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Saúde mental e relações de camaradagem nos partidos políticos da esquerda radical

 

Mental health and relationships of comradeship in political parties of the radical left

 

Clara BARBOSA*

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0001-7134-3332

 

Resumo: Trata-se das considerações de uma pesquisa, feita com militantes de Minas Gerais de três partidos políticos da Esquerda Radical Brasileira (Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU)), sobre como essas organizações têm elaborado análises e ações políticas relativas à saúde mental, intra e extrapartidariamente. Junto a isso, realizamos uma revisão bibliográfica de produções de acepção marxista acerca da saúde mental e militância. Como resultado, ressalta-se que a coletivização das expressões de sofrimento e o fortalecimento de vínculos políticos humanizadores e emancipatórios (as relações de camaradagem) nesses espaços auxiliam a minorar o sofrimento dos sujeitos, compreendendo que a problemática possui raiz social.

Palavras-chave: Sofrimento Psíquico. Saúde Mental. Militância Revolucionária. Partidos Políticos.

 

Abstract: This article addresses research conducted with 19 militants from Minas Gerais, and three political parties from the Brazilian radical left; the Brazilian Communist Party – PCB; the Liberty and Socialism Party – PSOL; and the Socialist Unified Workers’ Party – PSTU. It considers how these organisations have developed analyses and political actions related to mental health, both intra and extra-party. Along with interviews, we conducted a bibliographic review of output from the Marxist field dealing with mental health and militancy. The results emphasise that the collectivisation of expressions of suffering and the strengthening of humanising and emancipatory political bonds (relationships between comrades) in these spaces help to alleviate the suffering of individuals, as the common understanding is that the problem has a social root.

Keywords: Psychic Suffering. Mental Health. Revolutionary Militancy. Political Parties.

 

Submetido em: 23/1/2023. Revisto em: 11/4/2023; 22/5/2023 Aceito em: 22/5/2023.

 

INTRODUÇÃO

 

E

ste trabalho, fruto de uma dissertação de mestrado (Santos, 2022), versa sobre como as organizações partidárias da Esquerda Radical[1] tratam o debate de saúde mental nas suas ações políticas cotidianas. De caráter exploratório e qualitativo, a pesquisa, realizada entre os meses de agosto e setembro de 2021, foi desenvolvida com 19 militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

 

A referida dissertação tinha como hipótese inicial que essas organizações não se atentavam propriamente às discussões e intervenções relacionadas ao tema da saúde mental. Traçamos os seguintes objetivos: 1) observar a presença da discussão de saúde mental no programa político destas organizações; 2) identificar se, nesses partidos políticos, há espaços para que o(a) militante em sofrimento psíquico possa dialogar sobre sua condição; e 3) apontar quais elementos podem proteger ou prejudicar a saúde mental destes(as) militantes nesses partidos, a fim de traçar estratégias para intervir nestas situações.

 

Percebemos a necessidade de realizar entrevistas com militantes desses três partidos, visto que, para a construção do referencial, não fora encontrado material bibliográfico suficiente que tratasse detalhadamente dessa temática. Com o levantamento das referências para o trabalho, percebemos que, além das entrevistas e anteriormente a elas, deveríamos nos atentar para selecionar produções que faziam análises acerca da saúde mental e do sofrimento psíquico a partir de um eixo crítico, a fim de evitar uma caracterização genérica que reforçasse um pluralismo imprudente das experiências de sofrimento e de diagnósticos (algo fortalecido na atualidade), trazendo maior objetividade para a discussão, justamente por compreendermos a existência de uma indissociabilidade entre a conformação da saúde mental e o modo de vida no sistema capitalista.

 

Como optamos por uma metodologia envolvendo pesquisa com seres humanos, este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz (CEP-EPSJV/Fiocruz), sendo aprovado sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) 48055221.9.0000.5241. Junto ao projeto detalhado, foram submetidos dois documentos, que compõem parte dos aspectos metodológicos: um questionário, elaborado no Formulário Google, para coleta de informações gerais acerca dos(as) entrevistados(as), com a finalidade de selecionar militantes de diferentes idades, gêneros, raça, etnia, sexualidades, vínculos de trabalho, dentre outros aspectos, pois partíamos do pressuposto de que permitiria ter um perfil heterogêneo de entrevistados(as) e, possivelmente, de respostas.

 

Esse formulário continha o Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE), cujo “aceite” era necessário tanto para responder o questionário completo quanto para a realização posterior das entrevistas. Com isso, os(as) militantes declaravam estar cientes das condicionalidades desta pesquisa – objetivos, riscos e benefícios –, autorizando o uso de suas respostas na dissertação, bem como concordavam em participar de entrevista individual posteriormente, com um roteiro próprio ao objeto da pesquisa. Para participação, a pesquisadora recorreu ao intermédio de dirigentes do PCB, PSOL e PSTU, via Termo de Anuência Institucional (TAI), para que pudessem discutir o documento (nele, estavam descritos os principais detalhes da proposta de pesquisa) nos organismos e, após, se colocarem à disposição para responder o Formulário Google e participar da entrevista virtual individual. Sendo assim, justificamos a existência desse TAI justamente para garantir uma discussão acerca do projeto de pesquisa entre os(as) militantes nos respectivos organismos dos partidos, evitando acesso prévio da pesquisadora aos(às) possíveis entrevistados(as).

 

Foram 19 sujeitos[2], tendo-se buscado selecionar uma quantidade proporcional de entrevistados(as) de cada um dos partidos. Tal quantitativo foi definido tendo em vista que a análise dos materiais demandava tempo – enxuto em um período de mestrado, que possui duração de dois anos, sendo apenas um deles dedicado à escrita e à pesquisa empírica –, podendo, em caso de uma extensa quantidade de participantes, prejudicar a qualidade da análise dos dados coletados. Estipulamos os seguintes critérios de inclusão para realização das entrevistas: 1) militantes organizados(as) no PCB, PSOL ou PSTU; 2) militantes que atuassem politicamente no município escolhido para pesquisa; 3) maiores de 18 anos e 4) militantes orgânicos(as) há, pelo menos, um ano nos referidos partidos políticos. Decidimos também que os(as) militantes não necessariamente precisavam ter vivenciado um processo de sofrimento psíquico diagnosticado para participação. Dessa forma, poderíamos observar as concepções de saúde e/ou saúde mental que possuíam mesmo sem essa experiência, bem como não foi definido como critério a existência de qualquer tipo de relação/envolvimento com o campo da saúde mental. Excluiu-se a possibilidade de entrevista àqueles(as) militantes menores de 18 anos que não se encontravam ativos(as) na militância de algum dos três partidos (casos de afastamento, por exemplo) e organizados(as) há menos de um ano.

 

Ressaltamos que este estudo privilegiou as produções acadêmicas do campo marxista em relação às entrevistas com militantes desses três partidos, tendo em vista a limitação determinada para a produção deste artigo e a necessidade de realizar um debate qualificado sobre a temática em questão. Assim, este trabalho fez uso de produções acadêmicas cuja linha teórica é orientada pelo método da crítica da economia política, elaborado nas obras de Karl Marx (Marx; Engels, 2007; Marx, 2013), e recorremos a tal método tanto por uma melhor delimitação do fenômeno do sofrimento psíquico, quanto pela discussão a respeito da formação da subjetividade no capitalismo. Embora haja uma resistência histórica no campo marxista ao debate de subjetividade, tratando-o de forma reducionista e/ou mencionando-o brevemente (Silveira, 2002), partimos da concepção de que essa teoria possui condições suficientes de instrumentalizar uma análise da subjetividade e suas múltiplas determinações. 

 

Ao tomarmos a tradição marxista, é comum observar um desconhecimento e estranheza por parte de pesquisadores(as) e militantes revolucionários(as) sobre a relação existente entre subjetividade e marxismo. Historicamente, a subjetividade tem sido discutida de forma reducionista ou tampouco mencionada no campo marxista – pode-se hipotetizar que essa questão se relaciona com as deturpações que ocorreram nas obras marxianas e marxistas pelo regime stalinista –, sendo perpetuado que o marxismo não possui arcabouço suficiente e com condições de instrumentalizar uma análise da subjetividade, como se existisse, tal como é propagado no senso comum, “[...] um antagonismo entre o campo da singularidade e o dos projetos coletivos [...]” (Silveira, 2002, p. 7).

 

Na realidade, essa argumentação possui fragilidades: desde Marx e Engels, passando por outros autores da tradição marxista – como Vigotski (1930), Leontiev (2004), Fanon (2008) e Martín-Baró (2017), para citar alguns –, a discussão da subjetividade e sua indissociabilidade do meio concreto foi explicitada e trabalhada como um desafio teórico-prático para os(as) revolucionários(as). Compreender como o capitalismo conforma, homogeneíza e disciplina os sujeitos é necessário para que se possa construir, de fato, uma nova sociabilidade, sem classes sociais e sem qualquer tipo de opressão, em que haja espaço para a formação e a consolidação de subjetividades das mais diversas e humanamente livres, algo que já era atentado por esses autores que citamos. A resistência à discussão da subjetividade no interior do marxismo, presente até hoje, obstaculiza a realização de uma problematização sobre a inserção e a localização dos sujeitos na sociedade capitalista – algo indispensável, pois, ao estabelecermos isso, identificamos os papéis e as funções colocados por esse tipo de formação social, entendendo os limites e as possibilidades do desenvolvimento das diversas dimensões humanas (Gomes, 2017)

 

Assim, a discussão aqui presente está subdividida em duas seções, fundamentalmente articuladas em suas sínteses conclusivas. Apresentamos a nossa compreensão de que as relações de camaradagem, desenvolvidas nos espaços de militância, auxiliam a minorar o grau de sofrimento psíquico dos sujeitos. Tomamos as elaborações de Jodi Dean (2021) a respeito da camaradagem, além de paralelos que estabelecemos com os escritos de Keppler (2011; 2018), Boulos (2016) e Minetto (2018), que buscaram compreender como a militância pode afetar a saúde mental dos sujeitos tanto como elemento protetivo e/ou de sofrimento. Assim, tentamos explicar como a organização política e a defesa de um objetivo comum de luta coletiva podem auxiliar, em um sentido positivo, a minorar as experiências mais gravosas de sofrimento psíquico, devido ao avanço no processo de consciência dos sujeitos e à instrumentalização crítica dos questionamentos à ordem do capital de forma ativa.

 

Reafirmamos que as organizações partidárias do campo da ER não estão isentas de reproduzir a ideologia dominante. Mesmo diante dessa contradição, defendemos que o partido político permanece sendo o mais efetivo instrumento de luta, além de uma potencial ferramenta para a superação do sofrimento psíquico massificado, por se caracterizar como um espaço que conforma o pertencimento político desses sujeitos (Dean, 2021) e por direcionar à raiz geradora de grande parte dos empecilhos que enfrentamos ao refletirmos criticamente sobre o debate de saúde mental: a sociabilidade do capital.

 

1 A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS COLETIVOS DE PRODUÇÃO DA SAÚDE

 

Partimos do princípio de que é importante dar contornos de objetividade ao fenômeno sofrimento, colocando-o no chão social, pois ele e suas mais variadas formas – neste trabalho, analisa-se mais detidamente a sua expressão de ordem psíquica[3] – não possuem uma definição exata, havendo uma pluralidade de concepções, sendo o sofrimento tratado e analisado de maneira diferente nos campos da Filosofia, da Medicina, da Psicologia etc. É pertinente, portanto, dizer que o termo sofrimento foi disputado historicamente. Essa inexatidão de uma definição mais concreta para o fenômeno traz consequências. Assim,  se podemos afirmar, hoje, que a luta histórica pela defesa do uso do termo sofrimento psíquico, no interior do campo da saúde mental, encabeçada por sua ala crítica ou em diálogo com esta, foi uma vitória, pautando a sua determinação social e deslocando-o do âmbito estritamente privado, em contraponto aos termos doença mental e/ou transtorno mental (que carregavam conotações biologicistas e organicistas) (Furtuoso; Costa, 2021), há espaço, também, em contrapartida, para uma banalização e um pluralismo imprudente do sofrimento (em termos de patologização), que trata, inclusive, elementos antes comuns e cotidianos da vida em sociedade e dos sujeitos como situações patológicas e adoecidas que necessitam de uma intervenção profissional (Gomes, 2017).

 

Esse deslocamento e reforço da esfera individual-privatista dialogam com a própria noção de indivíduo, que é forjada pela sociabilidade do capital, como um ente que possui um “[...] encerramento em si mesmo da personalidade humana [...] (Pachukanis, 2017, p. 122, grifo nosso), de forma tal que mistifique a confirmação de que esse sujeito está inserido e é diretamente influenciado pela comunidade e sua vida social, mesmo que não seja perceptível inicialmente. Isso objetiva garantir que os sujeitos não se compreendam ou se reconheçam enquanto seres sociais, fruto não só de suas características biológicas e fisiológicas, mas que se produzem, se constroem e transcendem seus limites naturais a partir das leis sócio-históricas (Leontiev, 2004).

 

Sendo assim, em oposição aos ditames da Organização Mundial de Saúde (OMS) e demais instituições vinculadas ao projeto dominante de saúde, neste trabalho, utilizamos a definição de saúde mental elaborada por Ignacio Martín-Baró (2017), psicólogo salvadorenho e militante revolucionário, que salienta que a saúde mental deve ser tomada não como um “[...] movimento de dentro para fora, mas de fora para dentro; não como encarnação do funcionamento individual interno, mas como a materialização, na pessoa ou no grupo, do caráter humanizador ou alienante de uma estrutura de relações históricas” (Martín-Baró, 2017, p. 251). Em suma: a saúde expressará as condições objetivas de vida dos sujeitos numa certa sociedade e como esse processo é subjetivado, singularizado por esses sujeitos.

 

Estabelecendo diálogo com o método da crítica da economia política, Martín-Baró (2017, p. 29, colchetes nossos) também ressalta que a “[...] distribuição da saúde mental está vinculada com a distribuição da riqueza produzida no país [e em nível mundial]”, colocando que a saúde mental e, consequentemente, o sofrimento psíquico, são determinados pela forma como os sujeitos produzem e reproduzem sua vida em uma sociabilidade particular. Detalhando essa análise do autor, Costa e Mendes (2021a) acrescentam que, no sistema capitalista, essa distribuição da riqueza socialmente produzida é fundamentada pela expropriação massiva de um contingente significativo da humanidade, o que demarca a posição dos sujeitos perante essa sociabilidade: esses despossuídos passarão a vender a sua força de trabalho, a fim de garantirem sua sobrevivência e necessidades básicas (Marx, 2013).

 

Essa posição social – sua condição de classe – será consubstanciada, em um “[...] todo coeso de exploração e opressão das maiorias populares [...]” (Costa; Mendes, 2021a, p. 220), pela raça, etnia, gênero, sexualidade desses sujeitos. Ou seja, esses sujeitos, oriundos de uma classe social, são concretos e multifacetados: têm nome, história e características que necessitam ser compreendidos para que seja possível analisar a forma como sua saúde mental se constrói, como expressam seu sofrimento psíquico para, assim, podermos qualificá-los.

 

Na realidade, saúde mental não é exclusividade do campo psi, mesmo que, num marco de divisão do trabalho, ela seja retirada do todo que a constitui, sendo alvo de disciplinas e profissões particularizadas. Por exemplo, um economista e suas propostas de contrarreforma neoliberais, que venalizam ainda mais as condições de vida das maiorias populares, age, mesmo sem saber, sobre as saúdes mentais destas; provoca uma precarização objetivo-subjetiva. O preço do salário-mínimo e do gás de cozinha, o desemprego, a pobreza, entre tantos outros exemplos, em suas múltiplas determinações de classe, raça, etnia, gênero etc., são problemas também de saúde mental, pois impactam na forma como vivemos e, portanto, como nos sentimos [...]. Pensar que a saúde mental é ‘tratada’ nos moldes tradicionais da psicologia, psiquiatria e psicanálise somente nos diz das incoerentes e descaracterizantes compreensões e práticas hegemônicas sobre a saúde mental. Isso não significa que economistas devam atuar como psicólogos, mas que devem ter consciência das consequências concretas de suas ações. Do mesmo modo para os trabalhadores do campo psi, aliado ao fato de que devem buscar conhecimentos de outros complexos do saber-fazer. Não é possível separar saúde mental de nossa ordem social (Martín-Baró, 1984/2017a); não se trata de saúde mental num vazio histórico, como algo abstrato, uma suposta essência humana igualmente idealizada e estática (Costa; Mendes, 2021a, p. 221).

 

O método marxiano parte do pressuposto de que, para compreensão da realidade, é necessário estudar os sujeitos reais e suas condições objetivas de vida (Marx; Engels, 2007). É na produção dos meios de vida que se localiza a base para o processo de formação da consciência dos homens e mulheres: inicia-se, pois, com a satisfação de necessidades e o uso dos recursos para satisfazê-las, levando à produção de novas necessidades, que se sofisticam e passam a ser, também, básicas (Marx; Engels, 2007). Nesse ínterim, esses sujeitos se tornam humanos. A consciência seria a representação mental (subjetiva) de uma realidade concreta (objetiva) que se interioriza, mediada por vínculos próximos. Essa internalização do mundo externo ocorre sob a forma de valores, padrões, normas de conduta e ideias, a partir das relações travadas no seio familiar – nossa introdução às relações sociais – para, em seguida, interagirmos com o mundo exterior (nas escolas; no trabalho; nas igrejas; organizações políticas etc.) (Iasi, 2011).

 

Logo, a dimensão subjetiva, a vida concreta e a formação de consciência são indissociáveis, sociais e passíveis de modificações. Mas, numa sociedade como a do capital, essas questões emergem como naturais e eternas, propiciando um terreno fértil para a ideologia que oculta, inverte e obscurece o real (Marx; Engels, 2007) – por conta da cisão de classes, que possui como pilares o estranhamento, a alienação e a reificação das relações travadas socialmente. A noção de indivíduo é moldada pelo capitalismo como um ente segregado da comunidade e o único responsável por sua existência, para que este não se compreenda como ser social e, sim, de uma forma que mistifique a confirmação de que esse indivíduo está inserido e é diretamente influenciado por seu entorno, mesmo que não seja perceptível inicialmente.

 

O princípio de realidade desses indivíduos, além de ser considerado como algo dado, torna a experiência singular como critério exclusivo da legitimidade e veracidade, inviabilizando um tratamento totalizante do real. Logo, as alternativas colocadas pela ordem vigente para as problemáticas advindas de suas bases materiais são individualistas e individualizantes – consequentemente, a forma de lidar com as expressões do sofrimento psíquico engendrado socialmente está nessa seara. A perspectiva individual de resposta ao sofrimento psíquico parte dessa noção de cidadão atomizado do meio social, que deve dar conta plena e singularmente das adversidades da vida, que, na realidade, são frutos da plena ação da sociabilidade do capital (Safatle, 2021).

 

A reorganização da dinâmica sistêmica, decorrida com a ofensiva neoliberal da década de 1970 (Antunes, 2010), visando manter a acumulação de lucro em determinados padrões, dentre os diversos rebatimentos nas condições de vida dos(as) trabalhadores(as), provocou, também, a fragmentação intraclasse. Temos os(as) trabalhadores(as) inseridos(as) e submetidos(as) aos mais diversos vínculos empregatícios: trabalhadores(as) de carteira assinada, terceirizados(as), em regime parcial, que trabalham em domicílio, informais, desempregados(as), autônomos(as), trabalhadores(as) rurais, dentre outros. Juntamente com isso, como descrito por Iasi (2017) e Neves (2020), a centralidade do pertencimento de classe é substituída por uma miríade de identidades pulverizadas que não só visam ofuscar a posição de classe dos sujeitos, interferindo negativamente na formação de consciência, como obscurecem o fato de que a sociedade em que vivemos permanece capitalista, portanto, uma sociedade de classes, fundamentada na exploração, na opressão e no fetichismo da mercadoria.

 

Essa hifenização da classe coloca empecilhos para a luta dos(as) trabalhadores(as) – ou seja, um reconhecimento das experiências similares, vivenciadas enquanto classe –, tratando a classe social como mais uma dentre diversas identidades do sujeito (Antunes, 2010). Não só isso: os vínculos trabalhistas frágeis e as incertezas acerca do futuro trazem receios e inseguranças reais para a tomada de um posicionamento contrário ao que está em vigor, além de estimular a concorrência interna à classe, reforçada pelo sistema capitalista, como forma de potencializar a fragmentação. O aprofundamento da fragmentação intraclasse, as modificações nas relações de trabalho, marcadas pelo desemprego estrutural e por uma precarização que extrapola o espaço sócio-ocupacional, capilarizando-se socialmente, consolidam um meio tensionado e propício para o aprofundamento do sofrimento gerado pelo sistema e intrínseco às relações sociais estranhadas (Machado; Giongo; Mendes, 2016).

 

Em paralelo a essa afirmação, acrescentamos que a medicalização social e a lógica de psicopatologização da vida são desdobramentos da decadência ideológica burguesa deste momento histórico, evidenciando a falência das relações sociais vigentes e a construção de respostas parciais e limitadas da burguesia para enfrentamento da crise em curso, deslocando-as do contexto político-econômico. Para legitimação dessas táticas (medicalização e psicopatologização), faz-se necessário, por parte da classe dominante: 1) reafirmar a perda da centralidade da classe, defendendo a existência estrita de uma multiplicidade de identidades pulverizadas, que não podem compor uma unitotalidade (Neves, 2020), e 2) patologizar e despolitizar os conflitos sociais (Safatle, 2021).

 

Além da medicalização e psicopatologização do social, um outro aspecto que ressaltamos foi o deslocamento das lutas políticas como questões de responsabilidade exclusivamente individual, tratando as reivindicações de cunho político-social como uma problemática privativa, que, como dito anteriormente, faz parte da ferramenta de despolitização do caráter social dos conflitos, expressos subjetiva e objetivamente (Safatle, 2021).

 

Desse modo, alguns setores da classe dominante passam a engendrar esses métodos de despolitização e empresariamento para efetivar o enquadramento dos(as) trabalhadores(as) à ordem vigente de duas formas diferentes, utilizando, estrategicamente, instituições político-econômicas burguesas para legitimar seu arcabouço ideológico e material, tais como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OMS (Lima, 2014). Assim, de um lado, é reforçado – tanto retórica quanto concretamente – que, caso o(a) trabalhador(a) venha a apresentar um quadro intenso de sofrimento proveniente das novas configurações relacionais, a culpa de seu sofrimento é exclusivamente dele(a). Mais: esse sofrimento, bem possivelmente, nem será reconhecido, pois, como é hegemonicamente disseminado pelo processo de neoliberalização, as adversidades se capilarizam somente quando os sujeitos não se modelaram a “[...] uma adaptação positiva para contextos cada vez mais adversos” (Pronko, 2019, p. 167). Por outro lado, se o sofrimento é considerado legítimo, é transferido para o âmbito da intervenção biomédica, em que há uma gama de medicamentos disponíveis, diversos critérios diagnósticos para aspectos da vida social e uma flexibilização das classificações de doenças.

 

Destaca-se que a via individualizante de refletir/intervir na saúde mental é insustentável do ponto de vista de superar o aguçamento do sofrimento psíquico e a estrutura social que o gera e o aprofunda, mas sustenta, em alguma medida, a manutenção dessa sociabilidade. Partimos da perspectiva da necessidade de coletivizar tal sofrimento comunitariamente, tratando-o, como colocado por Fanon e Geronimi (2020/1959), como uma patologia da liberdade: um desdobramento, denunciativo e/ou demandante de cuidado, da ausência de liberdade social, em que as características reificadas vão operar. Assim, o alvo de uma tratativa eficaz da questão, no sentido de superá-la, é a sociedade (Martín-Baró, 2017), com a transformação de seus pilares pela via coletiva.

 

Em acréscimo a essas considerações de Fanon e Geronimi (2020/1959), Machado, Giongo e Mendes (2016) elaboraram que o “sofrimento social” do qual, concordamos, o sofrimento psíquico é uma resultante, constitui-se pela perda da confiabilidade no potencial de transformação da classe; por uma precarização subjetiva e um carecimento da radicalidade “de futuridade intrínseca à ordem do capital” (Machado; Giongo; Mendes, 2016, p. 232). Tais apontamentos são válidos para a militância também. Em se tratando da ER, essa crise de futuridade emerge, segundo Fernandes (2019), como uma espécie de melancolia[4] que, conforme compreendemos, soma-se ao fatalismo do conjunto da classe trabalhadora em relação às possibilidades de projetos societários alternativos. A despeito de haver organizações e lutas em torno disso, ainda não se encontram fortalecidas o suficiente a ponto de dirigirem um processo mais amplo de radicalidade.

 

Machado, Giongo e Mendes (2016) trazem que o domínio do desalento, da desconfiança e da angústia fundamentam um “[...] impedimento da unidade política do proletariado como classe social capaz de fazer história [...]” (Machado; Giongo; Mendes, 2016, p. 232), e isso “[...] divide e impera hoje, assim como as condições da proletariedade universal e o lema da ordem sociometabólica do capital” (Machado; Giongo; Mendes, 2016, p. 232). O atual modo de existência neoliberal do capitalismo agrava essa desconstrução da concepção de coletividade, fortalece o culto de si e da valorização do sucesso individual, e o movimento político revolucionário não se consolida imune a esses valores e princípios.

 

A defesa de uma abordagem coletiva do sofrimento não significa, portanto, que o partido político que reivindica tal abordagem (quando a reivindica) já a realiza dentro de suas estruturas e, ainda, sem problemas. Mais: é um equívoco responsabilizar a militância e a organização partidária exclusivamente pelas problemáticas que advêm de uma origem social, bem como esperar delas a superação desse sofrimento – algo que é distinto da cobrança, por parte dos(as) militantes, de uma postura da organização diante desse desafio e da necessidade do debate.

 

Enfatizamos, então, quatro razões[5] que são essenciais para o desenvolvimento da seção seguinte:

A)   Cabe dimensionar o desafio e o papel das organizações de dar direção e o teor do debate da saúde mental tomando a tradição teórica marxista, atualizando-a aos contextos de atuação militante (a depender da localidade no país, da estrutura de atuação e dos sujeitos a quem se dirige, por exemplo), compreendendo sua complexidade e incorporando-a em seu projeto (Minetto, 2018).

B)    Ressalta-se que não será por decreto que os partidos vão extinguir o sofrimento psíquico, nem o colocarão com a relevância que se deve. Atentar para isso não é o mesmo que isentar o partido daquilo que é de sua alçada, mas é identificar as suas frentes de atuação e enfatizar que “[...] o nosso maior problema é o capitalismo, não a militância” (Keppler, 2018, não paginado, grifos nossos);

C)   Destaca-se que o sofrimento é ineliminável de qualquer modo de vida. Entretanto, a sua configuração no capitalismo possui gravidade, pois, além da sua conformação alienada e estranhada, o sofrimento se engendra em meio a relações sociais que coisificam os seres humanos. Ao se sofisticar, torna-se um motor subjetivo da vida e fortalece, dentre outras características, o tensionamento e o encapsulamento do sujeito em si, tônica do processo de neoliberalização necessária para a continuidade da racionalidade econômica. A resposta a essa fonte estrutural de sofrimento deve caminhar conjuntamente à construção de espaços coletivos de produção de saúde (Maia Neto, 2018), especialmente na militância partidária, visando produzir um bem-estar alinhado aos princípios revolucionários, em contraponto a uma sociedade que se fundamenta em gerir o sofrimento psíquico como mecanismo de aumento de produtividade (Safatle, 2021). A externalização do sofrimento será compatível com a trajetória dos sujeitos que o vivenciam, seus vínculos, identidades e como construíram suas vidas até o momento. Embora a origem social desse fenômeno seja a mesma, as expressões são distintas e diversas. Limitar essa análise ao caráter estrutural da sociedade, desconsiderando a dimensão subjetiva desse processo (nisso, incluem-se não só os sujeitos, mas o interior das organizações), torna impossível disputar as consciências dos(as) trabalhadores(as) em direção à luta política e dar sentido estratégico a esse sofrimento (Maia Neto, 2018).

D)   Salienta-se que essa reelaboração coletiva precisa considerar a diversidade de subjetividades existentes e possíveis, que historicamente foram subjugadas às demandas sistêmicas não só na ordem do capital, mas também nas experiências socialistas. Esse elemento, elaborado por Vigotski (1930) em seu texto A Transformação Socialista do Homem, permite-nos compreender (e afirmar) que o cerne de uma transformação social tem como espinha dorsal pensar os sujeitos da velha ordem a ser destruída, como concretizarão uma nova sociabilidade e subjetividade (essa última estando em oposição ao modo de vida reificado que levam os primeiros).

 

O debate de saúde mental na militância busca pensar, apresentar e construir alternativas criativas e concretas ainda nos marcos da ordem, no âmbito da emancipação política, sem se limitar a esta, demonstrando como essa dimensão é insuficiente para a resolutividade da questão (Keppler, 2018; Maia Neto, 2018). O objetivo, portanto, deve ser alinhar essas propostas ao fim último da transformação social, de forma a dialogar com os projetos de vida dos sujeitos, seus anseios e desejos não cumpridos pelo capitalismo, canalizando-os em um sentido coletivo.

 

2 AS RELAÇÕES DE CAMARADAGEM E A SUPERAÇÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO

 

A militância engendra um corpo comunitário que tem potencial de romper com a vivência de um sofrimento psíquico individualizante e busca “[...] transformar a dor em vínculos éticos mais fortes e maduros” (Maia Neto, 2018, p. 16). Em sentido amplo, instrumentaliza os sujeitos, organizados voluntariamente nos partidos, a serviço de um objetivo político comum (Dean, 2021). Tal objetivo compreende que a luta coletiva rumo ao comunismo parte de uma necessidade que extrapola uma barganha pela sobrevivência (Keppler, 2018), estando ancorada em uma concepção societária que exige além dos mínimos sociais necessários.

 

Compreender os propósitos organizativos do partido nas lutas sociais e suas pautas construídas por homens e mulheres do mundo de hoje – com características e traços determinados pelo capitalismo, possuindo limitações – é buscar concebê-lo, também, como um espaço de produção de saúde, de reconhecimento da diversidade de subjetividades que são assoladas pelo sistema e que se dedicam à tarefa de transformação da realidade material (Maia Neto, 2018). Para que isso seja possível, Dean (2021) argumenta que outras formas de vínculos precisam ser fortalecidas na militância, tanto para renovar o compromisso ético e político compartilhado quanto pela exigência de consolidar relações humanas de caráter igualitário, opostas às vigentes. Assim, a autora, ressaltando as relações de camaradagem, aponta a necessidade de sua existência na ação política do partido comunista e como tal ação exige reconhecimento, sem opressão e solidário, entre os setores proletarizados e marginalizados no modo de produção capitalista.

 

Dean (2021) assevera que a figura do camarada é simultaneamente negativa e positiva: ao conformar esse pertencimento político em prol de um fim comum (a supressão do capitalismo), distancia-se daqueles(as) que não compartilham do mesmo horizonte e demarca-se um posicionamento com quem se encontra na mesma condição, depositando uma expectativa ativa: “Ao lutarmos juntos por um mundo livre de exploração, opressão e intolerância, precisamos poder confiar uns nos outros e contar uns com os outros. A palavra ‘camarada’ dá nome a essa relação” (Dean, 2021, p. 26-27).

 

Em contraposição às características marcantes da sociabilidade do capital ressaltadas por Keppler (2018) – individualismo, ego, vaidade, competitividade, opressão e, acrescenta-se, exploração –, Dean (2021) aponta qualidades que devem compor o/a camarada, contrárias às citadas logo acima: disciplina, alegria, coragem e entusiasmo. Essas qualidades não são engessadas, nem padronizam o(a) militante – pelo contrário, são prerrogativas que tornam a camaradagem um vínculo genérico, ou seja, não definido por gênero, raça ou fronteiras nacionais, mas pela existência e consolidação de relações de igualdade, fidelidade a uma verdade histórica e solidariedade as quais vão além, por exemplo, de afetos familiares ou da amizade.

‘Camarada’ apresenta uma promessa equalizadora e, quando essa promessa é cumprida, deparamos com certos apegos que, embora indesejados, permanecem em nós: apegos a hierarquia, prestígio e inadequação. Aceitar a igualdade requer coragem. [...] Dirigir-se a uma pessoa como ‘camarada’ a faz lembrar que se espera algo dela.

Disciplina e alegria são duas faces da mesma moeda, dois aspectos da camaradagem como forma de pertencimento político. Como forma de tratamento, figura de relação política e portador de expectativas, ‘camarada’ rompe as identificações hierárquicas de sexo, raça e classe da sociedade capitalista. Insiste no caráter igualador da condição comum daqueles que se encontram do mesmo lado de uma luta política e transforma esta condição comum igualadora em algo capaz de produzir novos modos de trabalho e pertencimento. Assim, camarada é um portador de anseios utópicos, conforme teorizou Kathi Weeks (Dean, 2021, p. 30-31, grifos nossos).

 

 

Dessa forma, o(a) camarada seria um contraponto político à pulverização de particularidades que se constituem como obstáculos para o avanço da consciência de classe. O objetivo do projeto político baseado nas relações de camaradagem é evidenciar a classe social como o denominador comum entre as diversas identidades possíveis (sem deslegitimá-las), apontando-as como um elemento favorável aos(às) trabalhadores(as) (Neves, 2020), por demonstrar as múltiplas formas de existência que o capitalismo se empenha em invalidar pela lógica de mercado.

 

Nesse sentido, pode-se afirmar que os vínculos de solidariedade, pertencimento e a ampliação das relações possuem ecos nas conceituações de disciplina, alegria e entusiasmo presentes na figura do(a) camarada. Primeiro, porque “[...] ninguém é camarada sozinho [...]” (Dean, 2021, p. 130), isto é, essa relação e sua veracidade se concretizam no trabalho político prático, necessariamente coletivo, rumo a um desejo de tornar vitoriosa uma sociedade sem classes, sendo a disciplina “[...] sua lei e sua linguagem” (Dean, 2021, p. 130). Somando-se a isso, exigem-se solidariedade e fidelidade a uma verdade política, como pontuado por Dean (2021). Essa disciplina reforça o pertencimento e a compreensão das limitações que cada sujeito possui, o que significa visualizar os erros, aprender com eles e modificá-los, reconhecer que existirão outros dentro do coletivo que conseguem realizar atividades que não dominamos – e vamos admirá-los por isso –, bem como desenvolvemos a capacidade de entender nossas qualidades e exercitamos a compassividade com os limites dos outros (Dean, 2021).

 

A ampliação da rede de relações (Boulos, 2016) desdobra-se nos atributos de alegria e entusiasmo tratados por Dean (2021). A alegria é originária da intensificação do senso de coletividade. Já o entusiasmo advém do dimensionamento, por parte dos sujeitos, das vulnerabilidades e fragilidades de cada um (como pontuamos acima), sem que isso se torne um sinônimo de culpabilização e responsabilização; ao contrário, transforma-se em um motor para a construção de um trabalho - antes impossível de ser realizado sozinho – feito de forma coletiva (Dean, 2021).

 

A coragem estabelece um paralelo com as demais características, uma vez que se constitui como a capacidade de autocrítica, associada pelos bolcheviques à firmeza, resolutividade e potencial de resistência frente aos empecilhos da realidade (Dean, 2021). Mesmo não tendo sido elencadas nos demais trabalhos analisados, posturas como essa foram visíveis e gerais nas entrevistas: houve, em sua maioria, balanços negativos a respeito da atuação das organizações, reconhecendo que os partidos não se atentam centralmente para a temática da saúde mental. Além disso, apresentaram que, em alguns momentos, as organizações já mostraram resistência ao assunto, cometendo equívocos e reproduzindo posicionamentos contraditórios, o que demanda formação e trabalho políticos. Entretanto, mesmo com essas pontuações, não deixaram de ressaltar os avanços ao longo dos anos, sendo o fortalecimento das relações de camaradagem destacado como propulsor disso:

 

Em relação ao trato à saúde mental no partido, eu vejo isso muito nas relações de camaradagem, que não é uma palavra vazia para gente, sabe? Eu vi também o desenvolvimento de muitos [...] no sentido de desenvolver a sua própria paciência revolucionária. Porque a gente tem um monte de jargão, um monte de tema, que as pessoas vão reproduzindo e, às vezes, não se atentam ao seu significado e a importância delas no cotidiano. Então, infelizmente, na marra, as pessoas foram desenvolvendo. Isso eu avalio como positivo, apesar de toda barbárie. Eu vejo um avanço do partido nesta compreensão de ter paciência com as limitações das pessoas, porque não que elas queiram, mas porque a gente vive na sociedade que a gente tanto critica e quer superar, [...] então, vi este desenvolvimento, de saber escutar, de saber se colocar, e também de entender como tem uns camaradas adoecidos, a gente vê muitos camaradas com ansiedade lá no alto, a questão da própria depressão, de tentativas de autoextermínio, enfim, estas questões que têm sido cada vez mais frequentes, a gente vê também que o coletivo tem amadurecido neste sentido. Infelizmente, da pior forma possível [risos], mas tem amadurecido e avançado, e eu fico realmente muito feliz e contente de ver que nestes últimos 4-5 anos que estou no partido, de ver este amadurecimento e este desenvolvimento, porque se a gente não se colocasse neste lugar de construir os movimentos sociais, a gente estaria reproduzindo e deslegitimando processos de adoecimento [...] (ENTREVISTADO A5)

 

Existe, também, a possibilidade de cenário estudada por Keppler (2011) e Minetto (2018), em que a militância se torna um ambiente suscetível para o sofrimento. Embora tenhamos identificado um panorama distinto das considerações das autoras, vale ressaltar que as pontuações realizadas por elas não estão descontextualizadas, pois foram questões elencadas pelos(as) militantes nas diferentes pesquisas encontradas numa determinada conjuntura, em que o debate de saúde mental era ainda mais irrisório em relação à atualidade. São destacados como potencializadores de sofrimento, por exemplo, o tarefismo da militância – muitas vezes, esse acúmulo de tarefas é visto como sem sentido diante do objetivo final da organização –, o excesso de reuniões, os conflitos relacionais dentro e fora do espaço militante (família, amigos(as) e colegas de trabalho) e o confronto entre os desejos pessoais e as vontades coletivas.

 

Tomando as produções de Boulos (2016) e Dean (2021), pode-se inferir que os impasses identificados na pesquisa de Keppler (2011) se exacerbaram justamente por conta das relações de camaradagem, de não compreenderem, à risca, a necessidade da coletivização das atividades e responsabilidades políticas, bem como podem não ter exercitado, de maneira sólida, a democracia interna (Keppler, 2018).

 

Isso exemplifica alguma das fragilidades na solidariedade desses espaços e, também, da concepção de camarada, a tal ponto que, na pesquisa de Minetto (2018), o sofrimento psíquico de militantes já passa a ser tratado como um desafio político para as organizações revolucionárias. Uma vez que os depoimentos e as falas dos(as) entrevistados(as) são perpassados pela lógica vigente, é comum que haja a atribuição de uma responsabilidade exclusiva aos partidos ou à militância acerca dessas causalidades, ainda que não explicitamente. É válido colocar, novamente, que tal compreensão não é semelhante a desresponsabilizar por completo as organizações, dado que há um papel a ser desempenhado por elas no assunto.

 

Keppler (2018) pontua, em outro momento, um revés dessa postura de culpabilização dos partidos: se depositamos a culpa do nosso sofrimento psíquico na militância de caráter revolucionário, a qual vislumbramos ser a principal saída para resolução de uma fonte significativa dos nossos problemas (o capitalismo), resta como alternativa cuidar individualmente de si, renunciando disputar formas de enfrentamento desses impasses presentes na construção da luta política, sem enfatizar que o cerne do que nos esmaga é o sistema social. Isso menospreza uma das primordialidades do instrumental teórico marxista: a compreensão da tarefa histórica de destruir toda forma de alienação, libertando o conjunto da humanidade dessa cristalização subjetiva e objetiva para a construção de um novo modo de vida, balizado na emancipação humana.

 

Assim, um mesmo ambiente que dá abertura para a construção de respostas que produzam saúde por uma via libertadora pode construir relações nocivas entre os sujeitos, processo que converge com a formação da consciência de classe. A construção de um elo político baseado na camaradagem é a materialização do estágio mais avançado da consciência, o que não significa que esteja imune a recuos: ao mesmo tempo que esse tipo de relação é o maior exemplo desses saltos da consciência, a reprodução de uma lógica empresarial e de opressões na militância pode acarretar tais recuos.

 

Extrapolando o caso dos(as) militantes, cabe relembrar que a massificação do sofrimento psíquico é uma condição que tem perpassado os sujeitos da classe trabalhadora como um todo, sujeitos esses que, ao avançarem em seu processo de consciência, podem vir a buscar uma organização política a fim de se instrumentalizar para a luta. Suas expressões de sofrimento passarão a ser contextualizadas de acordo com o cenário político e o espaço militante e, por isso, não devem ser uma preocupação secundarizada dos partidos, dado que estarão presentes ao se considerar a divisão de tarefas, o cotidiano militante, as reuniões etc., influenciando o processo de luta e a concretização do conjunto da vida social.

 

Mesmo que não seja uma tática estruturada e planejada nesse sentido, há setores da burguesia que vêm respondendo à situação de sofrimento psíquico aguda da classe trabalhadora e suas frações de diferentes formas – mais uma razão para os partidos políticos darem especial atenção à discussão. Anteriormente ao cenário de sofrimento atual, essa questão diz respeito à compreensão daquilo que se encontra no campo subjetivo, sua relação indissociável com a realidade objetiva, e como a ordem do capital não consegue sanar as promessas que oferta aos sujeitos, nem responde plenamente a outros desejos e anseios da classe (Maia Neto, 2018) que não estão na esfera da mera sobrevivência ou no âmbito jurídico-político. Essas demandas, de caráter humanitário, integram a noção de comunismo como “[...] condição de possibilidade da própria história” (Dean, 2021, p. 193).

 

Dar ênfase apenas aos entraves do nosso instrumento de luta, ao invés de somar à crítica as tentativas de superação desse cenário (intra e extrapartidário), demonstra que o problema se localiza não na ferramenta em si, mas em como estamos travando relações no seu interior, considerando estritamente as exigências que a realidade coloca, desconectadas dos limites e capacidades de cada militante – e dos anseios e aspirações da classe no geral. Portanto, a divisão de tarefas, o planejamento de táticas e a reorganização das frentes de atuação devem estar baseados na relação de confiança e solidariedade entre pares, que se reflete na figura do camarada (Dean, 2021), com um esforço cotidiano dos(as) militantes para se aproximarem daquilo que defendem e aspiram (Keppler, 2018), ao se vincularem a um projeto coletivo sensível às necessidades objetivas e subjetivas dos(as) militantes e dos(as) trabalhadores(as).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O objetivo deste trabalho foi de apresentar reflexões sucintas acerca da indissociabilidade entre saúde mental e militância radical, compreendendo que o sofrimento psíquico é oriundo das relações sociais, sendo particular em cada forma de sociedade. Como a que vivemos é constituída pela fetichização, desumanização dos sujeitos e de seu modo de vida, essas características demarcam a manifestação desse sofrimento e, consequentemente, camuflam a fonte geradora desse desgaste (Furtuoso; Costa, 2021).

 

Conforme apresentado na introdução, este estudo tomou como base não só entrevistas com 19 militantes do PCB, PSOL e PSTU, como produções acadêmicas cuja linha teórica é orientada pelo método da crítica da economia política. Destaca-se que, levando em consideração o limite exigido para a elaboração do presente artigo, não apresentamos uma diversidade de falas dos(as) entrevistados(as), optando por trazer sínteses e assertivas daquilo que identificamos junto aos sujeitos da pesquisa, privilegiando, assim, o diálogo com autores(as) da tradição marxista que realizaram/realizam discussões dentro da temática. Por isso, cabe salientar que esta produção científica é sintética, possui limites e provém de uma dissertação. A análise crítica aprofundada das falas trazidas pelos(as) militantes, cotejando com as referências bibliográficas, encontra-se na pesquisa de mestrado da autora (Santos, 2022).

 

Observamos que o cenário atual de precarização da vida, resultante de uma crise sistêmica, ocasiona uma série de consequências para os(as) trabalhadores(as), que vão desde o desemprego estrutural (Machado; Giongo; Mendes, 2016) a uma fatalização subjetiva manifesta em quadros de sofrimento psíquico grave (Costa; Mendes, 2021b), esse último sendo alvo de atenção em âmbito internacional de diversas instituições devido à sua agudização (World Health Organisation, 2012; 2015; 2018). Essas instituições oferecem suas explicações para o cenário (revelando parcialmente alguns aspectos reais e ocultando outros, simultaneamente), porém, não possuem intencionalidade de dar razões esmiuçadas, pois isso significa colocar em xeque o modo de produção. Assim, enfrentar coerentemente o sofrimento psíquico (e outras formas de sofrer) consiste, em primeiro lugar, na percepção e no reconhecimento por parte dos movimentos sociais e das organizações políticas do campo revolucionário (e aqui nos atemos aos partidos políticos) de que o capitalismo é uma fonte primordial de produção de sofrimento dos sujeitos de ambas as classes (Keppler, 2011; 2018). Logo, não há como refletir a relação indivíduo x sociedade de maneira atomizada.

 

De tal modo, não há como conceber a situação de saúde dos sujeitos como uma questão privada, bem como não basta só o incentivo à busca por cuidado e intervenções profissionais, algo legítimo, mas que não vai à raiz do problema: exige, principalmente, um debate e ações consistentes na temática de saúde mental que estejam alinhados aos princípios políticos dessas organizações (Minetto, 2018), agregados ao fortalecimento de vínculos políticos de cunho humanizado e solidário, exemplificados na figura do(a) camarada (Dean, 2021).

 

Identificamos que essas defasagens estão relacionadas ao mapeamento – nos casos do PSOL e do PSTU, na sua ausência; no caso PCB, ainda em um estágio inicial –, ou seja, a um dimensionamento objetivo do problema tomando o método e a ênfase que deve ser dada à questão de saúde mental nas e pelas organizações. Sem esse mapeamento estruturado, discussões e reflexões acerca do assunto não são aprofundadas, não havendo, assim, política ou ação bem elaborada.

 

Com isso, deve-se iniciar o processo de construção de uma política de saúde mental interna a essas organizações que será distinta, a depender da localidade das regionais e das demandas. Porém, primeiramente, é preciso partir de um mapeamento das condições da realidade: uma caracterização do sofrimento psíquico; o que tem provocado o seu agravamento; quais as consequências reais desse processo para os trabalhadores e para os militantes; a relação disso com a crise em curso, dentre outros. Depois de construída essa política interna, faz-se necessário avaliar e reavaliar sua pertinência e seu impacto.

 

Por fim, ressaltamos que essas críticas aos partidos da ER não compactuam com a defesa da obsolescência desse instrumento, nem afirmam que tais organizações sejam perfeitas. Pelo contrário, é por compreendermos o partido político como a ferramenta mais viável para o enfrentamento da atual conjuntura (mesmo com todos os seus entraves) que problematizamos a insuficiente atenção ao debate de saúde mental e, anterior a ele, a histórica secundarização da subjetividade pelas experiências socialistas (Martín-Baró, 2017).

 

Ambos os temas citados acima são necessários para a consolidação de um projeto político marxista, uma vez que essas organizações, ao considerarem o querer subjetivo da classe trabalhadora (Iasi, 2011) e, consequentemente, dos(as) militantes que as estão construindo cotidianamente, terão instrumentalidade para denunciar tanto o porquê das falhas (e impossibilidades) concretas do sistema capitalista de responder aos anseios e desgastes dos sujeitos quanto podem mobilizar e vocalizar essas demandas em torno do campo revolucionário e seus princípios (Maia Neto, 2018), unindo-as ao valor da emancipação humana.

 

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Clara BARBOSA

Mestra em Educação Profissional em Saúde pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz (EPSJV-Fiocruz) (2022). Especialista em Saúde Mental na modalidade Residência Multiprofissional pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (2020). Bacharela em Serviço Social pela UFJF (2017). Atualmente, trabalha como Assistente Social no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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* Mestra em Educação Profissional em Saúde. Assistente Social no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ, Rio de Janeiro, Brasil). Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil). Rua Oswaldo Neves Martins, 142/118, Centro – Angra dos Reis. E-mail: clarab.santos7@gmail.com.

 

[1] Para tratar da Esquerda Radical, faremos uso da sigla “ER” ao longo do artigo.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[2] Destaca-se que não adentramos em muitas das falas dos(as) entrevistados(as) e, também, outras discussões pertinentes e transversais ao tema – tais como o debate de opressões (machismo, racismo, LGBTfobia, dentre outros) – devido aos limites do artigo científico. Apesar das falas elucidativas, optamos, neste espaço, por focar na análise de algumas dessas juntamente à articulação teórica com o arcabouço marxista, tendo em vista a lacuna identificada nas leituras acerca do tema saúde mental e militância político-partidária. Para maior acesso às falas, recomendamos a leitura da dissertação da autora Santos (2022).

[3] Em Furtuoso e Costa (2021, p. 5), os autores travam um debate sobre o uso do termo sofrimento psíquico substituindo-o apenas pelo uso de sofrimento, pois “[...] para nós [os autores] todo sofrimento é psíquico (assim como é social e possui uma dimensão orgânica), sendo este termo não apenas um pleonasmo, como o adjetivo ‘psíquico’ um indicativo de apreensão psicologizante, mesmo que crítica – seja por uma redução do entendimento à dimensão psicológica ou cerebral ou pela centralidade de tal compreensão em tais dimensões. Por isso, optamos pelo termo ‘sofrimento’, num processo de superação, mas incorporando as críticas expressas no termo ‘sofrimento psíquico’ e a tradição práxica que nele/por ele se fundamenta” Furtuoso; Costa, 2021, p. 5). Ambos argumentam que a continuidade do uso de sofrimento psíquico pode reforçar concepções psicologizantes e psiquiatrizantes, algo que a própria tradição crítica da saúde mental combate. Apesar da concordância com os argumentos apresentados pelos autores, essa discussão do uso estrito da palavra sofrimento para demarcar o sofrimento de ordem psíquica é relativamente nova na saúde mental, não havendo tempo para um debruçamento mais qualificado para expor as produções a respeito dessa utilização neste trabalho em questão. Por isso, opta-se, aqui, por manter o uso de sofrimento psíquico, não apenas por ser um termo já consolidado na área da saúde mental – na sua ala crítica e radical –, mas também por conta de um posicionamento político, demarcando a relevância histórica do conceito sofrimento psíquico, sua tradição de luta e sua importância para disputar politicamente discussões e ações incipientes acerca desse tema nas organizações revolucionárias brasileiras.

[4] Segundo Fernandes (2019, p. 300, colchetes nossos), a melancolia estaria ligada a “[...] vitórias passadas [do movimento e organização dos(as) trabalhadores(as)], de uma maneira que afeta seus horizontes estratégicos atuais [...]” (Fernandes, 2019, p. 300), fazendo com que, enquanto ocorrem os ataques à classe trabalhadora, a ER permaneça tendo dificuldades de mobilizar os(as) trabalhadores(as) devido ao processo de despolitização em curso de realizar um trabalho de base árduo para superar essa estratégia e ocupar o espaço onde, por muito tempo, se encontrava o Partido dos Trabalhadores (PT).

[5] Tal exposição foi realizada a fim de propiciar uma forma didática de exposição daquilo que a pesquisa nos permitiu observar e analisar.