se a excelente obra de Coutrot e Perez (2022),
sobre a crise do sentido do trabalho. Por outro lado, ela é bastante pobre nos
países emergentes, ver Salama (2021b).
[10] O desmatamento da floresta amazônica,
encorajado fortemente pelo presidente Bolsonaro no Brasil, com o objetivo de
expandir as áreas destinadas às culturas de exportação e a exploração de
recursos minerais, não é isento de consequências como a aparição do vírus e das
mudanças climáticas de maneira geral. Ver o excelente livro de M-M Robin (com a
colaboração de S. Morand), 2021, A fábrica de pandemias, preservar a biodiversidade,
um imperativo para a saúde planetária, construído através de numerosas
entrevistas com ecologistas dos quais apresentamos alguns extratos: Eu vi como
as grandes empresas violavam os territórios indígenas em nome do
desenvolvimento, o que não trouxe nenhum benefício para as comunidades, ao
contrário: elas foram marginalizadas e entraram num círculo vicioso de pobreza,
porque o meio ambiente do qual eles dependiam para sua subsistência foi
destruído” (Entrevista de G. Suzan, p. 168); “Quando comparamos os dados espaciais
e temporais do desmatamento com os das doenças infecciosas emergentes, pode-se
ver claramente que elas são correlacionadas” (Entrevista de S. Morand p. 66).
Sobre os mecanismos de propagação aos seres humanos: “Quando os ecossistemas
são perturbados, as espécies ‘especialistas’ (aqui os roedores, PS) (altamente
adaptadas a um habitat particular pouco fecundo) desaparecem em benefício dos
‘generalistas’ (ou seja, mais fecundos, mais capazes de se adaptar), o que leva
a uma queda na biodiversidade dos roedores ... O resultado é o aumento da
transmissão do vírus na população hospedeira que é mais abundante e um
crescimento do risco para os humanos” (Entrevista de J. Mill, p. 135); “Além da
caça, o desmatamento e a fragmentação dos habitats naturais causam um stress
nos morcegos, que provoca um enfraquecimento do seu sistema imunológico ...
todos esses acontecimentos são propícios à uma explosão de descargas virais,
que favorece a transmissão dos patógenos para outras espécies animais, inclusive
aos humanos”. (Entrevista de G. Maganga, p. 121).
[11] Alguns economistas (por exemplo Pessoa,
ver Salama (2016)), particularmente no Brasil, chegaram ao ponto de louvar essa
desindustrialização, considerando que ela não era a culpada, pois o crescimento
havia aumentado graças ao papel positivo desempenhado pelas exportações,
esquecendo assim os importantes efeitos multiplicadores do crescimento
industrial sobre o crescimento geral e nos empregos qualificados ou não.
[12] Fonte: Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (2019 Argentina). Nota: A Europa Ocidental é composta
por: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda,
Itália, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido;
a América Latina compreende: Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.
[13] Definição: Quando a recuperação
ocorre, a retomada é atrasada. Tal defasagem temporal dos ciclos e suas
amplitudes é chamada de efeito de histerese.
[14] José Graziano da Silva, coordenador do plano Fome
Zero (2003) e ex-diretor da FAO considera: “É preciso que as políticas de
segurança alimentar sejam políticas de Estado e não políticas de governo. O
direito à alimentação está inscrito na Constituição brasileira, assim como os
direitos à saúde e à educação. Mas, ao contrário desses dois últimos, não há
uma dotação orçamentária determinada constitucionalmente pelo direito à
alimentação. O que permite ao governo atual cortar os orçamentos ou
eliminá-los. É incrível de ver como Bolsonaro desmontou o que havia sido construído,
e como ele o fez tão rapidamente. Ele se voltou sobre a totalidade do programa,
com exceção de algumas medidas entre as mais populares, como o sistema das
cantinas escolares” Le Monde, 7 junho 2022. Segundo os resultados obtidos pela Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (rede PENSSAN), in:
O Valor, 8 junho 2022), o número de pessoas em grave insegurança alimentar e
que sofrem de fome atingiram 15,5 milhões de pessoas e aqueles não afetados
pela insegurança alimentar atingem 88,2 milhões de pessoas. Entre esses dois
extremos, uma leve insegurança alimentar atinge 28 milhões de pessoa e é
moderada para 15,2 milhões. Em termos relativos, a fome afeta mais as pessoas
do Norte e do Nordeste.
[15] Além da taxa de câmbio paralela, conhecida
como azul, há uma taxa de câmbio turística, uma taxa de câmbio Qatar que
permite deduções fiscais, etc.
[16] Quanto ao aumento das transferências ou
sua permanência no Brasil (o auxílio emergencial foi concebido como
temporário) há resistências, inclusive dos economistas que votaram em Lula (de
fato, contra Bolsonaro), o argumento desenvolvido é que o aumento dos gastos
públicos derrubaria o teto (limite ao crescimento dos gastos públicos)
ou ainda que seria admissível ultrapassar se os gastos fossem para
investimentos, principalmente em novas tecnologias e sobretudo jamais em gastos
correntes. Este último argumento é de longe o mais sério, mas, dado a amplitude
do aumento da miséria, ou seja, da fome, a urgência em remediá-la se justifica
socialmente.
[17] Definição de um sistema tributário regressivo:
sabe-se que na América Latina o sistema tributário é particularmente
regressivo, pois, antes do pagamento dos impostos diretos e das transferências
sociais, as desigualdades sofrem apenas uma queda modesta (dois pontos sobre
uma escala de 1 a 100) do coeficiente de Gini, enquanto que nos países
avançados a diminuição está entre dez e quinze pontos dependendo de cada país.
Se consideramos os impostos indiretos, pagos por todos os consumidores, pobres
ou ricos, o efeito, então, é nulo ou quase nulo nos países latino-americanos.
Entretanto, a maioria desses países se caracterizam por uma participação muito
elevada em termos relativos dos impostos indiretos sobre o total dos impostos e
pela reduzida participação relativa dos impostos diretos pagos pelas famílias
incluindo as mais ricas. Os estudos da Cepal, da OCDE e de muitos economistas
(SALAMA (2012) para uma bibliografia e apresentação detalhada) insistem sobre
esse aspecto regressivo que, nos dias de hoje, são difíceis de serem
convertidos em política econômica devido à oposição que ela gera no mundo dos
negócios.
[18] Entre as primeiras medidas adotadas pela
presidência de Petro na Colômbia, o sistema tributário e o de previdência são
importantes. O objetivo da reforma tributária é triplo: aumentar as receitas em
5,5% do PIB (4% foi votado) para financiar diversas despesas sociais, entre
elas a ampliação do sistema de repartição para aqueles que não são beneficiários
de aposentadorias, ou seja, a metade da população idosa, com o restante divido
na metade para as pessoas que optaram por um sistema de capitalização e a outra
metade para pessoas que podem receber uma pensão sem ter contribuído. A ideia é
de permitir que todos aqueles que ganham entre um e quatro salários mínimos
possam se beneficiar de uma aposentadoria por repartição; buscar uma justiça
social relativamente ausente aumentando a tributação sobre as 4000 pessoas mais
ricas, taxar os dividendos e terras não exploradas; e climática tributando as
indústrias extrativas (petróleo e carvão). Esta última medida, logicamente,
encontra uma forte oposição, “legitimada” pelo fato que a Colômbia exporta
sobretudo matérias-primas, que sua balança comercial é deficitária e que
tributar essas indústrias extrativas aumentaria do déficit comercial, segundo
os opositores dessa tributação. A reforma fiscal é de natureza estrutural na
medida em que é mais progressiva e provavelmente traça uma dinâmica de
transformação da estrutura produtiva e de exportações do país, sobretudo se ela
diminui no futuro o significativo peso relativo dos impostos indiretos.
[19] O petróleo não refinado era e é exportado
para os Estados Unidos, então, o México importa desse país o petróleo refinado,
de modo que sua balança comercial de petróleo é ... deficitária nos dias de
hoje.
[20] Se a intenção nos parece boa, a sua
implementação parece questionável, pois prejudica o desenvolvimento de energias
renováveis, a questão climática não parece ser a primeira preocupação da
presidência de Lopez Obrador, ao contrário de Petro na Colômbia. Assim sendo,
está encontrando uma violenta oposição do meio empresarial e das transnacionais
que a veem como uma violação das regras do novo tratado de livre comércio assinado
com os Estados Unidos e o Canadá. Essa hostilidade se reflete, às vezes, pela
saída de investimentos em carteira, embora, paradoxalmente, os investimentos
estrangeiros diretos aumentem.
[21] Embora tenha poucas rendas e não exporte
muitas matérias primas, o México recebe transferências (remesas) maciças
dos trabalhadores mexicanos que emigraram para os Estados Unidos: de 58 a 59
bilhões de dólares em 2022, ou seis vezes mais do que a Colômbia, que tem a
metade da população. Os efeitos dessas remessas podem ser considerados como
sendo os mesmos, de um ponto de vista macroeconômico, que as entradas
provenientes de exportações de matérias primas nos outros países analisados.
Elas permitem fechar o balanço de pagamentos e favorecem uma valorização da
moeda nacional (no entanto, mais fraca do que no Brasil). A valorização da
moeda nacional favorece a desindustrialização das indústrias voltadas para o
mercado interno (salvo para o setor automobilístico cuja produção é exportada
em grande parte), devido à ausência de uma política industrial. Pela mesma
razão, a produção destinada ao mercado externo tem muto pouco efeito
multiplicador sobre o crescimento do PIB.