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Onda progressista na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México, o caminho escarpado das reformas estruturais[1]

 

The Progressive wave in Latin America: Argentina, Brazil, Colombia, Mexico, the steep path to structural reform

                                                                             

Pierre SALAMA*

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-3861

 

Resumo: Depois dos fracassos econômicos, ambientais e sociais de uma direita no poder e, no Brasil, de uma extrema direita enfraquecendo as instituições, quase todos os países estão voltando a uma onda progressista. De um país para outro, essa onda difere, às vezes profundamente em seus projetos. O que une primeiro é a rejeição da experiência dolorosa do passado, depois um conjunto de esperanças, para alguns de uma sociedade melhor, para outros de uma sociedade profundamente diferente. Se a utopia é a condição do movimento, se o sonho é necessário, se pedir o impossível é a coisa mais realista, é preciso mais do que nunca fazer uma anatomia dos problemas estruturais vividos pelas economias de cada um dos países do para influenciar o curso dos acontecimentos e abrir caminhos certamente íngremes mas novos para superar as dificuldades econômicas e sociais. Os países latino-americanos estão no fio da navalha. Não é igual para todos, ainda que esse “fio da navalha” tenha características comuns. Quatro países são destacados neste artigo: Argentina, Brasil, Colômbia e México.

Palavras-chave: Estagnação econômica. Distribuição de renda. Volatilidade do PIB. Desindustrialização. Reforma tributária. Competitividade. Mercado interno.

 

Abstract: Following the economic, environmental and social failures of the Right-wing in power, which, in Brazil, was the Extreme Right, which also weakened the institutions of power, almost all countries are returning to a Progressive wave. This wave differs, sometimes profoundly, in its aims, from country to country. What primarily unites them is their rejection of the painful past experiences, followed by a set of hopes, some for of a better society, others for of a profoundly different society. If utopia is the condition of the movement, if the dream is necessary, if asking for the impossible is to be realistic, it is more than ever necessary to determine the anatomy of the structural problems experienced by the economies of every country. This would allow the course of events to be influenced, and open new pathways which, although precarious, would overcome economic and social difficulties. Latin American countries are on a knife edge, but it is not the same for each of them, even though this “razor’s edge” has common characteristics. Four countries are highlighted in this article: Argentina, Brazil, Colombia and Mexico.

Keywords: Economic stagnation. Income distribution. GDP volatility. Deindustrialisation. Tax reform. Competitiveness. Internal market.

Submetido em: 6/12/2022. Aceito em: 12/12/2022.

 

 

 

Introdução

 

U

ma nova fase política se abre na América Latina. Numerosos países latino-americanos atualmente estão surfando em uma onda progressista.

 

Presidentes recém eleitos e seus governos sucedem governos de direita mal sucedidos que deixam uma pesada herança para administrar: uma dívida colossal na Argentina com Macri (dezembro de 2015 – dezembro de 2018), instituições maltratadas e o retorno da fome com Bolsonaro no Brasil (01/01/2109 – 31/12/2022), incapacidade de retomar o crescimento e elevada corrupção com Peña Nieto no México (01 dezembro 2012 – 30 novembro 2018), questionamentos dos acordos de paz e ameaças contra ex-guerrilheiros na Colômbia de Duque Marquez (08/2018 – 08-2022). Entretanto, essa onda progressista se caracteriza por uma profunda heterogeneidade nos principais países latino-americanos. É provável que no Brasil um governo de centro direita, ou melhor de centro, seja o sucessor daquele do ex-presidente Bolsonaro com a chegada de Lula ao poder no início de 2023. A redistribuição de renda em favor dos mais desfavorecidos, desejável e necessária, será acompanhada do respeito aos grandes equilíbrios. Na Argentina, as transferências sociais e o aumento dos salários são ameaçados pela inflação, que está se tornando cada vez mais incontrolável. No México, a política social de Lopez Obrador, conhecido como AMLO, até 2022, é ligeiramente inferior àquela desenvolvida pelo governo anterior. Ela é acompanhada, entretanto, de uma política com um tom fortemente nacionalista nos setores estratégicos como a energia. Por outro lado, ela se alinha aos Estados Unidos quanto à gestão dos fluxos migratórios. Enfim, na Colômbia, uma reforma fiscal que visa instaurar um sistema de tributação mais progressivo está sendo implementado bem como uma reforma do sistema de previdência destinada a cobrir os idosos que não tem uma aposentadoria, pois não puderam contribuir. Ela se refere à metade da população idosa. Finalmente, certos governos (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile ...) são movidos por movimentos sociais (aborto, reconhecimento dos direitos de homossexuais, incluindo o casamento) outros não o são (México).

 

Após os fracassos tanto econômicos, ambientais e sociais de uma direita no poder, e no Brasil de uma extrema direita que enfraqueceu as instituições, quase todos os países estão passando por uma onda progressista. Esta onda é diferente entre os países às vezes com profundas diferenças em seus projetos. O que os une é, primeiro, a rejeição da dolorosa experiência sofrida, em seguida, um conjunto de esperanças, para uns de uma sociedade melhor, para outros de uma sociedade profundamente diferente.

 

Se a utopia é a condição do movimento, se sonhar é preciso, se pedir o impossível é o que há de mais realista, mais do que nunca é necessário fazer uma anatomia (‘da sociedade burguesa’ dizia Marx) dos problemas estruturais que as economias de cada um dos países estão sofrendo para influenciar sobre o curso dos acontecimentos e de abrir os caminhos certamente escarpados, mas novos. Os países latino-americanos estão sobre um fio da navalha. Que não é a mesma coisa para todos eles, mesmo se esse ‘fio da navalha’ apresente traços comuns. Não analisar as fraquezas e as forças potenciais, pensar que o dinheiro pode ser mágico, abre o caminho para falhas e decepções previsíveis à altura dos sonhos que foram alimentados.

 

 

 

 

 

 

1 O que une e diferencia os países latino-americanos

 

A maior parte dos países latino-americanos têm numerosos pontos em comum: elevada desigualdade de riqueza e de renda, altos índices de informalidade no emprego e como consequência elevada taxa de pobreza[2]; uma reprimarização[3] da economia; uma deterioração significativa do meio ambiente (desmatamento acelerado da Amazônia e também a extração de minerais e o uso maciço de OGM); uma abertura financeira maior do que a abertura comercial; uma desindustrialização precoce[4] (inclusive no México no que se refere à indústria voltada para o mercado interno); uma tendência à estagnação econômica; um nível de violência extremamente importante em alguns países, importante em outros; uma desconfiança das instituições devido ao ambiente de corrupção e de clientelismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caixa de Texto: Quadro 1: O efeito da inflação e seu aumento na renda na Argentina
A alta inflação na Argentina e a incapacidade do governo progressista de Fernandez para impedir a ace-leração, não está isenta de consequências para o poder de compra.

Tabela 1: Evolução dos salários reais setembro 2021 - setembro 2022
Setembro de 2022	Nível, de outubro de 2016 
Índice = 100	Mês anterior	Mesmo mês de 2021
Nível geral	79.1	0.5	-2.3
Formal, setor privado	84.8	-0.3	-1.5
Informal, Setor priva-do	65.8	1.7	-4.4
Setor público	78.5	1.5	-2.6
Total formal	82.4	0.3	-1.9
Fonte: CESO informe especial: Empleo e ingresos, nov. 2022. Que pode ser acessado em:  www.ceso.com.ar.

De acordo com a variação anual, a renda do trabalho caiu entre setembro de 2021 e setembro de 2022. Todos os decis foram afetados pela queda na renda do trabalho em termos reais, os primeiros (os mais pobres) sofreram uma queda de 3,9% no primeiro decil, de 3,0% no segundo, etc. entre o 8º e o 9º decil a redução foi de 1,6% e o 10º de -0,6%. Isso mostra o quanto a desigualdade na renda do trabalhador au-mentou com a inflação e sua aceleração. Se, por outro lado, consideramos o rendimento total por domicí-lio, os resultados são diferentes. O aumento do emprego, mais particularmente entre os mais desampa-rados permite compensar a queda dos rendimentos do trabalho, sobretudo para aqueles do 1º decil, o que não é o caso para os mais afortunados (os 9º e o 10º decis apresentam uma ligeira queda) no primeiro trimestre de 2022. Fonte: Escolatina, 22.11.2022, com base nos dados do INDEC para o conjunto dos ren-dimentos familiares EPH-INDEC. As transferências sociais para os mais pobres e o aumento do emprego familiar compensam assim os efeitos mecânicos da inflação sobre o poder de compra. Mas, a limitação dos gastos públicos, cujo objetivo é produzir um resultado primário para o pagamento dos juros da dí-vida pública e de atender aos constrangimentos impostos pelo FMI, foi realizada nos últimos meses com 90% de cortes nos gastos com benefícios sociais e subsídios ao setor econômico, o que poderá afetar de novo e rapidamente o poder de compra dos mais pobres se a inflação não for controlada.

Nós limitaremos nossa análise a quatro países: a Argentina (Fernandez: 10 de dezembro 2019 ...), o Brasil (Da Silva, conhecido como Lula: 1º de janeiro 2023), a Colômbia (Petro: 7 de agosto 2022) e o México (Lopez Obrador: 1º de dezembro 2018)[5]. Esses quatro países são os maiores em superfície e população e os mais poderosos da América Latina em termos do PIB per capita. Com algumas nuances eles marcam todas as caixas enunciadas acima. Eles sofrem as mesmas feridas, aquelas que chamamos as oito feridas da América Latina (SALAMA, 2020b). Sobre esses pontos comuns, entretanto é preciso colocar algumas diferenças. O Brasil é caracterizado por uma presença evangélica significativa, particularmente conservadora e presente nos estratos mais pobres e menos instruídos da população, que se manifestou recentemente em um chamado de seus principais pastores a votar no presidente em fim de mandato, Bolsonaro (SALAMA, 2020a, 4º capítulo). A Argentina está sofrendo dois problemas: uma inflação muito elevada que deverá estar em torno de 100% em 2022 (Quadro 1), e de uma fuga maciça de capitais a um ponto que podemos considerar que esse país está mais longe de Deus e mais próximo dos Estados Unidos do que o México ... (WAINER, 2021). O México – apesar do progressismo anunciado pelo seu presidente – é um dos países latino-americanos que retomou uma política macroeconômica digna do Consenso de Washington e seu respeito pelos grandes equilíbrios durante a pandemia, enquanto que a maioria dos outros países deixavam inflar seus déficits orçamentários, praticando uma política keynesiana de fato, que antes era injuriada, a fim de preservar a população mais pobre dos efeitos mais negativos da crise sobre a pobreza, sem nem sempre conseguir[6]. Finalmente, o México exporta sobretudo produtos manufaturados montados para os Estados Unidos e Canadá, enquanto os outros países se reprimarizaram nos anos 1990 e sobretudo em 2000, exportando cada vez mais matérias primas para os países asiáticos grandes demandantes desses recursos naturais (CORDERA et al., 2015). O México tem também taxas de mortalidade muito elevadas ligadas às rotas das drogas e seus controles, e à corrupção e ao clientelismo ao ponto em que certos autores não hesitam em qualificar esse país de Narco-Estado (SOLIS GONZALEZ, 2012). Enfim, a Colômbia, rica em matérias primas diversificadas, sofre um déficit crônico em sua balança comercial e em conta corrente[7] acoplados a um déficit orçamentário (GONZALES, 2021). Ao contrário do México, a Colômbia tenta implementar reformas estruturais, em particular modificando o sistema tributário em vigor, particularmente regressivo, apesar de seus gastos sociais estejam em um nível baixo e ampliar o sistema de distribuição de aposentadorias. A dívida pública externa tem disparado desde 2012. A restrição externa pesa cada vez mais e limita as margens de manobra do governo Petro. A Colômbia ainda permanece flagelada pela violência, aquela ligada ao tráfico de drogas e, até há pouco tempo, às guerrilhas, embora estas tenham diminuído consideravelmente nos últimos anos após os acordos de paz.

 

Com a pandemia, todos sofreram uma retomada da inflação (amplificada pela guerra na Ucrânia), uma queda mais ou menos pronunciada de seus PIB em 2020 (Anexo 1), um crescimento das desigualdades de renda e patrimônio, um aumento da pobreza e sobretudo de suas formas extremas, com exceção de alguns meses em 2020 e 2021 no Brasil (RAZAFINDRAKOTO; ROUBAUD; SALUDJIAN, 2022; SALAMA, 2021a), as ajudas (Auxílio emergencial) frearam e até reverteram esse crescimento da miséria. Com a recuperação econômica relativamente forte em 2021, que foi mais lenta em 2022, a pobreza diminuiu em alguns países, como o México, mas frequentemente com o crescimento nas desigualdades de renda e riqueza, a pobreza extrema se manteve ou diminuiu ligeiramente, a fome também fez a sua reaparição em alguns países, como o Brasil.

 

Todos sofreram uma queda pronunciada da população economicamente ativa em 2020 – empregos formais e informais[8] mais o desemprego – que a retomada de 2021 e 2022 não conseguiu reverter totalmente.

 

Tabela 2: População economicamente ativa (PEA): Argentina, Brasil, Colômbia, México, 2016-3o Trimestre 2021

 Países

2016

2017

2018

2019

2020

1o tri 2021

2o tri 2021

3o tri 2021

Argentina

57,5

57,8

58,5

59,1

54,1

58,9

58,4

59,3

Brasil

62,8

63,1

63,2

63,6

59,3

59,8

60,8

61,9

Colômbia

64,5

64,4

64,0

63,3

59,2

60,7

59,9

60,9

México

59,7

59,3

59,6

60,1

55,6

57,1

59,0

59,4

Fonte: Organización Internacional del Trabajo (2021).

 

Nestes anos tão difíceis, todos eles sofreram uma queda nos empregos formais e mais surpreendente uma queda ainda mais pronunciada nos empregos informais (RAZAFINDRAKOTO; ROUBAUD; SALUDJIAN, 2022, SALAMA, 2021a) houvesse ou não uma política de ajuda. Os empregos informais não são, salvo marginalmente, uma “esponja” possível para os empregos formais (aqueles que tinham um emprego formal, que foram despedidos, e com uma proteção social insuficiente, buscando um emprego informal para sua sobrevivência, a queda de um produzindo o aumento de outro). Ao contrário do que se pôde observar nos países avançados, a redução da população economicamente ativa reflete uma retirada parcial e temporária do mercado de trabalho. Ela afetou mais particularmente aqueles que têm um emprego informal, quer dizer a maioria dos mais pobres[9].

 

As margens de manobra são limitadas não somente por razões externas, mas igualmente pelas internas. Os países latino-americanos sofrem uma dupla restrição internacional. 1/ A crise precipitada pela pandemia e aquela provocada pela guerra, as duas se manifestaram na retomada inflacionária e na provável recessão não somente nos países avançados, mas também na China, cujos efeitos sobre os preços das matérias primas são suscetíveis de reativar a restrição externa em sua balança comercial, que eles conseguiram evitar durante cerca de trinta anos. 2/ A crise climática e a necessidade de mudar seu modelo de produção, em direção a economias que respeitem mais o meio ambiente ao risco, se não fizerem, de serem penalizados em seus intercâmbios comerciais.

 

À essas crises se acrescenta a herança estagnacionista. Como os países rentistas poderiam se reconectar com o espírito empresarial schumpeteriano... É possível quebrar o círculo vicioso da estagnação econômica e favorecer a mobilidade social, combatendo ao mesmo tempo os danos ambientais (SVAMPA, 2021) e diminuir as desigualdades sociais extremamente elevadas? É possível, graças à esta onda progressista e sua dinâmica potencial, além das urnas, que os salários aumentem, que haja uma diminuição significativa das desigualdades sociais respeitando as crescentes restrições ambientais?

 

2 Um contexto pouco favorável: ameaça de recessão mundial e tendência à estagnação econômica

 

A.    Um contexto internacional pouco favorável

 

Como indicamos, a sucessão das crises internacionais (pandemia, guerra na Ucrânia, crise climática) em um período muito curto e sem perspectivas atuais de superá-las, têm consequências negativas sobre o crescimento dos países avançados e das economias emergentes asiáticas. A desaceleração econômica da China, e a iminente a recessão em muitos países avançados rompem com o contexto internacional do início dos anos 2000. Ontem, a maior parte das economias latino-americanos havia se beneficiado do relaxamento de suas restrições externas graças à forte demanda de matérias primas dos países asiáticos e o consequente aumento de seus preços e volumes vendidos. Eles acentuaram a reprimarização de suas economias, iniciada em fins dos anos 1990, ao mesmo tempo em que degradaram o meio ambiente[10]. Esta vantagem – o afrouxamento da restrição externa – produziu, no entanto, um efeito perverso, devido à falta de reformas estruturais (reforma fiscal, política industrial) e não produziu um aumento significativo do crescimento e, portanto, na mobilidade social. A valorização da moeda nacional frente ao dólar, mais ou menos importante segundo os países, tornou mais difícil a produção e as exportações de produtos industriais, facilitou a sua importação e favorizou uma desindustrialização precoce (Anexo 2). Isto não é, certamente, a única razão da desindustrialização observada, mas teve um efeito definitivo[11].

 

Atualmente, a desaceleração econômica e a provável recessão não deixarão de afetar os preços das matérias primas e as quantidades exportadas, com exceção do gás e do petróleo. O contexto internacional é, portanto, diferente. Provavelmente, não deve mais favorecer um relaxamento da restrição externa e seus primeiros efeitos já são a desvalorização das moedas nacionais em relação ao dólar, sem que isso favoreça suas exportações de produtos industriais, salvo para o México.

 

A crise provocada pelo vírus precipitou um movimento latente que se manifestou desde o final da primeira década dos anos 2000. As primeiras medidas protecionistas foram adotadas (SALAMA, 2018). Elas aumentaram com a pandemia e a guerra na Ucrânia e em especial nos Estados Unidos no contexto de um mega plano de recuperação. A crise provocada pelo vírus mostrou os limites do rompimento internacional da cadeia de valores, não somente devido ao abandono da produção de certos produtos estratégicos (produtos farmacêuticos, deslocalização da produção de bens de alta tecnologia), mas porque esta característica da hiper globalização repousava sobre uma organização do trabalho chamada de just-in-time (estoques zero, organização do trabalho chamada de toyotista). A hiper globalização retornou assim à globalização do passado, com a diferença que mais regulamentada.

 

Mais precisamente, a primeira onda da pandemia ocorreu nos países asiáticos, fornecedores de numerosos segmentos das linhas de produção. O efeito imediato da crise na Ásia foi uma queda em suas exportações e, portanto, uma paralisia em numerosas empresas nos países europeus e norte-americanos. Não sendo mais possível a entrega just-in-time, foi preciso se contentar com o just-in-case... daí a escassez de suprimentos e a improvisação internacional para a obtenção deste ou daquele produto em falta.

 

A crise econômica se propagou pela Europa e depois nos Estados Unidos antes mesmo de serem afetados pelo vírus. Esta crise de abastecimento, portanto, se propagou mais rapidamente que o vírus. Quando a onda do vírus atingiu a Europa e depois os Estados Unidos, as medidas de contenção que a acompanhou precipitaram o colapso econômico da maioria desses países em 2020. A forte recuperação econômica em 2021 provocou uma retomada da inflação devido principalmente às dificuldades na oferta que descrevemos acima e muito pouco ao excesso de demanda, com exceção daquela das classes médias altas que puderam economizar durante o período de confinamento. A guerra na Ucrânia quebrou a recuperação econômica, os preços de certas matérias primas pesaram desmesuradamente sobre os custos das empresas conduzindo à uma queda no poder de compra da maior parte da população.

 

O contexto internacional é, portanto, diferente. De um fator favorável se torna uma restrição. Mas, uma restrição que pode ser uma oportunidade para mudar o regime de crescimento para uma condição de menor dependência e mais voluntarismo se os governos conseguirem liberar as margens de manobra para fazê-lo, o que, considerando certos interesses nacionais e sua forte presença no Congresso, não é evidente.

 

B.     O contexto nacional também não é favorável

 

Os países latino-americanos sofrem de uma tendência à estagnação econômica. A taxa média de crescimento anual do PIB na América Latina é baixa, um pouco mais de dois por cento há mais de trinta anos (Anexo 1), menos se considerarmos o PIB por habitante e ainda menos se levamos em conta a “década perdida” dos anos 1980 caracterizada pela profunda crise devido à gestão da dívida externa que se tornou insustentável.

 

O crescimento do PIB no México foi, em média, de 2,31% ao ano durante o período. Segundo o Banco do México e o INEGI, a taxa média de crescimento do PIB por habitante foi de 0,74% entre 1983 e 2018, ou seja, muito menos do que os 2% necessários para duplicá-lo em 35 anos, na melhor das hipóteses. A grande diferença em relação à taxa de crescimento do PIB per capita é explicada pela elevada taxa de crescimento demográfico até 2000. Na Argentina, de 1980 a 2016, o crescimento médio do PIB per capita foi em média 0,64% menor do que aquele observado para o conjunto dos outros países da América Latina, 1,4% (Coatz D., Garcia Diaz F., Porta F. e Schteingart D.  in Mercado R. (Org), 2018). Com um índice igual a 100 para o PIB per capita em 1950, o valor desse índice é de 206 na Argentina em 2017, enquanto que atingia 382 na América Latina e 492 na Europa na mesma data[12]. Portanto, foram necessários 67 anos para dobrar o PIB per capita, na Argentina. Se considerarmos o crescimento das desigualdades nesse período, é compreensível que o PIB per capita tenha menos que dobrado para pelo menos metade da população nesse período. Com uma taxa de crescimento do PIB per capita tão fraco, a mobilidade social só pode ser marginal apesar dos esforços feitos por alguns governos para aumentar a assistência social.

 

Quadro 2: Quando a matemática tem significado social

As consequências sociais de um crescimento fraco no longo prazo são muito importantes. Um pequeno exercício matemático mostra isso facilmente. Com uma taxa média de crescimento anual do PIB per capita, regular, de 2%, ele dobra em 35 anos, menos se o crescimento é irregular – o que é particularmente o caso da América Latina se compararmos com os países asiáticos – devido ao efeito de histerese[13]. Com uma taxa de crescimento anual média regular de 8% do PIB per capita, o PIB per capita dobra em 9 anos. Se esse crescimento é regular, a mobilidade social é muito alta. Uma criança que nasce pobre – tal como a pobreza é definida – tem, então, grande chance de não ser mais quando chegue a idade adulta, mesmo quando o elevado crescimento é acompanhado de um aumento considerável na desigualdade de renda, como foi o caso da China durante muitas décadas. Por outro lado, se a taxa de crescimento for somente de 2% ao ano em média, a mobilidade social é muito fraca. Ela pode ser aumentada através de uma política de redistribuição. Assim, o Brasil diminuiu fortemente a pobreza absoluta (relembremos que esta pode ser suprimida ao contrário da pobreza relativa) durante os governos de Lula I e II (01.01.2003-01.01.2011) e de D. Roussef I, mas o fato do crescimento ser fraco e irregular torna muito difícil de aumentar duravelmente e fortemente a mobilidade social, mesmo com um aumento dos gastos sociais e de educação. A crise econômica sob D. Roussef II (presidência interrompida após um ‘golpe de Estado legal’), a chegada do vice-presidente Temer à presidência, apesar das fortes suspeitas de corrupção ativa que pesavam sobre ele e depois a de Bolsonaro mostraram quanto essas políticas de redistribuição (Bolsa Família, Auxílio habitacional, fome zero) podem ser reversíveis diante das crises e da redução dessas ajudas sociais como foi o caso, com a exceção de alguns meses com o auxílio emergencial[14] durante a pandemia.

 

Figura 1: Taxa de crescimento médio anual do PIB a preço constante, América Latina, 1990-2021*

                              Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (2022a).

 

Entre os quatro países analisados aqui, a Argentina e o México apresentam as menores taxas de crescimento do seu PIB per capita no longo prazo.

 

Esta tendência à estagnação econômica é a consequência de uma taxa de formação bruta de capital fixo medíocre nos últimos 40 anos e uma tendência de uma parte dos investidores a optarem por um comportamento rentista.

 

Tabela 3: Formação bruta de capital fixo em % do PIB, em dólares de 2010, 2011-2020*

Países

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2109

2020*

Argentina

18.4

17.3

17.3

16.5

16.7

16

17.7

17.1

14.7

14.2

Brasil

21.1

20.9

21.4

20.4

18.2

16.6

15.9

16.5

16.9

17.5

Colômbia

23.1

23

23.7

24.8

24.8

23.6

23.7

23.3

23.3

19.8

México

22.5

22.7

21.7

21.7

22

21.6

20.9

20.6

19.7

17.5

      Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (2022b).  *dados provisórios.

 

Podemos, portanto, caracterizar os últimos quarenta anos por uma tendência à estagnação do PIB per capita, mais particularmente na Argentina e no México, embora a maior parte desses países tenha experimentado uma ligeira recuperação durante a primeira década dos anos 2000 (CORDERA, 2015; ROMERO TELLAECHE, 2014). Ao contrário de uma crença relativamente difundida essas economias foram pouco ou não emergentes. Portanto, elas não convergiram ou convergiram pouco para o nível de renda per capita dos países avançados, ao contrário de muitos países asiáticos. O Brasil, país emblemático tanto pelo seu peso econômico quanto pelo impacto positivo das políticas empreendidas pelo presidente Lula I e Lula II e a desastrosa sob o governo Bolsonaro, não experimentou essa convergência. Seu PIB per capita, medido em relação ao dos Estados Unidos, é aproximadamente o mesmo que em 1960, embora tenha se aproximado nas décadas 1960-1970 e na primeira década de 2000.

 

C.    Em termos de políticas econômicas, as condições do sucesso.

 

Por que insistir sobre a tendência à estagnação econômica? Porque, como nós indicamos, romper com essa tendência constitui a condição sine qua non para que a mobilidade social melhore de maneira significativa e, sobretudo, durável. Podemos relacionar como causas da tendência à estagnação, as desigualdades de renda e de riqueza extremamente elevadas, a volatilidade no crescimento quando é muito elevado, a reprimarização e a desindustrialização que a acompanha e depois classificar essas causas. Todos esses fatores têm sua importância, mas alguns mais do que outros segundo os países.

 

Para o Brasil, Colômbia e México, a tendência à estagnação é explicada fundamentalmente, mas não somente, pela elevada desigualdade de renda (FURTADO, 1966). A ausência de uma política industrial não permite atenuar, ou reverter, o efeito negativo sobre o crescimento das desigualdades, particularmente no México onde as exportações de bens industriais para os Estados Unidos e o Canadá não tem os efeitos de encadeamento sobre a indústria em seu conjunto (com exceção de parte da indústria automobilística), apesar da abertura ao comércio internacional mais importante do que a do Brasil, por exemplo. Ao contrário, a elevada volatilidade do crescimento, altas taxas de crescimento alternando com crises profundas, explicaria o fraco crescimento da Argentina no longo prazo (DIAMAND, 1973, anexo 3 e análise aprofundada em SALAMA, 2020b, 2021b).

 

                    Tabela 4: Causas da tendência à estagnação da taxa de crescimento do PIB

 

Argentina

Brasil

Colômbia

México

Reprimarização

+

++

++

+

Industrialização-desindustrialização

+

++

+

++

Volatilidade

+++

+

 

+

Desigualdade

+ então ++

+++

+++

+++

                  Fonte: Salama (2020a, 2021b).

 

A restrição externa atua fortemente na Argentina. Antes, ela estava localizada no saldo da balança comercial. Atualmente, a reprimarização da economia produziu um relaxamento nessa restrição graças ao aumento da cotação da soja e das quantidades exportadas. Mas, essa restrição externa, relaxada ao nível da balança comercial, foi reforçada ao nível do balanço em conta corrente e do balanço de capitais com as saídas maciças de capitais. O saldo negativo líquido da balança comercial e, portanto, do balanço em conta corrente, geraram saídas de capitais, desvalorizações, fontes de picos inflacionários e uma recessão temporária. O crescimento então é afetado ao ponto de parecer com os movimentos de um pêndulo, donde a expressão pendulo cunhada por Diamand (1973).

 

Quadro 3: Volatilidade, inflação, enriquecimento e empobrecimento e estagnação a longo prazo na Argentina

Quando a volatilidade do crescimento é a causa principal do fraco crescimento médio a longo prazo, é preciso atacar suas causas, ou seja, a fuga de capitais e as razões pelas quais ela ocorre maciçamente. Essas fugas de capitais alimentam a desconfiança em relação à política econômica do governo, tem um impacto sobre a taxa de câmbio e, em última instância, sobre a taxa de inflação. A alta dos preços se acelera, o que prejudica as tentativas do governo e dos sindicatos de manter o poder de compra. Ao mesmo tempo, a fuga de capitais não conduz imediatamente à uma queda do PIB. Desde que o saldo da balança comercial continue positivo (que é o caso atual da Argentina), desde que as reservas cambiais sejam suficientes, o crescimento pode continuar, inclusive a uma taxa relativamente elevada (o que ainda é o caso, com exceção do ano de 2020). Mas, à medida que a inflação se torna cada vez mais incontrolável, as perspectivas de uma mega desvalorização se tornam cada vez mais prováveis, alimentando ainda mais a fuga de capitais. A fim de evitar essa mega desvalorização, fonte de crise e de perda significativa do poder de compra, o governo multiplica as taxas “vantajosas” de câmbio ao lado da taxa oficial de câmbio – no momento em que escrevemos são seis[15] –, promove pequenas desvalorizações para frear essas fugas e estabilizar a taxa oficial de câmbio (ver o gráfico no Anexo 4). A especulação sobre a taxa oficial de câmbio futura pode enriquecer aqueles que têm os meios para especular e reforça o caráter rentista dos investidores. Por outro lado, o poder de compra da grande maioria da população cai, sobretudo para os mais pobres, apesar das transferências sociais que se tornam ineficazes porque são insuficientes. O respeito às regras estabelecidas com o Fundo Monetário Internacional para obter um reescalonamento da dívida externa e liberar recursos orçamentários para o pagamento do serviço da dívida resulta na limitação das despesas públicas amputando esses gastos sociais, como é o caso no final de 2022. A inflação e depois a crise, juntamente com uma inflação persistente, é uma “fábrica de pobres”. No final, a taxa de crescimento médio a longo prazo é reduzida. O governo progressista da argentina enfrenta o seguinte dilema: ou procede à uma maxidesvalorização esperando que, após um pico da inflação, ela seja suficiente para deter a alta de preços, com risco de uma perda substancial no poder de compra, ou promove pequenas desvalorização, multiplica as taxas de câmbio “vantajosas” para frear a saída de capitais, sem poder evitar uma queda no poder de compra e no longo prazo impedir a volatilidade do crescimento e seus efeitos sobre a taxa de câmbio e sobre o poder de compra. Dilema que é igualmente uma armadilha política.

 

Nos países em que a amplitude das desigualdades é tão alta que impede uma retomada econômica durável é necessário diminuir essa desigualdade. Existem várias possibilidades para obter essa diminuição e favorecer uma sociedade mais inclusiva. Um aumento significativo do salário mínimo (que foi feito no México com a chegada de Lopez Obrador ao poder) e a abertura de negociações salariais, acompanhadas de transferências sociais substanciais para os mais pobres fazem parte do programa de Lula. Além dessas medidas imediatas, mas que não são fáceis de serem aprovadas quando a presidência não tem maioria no Congresso[16], se acrescenta uma reforma fiscal que possa inverter a regressividade atual do sistema tributário[17] e uma modificação significativa no sistema previdenciário. Este último é necessário, sobretudo, nos países que no passado optaram por um sistema de capitalização no qual uma grande parte da população não tem acesso à aposentadoria como a Colômbia ou o México. Isso é o que a Colômbia[18] está fazendo.

 

A implementação, mesmo que parcial, de um sistema de repartição na previdência, o aumento dos benefícios frequentemente muito baixos, quando existem, permitiria a redução das desigualdades de renda melhorando a situação dos mais pobres e a retomada do crescimento. Sozinhas, essas medidas não são suficientes. Elas devem ser acompanhadas de uma política industrial ‘agressiva’ procurando desenvolver indústrias estratégicas, como Lula I e Lula II haviam tentado fazer com a extração do petróleo do pré-sal (longe da costa, em águas muito profundas), como Lopez Obrador está tentando impor com a implantação industrial de uma gigantesca refinaria de petróleo[19], e o estabelecimento de um monopólio para regular a distribuição de eletricidade (CFE[20]).

 

Entretanto, a questão do aumento necessário dos salários não poderá ser feita pela economia sem um rápido aumento da produtividade do trabalho. Embora ainda relativamente fechados – salvo o México e a Colômbia em menor grau – e apesar de sua abertura ao comércio internacional nos últimos trinta anos, esses países sofrem de uma baixa produtividade e de uma competitividade medíocre. Mais precisamente, se tomarmos o exemplo da Argentina, o tecido industrial está passando por um envelhecimento significativo, mas muito desigual, de seu aparato industrial devido aos investimentos insuficientes no passado, de um reduzido nível de crescimento da produtividade do trabalho, estes últimos fortemente desiguais de acordo com os setores. Que seja a diferença de crescimento da renda per capita ou da produtividade, a comparação com os Estados Unidos é instrutiva.

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 4: Um falso debate: mercado interno versus mercado externo

 

Em economias relativamente fechadas, mas cada vez mais abertas como são as economias latino-americanas, o crescimento pode ser puxado pela dinâmica do mercado interno e, portanto, crescimento da renda dos mais desamparados, além dos pobres. Entretanto, esse aumento da renda só é possível e duradouro se a produtividade do trabalho também aumentar. Se não for esse o caso, o déficit da balança comercial de bens industriais, conhecidos como bens transacionáveis, só pode crescer e a dependência das rendas obtidas das exportações de matérias primas só pode aumentar. É suficiente que essas rendas caiam devido à uma conjuntura desfavorável na Ásia, por exemplo, para que o espectro da desvalorização da taxa de câmbio ameace novamente, com todas as consequências sociais que isso implica. No mundo globalizado, a distinção entre mercado interno e mercado externo perde, então, sua importância.

 

Como se sabe, a competitividade não se resume apenas ao nível dos salários e de sua evolução. Se este fosse o caso, não se compreenderia que países, como a Suíça, possam ter o saldo de sua balança comercial positivo apesar dos salários relativamente elevados. A maior parte das empresas na Suíça são muito competitivas em bens de alta tecnologia, os mais procurados.

 

O custo unitário do trabalho, um dos indicadores de competitividade, depende diretamente de três variáveis: a taxa de câmbio real, o nível dos salários e da produtividade do trabalho. A competitividade depende igualmente, mas indiretamente, de outras variáveis como a qualidade das instituições, a infraestrutura (rodovias, ferrovias, etc.). O custo unitário do trabalho (e sua evolução) está evoluindo desfavoravelmente na América Latina, o que se traduz por uma rápida desindustrialização.

 

Segundo um estudo já antigo (FRANKEL; RAPETTI, 2011), mas cujos ensinamentos são sempre atuais, o aumento da taxa real de câmbio é uma causa preponderante do aumento do custo unitário do trabalho entre 2000 e 2010, seguido do diferencial de produtividade. Com efeito a produtividade do trabalho cresce menos no Brasil, no Chile, na Argentina e na Colômbia do que nos países avançados ou na China. O aumento dos salários mais elevado que o da produtividade em certos países como o Brasil e Argentina, só chega em terceiro lugar.

 

A principal lição que se pode tirar dessa análise é que se os governos progressistas quiserem reverter a tendência à estagnação do PIB, prejudicial à mobilidade social, eles não somente devem favorecer o aumento dos salários mais baixos como também atuar sobre a taxa de câmbio real e sobre a produtividade. Sobre a taxa de câmbio, as evoluções recentes da taxa indicam uma tendência à desvalorização e se for necessária uma revalorização existem soluções técnicas para a esterilização do excesso de dólares existentes, embora as decisões políticas para sua implementação às vezes sejam difíceis porque os interesses em manter valorizado podem ser muito fortes (a valorização torna as importações mais baratas, portanto, ela é deflacionista e num contexto de retomada inflacionária ela permite limitar a perda do poder de compra dos trabalhadores e reduzir o custo das empresas muito importadoras, ela favorece a fuga de capitais daqueles que esperam uma desvalorização). Sobre a produtividade, é mais difícil. O esforço em pesquisa e desenvolvimento na América Latina é particularmente medíocre. O país que dedica mais recursos à pesquisa é o Brasil, com 1% do seu PIB, os demais estão em torno de 0,6%. A Coréia do Sul dedica mais de 4,5% de seu PIB para a pesquisa. É claro que é um indicador, existem outros como o número de patentes per capita etc., mas tais dados são edificantes... e permitem medir a amplitude dos esforços a realizar, quanto a mudança no comportamento dos empresários é necessária para passar de um comportamento rentista para uma dinâmica schumpeteriana que favoreça a inovação ao invés do lucro (paradoxalmente, lucro quer dizer lucro em português... embora na realidade tenha recuperado seu sentido pejorativo original no Brasil: o lucro buscado com ganância, seja legal ou não).

Fonte: Della Paoloera, Duran Amorocho e Musacchio (2018), a partir de dados oficiais reconstruídos por Benetrix et al. (2012).

 

Quadro 5: Diferença de crescimento do PIB e da produtividade Estados Unidos-Argentina

 

1900-1919

1920-1930

1931-1943

1944-1972

1973-1990

1991-2007

Diferença do PIB/t

-1,0

2,6

-6,6

2,2

-2,3

0,0

Diferença de produtividade

do trabalho

0,4

1,0

-4,9

1,4

-1,0

-2,6

 

Segundo Coatz e Scheingart (2016), à taxa de câmbio peso-dólar de 2005, se o crescimento da produtividade do trabalho no setor industrial for de 3% ao ano nos Estados Unidos e de 4% na Argentina, seriam necessários 101 anos para anular a diferença de produtividade entre esses dois países, e se fosse de 10% ao ano na Argentina, seriam necessários 15 anos. O problema é que se está longe dos 3% ao ano (COATZ; SCHEINGART, 2016, p.43).

 

4 Conclusão

 

Argentina, Brasil, Colômbia sofreram uma desindustrialização relacionada aos efeitos da reprimarização. O México, menos rico em matérias primas não sofreu uma reprimarização, mas recebe um volume muito importante de transferências de divisas de seus trabalhadores, que emigraram para os Estados Unidos. Ele sofre de uma desindustrialização nas indústrias voltadas para o mercado interno[21]. Ainda assim, está na moda condenar o crescimento, a industrialização e denunciar um discurso produtivista quando se defende a reindustrialização.

É correto que o crescimento e a industrialização, a segunda gerando a primeira, foram acompanhados de uma importante deterioração do meio ambiente no passado e ainda hoje. Os modelos de substituição de importações do passado (dos anos 1935 aos anos 1970, caracterizados por um elevado crescimento) e a reprimarização de hoje, tornaram-se insustentáveis para o meio ambiente. A reprimarização das economias conduziu, na maioria dos casos, a danos irreversíveis sobre o meio ambiente, aos estilos de vida e à saúde das populações vizinhas. De fato, o crescimento da agricultura de exportação tem sido obtido às custas dos camponeses. A mineração tem sido realizada principalmente em detrimento da população indígena. A reprimarização foi realizada com desprezo ao meio ambiente e da saúde dos camponeses, dos mineiros e da população ao redor. É também o caso das indústrias exportadoras de bens industriais no México. Ela se traduziu pela deterioração da saúde dos camponeses e trabalhadores, seja direta ou indiretamente, pelos efeitos da poluição e do desmatamento sobre o clima. Impor normas ambientais e seu respeito é cada vez mais uma necessidade de sobrevivência.

 

Enfim, a questão é dupla: o crescimento conduz necessariamente à uma deterioração do meio ambiente? Ou então, tem-se que optar pelo decrescimento e proibir a implantação de fábricas em nome precisamente da poluição que elas produzem e favorecer a pesquisa, estabelecer um conjunto de regras restritivas aplicáveis igualmente aos produtos importados, a fim de favorecer uma industrialização mais neutra em relação ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores? Esta é a aposta que os teóricos do desenvolvimento sustentável entenderam: o respeito às condições sociais e do meio ambiente. Esta “toca do rato” existe. Ao invés de se opor o emprego ao clima, é melhor procurar formas de compatibilizá-los, especialmente porque hoje sabemos as consequências sociais em termos de mobilidade social e do aumento das desigualdades se nada for feito para superar esta tendência à estagnação.

 

A crise é estrutural na América Latina. Portanto, somente as respostas situadas a este nível poder permitir a superação dos obstáculos a um desenvolvimento sustentável e à inclusão daqueles que são excluídos. As reformas econômicas radicais, na magnitude dos problemas as serem resolvidos, são em número de três:

 

1)      No contexto latino-americano, em que o mercado interno desempenha um papel importante, é necessário aumentar o poder de compra do trabalho. Esta melhoria do poder de compra pode dinamizar o mercado interno. Paradoxalmente, a justiça social está ligada à eficiência econômica: mais empregos, menos informalidade. Esta é uma medida para ser tomada imediatamente, mas sua eficácia duradoura exige esforços no sentido de melhorar a produtividade e que haja uma política industrial agressiva, como tem sido o caso em vários países asiáticos.

 

2)     A melhoria do poder de compra dos mais pobres e das classes médias (baixas e médias) não se reduz somente ao aumento dos salários, que poderia ser revertido pelo aumento acelerado dos preços. Uma reforma fiscal e a extensão do sistema de previdência por repartição para a população que não pode contribuir, devido à falta de recursos, pode contribuir para o aumento do poder de compra dos mais desamparados. Isto não é apenas uma necessidade ética, mas também econômica.

 

3)     A reindustrialização com respeito ao meio ambiente e a soberania sobre os setores estratégicos, legitima o retorno ao protecionismo seletivo e temporário, como muitos países asiáticos fizeram, mas também os Estados Unidos.

 

É o conjunto dessas medidas que constitui uma ruptura. O retorno de governos progressistas nos países analisados pode conduzir à essa ruptura. Entretanto, as condições políticas para realizar essa ruptura não estão presentes, no momento. Esses governos ou não tem um programa para a ruptura, ou o tem parcialmente, ou, enfim, nem todos têm uma maioria em seus respectivos Congressos. Existe uma margem de manobra, de dinâmicas possíveis, mas elas dependem sobretudo dos movimentos de massa, que no momento estão relativamente ausentes quanto às questões estritamente econômicas. É, também, muito provável que em alguns países haja reformas mais significativas do que em outros, que a melhoria do poder de compra seja decidida, bem como medidas para proteção do meio ambiente e que projetos industriais ligados à busca de maior soberania sejam empreendidos. Isto é importante, sobretudo em vista do passivo deixado pelos governos de direita, mas que não está à altura dos problemas enfrentados por esses países há dezenas de anos.

 

Quais são as chances para realizar essas reformas estruturais? Trata-se de desenvolver uma política de redistribuição afim de reduzir a pobreza, de diminuir os danos ambientais, então a probabilidade de sucesso relativo é suficientemente forte, especialmente no Brasil e na Colômbia. Se se trata de implementar reformas estruturais como uma reforma fiscal, uma política industrial agressiva, uma proteção ambiental eficaz para escapar duravelmente da tendência à estagnação econômica e à reduzida mobilidade social que ela produz, então a probabilidade de sucesso é bastante baixa considerando o contexto internacional, e a relação de forças dentro dos parlamentos, exceto marginalmente em certos países.

 

É forçoso reconhecer que, no estado atual, as margens de manobra são estreitas para decidir tais políticas estruturais, a menos que uma ascensão do movimento de massas mude a situação e abra novas perspectivas. Esta pode ser uma visão um tanto pessimista sobre o futuro dessa onda progressista, que alguns chamariam de realismo, mas é desse pessimismo que se alimenta o “otimismo da vontade”.

 

 

Referências 

 

As revistas e relatórios de instituições internacionais e nacionais são citadas no texto quando são fontes de dados estatísticos. Para uma bibliografia mais completa, ver Salama (2020a).

 

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Agradecimentos

A Arturo Anguiano, Nicolas Bénies e Francis Sitel pelos seus comentários muito úteis.

 

 

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Pierre SALAMA

Um economista latino-americanista. Professor emérito das Universidades de Sorbone Paris-Norte. Últimos livros publicados: Contágio do vírus, contágio econômico, riscos políticos na América Latina, Ed. Croquant, 2020. Economia da América Latina, com Mylène Gaulard. Ed. Bréal, 2020.

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Anexo n° 1: Taxa de crescimento do PIB a preços constantes, Argentina, Brasil, Colômbia, México, 1992 - 2021

 

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Argentina

7,9

8,0

5,8

-2,8

5,5

8,1

3,9

-3,4

-0,8

Brasil

-0,5

49,0

5,9

4,2

2,2

3,4

0,3

0,5

4,4

Colômbia

4,0

5,4

5,8

5,2

2,1

3,4

0,6

-4,2

2,9

México

2,5

1,9

4,9

-6,3

6,8

6,8

5,2

2,8

4,9

 

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Argentina

-4,4

-10,9

8,8

9,0

8,9

8,0

9,0

3,3

-5,9

Brasil

1,4

3,1

1,1

5,8

3,2

4,0

6,1

5,8

-0,1

Colômbia

1,7

2,0

3,9

5,3

4,8

6,7

6,7

3,3

1,1

México

-0,4

0,0

1,3

3,9

2,3

4,5

2,3

1,1

-5,3

 

2010

2011

2012

2014

2015

2016

2107

2018

Argentina

10,1

6,0

-1,0

-2,5

2,7

-2,1

2,8

-2,6

Brasil

7,5

4,0

1,9

0,5

-3,5

-3,3

1,3

1,8

Colômbia

4,5

6,9

3,9

4,2

3,0

2,1

1,4

2,6

México

5,1

3,7

3,6

2,8

3,3

2,6

2,1

2,2

 

2019

2020

2021

2022*

Argentina

-2,0

-9,9

10,3

3,0

Brasil

1,2

-3,9

4,6

1,4

Colômbia

3,2

-7,0

10,6

9,4

México

-0,2

-8,2

4,8

2,1

Fontes: Para Argentina e Colômbia

Pode ser acessada em: https://donnees.banquemondiale.org/indicateur/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CO-AR-SA&name_desc=false

 

Para o México, pode ser acessada em:

https://donnees.banquemondiale.org/indicateur/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CO-AR-SA-MX&name_desc=false

 

Para o Brasil, pode ser acessada em:

https://donnees.banquemondiale.org/indicateur/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CO-BR&name_desc=false


 

Anexo 2: Nível do PIB per capita, em US dólares (PPC de 1990), no início da desindutrialização em alguns países da OCDE e da América Latina, 1950-2011

País

Participação da parte superior da indústria manufatureira no PIB

Participação da parte superior dos assalariados da industria manufatureira no PIB

Part (%)

Ano

PIB per capita

Part (%)

Ano

PIB per capita

Países desenvolvidos da OCDE

Canadá

23,29

1961

8.833

22,73 a

1970

12.050

França

25,4 b

1961

7.716

27,89

1974

13.113

Alemanha (Rep. Federal)

40,65

1961

7.952

39,39 a

1970

10.839

Japão

32,63

1970

9.714

27,44

1973

11.434

Espanha

23,33

1972

7.099

27,47

1971

6.618

Suécia

26,94

1974

13.885

28,29

1974

13.885

Gran Bretanha

36,90

1955

7.868

41,83

154

7.619

Estados Unidos

26,47

1953

10.613

27,83

1953

10.613

Países da América Latina

Argentina

34,85

1976

7.965

24,69 c

1984

7.426

Brasil

32,47

1985

4.914

17,08

1978

4.678

Chile

19,57

1974

4.992

16,80

1976

4.347

Colômbia

20,05

1976

3.713

25,95 d

1978

4.042

México

23,34

1988

5.771

19,56

2000

7.275

Perú

21,51

1988

3.766

23,24 e

1986

3.946

Uruguai

2342,00

1986

6.015

30,57

1974

5.123

Venezuela

30,85

1986

8.725

17,18

1987

8.805

Fonte: Cálculos realizados por Victor Krasilshchikov (2020) a partir dos dados da UNCTAD e do ILO (para 1970-2011); Para a Gran Bretanha e os Estados Unidos: UK Central Statistical Office 1961: 105-107, 130, 239, 243; 1965: 107; 1970: 118, 279, 285; US Bureau of the Census 1956: 296; 1959: 304, 307; 1961: 203, 207, 301, 304; 1965: 326; OECD/OCDE 1979: 7-8, 103-104, 195-196; MoF 1998, table 6.1; GGDC 2013.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo 3: Volatilidades Argentina, Brasil, México

 

Volatilidade da Argentina

 

Fonte: Maurixio (2019).

 

Volatilidade do Brasil

 

Fonte: Chauvet (2019).

 

Volatilidade do México

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo 4: Taxas de câmbio na Argentina

 

 

 

 

Fonte: BCRA. O aumento do índice corresponde a uma desvalorização - depreciação da moeda nacional em relação a outras moedas, e vice-versa. Uma desvalorização é inicialmente inflacionária, uma valorização deve contribuir para uma desaceleração na alta dos preços. Nem sempre é assim, a manutenção de uma taxa de câmbio nominal e a existência de um aumento de preços mais elevado (devido à espiral salários-lucros de preços ascendentes, alterações significativas na estrutura de preços relativos entre e dentro dos bens públicos e privados, e desconfiança da eficácia da política do governo) resulta em uma valorização em termos reais da moeda nacional. Isso aumenta a probabilidade de uma desvalorização, que é ela própria inflacionária. Ligeiras desvalorizações nominais, inferiores à subida dos preços, traduzem-se também numa apreciação real da moeda. São consequência da vontade do governo de estabilizar a taxa de câmbio, de evitar uma megadesvalorização muito inflacionária, mas não conseguem conter a aceleração da alta de preços. Isso pode ser observado nos dois gráficos: o primeiro mostra uma queda do índice de câmbio real em 2022, revelando uma apreciação e o segundo uma elevação do valor nominal da taxa de câmbio devido a minidesvalorizações no mesmo período. Esta é a política seguida pelo governo em 2022, Ver: Informe CESO, Nov 2022: Devaluar o estabilizar?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

      Figura 2: Desvalorização da taxa nominal de câmbio e inflação, 2011-2022

 

 

        Fonte: CESO, a partir dos dados do BCRA.

 



[1] Texto traduzido pelo professor doutor Paulo Nakatani (docente do Departamento de Economia e do PPGPS/Ufes).

* Economista. Doutor em Ciências Econômicas. Um latino-americanista. Professor emérito das Universidades de Sorbone Paris-Norte.  CEPN- CNRS, UMR 7115. E-mail: psalama@wanadoo.fr.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2022 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[2] Definição: Entre as numerosas definições nos países em desenvolvimento e/ou emergentes, a mais corrente é a medida da pobreza absoluta. Ela difere daquela em vigor nas economias avançadas (pobreza relativa). A primeira depende de uma cesta de bens que se pode adquirir ou não, a segunda é relativa e depende da distribuição de renda. A primeira pode portando ser suprimida, a segunda não, salvo se acharmos que se pode eliminar as desigualdades de renda, mas ela pode e deve ser diminuída pois ela tornou-se insustentável socialmente, politicamente e eticamente desde cerca de trinta anos. Na América Latina, são pobres os indivíduos (ou famílias) que não conseguem obter um certo nível de renda. Esta é definida como a renda que permite seja a compra de bens de consumo, cujo conteúdo em calorias deve levar à reprodução física desse indivíduo (ou da família) e o pagamento de um certo número de serviços (aluguel, transporte, etc.). A pobreza extrema ou a indigência é a situação na qual se encontram indivíduos (ou domicílios) cuja renda não lhe permite adquirir os bens de consumo necessários à sua reprodução.

[3] Definição: Diz se que a reprimarização ocorre quando a estrutura das exportações de um país muda significativamente em favor da exportação de matérias primas em detrimento dos produtos industriais que se tornaram menos competitivos.

[4] Definição: Diz se que desindustrialização de um país emergente é precoce em comparação com a desindustrialização que afeta certos países avançados quando a renda per capita no início desse processo é a metade daquela dos países avançados no momento que começa a desindustrialização (ver Anexo 2).

[5] Por que esses quatro países? Por duas razões. Porque são economicamente os mais importantes de América Latina e são emblemáticos pelos problemas que devem resolver, porque são eles que nós conhecemos mais intimamente, combinando estudos de textos, documentos, relatórios e visitas ao local, e pesquisas de campo que dão sentido aos dados estatísticos abstratos. Entretanto, não são os únicos que deveriam ter sido estudados. O Chile teria merecido um lugar especial porque uma “nova” esquerda está aparecendo e tentando profundas reformas apesar da oposição do seu Congresso, o Perú – país de abundantes recursos naturais por excelência, de desigualdades de renda consideráveis, de um fracasso diante da pandemia – com sua sucessão de Presidentes aprisionados teria merecido igualmente uma análise aprofundada. Nós deixamos deliberadamente de fora a Nicarágua caída no totalitarismo, a Venezuela e sua feroz repressão contra as oposições, de seu óbvio fracasso econômico e a considerável migração de sua população para os países vizinhos. Para nós, seus governos não são nem de esquerda nem progressistas, mesmo que uma velha esquerda adepta das teses “campistas” ainda mantenha olhares carinhosos para esses governos.

[6] O aumento dos gastos sociais do governo central mexicano durante a pandemia em 2020 (ano da crise aberta) – excluindo os gastos com saúde – em relação a 2019 foi particularmente baixo: 0,2% do PIB, enquanto foi de 3% na Colômbia, de 3,5% na Argentina e de 7,6% no Brasil, segundo os dados da Cepal. Segundo o INEGI, os trabalhadores pobres passam de 36,6% no primeiro trimestre de 2020 para 46,4% e 46% no segundo e terceiro trimestre de 2020. Com a retomada econômica, ela baixou. No primeiro trimestre de 2022 ela se situava em um nível próximo daquele de 2019, antes da pandemia, ou seja, 39,6% e 38,6%.

[7] Definição: Balança comercial, é o conjunto do movimento de mercadorias e serviços para (exportações), ou a partir de (importações) para o exterior. O saldo da balança comercial pode ser positivo ou negativo. Balança em conta corrente (ou de transações correntes, ou ainda de pagamentos correntes), nela se inclui a balança comercial e os movimentos de divisas ligadas ao deslocamento de mercadorias (transportes e seguros), ao movimento de migrantes que vão trabalhar no exterior e de imigrantes (transferências líquidas), entradas e saídas de capitais (lucros e dividendos repatriados líquidos, juros da dívida pública e privada), enfim, ao turismo.

[8] Definição: De maneira geral, a informalidade na América Latina tem três origens: 1/ a primeira é o resultado de relações de produção específicas: o autoritarismo-paternalismo que predominou até recentemente no campo e nas pequenas cidades. O emprego assume, então, aspectos de favor, sobretudo nas pequenas empresas, que fazem com que aquele que consegue um emprego se sinta obrigado frente ao seu empregador. O empregador não tem necessidade de declarar o emprego, paga mal o empregado e lhe impõe as chamadas condições de trabalho não-decentes, em violação à legislação trabalhista. A contrapartida desse autoritarismo é o paternalismo, o empregador tem a obrigação “moral” de cuidar de seu empregado quando ele está doente. O fato é que, com a generalização da mercadoria e o desenvolvimento capitalista, esta contrapartida desaparece progressivamente e só resta o aspecto informal, ilegal segundo a legislação trabalhista, da previdência social e da tributação. 2/ A reduzida taxa de investimento e o crescimento demográfico aos quais se acrescenta a migração do campo para a cidade. As empresas não podem, portanto, oferecer um número suficiente de empregos formais. A busca de empregos de sobrevivência ou para a estrita sobrevivência se desenvolve junto com a informalidade. Pode-se considerar também que não há um setor informal em si, mas um entrelaçamento de atividades (empregos) formais e informais, umas se apoiando reciprocamente sobre as outras. 3/ Novas formas de informalidade aparecem ligadas ao desenvolvimento das novas tecnologias. Graças à internet e às plataformas, se desenvolvem novas formas de trabalho conhecidas como “uberização dos empregos”, o trabalhador adquire o status de empreendedor autônomo, trabalhando em condições mais precárias e quase sem proteção social. Enfim, as empresas formais recorrem frequentemente ao emprego informal. Por exemplo, a porcentagem de empregos informais nos empregos mantidos nas empresas formais no México aumentou para 36% nessas empresas em março de 2020. Em seguida, baixou para 30,8% no primeiro trimestre de 2022 em parte graças à retomada econômica e provavelmente ainda mais devido à uma nova regulamentação decidida pelo governo de Lopez Obrador que limita a prática de terceirização utilizada pelas grandes empresas para aproveitar tanto os salários mais baixos recebidos pelos trabalhadores informais quanto sua maior flexibilidade.

[9] A literatura sobre a retirada parcial do mercado de trabalho nos países avançados, mais particularmente nos Estados Unidos, é abundante. Destaca-se a excelente obra de Coutrot e Perez (2022), sobre a crise do sentido do trabalho. Por outro lado, ela é bastante pobre nos países emergentes, ver Salama (2021b).

[10] O desmatamento da floresta amazônica, encorajado fortemente pelo presidente Bolsonaro no Brasil, com o objetivo de expandir as áreas destinadas às culturas de exportação e a exploração de recursos minerais, não é isento de consequências como a aparição do vírus e das mudanças climáticas de maneira geral. Ver o excelente livro de M-M Robin (com a colaboração de S. Morand), 2021, A fábrica de pandemias, preservar a biodiversidade, um imperativo para a saúde planetária, construído através de numerosas entrevistas com ecologistas dos quais apresentamos alguns extratos: Eu vi como as grandes empresas violavam os territórios indígenas em nome do desenvolvimento, o que não trouxe nenhum benefício para as comunidades, ao contrário: elas foram marginalizadas e entraram num círculo vicioso de pobreza, porque o meio ambiente do qual eles dependiam para sua subsistência foi destruído” (Entrevista de G. Suzan, p. 168); “Quando comparamos os dados espaciais e temporais do desmatamento com os das doenças infecciosas emergentes, pode-se ver claramente que elas são correlacionadas” (Entrevista de S. Morand p. 66). Sobre os mecanismos de propagação aos seres humanos: “Quando os ecossistemas são perturbados, as espécies ‘especialistas’ (aqui os roedores, PS) (altamente adaptadas a um habitat particular pouco fecundo) desaparecem em benefício dos ‘generalistas’ (ou seja, mais fecundos, mais capazes de se adaptar), o que leva a uma queda na biodiversidade dos roedores ... O resultado é o aumento da transmissão do vírus na população hospedeira que é mais abundante e um crescimento do risco para os humanos” (Entrevista de J. Mill, p. 135); “Além da caça, o desmatamento e a fragmentação dos habitats naturais causam um stress nos morcegos, que provoca um enfraquecimento do seu sistema imunológico ... todos esses acontecimentos são propícios à uma explosão de descargas virais, que favorece a transmissão dos patógenos para outras espécies animais, inclusive aos humanos”. (Entrevista de G. Maganga, p. 121).

[11] Alguns economistas (por exemplo Pessoa, ver Salama (2016)), particularmente no Brasil, chegaram ao ponto de louvar essa desindustrialização, considerando que ela não era a culpada, pois o crescimento havia aumentado graças ao papel positivo desempenhado pelas exportações, esquecendo assim os importantes efeitos multiplicadores do crescimento industrial sobre o crescimento geral e nos empregos qualificados ou não.

[12] Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2019 Argentina). Nota: A Europa Ocidental é composta por: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido; a América Latina compreende: Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

[13] Definição: Quando a recuperação ocorre, a retomada é atrasada. Tal defasagem temporal dos ciclos e suas amplitudes é chamada de efeito de histerese.

[14] José Graziano da Silva, coordenador do plano Fome Zero (2003) e ex-diretor da FAO considera: “É preciso que as políticas de segurança alimentar sejam políticas de Estado e não políticas de governo. O direito à alimentação está inscrito na Constituição brasileira, assim como os direitos à saúde e à educação. Mas, ao contrário desses dois últimos, não há uma dotação orçamentária determinada constitucionalmente pelo direito à alimentação. O que permite ao governo atual cortar os orçamentos ou eliminá-los. É incrível de ver como Bolsonaro desmontou o que havia sido construído, e como ele o fez tão rapidamente. Ele se voltou sobre a totalidade do programa, com exceção de algumas medidas entre as mais populares, como o sistema das cantinas escolares” Le Monde, 7 junho 2022. Segundo os resultados obtidos pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (rede PENSSAN), in: O Valor, 8 junho 2022), o número de pessoas em grave insegurança alimentar e que sofrem de fome atingiram 15,5 milhões de pessoas e aqueles não afetados pela insegurança alimentar atingem 88,2 milhões de pessoas. Entre esses dois extremos, uma leve insegurança alimentar atinge 28 milhões de pessoa e é moderada para 15,2 milhões. Em termos relativos, a fome afeta mais as pessoas do Norte e do Nordeste.

[15] Além da taxa de câmbio paralela, conhecida como azul, há uma taxa de câmbio turística, uma taxa de câmbio Qatar que permite deduções fiscais, etc.

[16] Quanto ao aumento das transferências ou sua permanência no Brasil (o auxílio emergencial foi concebido como temporário) há resistências, inclusive dos economistas que votaram em Lula (de fato, contra Bolsonaro), o argumento desenvolvido é que o aumento dos gastos públicos derrubaria o teto (limite ao crescimento dos gastos públicos) ou ainda que seria admissível ultrapassar se os gastos fossem para investimentos, principalmente em novas tecnologias e sobretudo jamais em gastos correntes. Este último argumento é de longe o mais sério, mas, dado a amplitude do aumento da miséria, ou seja, da fome, a urgência em remediá-la se justifica socialmente.

[17] Definição de um sistema tributário regressivo: sabe-se que na América Latina o sistema tributário é particularmente regressivo, pois, antes do pagamento dos impostos diretos e das transferências sociais, as desigualdades sofrem apenas uma queda modesta (dois pontos sobre uma escala de 1 a 100) do coeficiente de Gini, enquanto que nos países avançados a diminuição está entre dez e quinze pontos dependendo de cada país. Se consideramos os impostos indiretos, pagos por todos os consumidores, pobres ou ricos, o efeito, então, é nulo ou quase nulo nos países latino-americanos. Entretanto, a maioria desses países se caracterizam por uma participação muito elevada em termos relativos dos impostos indiretos sobre o total dos impostos e pela reduzida participação relativa dos impostos diretos pagos pelas famílias incluindo as mais ricas. Os estudos da Cepal, da OCDE e de muitos economistas (SALAMA (2012) para uma bibliografia e apresentação detalhada) insistem sobre esse aspecto regressivo que, nos dias de hoje, são difíceis de serem convertidos em política econômica devido à oposição que ela gera no mundo dos negócios.

[18] Entre as primeiras medidas adotadas pela presidência de Petro na Colômbia, o sistema tributário e o de previdência são importantes. O objetivo da reforma tributária é triplo: aumentar as receitas em 5,5% do PIB (4% foi votado) para financiar diversas despesas sociais, entre elas a ampliação do sistema de repartição para aqueles que não são beneficiários de aposentadorias, ou seja, a metade da população idosa, com o restante divido na metade para as pessoas que optaram por um sistema de capitalização e a outra metade para pessoas que podem receber uma pensão sem ter contribuído. A ideia é de permitir que todos aqueles que ganham entre um e quatro salários mínimos possam se beneficiar de uma aposentadoria por repartição; buscar uma justiça social relativamente ausente aumentando a tributação sobre as 4000 pessoas mais ricas, taxar os dividendos e terras não exploradas; e climática tributando as indústrias extrativas (petróleo e carvão). Esta última medida, logicamente, encontra uma forte oposição, “legitimada” pelo fato que a Colômbia exporta sobretudo matérias-primas, que sua balança comercial é deficitária e que tributar essas indústrias extrativas aumentaria do déficit comercial, segundo os opositores dessa tributação. A reforma fiscal é de natureza estrutural na medida em que é mais progressiva e provavelmente traça uma dinâmica de transformação da estrutura produtiva e de exportações do país, sobretudo se ela diminui no futuro o significativo peso relativo dos impostos indiretos.

[19] O petróleo não refinado era e é exportado para os Estados Unidos, então, o México importa desse país o petróleo refinado, de modo que sua balança comercial de petróleo é ... deficitária nos dias de hoje.

[20] Se a intenção nos parece boa, a sua implementação parece questionável, pois prejudica o desenvolvimento de energias renováveis, a questão climática não parece ser a primeira preocupação da presidência de Lopez Obrador, ao contrário de Petro na Colômbia. Assim sendo, está encontrando uma violenta oposição do meio empresarial e das transnacionais que a veem como uma violação das regras do novo tratado de livre comércio assinado com os Estados Unidos e o Canadá. Essa hostilidade se reflete, às vezes, pela saída de investimentos em carteira, embora, paradoxalmente, os investimentos estrangeiros diretos aumentem.

[21] Embora tenha poucas rendas e não exporte muitas matérias primas, o México recebe transferências (remesas) maciças dos trabalhadores mexicanos que emigraram para os Estados Unidos: de 58 a 59 bilhões de dólares em 2022, ou seis vezes mais do que a Colômbia, que tem a metade da população. Os efeitos dessas remessas podem ser considerados como sendo os mesmos, de um ponto de vista macroeconômico, que as entradas provenientes de exportações de matérias primas nos outros países analisados. Elas permitem fechar o balanço de pagamentos e favorecem uma valorização da moeda nacional (no entanto, mais fraca do que no Brasil). A valorização da moeda nacional favorece a desindustrialização das indústrias voltadas para o mercado interno (salvo para o setor automobilístico cuja produção é exportada em grande parte), devido à ausência de uma política industrial. Pela mesma razão, a produção destinada ao mercado externo tem muto pouco efeito multiplicador sobre o crescimento do PIB.