Comunidades
Terapêuticas: a construção de uma política manicomial e proibicionista
Therapeutic Communities: the construction of an asylum
and prohibitionist policy
Juliana
Desiderio Lobo PRUDENCIO*
https://orcid.org/0000-0003-3068-0097
Laís Santos THEODORO**
https://orcid.org/0000-0001-5746-9641
Victoria Lavignia
Oliveira BAQUEIRO***
https://orcid.org/0000-0002-6054-9500
Resumo: O artigo objetiva
apresentar um estudo sobre a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas, mostrando como as Comunidades Terapêuticas (CTs) brasileiras ocupam
parte da atenção aos usuários de drogas no Brasil. Trata-se de uma análise
documental de normativas, com base em revisão bibliográfica sobre a temática.
Observou-se que as CTs ganharam força em cenários políticos, sociais e
econômicos distintos, em especial após o ano de 2015, e se tornaram principais
instituições para a atenção aos usuários de drogas, além de serem financiadas
pelo fundo público. Ainda, nota-se que as CTs representam uma convocação à
lógica manicomial, proibicionista e encarceradora de usuários de drogas, em
maioria homens, negros e pobres, sob a lógica da abstinência, do trabalho
forçado, da religiosidade e da disciplina.
Palavras-chave: Drogas. Comunidades Terapêuticas. Proibicionismo. Remanicomialização.
Abstract: This article presents a study on the National Policy on Mental Health, Alcohol and Other Drugs, showing how Brazilian Therapeutic Communities (TCs) form part of the care provided to drug users in Brazil. This is a documentary analysis of regulations, based on a bibliographical review. We observed that the TCs gained strength in a variety of political, social and economic scenarios, especially after 2015, and became the main institutions for the care of drug users financed by the public purse. We further note that TCs represent a call to the logic of the asylum. They are prohibitionist, and detain drug users, mostly men, black, and poor, under the logic of abstinence, forced labour, religiosity and discipline.
Keywords: Drugs. Therapeutic Communities. Prohibitionism. Remanicomialization.
Submetido em: 31/1/2023. Revisto em: 16/3/2023. 30/3/2023. 2/5/2023. Aceito em: 4/5/2023.
Introdução
O |
presente artigo apresenta um compilado de
reflexões com base em análises críticas acerca do cenário atual sobre a
Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas na sua relação com as
Comunidades Terapêuticas (CTs) brasileiras. Busca-se apresentar análises acerca
da política de saúde mental e o avanço das CTs como instituições que operam na
lógica manicomial e proibicionista. É fruto de esforços somados entre
estudiosas do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas (Nepsad), por meio da pesquisa intitulada Política
de Drogas e Comunidades Terapêuticas – CTs na Região Norte Fluminense do Estado
do Rio de Janeiro, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A construção do cuidado com os
usuários de drogas se faz a partir dos manicômios na construção de caminhos
permeados pela Saúde Pública e Segurança Pública, com forte traço proibicionista
nas ações, que se desencadeiam, muitas vezes, pela repressão à droga. Nesse
cenário, estão as CTs, as quais ocupam lacunas históricas brasileiras do não
trato do tema droga e/ou não oferta de cuidado aos usuários de álcool e outras
drogas, via política pública, aos usuários de drogas.
As CTs chegam ao Brasil nos anos
1950, com a possibilidade de oferta de cuidado em saúde mental, e ganham forças
ao longo das décadas (DAMAS, 2013). Com o desenho da atenção em saúde aos
usuários de drogas, pensado pelo Ministério da Saúde, através da Política do Ministério
da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas (PAIUAD),
elas passam a ocupar espaços na atenção aos usuários de
drogas através da
Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011, que instaura a Rede de Atenção
Psicossocial (Raps) (Prudencio, 2019). No momento em
que se tenta o distanciamento da tônica proibicionista com a possibilidade do
cuidado em redes de saúde, por meio dos serviços do Sistema Único de Saúde
(SUS), em diálogo com as políticas sociais, o Ministério da Saúde também adere
às ações propostas pelas CTs (Duarte, 2018).
Prova
disso, após o ano de 2015, observa-se uma onda de desmonte que se opera sobre a
Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, com um processo de
retorno das ações hospitalocêntricas, manicomiais e proibicionistas, as quais
possibilitam o fortalecimento das CTs, em especial com a Portaria n. 3.588, de
21 de dezembro de 2017, que inaugura a Nova RAPS, a qual fortalece as
ações apresentadas acima (Brasil, 2017).
Apesar das
inúmeras denúncias de violação de Direitos Humanos, de trabalho forçado, de
terapêutica voltada para a abstinência, de religiosidade e de disciplina, as
CTs ganham força na cena política, com financiamento público, levando a um
aumento expressivo no número de leitos, chegando a 20 mil, além de receber
cerca de 300 milhões em financiamento, em 2020 (Centro Brasileiro de Análises e
Planejamento, 2022). Este contexto colabora com o sucateamento e desmonte dos
Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas (CAPS Ad) e a
precarização dos vínculos e contratos trabalhistas dos profissionais da
política de saúde mental, álcool e outras drogas, como aponta Duarte (2018).
Para a
compreensão desse cenário adverso, o presente artigo lança mão da revisão de
literatura e da análise documental. Na revisão de literatura, através da
utilização da revisão de narrativas que se compõem da seguinte forma:
As revisões narrativas não informam as fontes de
informação utilizadas, a metodologia para busca das referências, nem os
critérios utilizados na avaliação e seleção dos trabalhos. Constituem,
basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de revista
impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor
(Rother, 2007, não paginado).
Diante
disso, nos debruçamos sobre livros, revistas, publicações e pesquisas
acadêmicas que realizaram o debate sobre a atenção aos usuários de álcool e
outras drogas, as CTs, a Política sobre Drogas e a Política de Saúde Mental no
campo das drogas.
Para a
apreensão de mudanças e análises na atenção aos usuários de drogas, este artigo
recorre a quatro documentos legais, a saber: a Política do Ministério da Saúde
para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas, a Portaria n.
3.088/2011 (Brasil, 2011), a Portaria n. 3.588/2017 (Brasil, 2017) e a Política
Nacional sobre Drogas (Brasil, 2019a). Partimos, ainda, da compreensão de que
os documentos expressam um poder político e histórico, demonstrando a sua
temporalidade, decisões, consensos e dissensos (Bowen, 2009). Adotamos como
recorte temporal para as análises e escolha de literatura e documentos o
período de 2003 a janeiro de 2023.
1 O mundo das drogas
A questão das drogas e dos usuários
de drogas, historicamente, ganha olhares divergentes sobre o seu trato, ora
permeados pela opressão e pelo proibicionismo, ora pelo cuidado em Saúde Pública,
por meio da estratégia de Redução de Danos (RD) e, em muitos momentos, por
todos esses olhares (Prudencio, 2019).
A palavra droga ganha contornos e
características transformadoras de acordo com o período histórico em que está
inserida. Determinadas substâncias que
recebiam o nome de droga tiveram um papel relevante na produção de cor, de
sabor e de alteração de humor, tornando-se mercadorias importantes na corrida
colonial, por meio da expansão marítima em busca dessas substâncias naturais,
ou seja, drogas. Algumas dessas drogas, conhecidas como especiarias e com poder
mercantil elevado, foram um dos marcos principais e primeiros do
desenvolvimento do mercantilismo, entre os séculos XVI e XVIII, como aponta
Carneiro (2008). Distante do que hoje se preconiza sobre o olhar deteriorante
da palavra droga e o conjunto de substâncias que carregam este conceito, cabe
pontuar que tal palavra e substâncias ganham contornos múltiplos conforme o
capitalismo se expande, a farmacologia avança, a psiquiatria clássica ganha
espaço na medicina e o judiciário se aproxima do debate.
A corrida pela proibição de
determinadas substâncias, entendidas enquanto drogas, por acordos jurídicos e
médico-psiquiátricos, desfaz a compreensão inicial da palavra droga enquanto
especiarias e passa a dar nome a substâncias capazes de trazer alteração de
humor, consciência e comportamento. Além disso, têm potencial mercantil
transnacional, alimentando assim a construção de um tráfico de drogas e de uma
polícia contra as drogas (Carneiro, 2002).
No capitalismo do século XX, pela
ordem do proibicionismo, instala-se um comércio daquilo que é proibido diante
da importância de um alto investimento para a conquista de lucros. Parte-se de
uma leitura jurídica, econômica e moral, as bases do proibicionismo.
Proibicionismo é uma forma simplificada de classificar o
paradigma que rege a atuação dos Estados em relação a determinado conjunto de
substâncias. Seus desdobramentos, entretanto, vão muito além das convenções e
legislações nacionais. O proibicionismo modulou o entendimento contemporâneo de
substâncias psicoativas quando estabeleceu os limites arbitrários para usos de
drogas legais/positivas e ilegais/negativas. [...] O proibicionismo não esgota
o fenômeno contemporâneo das drogas, mas o marca
decisivamente (Fiore, 2012, p. 1).
O proibicionismo, no que se refere
às drogas, convoca a uma guerra contra a droga, a qual ganha o rótulo de ilegal
e de alto rendimento, e, pela ordem jurídica e amparado pela medicina, declara
controle sobre determinados corpos e enriquecimento da polícia, bancos e
tráfico, direcionando a proibição sobre aquela substância que ganha o rótulo de
ilegal ou ilícita (Carneiro, 2002). A guerra às drogas se faz com a
proibição do acesso a determinadas drogas por sujeitos que possuem classe
social e cor. Nesta disputa, tem-se a morte e/ou encarceramento de pessoas
pretas e pobres, sem o fim do comércio de drogas.
O processo de proibicionismo de
determinadas drogas ocupa lugares como a proibição de determinadas substâncias
em rituais religiosos, como nas religiões de matrizes africanas e indígenas e
no Santo Daime, que, com o processo de proibição e criminalização de
determinadas drogas, aliado à moralidade cristã e ao racismo religioso, tem
seus usos condenados, alimentando assim o proibicionismo a determinadas
substâncias, plantas ou drogas (Macrae, 2008).
A construção de uma divergência
entre as drogas que podem ser usadas em detrimento de outras ganha o aparato
médico-jurídico da proibição, endossado fortemente pela Segurança Pública, no momento em que a corrida capitalista avança para lucrar
com as drogas. Logo, a classificação das drogas lícitas e ilícitas ou boas e
ruins atua no campo do capital e opera na lógica da criminalização do acesso e
dos sujeitos (Bergeron, 2012).
A classificação das substâncias atende muito mais a fatores
econômicos e morais do que farmacológicos. As substâncias hoje proibidas, não
têm características semelhantes entre si e nem guardam potencial similar de
produzir abusos ou dependência, como é o caso da maconha e da cocaína, ambas
proibidas (Ferrugem, 2019, p. 46).
A compreensão do que ganha força no
debate se dá na construção do proibicionismo às drogas, tornando as substâncias
proibidas potencialmente letais ao capital, enxertando contornos de gravidade
que alimentam o sistema capitalista na criminalização de substâncias e de
corpos.
Ao pensar os usuários de drogas na
licitude ou na ilicitude do termo, faz-se notória e necessária a compreensão da
hierarquia racial sobre tais corpos, que definirá pela raça/classe/gênero os
usuários e os traficantes de droga (Ferrugem, 2019). É de fundamental
importância a compreensão de que o olhar sobre os usuários de drogas se dá pela
moralidade, pela criminalização e pelo proibicionismo das drogas, atravessados pelo
racismo estrutural e institucional no exercício do poder sobre alguns corpos.
Com isso, a construção do cuidado com os usuários de drogas se dá sobre esses
termos, logo se sabem os corpos capturados para as instituições manicomiais e
proibicionistas como as CTs, contudo já há um esforço na militância e na
academia, na busca por romper com os olhares estigmatizantes, racistas,
opressores, farmacológicos e judiciais sobre os usuários de drogas.
2 As
Comunidades Terapêuticas como retrocesso
É a partir dos anos 2000, mais
precisamente no ano de 2003, que o debate sobre a atenção aos usuários de
drogas, no Brasil, ganha espaço e responsabilidade no campo da Saúde Pública,
com a Política
do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras
Drogas (PAIUAD), como rumo para o exercício do cuidado, por meio do
reconhecimento da cidadania dos usuários de drogas, da atenção no território e
pautada na estratégia da redução de danos; na luta por se desvincular do traço
proibicionista das ações realizadas no campo da droga, sob a intervenção da
Segurança Pública e do Ministério da Justiça (Prudencio,
2019).
Antes da PAIUAD, o que se tem
para a intervenção, no campo das drogas, são as instituições totais, como os
manicômios, e nelas se localizam as CTs, que ganham espaço na atenção aos usuários de álcool e
outras drogas no Brasil, desde os anos de 1960. Tais instituições sempre
tiveram, como marca da terapêutica ofertada, a religiosidade, o trabalho e a
disciplina via internação, com uma prática baseada na abstinência, no
isolamento social em área rural e distante das drogas.
O modelo de cuidado
proposto pelas CTs ancora-se em três pilares – a saber, trabalho, disciplina e
espiritualidade –, combinando saberes técnico-científicos (médicos, psicológicos
e socioassistenciais) com práticas espirituais. O exercício do trabalho é
entendido como terapêutico (laborterapia), consistindo tanto das tarefas de
manutenção da própria comunidade, como de atividades produtivas e de geração de
renda. As práticas espirituais, por sua vez – levadas a efeito com ou sem o
apoio de igrejas e organizações religiosas –, buscam promover a fé dos internos
em um ser ou instância superior, vista como recurso indispensável, seja para o
apaziguamento das dores e sofrimentos dos indivíduos, seja para o seu
enquadramento moral (Perfil [...], 2017, p. 08).
As
referidas instituições sempre compuseram os serviços de atenção aos usuários de
álcool e outras drogas, ganhando força ainda maior ao serem citadas em documentos
oficiais estatais, tais como na PAIUAD; na Portaria n. 3.088/2011, que
instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (Raps); no programa Crack é Possível
Vencer; e na Portaria n. 3.588/2017, que declara a Nova Raps; assim como
as CTs são mencionadas nos documentos e nas normativas que destacam e/ou
tensionam os serviços para o cuidado no campo das drogas como instituições de
acolhimento e de tratamento aos usuários de drogas.
Cabe
destacar que as CTs ocupam espaços na atenção com financiamento público e/ou
privado e em certas instituições com financiamento próprio, como afirma a
pesquisa do Ipea (Perfil [...], 2017), mantendo sua base religiosa de ação e
vinculação às igrejas, em sua maioria, de base cristã, com a oferta da cura
das drogas ou de salvação do vício. Distanciando-se da compreensão
do tema das drogas como questão de Saúde Pública, atenção psicossocial e
compreensão dos usos.
Desde os
anos 2000, ganham força as preocupações quanto à lógica das CTs, bem como as
críticas ao seu modelo conservador, asilar, religioso e violador de direitos,
na contramão do caminho do cuidado que atenda à lógica da atenção em meio
aberto, comunitário, respeitoso e pela compreensão dos usos de drogas. Nesse
mesmo contexto, avançava-se na construção da atenção aos usuários de drogas
sobre os ideários da Reforma Psiquiátrica e a orientação da estratégia de
redução de danos sociais e à saúde, e também crescia o
número de serviços assistenciais via SUS. Como aponta Gomes (2017):
Dados do Ministério da
Saúde referente ao período compreendido entre os anos de 2002 e 2014 informam
um expressivo crescimento da rede de atenção psicossocial. Em 2002, o país
contava com um quantitativo de 424 Centros de Atenção Psicossociais (CAPS),
passando para 2.209 no ano de 2014, o que representa um aumento de mais de 500%
(Gomes, 2017, p. 57).
É no solo
fértil das ações substitutivas em saúde mental, com a expansão dos Centros de
Atenção Psicossocial, em suas diferentes modalidades, que as CTs ganham
críticas às suas práticas terapêuticas pautadas no modelo asilar, manicomial e
proibicionista, conforme aponta o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos
Humanos (Conselho Federal de Psicologia, 2011, p. 193): “[...] o pressuposto da
exclusão e do banimento da vida coletiva como regra, além, é claro, da
reificação da saúde, já que tais práticas se propõem a ser cuidado em saúde, em
objeto mercantil”. Todavia,
a construção da atenção psicossocial aos usuários de álcool e de outras drogas,
por meio da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, pautada
nos princípios do cuidado no território e pela orientação da estratégia de
redução de danos, ganha contornos controversos no Brasil, de forma mais contundente
a partir de 2015.
Os rumos
dados à Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, a partir de
2015, alimentam-se dos rumos manicomiais e proibicionistas que afrontam os
ideários da Reforma Psiquiátrica em curso, como nomeou Passos et al.
(2020), em um processo de remanicomialização, com a convocação maciça por
espaços asilares e internações para o trato das questões de saúde mental. Assim,
a questão das drogas retorna ao espaço do cuidado como caso de polícia, como
aponta o Conselho
Federal de Psicologia (2011).
Temos,
como precursor da desassistência nesse campo, a nomeação de Valencius
Wurch para a Coordenação Nacional de Saúde Mental, um
dos representantes da gestão do maior manicômio privado da América Latina, a
Casa de Saúde Dr. Eiras. O referido manicômio foi responsável por inúmeras
denúncias de violação de Direitos Humanos e maus-tratos por décadas (1963-2012)
e o seu fechamento possibilitou a inauguração de uma nova terapêutica do
cuidado na Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro, por meio do
surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial, da contratação e da formação de
trabalhadores da saúde mental, bem como da construção da Rede de Atenção
Psicossocial na região, processo que se espraiava por todo o estado do Rio de
Janeiro (Prudencio, 2019).
Com a
instauração do golpe contra o governo de Dilma Roussef, tem-se uma sequência de
ataques à Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, como a
Resolução n. 32, de 14 de dezembro de 2017, e posteriormente a Portaria n.
3588/2017, que reinaugura a Raps com a Nova Raps, construída às
escondidas, sem a contribuição dos envolvidos com a Política de Saúde Mental e
distante dos ideários da Reforma Psiquiátrica, logo, uma rede pensada para a
evocação do modelo hospitalar, asilar, manicomial e proibicionista, com uma
severa centralidade nas CTs no que tange ao financiamento e à abertura
de novos leitos, deixando nítido o direcionamento do cuidado destinado aos
usuários de álcool e outras drogas sob a lógica da remanicomialização.
As CTs
tornam-se o campo privilegiado da atenção aos usuários de drogas após 2017 e
representam o cuidado desenhado pelo Governo Federal, que ganha contorno
ainda mais conservador e repressor após 2019, em uma lógica do cuidado calcado
na substância, na violação dos Direitos Humanos, no trabalho forçado, na
religiosidade, no trato moral e na abstinência, como o caminho para a cura
das drogas, distanciando-se do proposto em 2003, quando a atenção passa a
ser pensada pela Saúde Pública, por meio do Ministério da Saúde.
Ou seja, na sua
maioria, as CT fazem-se ilhas isoladas do resto do mundo, nas quais os conflitos
da sociedade são esquecidos. Em muitas delas o acesso a meios de comunicação em
massa são restritos. Em vez de discutir os conflitos reais, aborda-se apenas o
mundo inconsciente, o que significa a troca da negação cotidiana do
inconsciente pela negação comunitária do consciente e da realidade. Muitas
vezes, acaba por cair no ‘psicanalismo’ – exageros da
psicodinâmica – no qual comportamentos e regras de convivência ficam totalmente
ligados a interpretações. E, interpretar e verbalizar permanentemente as ações
das pessoas fora de um contexto psicanalítico significa o policiamento da vida
(Damas, 2013, p. 58).
Neste
mesmo contexto, é lançado o Relatório da Inspeção Nacional em CTs – 2017, no
ano de 2018, elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional
de Prevenção e Combate à Tortura e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
/ Ministério Público Federal; após visita a 28 CTs no Brasil. O referido
relatório retoma, reforça e amplia as denúncias sobre a proposta das CTs,
apresentadas no Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos (Conselho
Federal de Psicologia, 2011) no que tange o caráter asilar, internações
involuntárias e compulsórias, terapêutica ofertada, equipes profissionais e
violação dos Direitos Humanos.
Cabe destacar
que a compreensão do caráter asilar se apresenta no isolamento e restrição do
convívio social com base no cerceamento do direito de ir e vir e do cuidado
junto à família, comunidade e trabalho. Aliado a uma internação com prazo
extenso, sem visita familiar (em especial nos primeiros 15 dias) ou visitas
restritas, assim como cerceamento de acesso à documentação, uso de telefone e
infraestrutura que dificultam a saída e o contato com sujeitos fora das CTs.
Além disso, estão inseridos em espaço com a marca do difícil acesso, muros,
portões, trancas e controle da saída. Importante sinalizar que tal prática se
coloca contrária à Lei 10.216/2001 que expõe o cuidado através das modalidades
de internação quando os recursos extra-hospitalares foram insuficientes.
O
relatório de 2018, ao tratar do tema internação, assim como o relatório de
2011, relatam que as CTs utilizam das três modalidades de internação
(internação compulsória, involuntária e voluntária). As internações
compulsórias, sendo tratadas como caso de justiça com aval médico e utilizadas
muitas vezes para os casos de aprisionamentos de adolescentes usuários de
drogas (medida irregular), representam a não utilização desta modalidade de
internação como possibilidade de cuidado em saúde. Já sobre a internação
involuntária é possível observar que 90% das CTs inspecionadas em 2017 não
informam ao Ministério Público a modalidade de internação e não possuem
registro dos laudos médicos, medidas obrigatórias para a internação
involuntária. Tais fatos, caracterizam a não inspeção das CTs e a desobrigação
das instâncias necessárias para a fiscalização do cumprimento do cuidado.
Nota-se,
ainda, que a maioria das CTs aponta realizar a internação voluntária, todavia a
forma como tais internações são apresentadas nos relatórios configuram privação
de liberdade, cárcere privado e violação do direito de ir e vir; não atendendo
ao disposto na Lei n. 10.216/2001 (Brasil, 2011).
Sobre a
terapia ofertada e as equipes profissionais, observa-se a dificuldade de ações
pensadas de forma multidisciplinar e a informação de que o modelo privilegiado
para o cuidado é a abstinência total, respaldado por referências a práticas
religiosas. Além disso, também afirmam o recurso à laborterapia (aqui
compreendida como trabalho forçado e não remunerado) e os 12 passos ou
Método Minessota.
[...] demonstramos que
a base das comunidades terapêuticas está na articulação entre abstinência,
religiosidade e laborterapia. Fica patente, com isso, que há um padrão geral de
cuidado que não tem como norte a singularidade do projeto terapêutico para cada
pessoa, requerida pela legislação de saúde mental, como veremos a seguir
(Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público
Federal, 2018, p. 76).
A
violação dos Direitos Humanos se apresenta como forma existencial nas CTs,
pois, para além das linhas aqui já apresentadas, o Relatório da Inspeção
Nacional em CTs – 2017 (Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do
Ministério Público Federal, 2018) também tratará da violação da liberdade
religiosa, exploração pelo trabalho forçado e não remunerado, uso de força e
contenção, tortura e prática de revista; tudo isto aliado a uma infraestrutura
precária. A análise do Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos
(Conselho Federal de Psicologia, 2011) e do Relatório da Inspeção Nacional em
CTs – 2017 (Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério
Público Federal, 2018) nos subsidia com elementos gritantes sobre a atual
condição degradante das CTs e apresenta a total impossibilidade de mantê-las à
frente do cuidado de usuários de álcool e outras drogas, sob as orientações
política e de saúde apontadas pelos ideários da Reforma Psiquiátrica.
Mesmo no
cenário apresentado pelos relatórios aqui analisados, ao pensar a
financeirização das CTs, o estudo do Ipea (2021) apresenta análises acerca da
Política sobre Drogas com o marco temporal de 2005 até 2019. O referido estudo
aponta caminhos preocupantes sobre o desfinanciamento
nesse campo, no que se refere à construção de uma assistência em saúde mental
pautada no cuidado em rede e orientada pela estratégia de redução de danos, ou
seja, por meio dos serviços ofertados pelo SUS. No entanto, revela que o
financiamento das ações propostas pelo Ministério da Saúde sempre esteve aquém
do financiamento destinado ao Ministério da Justiça, reafirmando a lógica
proibicionista para o trato da questão. Tal informação coaduna o esperado no
contexto do desmonte expressivo no trato da atenção aos usuários de drogas, com
significância no período posterior a 2015, já destacado aqui.
Entretanto,
como aponta Prudencio e Senna (2022), é de 2013 até
2017 que se muda a lógica do financiamento público na comparação entre
Ministério da Saúde e Ministério da Justiça, anos importantes para o
fortalecimento da Raps e para a ampliação das CTs, as quais ganham aumento no
financiamento de 2013 a 2017, com a falaciosa ideia de uma epidemia do crack,
financiada pelo Governo Federal, por meio do programa Crack é Possível Vencer e da disputa pela internação involuntária de
usuários de crack nas CTs, para a higienização dos grandes centros, como
princípio das ações disseminadas e aprovadas pelo Ministério da Cidadania.
O incentivo orçamentário
a partir do programa de combate ao crack através do ‘Crack é Possível Vencer’
chegou a acumular R$ 84,9 milhões conforme aponta a análise realizada pelo IPEA
(2021), tal valor representa o somatório de 4 anos e só em 2017 a execução
orçamentária para este programa atingiu 126,2% e para a RAPS 112,8% (Prudencio; Senna, 2022, p. 169).
Alimentando
ainda o fortalecimento das CTs, temos uma virada orçamentária após 2017, que
possibilita o desmonte da política de saúde mental, em especial os CAPS Ad, e
legitimam o proibicionismo às drogas com forte financiamento para ações do
Ministério da Justiça e do Ministério da Cidadania (Análise [...], 2021).
Cabe
destacar que o protagonismo dado às ações de repressão resvala na compreensão
moral e criminosa sobre o trato a esse tema e auxilia o entendimento da
remanicomialização e do encarceramento de usuários de drogas, com forte reflexo
no campo da raça/classe/gênero, tão presente nos ideários das CTs e dos que as
defendem.
3 As
Comunidades Terapêuticas em tempos ultraneoliberais
Com a
entrada de Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República, em 2019, a
lógica manicomial e moral-religiosa, com o slogan Deus acima de tudo,
Brasil acima de todos,
ganha lugar central para o campo
do álcool e outras drogas na Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas com um total desfinanciamento e sucateamento
da maioria dos serviços que compunham a Raps, em contraposição ao aumento do
financiamento das CTs. Uma das ações que colaboraram para o debate acerca das
CTs e seu papel de internação é a promulgação da Lei n. 13.840/2019 Brasil(2019b),
entendida como a Nova Lei Sobre Drogas, que reafirma e localiza as CTs
como protagonistas do cuidado de usuários de álcool e outras drogas. Além
disso, suaviza as atrocidades inerentes às CTs, com a nomeação das instituições
como Comunidades Terapêuticas Acolhedoras, e afirma a não oferta de
ações de cunho forçado e as internações involuntárias, destacando funções
similares às das Unidades de Acolhimento, como bem aponta Montenegro et al.
(2022).
Destaca-se
que, com a ampliação do financiamento dessas instituições, tem-se a legitimação
do desmonte da Raps, a convocação à abstinência total em detrimento da
estratégia de redução de danos, o fomento à repressão e ao proibicionismo às
drogas e aos usuários de drogas. Têm-se, como resultado, ações contrárias aos
ideários da Reforma Psiquiátrica e ao trabalho desenvolvido pelos CAPS Ad, a
convocação à lógica do aprisionamento e a internação involuntária como recurso
possível para as CTs e a legitimação de instituições conservadoras, moralistas,
opressoras e violadoras de Direitos Humanos como espaços principais de cuidado
aos usuários de álcool e de outras drogas, que ganham notório destaque
político, social e econômico no ano de 2019 e são inscritas na Política
Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas.
O
Ministério da Cidadania apontou, em 2020, a estimativa de que, em 2018, havia
cerca de 2.900 leitos em CTs, passando para 11 mil, em 2019, e 20 mil, em 2020.
Com R$ 153,7 milhões em financiamento público em 2019, indo para R$ 300 milhões
em 2020, totalizando 442 CTs no Brasil, em 2019, conforme aponta o Mapa das
Comunidades Terapêuticas[1].
Essas instituições ainda obtiveram financiamento extra, oriundo do Ministério
da Mulher, Família e Direitos Humanos, no valor de R$ 10,2 milhões para a
abertura de mais 1.400 leitos nas CTs já credenciadas, quando tais instituições
passam a ser referências no acolhimento de pessoas em situação de rua na
pandemia.
Cabe
pontuar que o recurso da pandemia foi preponderante para a ampliação do
financiamento das CTs nesse contexto, pois, com a justificativa do ficar em
casa e do distanciamento social, abriram as portas para os sem abrigo, utilizando
as CTs como espaço de acolhimento, via política de assistência social, e
justificando o aumento de financiamento público para estas instituições. Logo,
o discurso alimentado pelo financiamento da cura das drogas, da cura
terapêutica ou da salvação do vício declara espaço na agenda do
Governo Federal para as CTs, reafirmando total apoio.
No momento
em que a atenção em saúde oferta apenas a garantia da sobrevivência alimentada
pelo descaso do olhar sobre a integralidade dos sujeitos assombrados pela
possibilidade da morte de si e da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e
Outras Drogas, tem-se, como marca, o insano, o antissocial e o antidemocrático
no olhar sobre os usuários de álcool e outras drogas, por não se permitir um
cuidado que atenda às demandas políticas, sociais e econômicas desses.
É nesse
contexto, de medo e morte, que retorna o debate para a votação do Projeto de Lei
n. 565, de 2019, do deputado estadual e pastor Samuel Malafaia, com a proposta
de as CTs se tornarem política social permanente, a partir de 2021. O projeto
de lei ainda se encontra em tramitação e causa indignação aos estudiosos e
militantes, pois apresenta a possibilidade do desmonte total dos serviços do
SUS, com o fim dos CAPS Ad e a indicação das CTs como serviços de referência
para o cuidado no campo do álcool e outras drogas.
Os tempos ultraneoliberais marcados pelo acirramento do
neoliberalismo, pelo neofascismo, pelo neoconservadorismo e pelo
recrudescimento de atos antidemocráticos no contexto da pandemia de COVID-19,
em um momento em que o vírus matou menos que as desigualdades sociais, vão
permitir a ampliação e a estabilidade das CTs no Brasil. Com ações
governamentais que materializam a desproteção social aliada a uma política de
morte que se faz pela cobiça capitalista de desmonte das políticas sociais com
recurso às instituições privadas, como as CTs. Observa-se que “[...] nunca as políticas sociais, o Estado presente no
campo social, interferindo na economia e regulando mercados, foi tão importante
para salvar vidas”
(Pereira; Pereira, 2021, p. 46).
No momento
mais adverso para a temática, observa-se o chamamento para três editais com
financiamento destinado às CTs, ao longo de 2022, todos declarando o fomento a
instituições da sociedade civil para a assistência a sujeitos em usos
prejudiciais de álcool e outras drogas e/ou dependência química, com idade
entre 18 e 59 anos. Os editais ainda informam que os recursos poderão ser
utilizados para a contratação de equipe, de manutenção e de melhoramento de
infraestrutura, alimentação, passagem, diária dos usuários dentre outros
termos.
No Edital
de n. 003/2022, do Ministério da Cidadania, junto à Secretaria Nacional de
Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), não são
mencionadas as CTs ao longo do texto, porém, isso é feito nos termos e na
caracterização dos tipos de instituições. Cabe destacar que esse é o único
edital em nível nacional, com a proposta de R$ 10 milhões, atendendo até 30
instituições com repasse de R$ 300 mil. Não foi possível localizar a publicação
dos resultados conforme prazo e local indicado pelo edital, para trazer as
análises a este artigo.
O Edital
de n. 001/2022, por meio da Subsecretaria de Dependência Química (Sepredeq), que compõe a Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social e Humano, oferta 555 vagas em CTs, com valores não
disponíveis em edital e diário oficial. O referido edital menciona que as vagas
são divididas em lotes, os quais são oferecidos em mais de um local, no estado
do Rio de Janeiro. Dessa forma, contemplou-se 21 CTs nos seguintes municípios:
Rio de Janeiro, sendo nove instituições; Seropédica, quatro; Nova Iguaçu, duas;
Japeri, duas; Paracambi, uma; Magé, uma; Itaguaí, uma; e Petrópolis, uma. As
instituições habilitadas possuem capacidade de acolhimento de 20 a 140
sujeitos, entretanto o edital financia a oferta de até 50 usuários em CTs
específicas.
Outrossim,
o Edital n. 04/2022, divulgado pela Secretaria Municipal de Assistência Social
do município do Rio de Janeiro, em outubro de 2022, apresenta, como valor
mensal, R$ 390 mil, totalizando, em 12 meses, R$ 4.680 milhões para o público
de 300 adultos. Pontua-se que tais editais se destinaram às instituições
localizadas no estado do Rio de Janeiro. Diante disso, cabe destacar que o
Edital n. 4/2022 habilitou sete CTs majoritariamente localizadas no município
do Rio de Janeiro, sendo seis instituições filiais. Ademais, a análise dos
editais chama a atenção para o fato de que as instituições podem se inscrever
em mais de um edital e, se aprovadas, recebem financiamento de editais
diferentes com a mesma finalidade, independentemente do serviço prestado.
É de
fundamental importância a compreensão desses editais no contexto em que as CTs
ganham espaço no fundo público e na sociedade, pois, como aponta a informação
técnica de n. 1.014/2020, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e
do Centro
Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap), o recurso que circula por essas
instituições é de uma amplitude que não conseguimos mensurar diante da ausência
ou da precarização na fiscalização. Além disso, o estudo realizado pelo Cebrap
(2022) afirma que o valor estimado de financiamento para as CTs já as
caracteriza como política pública, o que é gravíssimo diante do desmonte que os
serviços do SUS estão sofrendo. As informações das CTs são de difícil acesso,
tanto no que tange ao financiamento, quanto à terapêutica ofertada, logo, não
há transparência nas ações desenvolvidas e na alocação de recursos, o que
alimenta a incompreensão e a incoerência sobre essas instituições e nos faz
reivindicar ainda mais uma fiscalização exaustiva sobre elas.
Porém,
mesmo com todas as denúncias sobre as CTs, em janeiro de 2023, cria-se, no
Governo Lula, o Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, ligado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência
Social, Família e Combate à Fome, com a tônica do vigiar, qualificar e
fortalecer instituições que historicamente se aliam à repressão, à punição, à
violência e à violação de direitos. Militantes, estudiosos e organizações já
manifestam seu repúdio a tal departamento por meio das redes sociais e cabe o
destaque de que isso expressa um governo que entende, de forma aligeirada, o
campo do álcool e outras drogas e reforça ações manicomiais, proibicionistas,
racistas e criminalizantes para o trato dos usuários de álcool e outras drogas,
bem como menospreza todo o trabalho desenvolvido, até hoje, pelos Centros de
Atenção Psicossociais – álcool e outras drogas e suas equipes que, em grande
maioria, prezam por um cuidado no território, com reconhecimento de cidadania e
aliado a estratégias de redução de danos.
Diante disso, pensar a
Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas com o olhar sobre as
CTs é um exercício constante de compreensões e incompreensões de práticas que
se engessam em intervenções que não dialogam com a luta antimanicomial,
antiproibicionista e antirracista.
Considerações Finais
A atenção
aos usuários de álcool e outras drogas sofre profundos ataques desde 2015, com
a indicação de Quirino para a Coordenação Nacional de Saúde Mental. É a partir
desse marco que se observa uma avalanche de retrocessos e de desmontes a um
cuidado que produz inserção social, reconhecimento de cidadania, olhar integral
sobre o sujeito e redução de danos e de riscos.
As CTs,
como fonte inesgotável de violação de direitos humanos, ganham cena e fundo
público no momento em que agentes importantes estão à
frente do não cuidado no campo das drogas, como possibilidade de realçar o
manicômio, o proibicionismo e o encarceramento de corpos pobres e negros.
Em tempo ultraneoliberal, com o avançar do neoconservadorismo, de
traços do fascismo e fortalecimento de ações antidemocráticas, tem-se o terreno
fértil para avançar na hostilidade contra os usuários de álcool e outras
drogas, por meio da oferta terapêutica em instituições que prezam pelo não
cuidado. Além disso, mesmo que o atual governo não se intitule como
conservador, oferece apoio declarado às CTs através da criação do Departamento de Apoio às
Comunidades Terapêuticas,
colocando-nos atentos e fortes na luta por uma sociedade sem manicômios, antiproibicionista, anticárcere e
antirracista.
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________________________________________________________________________________________________
Juliana Desiderio Lobo PRUDENCIO Trabalhou na concepção, delineamento, análise
e interpretação dos dados; redação do artigo e revisão crítica; e na aprovação
da versão a ser publicada.
Doutora em Política
Social pela UFF (2019); Mestra em Política Social pela UFF (2008); Bacharel em
Serviço Social pela UFF (2005); Professora adjunta no Departamento de Serviço
Social de Campos dos Goytacazes e professora permanente do Programa de Estudos Pós-graduados
em Política Social (UFF- Niterói). É líder do Núcleo de Estudo e Pesquisa em
Saúde Mental, Álcool e outras Drogas ( NEPSAD - CNPQ) e participa como
colaboradora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e
Saúde (GRIPES - CNPQ) e Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Serviço
Social e Saúde (NUEPESS - CNPQ), onde desenvolve atividades de pesquisa e
extensão sobre os seguintes temas: serviço social, processo de trabalho na
política de saúde mental, política social, saúde mental, álcool e outras
drogas, rede de atenção psicossocial, pessoa em sofrimento psíquico,
"guerra às drogas", proibicionismo, manicomialização
e encarceramento.
Laís Santos THEODORO Trabalhou na concepção, delineamento, análise e
interpretação dos dados; redação do artigo e revisão crítica.
Graduanda em Serviço
Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF/Campos); bolsista FAPERJ na
pesquisa Política de Drogas e Comunidades Terapêuticas – CTs na Região Norte
Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, participa como colaboradora no Núcleo
de Estudo e Pesquisa em Saúde Mental, álcool e outras drogas (NEPSAD - CNPQ) e
integrante do grupo de pesquisa Política de Drogas e as Comunidades
Terapêuticas no Estado do Rio de Janeiro.
Victoria Lavignia
Oliveira BAQUEIRO Trabalhou na concepção,
delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do artigo e revisão
crítica
Assistente Social em estágio
de residência em Serviço Social na Saúde Mental pela UERJ (2023/2024), Bacharel
em Serviço Social pela UFF- Campos (2022) e participa como colaboradora no
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Saúde Mental, álcool e outras drogas (NEPSAD -
CNPQ).
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* Assistente Social. Doutora em Política Social.
Docente no Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal Fluminense.
(UFF, Campos, Brasil). Rua José do Patrocínio, nº 71, Centro, Campos dos
Goytacazes, (RJ), CEP.: 28010-385.
E-mail: julianalobo@id.uff.br.
** Discente do Curso de Serviço Social, da Universidade
Federal Fluminense. (UFF, Campos, Brasil). Rua José do Patrocínio, nº 71,
Centro, Campos dos Goytacazes (RJ), CEP.: 28010-385. Bolsista FAPERJ. E-mail: laistheodoro@id.uff.br.
*** Assistente Social. Residente em Serviço
Social na Saúde Mental pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. (UERJ, Rio
de Janeiro, Brasil). Rua São Francisco Xavier, nº 524, Maracanã, Rio de Janeiro (RJ),
CEP.: 20550-013. E-mail: victorialavigniaobaqueiro@gmail.com.
© A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial. O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
[1] Para saber mais, ver:
COMUNIDADES Terapeuticas contratadas pelo Ministério
da Cidadania. Brasília (DF): Ministério da Cidadania, [20--]. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/app-sagi/geosagi/localizacao_equipamentos_tipo.php?
tipo=comunidades_terapeuticas&rcr=1. Acesso em: 11
set.2023.