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Saúde mental em tempos de ultraneoliberalismo

 

Mental health in ultra-neoliberal times

 

Lidiany de Lima CAVALCANTE*

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Descrição gerada automaticamentehttps://orcid.org/0000-0003-0477-6386

 

Maria Isabel Barros BELLINI**

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-1680-5009

 

Resumo: O processo de agudização da barbárie permeado pelo conservadorismo, reacionarismo e as faces da discriminação trouxeram à tona não somente a amplificação do cenário de violência e fome, mas também as plataformas antes silentes no que se refere ao adoecimento psíquico.  O artigo objetiva tecer discussões acerca da saúde mental em tempos de ultraneoliberalismo, o qual emergiu de forma mais efetiva com a ascensão da extrema direita na realidade brasileira. Por meio de uma reflexão teórica, com o uso de dados secundários, o estudo vislumbra o cenário de necropolítica potencializado cotidianamente na arena da saúde mental e seus rebatimentos na sociedade, frente ao capitalismo em sua face mais voraz.

Palavras-chave: Saúde Mental. Ultraneoliberalismo. Necropolítica.

 

Abstract: The process of worsening barbarism, permeated by conservatism, reactionism and facets of discrimination, has exposed not only how violence and hunger have intensified, but also amplified previously silent platforms related to psychological illness. The article discusses mental health in ultra-neoliberal times, which increasingly emerged with the rise of the extreme right in Brazil. Through theoretical reflection, with the use of secondary data, the study reveals a scene of necropolitics, potentiated daily in the mental health arena, and in its repercussions on society, in the face of the most voracious form capitalism.

Keywords: Mental Health. Ultra-neoliberalism Necropolitics.

 

Submetido em: 31/01/2023. Revisto em: 5/4/2023 e 11/6/2023. Aceito em: 12/6/2023.

 

 

 

 

Introdução

 

O

sistema capitalista descortina as agruras evidenciadas pelas expressões da questão social. As discussões envolvem a economia, a historicidade social, as plataformas e a cultura do reconhecimento, contudo a realidade da sobrevivência humana atinge ápices cada vez mais desafiadores. A fome, a violência e a desproteção social assombram o cotidiano, logo, há um desafio silencioso que se espraia na subjetividade do sujeito, envolto por tabus e preconceitos. Trata-se do sofrimento mental, que teve seu véu retirado de forma mais abrangente no contexto pandêmico, e se revelou como questão social de urgência no âmbito da sociabilidade capitalista.

 

O artigo objetiva discutir sobre a realidade do adoecimento mental em tempos de agudização da barbárie sob a ótica ultraneoliberal evidenciada na realidade brasileira, assim como os seus rebatimentos nas políticas de saúde mental em cenário de necropolítica potencializada no governo Bolsonaro. Com aporte metodológico elencado em uma reflexão teórica baseada em uma pesquisa de enfoque misto, que de acordo com Prates (2012), difere-se de análises que sejam apenas quantitativas ou qualitativas, tendo em vista que considera características de ambos os tipos de pesquisa, com articulação de dados que ora assumem perspectivas estatísticas ou numéricas, ora fundamentam argumentos qualitativos, necessários para compreensão da problemática em questão. Dentre as fontes de dados secundários que fomentaram o caráter misto da análise, pode-se expressar a pesquisa com base nos relatórios da Organização Mundial de Saúde, Organização Pan-americana de Saúde, Ministério da Saúde, dados quantitativos expressos no Portal da Transparência do Governo Federal e SIGA Brasil, sendo o último, um sistema que contempla informações sobre orçamento e planejamento em nível federal.  

 

O estudo se debruça sobre o sistema capitalista contemporâneo, as expressões da questão social evidentes, o silenciamento sobre a discussão do adoecimento mental, os dados sobre orçamento na área de saúde, assim como os desafios efetivos na implementação de uma rede de atenção psicossocial que de forma efetiva possa atender as demandas da população brasileira. Tecer críticas sobre a problemática da saúde mental se faz relevante, com vistas a ponderar os limites, como também as possibilidades que pudessem nos colocar no rumo de uma ordem societária. Devaneio? Talvez. Mas como diria Carlos Drummond de Andrade: “[...] tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”.

 

Capitalismo em Tempos de Agudização da Barbárie

 

Hodiernamente, o sistema capitalista parece ter atingido o ápice no processo de ebulição. A amplificação do exército industrial de reserva, assunto discutido por Marx na segunda metade do séc. XIX, apresenta não apenas a atualidade, como também a presencialidade do que foi elencado como realidade há quase duzentos anos. O Brasil adensa o caldo do desemprego com dados que chegaram a mais de 14 milhões de pessoas durante a pandemia. O resultado desse contexto é o aumento da pobreza e o retorno do Brasil ao mapa da fome. Neri (2022) aponta que em 2021, 62,9 milhões de pessoas passaram a viver com renda per capta de R$ 497,00 ao mês, o que representa cerca de 30% da população brasileira em situação de vulnerabilidade, o que ocasiona a insegurança alimentar.

 

As agruras do capital também se refletem nas plataformas das expressões de violências. O Brasil é o quinto país em maior quantitativo de feminicídios no mundo e apresenta o primeiro lugar no respectivo ranking entre os países da América Latina (Organização Panamericana de Saúde, 2022). A escalada da violência se amplifica em todas as suas faces, pois a cada vinte e três minutos morre um jovem negro no Brasil. Esse é o reflexo de que a população pobre, preta e de periferia sente primeiro.

 

Com a ascensão da extrema direita no Brasil, a discussão sobre direitos humanos passou a ser associada ao comunismo, palavra esta tratada de maneira disforme pelo viés do senso comum e da criminalização, fator legitimado pela gestão maior do Estado brasileiro. Para Marx (2015), o comunismo deve ser considerado como um fator real e necessário para a emancipação do homem e se potencializa “[...] pela expressão positiva da propriedade privada superada; antes de tudo, a propriedade privada universal” (Marx, 2015, p. 341). Logo, caracteriza a superação da autoalienação, seja no viés da família, religião ou outros aparelhos ideológicos existentes na égide do sistema capitalista. Tal quadro pode ainda não se efetivar no comunismo rude, porém, certamente no seu processo de aperfeiçoamento a partir da busca pela emancipação humana efetiva.

 

A barbárie agudiza-se de forma que as expressões da questão social são banalizadas e vislumbradas como resultados de uma população que se perpetua no marasmo. O contexto do conservadorismo tem suas bases elencadas por Edmund Burke (1982) e que reforçam a tese de que para alcançar algo é preciso buscar, apontando a meritocracia como fundamento e as conquistas como fim, em que o homem, no sentido genérico, deve exercer a liberdade na busca, dentro das prerrogativas legais e limitadas à perspectiva do devir conservador, de ordem social burguesa, balizada pela naturalização da desigualdade. Entretanto, olvida-se que em um sistema desigual, nos quesitos de acesso à saúde, educação, previdência, assistência social e demais protoformas de políticas de inclusão, não há como tratar de maneira igual os desiguais, como já dizia Aristóteles (2001).

 

A barbárie não apenas se recria, como assenta-se no cotidiano humano, alicerçada pela espetacularização da vida, fenômeno que Debord (2007)) afirma ser capaz de conceber as aparências como afirmações, essas massificadas e conduzidas como realidade. Todavia caracterizam-se como elementos pseudoconcretos. As redes sociais podem trazer a referida caracterização, com a espetacularização expressa por meio de mensagens, vídeos e textos que apregoam a indústria das fake news na contemporaneidade.

 

No processo de espetacularização, algumas vidas são consideradas mais dignas de serem vividas, enquanto outras, são relegadas ao ostracismo ou até mesmo submetidas ao processo de morte social, como aponta Agamben (2007) ao retratar o homo sacer, como homem (genérico) que detém uma vida sagrada na égide biológica, a qual não se deve eliminar pelas prerrogativas legais. Porém, a vida torna-se matável socialmente, a partir da constituição de juízos, por exemplo; o autor afirma ainda que as mortes sociais são oriundas da criação de campos de concentração ideológicos, os quais são erguidos cotidianamente e podem alicerçar dentre outras coisas, os preconceitos, as discriminações e sobretudo, discursos de ódio.

 

No processo de sociabilidade capitalista, o homo sacer deixa de existir como protagonista. Ao abrir as cortinas do teatro da vida, avalia-se que o homem constrói sua própria história, todavia, como disse Marx (2011b), não a faz da maneira que gostaria, pois há questões do passado que evidenciam a constituição das realidades presentes e as gerações mortas fazem-se presentes nas ações cotidianas dos vivos.

O rumo na construção do processo histórico depende do lugar humano na sociedade de classes, já que há variáveis que podem ou não ser de acesso humano. A luta de classes, a disputa por território, a legitimação da violência, as discriminações e criminalização das demandas populacionais, dentre outras problemáticas, corroboram com o fazer histórico-social na constituição das desigualdades. Nesse âmbito, escrever a própria história é ousar diante de um sistema excludente, alienador e controlador.

 

O resultado se espraia na caracterização da necropolítica, que de acordo com Mbembe (2016), evidencia-se quando um governo decide quem merece viver ou não, quem pode ter acesso a algo ou manter-se-á à margem da sociedade. As considerações são parte da realidade brasileira, principalmente a partir da emergência da extrema direita, saudosista da ditadura militar, que demoniza o comunismo, alimenta crenças sobre a meritocracia, supremacia da raça branca e se faz intolerante às expressões da diversidade humana, sejam de classe, raça, gênero etc.

 

Para Lowy (2015, p. 663) “[...] o sistema capitalista, sobretudo nos períodos de crise, produz e reproduz fenômenos como o fascismo, o racismo, os golpes de Estado e as ditaduras militares”. Tal afirmação mostra que o processo de produção e reprodução é parte estratégica do capital para fomentar ainda mais a desigualdade, os mecanismos de intolerância, as ideologias, a produção de fake news (no caso contemporâneo) e acionar proposituras de autoritarismos.

 

Para Marx e Engels (1998) a sociedade civil é a base de toda a história e não o Estado, conforme apontou-se nas reflexões hegelianas. Para fazer história as pessoas precisam primeiro satisfazer as necessidades, tais como comer, vestir, ter uma moradia, saúde etc., uma vez que, sem a satisfação do mínimo não há como construir história. Marx (2015) salienta que é preciso transformar o mundo, entretanto, para que tal modificação aconteça, faz-se necessário que a interpretação do mundo seja correta e coerente, a partir de suas variáveis e contextos históricos, sociais e econômicos, sob o risco de preleções esvaziadas de sentido, ou seja, é preciso analisar a realidade pelas lentes do materialismo crítico, ir além da aparência e superar os limites para exercer a captura do real.

 

Nesse processo, o neoliberalismo entra em cena e conforme Dadot e Laval (2016), o referido sistema está longe de abranger apenas plataformas de políticas econômicas, o mesmo se configura com normas de largo alcance e se estende por todas as direções da vida cotidiana, das relações sociais ao trabalho, obedecendo à lógica do capital como prerrogativa. Para Casara (2021), o Brasil já vivencia as agruras do ultraneoliberalismo, que se figura como a face mais atroz do modelo neoliberal, pois antes de caracterizar-se como uma ideologia ou nova expressão de política econômica, apresenta-se como racionalidade, em resposta ao processo de restauração do capital diante de mais uma crise que atinge a sociabilidade humana até a medula.

 

A face ultraneoliberal desconstrói as bases dos direitos sociais, políticos, civis e fundamentais com maior densidade. Amplifica a centralidade no mercado, cria simbolismos a partir de um imaginário de normas em que tudo pode ser atingido sem limites, inclusive a ditadura no mundo real e virtual. Fomenta o declínio dos valores ético-políticos em nome do ‘progresso’, postula de maneira reducionista a democracia ou a destitui, considera pessoas na perspectiva da utilidade com a naturalização do caos e a banalização da vida.

 

A perspectiva político-econômica não reflete a caracterização de um Estado mínimo, pois ocorre exatamente o contrário. Seu fortalecimento alavanca maior poder ao mercado e assevera o protagonismo das elites dominantes, ao passo que se insere no cerne do processo de descivilização (Casara, 2021).

 

Dardot e Laval (2016), refletem que:

 

Trata-se aqui não da ação de uma monocausalidade (da ideologia para a economia ou vice-versa), mas de uma multiplicidade de processos heterogêneos que resultaram, em razão de ‘fenômenos de coagulação, apoio, reforço recíproco, coesão, integração’, nesse ‘efeito global’ que é a implantação de uma nova racionalidade governamental (Dardot; Laval, 2016, p. 31).

 

Os múltiplos processos desenvolvem-se de forma a envolver o cenário social, econômico, histórico e cultural. É um modelo que pulsa nas entranhas da sociabilidade capitalista e atinge a esfera humana por meio de um imaginário que aponta respostas simplistas para problemáticas complexas. Preconiza a aceitação e o conformismo diante das realidades, atua de modo a plastificar a realidade e permear a necessidade de adaptação sem indagações mais profundas.

 

Assiste-se ao movimento da agudização da barbárie, um caminho em que algumas vidas importam, outras nada valem. Fomenta-se a banalização da vida e a crença de que a intervenção do Estado por meio de políticas públicas seria um assunto superado. Como diria Marx (2011a), onde impera o modo de produção capitalista, o resultado que aparece se resume a uma grande coleção de mercadorias. Assim, pessoas são coisificadas, objetificadas, oprimidas e excluídas, e todos os olhares se voltam ao deus mercado, situação que ficou ainda mais evidente durante o contexto pandêmico, no país que alcançou a marca de segundo do mundo em quantitativo de óbitos, os quais já passam de 700 mil mortes, com média de 135 mil casos diários (Organização Pan-Americana da Saúde, 2023). A situação agravou com o desemprego e a suspensão do auxílio emergencial, enquanto milhões de famílias retornavam ao mapa da fome.

 

O caos instaurado abre feridas em outra perspectiva, que se caracterizou como epidemia silenciosa e atingiu milhões de pessoas. O que poderia ser tão relevante? No momento em que vidas se perdiam, o desprezo à ciência era pautado na ordem do dia, o fundamentalismo religioso fomentava raízes profundas nas bases políticas, a economia ruía e o escárnio pelas mortes assinalavam o lado mais sombrio da necropolítica.

 

Houve um sofrimento intenso e profundamente mergulhado na subjetividade humana, o qual denomina-se adoecimento mental, oriundo de tabus históricos, sociais e culturais. Um assunto não visualizado, falado ou discutido, mas que emerge nas agruras do capital e assola a população até a medula. O século XXI desvela a epidemia silenciosa e faz emergir a necessidade de discutir a saúde mental como questão social.

 

Saúde Mental e Necropolítica

 

Novamente as cortinas da sociabilidade capitalista se abriram e a pandemia rasgou o véu do tabu sobre questões relacionadas à saúde mental, que se evidenciaram de forma atroz no cotidiano de uma humanidade que já lutava pela sobrevivência ao coronavírus. O que foi olvidado historicamente e culturalmente encoberto sobre o sofrimento psíquico não se sustentavam mais. O distanciamento social aplacava corpos e mentes diante de um cenário devastador relacionado às elevações de casos de depressão, transtornos de ansiedade, síndrome do pânico, dentre outros agravos.

 

O conceito de saúde mental está associado à capacidade de se conectar, desenvolver atividades comuns da vida diária de forma produtiva e ter qualidade de vida (Organização Mundial de Saúde, 2022). É importante tecer críticas ao conceito, pois ao viver em uma sociabilidade capitalista, excludente e opressora, como é possível desenvolver todos esses potenciais e conseguir manter a sanidade mental?

 

O fantasma do desemprego, da fome e das violências nas mais diversas expressões, seja contra crianças e adolescentes, mulheres, LGBTI’s, pessoas idosas, população negra e povos originários potencializam a arena de luta pela resistência e sobrevivência. A situação agravou-se com o confinamento e a redução de alguns serviços / atendimentos de saúde que não foram considerados essenciais, os quais podem ser analisados conforme os dados da Nota Técnica No. 22 do Monitora COVID/ FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz, 2021) sobre o processo de representação dos atendimentos em saúde no período de 01/01/2020 a 30/06/2021.

 

Tabela 1 - Grupos de Atendimento no período pré-pandemia e pandemia.

Grupos de atendimento

2018/2019

2020/2021

            %

 

Ações de promoção e prevenção em saúde

450.744.591

291.524.710

-35,30%

 

Procedimentos com finalidade diagnóstica

1.419.336.493

1.236.482.184

-12,90%

 

Procedimentos clínicos

2.037.133.703

1.481.019.025

-27,30%

 

Procedimentos cirúrgicos

68.625.495

31.928.491

-53,90%

 

Transplantes de órgãos, tecidos e células

2.603.727

2.080.749

-20,10%

 

Medicamentos

1.456.778.458

1.696.439.964

16,50%

 

Órteses, próteses e materiais especiais

10.602.061

11.684.178

10,20%

 

Ações complementares da atenção à saúde

51.218.779

43.717.994

-14,60%

 

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (2021).

 

Os dados mostram que apesar de os serviços de saúde terem sofrido colapso no que tange a assistência em casos de COVID-19, outras demandas ficaram represadas por não estarem caracterizadas na plataforma da essencialidade. Conforme a tabela, somente os atendimentos voltados para a aquisição e entrega de medicamentos, além de órteses, próteses e congêneres tiveram alta entre 2020 e 2021. Os demais serviços, tais como procedimentos clínicos, cirúrgicos e ações de promoção à saúde tiveram queda no quantitativo de atendimentos, pela necessidade de suspensão ou redução dos serviços oferecidos. Entende-se nesse pressuposto o contexto de emergência sanitária mundial, entretanto outras frentes nos serviços de saúde que não puderam ser efetivadas no âmbito do Sistema Único de Saúde.

 

Ao retomar as ponderações acerca do adoecimento psíquico, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2022), em 2019, quase um bilhão de pessoas já viviam com algum tipo de transtorno mental, dado que inclui 14% de adolescentes. Os casos relacionados ao suicídio já se configuravam como a segunda maior causa de morte entre a população jovem de 15 a 29 anos e no Brasil é a terceira, somando-se há mais de 800 mil casos todos os anos, mundialmente falando e cerca de 13 mil de casos no Brasil (Suicide Worldwide in 2019: global health estimates, 2019).  

 

Ressalta-se que possivelmente o dado não seja real, visto o fenômeno das subnotificações, as quais imperam sobretudo em cidades com maior índice de pobreza, municípios pequenos e mais isolados, que não detém recursos e mecanismos de investigação policial ou aparelho humano na perspectiva da medicina legal, que apresente possibilidades de resposta acerca dos óbitos que possa haver suspeita de suicídio. 

 

Os dados da Organização Mundial de Saúde (2022) refletem que durante o cenário pandêmico houve um agravamento dos quadros de sofrimento psíquico em pelo menos 25%, com elevação dos números sobre depressão e ansiedade em todo o mundo. Ainda de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2022), estima-se que uma a cada oito pessoas sofra com algum tipo de transtorno mental, assunto emergente para ser debatido, já que pessoas em sofrimento psíquico vivem em média 10 a 20 anos a menos que outras pessoas que não possuem o referido quadro.

 

Como consequência do adoecimento mental pessoas perdem a produtividade, o que para o sistema capitalista é um fator definidor de insustentabilidade para a sobrevivência. Marx (2015) afirma que o homem atua sobre a natureza a fim de produzir o que seja relevante para atender suas necessidades. O primeiro desafio de quem encontra-se em situação de adoecimento mental, envolve exatamente o processo de produtividade humana na esfera de uma sobrevivência exigida pelo sistema vigente.

 

Conforme o Relatório Mundial de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde (2022), em todo o mundo há lacunas no que se refere às informações e pesquisas direcionadas à saúde mental e que em média, os países investem 2% do orçamento da saúde pública nas bases da saúde mental. Cerca de 70% desse montante é destinado aos hospitais psiquiátricos, ou seja, a visão hospitalocêntrica lidera como alternativa de intervenção. Os dados do relatório apontam ainda que metade da população mundial está localizada em países em que há um profissional de medicina psiquiátrica para cada 200 mil habitantes ou mais e que a disponibilização de medicamentos para o tratamento, sobretudo os psicotrópicos, são limitados.  

 

Os dados da Demografia Médica do Brasil expressos por Scheffer et al. (2018) mostra que o país apresenta 10.396 profissionais de medicina psiquiátrica, o que representa 5,01 profissionais a cada 100 mil habitantes e a maior concentração está no Sudeste, com 53,4% de médicos psiquiatras, seguido do Sul com 24,1%; o Nordeste com 12,6%, a região Centro-Oeste com 7,8% e em último lugar o Norte com 2,1% dos profissionais, ou seja, no caso da região Norte, o percentual de especialistas por 100 mil habitantes fica entre 0,69 e 1,62 profissionais. Os dados refletem a ausência de equilíbrio na distribuição de médicos/as psiquiatras no âmbito da realidade brasileira. Em comparação com 35 países, o Brasil está na antepenúltima colocação no quantitativo de psiquiatras por habitantes, a frente apenas da Turquia e do México, em um comparativo em que países como Suíça, Finlândia, Noruega e Suécia ocupam os primeiros lugares.  

 

Um dos desafios em tempos de ultraneoliberalismo envolve os recursos para as políticas públicas. Sobre o quantitativo destinado para a área de saúde, aponta-se os dados do SIGA Brasil, que expressa informações sobre o orçamento federal por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) em conjunto com outras plataformas de planos e orçamentos do governo federal, os quais revelam os seguintes dados:

 

 

 

 

 

                       Gráfico 1: Orçamento do Ministério da Saúde

 Fonte: SIGA Brasil ([2023]). Elaborado pelas autoras.

 

O gráfico mostra em bilhões, o quantitativo de recursos que foram alocados para a saúde pública nos últimos cinco anos. A elevação do quantitativo refere-se ao período de pandemia, entretanto, os dados de 2022, referentes às despesas executadas já caíram e aproximam-se de patamares anteriores à pandemia. O índice indicativo de 2018 é referente a 131,5 bilhões e em 2022, 166,8 bilhões; já a correção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA revela a execução de 170,5 bilhões e em 2022 os dados mostram 171,1 bilhões, o que evidencia o corte nos recursos da saúde, sobretudo nas despesas executadas. Apesar dessa queda, o Brasil já apresentou cerca de 700 mil mortes por COVID-19 entre março de 2020 e março de 2023, com média de 86 mortes semanais; e apresenta o quadro de 87,9% de pessoas com ao menos uma dose da vacina e o dado cai para 81,4% pessoas com todo o esquema de vacinação completo (Organização Pan-Americana da Saúde, 2023).

 

Pontua-se como marco relevante no desmonte de direitos, a política de austeridade alicerçada no Governo Temer com a aprovação da Emenda Constitucional 95, conhecida como Política de Ajuste Fiscal, que estabeleceu o teto de gastos e congelou as despesas públicas por até vinte anos. A medida vislumbra maior racionalidade de mercado, amplificado no incentivo à concorrência, no desfinanciamento das políticas sociais com a redução das despesas primárias. Ademais, engessa os recursos e impossibilita o Estado no cumprimento de obrigações previstas na Constituição Federal de 1988, ou seja, trata-se de um plano neoliberal que elimina o Estado como garantidor do mínimo de direitos sociais (Menezes; Moretti; Reis, 2019). Em síntese, o Sistema Único de Saúde já sofria com o processo de subfinanciamento passa a conviver com o desfinanciamento, que foi alavancado pelo orçamento de guerra a partir das medidas econômicas e fiscais adotadas em face ao ultraneoliberalismo que atua de forma avassaladora.

Sobre a saúde mental, o Portal da Transparência (2022) e o SIGA Brasil não apresentaram dados precisos, ou seja, não há como evidenciar o orçamento e recursos aplicados no âmbito da especificidade da referida política. Em julho de 2022, cientistas criticaram o que chamaram de apagão nos dados da saúde mental, em audiência noticiada pela comissão de direitos humanos da Câmara Federal, visto a ausência de transparência na gestão e apresentação dos dados, assim como o envio de recursos para comunidades terapêuticas (Souza, 2022).

 

Conforme a Nota Técnica N. 21 do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) (2017) há 1963 comunidades terapêuticas no Brasil, as quais detém juntas mais de 83.000 vagas para tratamento. O maior quantitativo de instituições encontra-se na região Sudeste do país, com 41,64%, seguido pelo Sul, com 26,36%; o Nordeste com 16,51%; o Centro-Oeste com 8,82% e a região Norte em último lugar com 6,67% das comunidades; cerca de 78,8% das unidades possuem quartos coletivos que abrigam de 4 a 6 pessoas; 80% destinam-se somente a pessoas do sexo masculino, 15% para ambos os sexos e 4% direcionadas de forma exclusiva às mulheres. Outro dado relevante refere-se ao contexto da diversidade sexual, pois cerca de 90,9% das comunidades terapêuticas afirmaram acolher pessoas homossexuais, 51,6% atendem a população travesti e 43,6% dizem ofertar vagas às pessoas transexuais (Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras, 2017). O dado reflete a baixa inclusão de pessoas quando o assunto envolve as expressões de sexualidade, sobretudo as identidades de gênero. Outra avaliação reflete as fontes de financiamento das comunidades, conforme a sinalização a seguir:

 

Tabela 2: Fonte de Financiamento das Comunidades Terapêuticas

Tabela

Descrição gerada automaticamente

  Fonte: Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras (2017).

 

Os dados mostram que das instituições pesquisadas pelo IPEA no Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras (2017), 24,1% recebem financiamento do governo federal, 27,8% do governo estadual e 41,1% da esfera municipal, o que denota que parte dos recursos para a saúde mental brasileira são direcionados às comunidades terapêuticas, o que pode ser evidenciado também com os dados do Conectas Direitos Humanos e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 2020).

 

 

 

 

Gráfico 2: Financiamento Federal das Comunidades Terapêuticas

Gráfico, Gráfico de barras, Gráfico de mapa de árvore

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Relatório sobre Financiamento Público de Comunidades Terapêuticas 2017-2020

do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (2020).

 

O gráfico mostra a elevação do financiamento governamental de comunidades terapêuticas (CT’s). Ao estabelecer o comparativo entre 2017 e 2018 e os períodos que contemplam 2019 e 2020, constata-se o aumento em mais de 100% do quantitativo de recursos destinados aos referidos serviços, o que apresenta dados relevantes, já que são recursos que deixam de ser direcionados aos demais braços da Rede de Atenção Psicossocial que estão sob responsabilidade do Estado.

 

Gráfico 3: Divisão dos recursos pagos às CT’s por região

Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Relatório sobre Financiamento Público de Comunidades Terapêuticas 2017-2020

do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (2020).

 

A maior concentração de recursos públicos para o financiamento de comunidades terapêuticas encontra-se na região Sudeste com 36%, já a região com menor concentração é o Norte, com apenas 5%.  Para além dos dados, a existência de recursos advindos de emendas parlamentares, as quais são direcionadas para aquisição de veículos, capacitação do corpo técnico de profissionais, manutenção das casas e materiais e aquisição de insumos para serem utilizados em cursos profissionalizantes (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 2020).

 

De acordo com Passos et al. (2020), as comunidades terapêuticas funcionam com base no tripé denominado como trabalho, disciplina e espiritualidade. A maioria das comunidades atuam na imposição da religião de base adotada na instituição como parte do tratamento, já as perspectivas do trabalho alicerçam-se em atividades não remuneradas impostas como ‘laborterapia’. Contudo há o uso das pessoas em recuperação, sem qualquer garantia trabalhista para a realização de atividades laborativas, em substituição a contratação de profissionais, o que viola a lei 10. 216/2001, a qual dispõe sobre os direitos de pessoas em situação de transtorno mental e conduz o modelo de assistência em saúde mental.

 

Sobre o uso da religião como plataforma de intervenção na recuperação, Ribeiro e Minayo (2015) afirmam que há controvérsias sobre o assunto, pois quem está na gestão dos referidos serviços acredita que ao vislumbrar a dependência química como pecado, que precisa ser renunciado, desenvolve-se o potencial de saída do referido estágio patológico por meio da austeridade e vivência religiosa, cotidianamente imposta. Em análise oposta, evidencia-se a imposição de participação em atividades religiosas, o que fere a liberdade de credo, além da violência institucional com ritos de conversão, submissão a princípios morais e discriminação por questões de identidades sexuais e de gênero.

 

Além dos fatores supracitados ocorre ainda o isolamento da família e de outras formas de sociabilidade, exige-se a abstinência sexual e comportamento moral de uma pessoa religiosa, bem como o recuo do acesso à educação, visto o isolamento das comunidades terapêuticas. Consequentemente, a precarização no acesso aos serviços de saúde pelo mesmo motivo, com vivências cotidianas ligadas à disciplina, ao trabalho ‘laborterapia’ e às atividades religiosas, o que pode se configurar como violação dos direitos humanos.

 

Sobre as religiões, Marx (2010) enfatiza que se configuram como o ‘ópio do povo’, ou seja, apresentam o potencial de anestesiar e dominar o indivíduo em suas perspectivas como sujeito protagonista de sua própria história.  Desenvolve o não-ser do que seria o ‘ser’. Além de desafiadora, sobretudo para a tratativa de dependentes químicos, há carência de pesquisas que potencializem a evidência científica de que os aportes de abstinência ligados às imposições de religiosidade em comunidades terapêuticas, possam evidenciar melhoras significativas no tratamento, ao contrário, há críticas atrozes ao processo de violação dos direitos em várias perspectivas.

 

Apesar das críticas ao modelo de comunidades terapêuticas, conforme a Portaria 3.088 de 2011 do Ministério da Saúde, a qual institui a rede de atenção psicossocial (RAPS) para pessoas que estejam em situação de sofrimento mental devido ao uso de álcool, crack e outras drogas, as referidas instituições passam a compor a rede do Sistema único de Saúde na modalidade de serviços em regime residencial, os quais são ofertados para a população adulta por até nove meses (Brasil, 2011). O ingresso das comunidades terapêuticas na RAPS sinaliza o lado mais perverso do ultraneoliberalismo, ao canalizar recursos do Estado para organizações que direcionam serviços de maneira higienista e segregadora e de conversão religiosa.

 

Após as críticas sobre o apagão de informações sobre a saúde mental, o Ministério da Saúde apresentou, por meio da Secretaria de Atenção Primária da Saúde (SAPS), o relatório denominado ‘Dados da rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no Sistema Único de Saúde (SUS)’ com as seguintes informações: o país tem atualmente 2.836 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), distribuídos em 1910 municípios brasileiros. Conforme o relatório, os Estados de Mato Grosso e Rondônia não têm serviços de atendimento 24h e os Estados do Acre, Roraima e Tocantins não apresentam Centros de Atenção Psicossocial voltados para a infância e juventude – CAPSi; outro dado apresentado reflete a distribuição de CAPS por região: Nordeste e Sul apresentam o maior quantitativo de serviços, com uma média de 1,70 CAPS a cada 100mil habitantes no Nordeste e 1,52 no sul; já as regiões com menor concentração de CAPS são o Centro-Oeste com 1,01 CAPS a cada 100 mil habitantes e o Norte com 0,97. Os três Estados que apresentam o menor quantitativo de centros de atenção são o Amazonas, com 0,59 CAPS por 100 mil habitantes, seguido do Amapá com 0,57 e o Distrito Federal com 0,42 (Brasil, 2022).

 

Os dados do relatório revelam a falta de investimentos e o ostracismo da saúde mental no Brasil. O quantitativo de CAPS não atende nem metade dos municípios existentes, já que temos ao todo 5.568 mais o Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha (Belandi, 2022). O recorte por região também apresenta desafios, já que as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam o menor quantitativo de serviços da rede em saúde mental.

 

No Brasil há apenas 224 equipes multiprofissionais em atenção especializada em saúde mental, ou seja, um quadro incipiente para o atendimento da demanda populacional. Tal severidade aparece distribuída por região, pois no Norte, somente o estado do Pará conta com a composição de equipe, o Centro-Oeste com duas, sendo uma em Goiás e outra no Mato Grosso do Sul e somente na região Sul e Sudeste há equipes distribuídas em todos os Estados (Brasil, 2022).

 

Sobre a cobertura de leitos voltados para a saúde mental em hospitais gerais, os Estados do Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato grosso, Roraima e Rondônia não apresentam qualquer iniciativa com proposta de vagas. Estados do Pará, Rondônia e Roraima não têm leitos especializados em psiquiatria (Brasil, 2022).

 

Os dados sinalizam a potencial concretização da necropolítica na saúde mental, solapada pelos golpes do ultraneoliberalismo no âmbito do Estado Brasileiro. Esse modelo que não se configura pela ideia do Estado Mínimo na perspectiva econômica, pois o Estado atua de maneira forte e enraíza as correntes que agudizam a barbárie por todos os poros, incluindo a saúde mental como alvo do desmonte de políticas públicas. O cenário é caracterizado pela racionalidade neoliberal, que de acordo com Casara (2021), escancara as agruras mais profundas do sistema capitalista, fomenta a naturalização do absurdo e do caos em meio à barbárie como parte do elemento cotidiano.

 

A saúde mental não é apenas um aporte para a sociedade civil. Ao que tudo parece, a história se refaz sob outras determinações, haja vista que a saúde mental como direito, continua inacessível para a maioria da população, ou seja, no que se refere ao enfrentamento das expressões de sofrimento psíquico e adoecimento mental, há uma lacuna histórica que envolve o direito e o acesso.

 

Muitas são as indagações e poucas respostas podem ser elencadas diante de um cenário ultraneoliberal que não apenas conduz, como também naturaliza a barbárie. O adoecimento mental envolve expressões da Questão Social que demandam intervenções e inclusão de pessoas em situação de sofrimento mental, a efetivação e monitoramento de políticas públicas, as quais sofrem cortes ano após ano, como concretização da necropolítica, alavancada com maior vigor no governo da extrema direita, evidenciado pelo Bolsonarismo, que ditou normas de meritocracia, demonizou a população pobre, preta e de periferia e fomentou o genocídio de indígenas, dentre outros segmentos populacionais, o que inclui os que lutam para sobreviver ao adoecimento mental.

 

De acordo com Marx e Engels (1998), a revolução se faz no contexto da prática, na materialidade e não no discurso. Urge que a luta pelas políticas de saúde mental se espraie na coletividade, pois trata-se de uma problemática emergente, descortinada sobretudo pela pandemia. Como disse o autor, os filósofos no passado já se preocuparam em ponderar a realidade do mundo, cabe agora transformá-la.

 

Considerações Finais

 

As agruras alavancadas pelo sistema capitalista opressor e excludente sinalizam que a ebulição atingiu seu ápice. A necropolítica não apenas se instalou, como se legitimou pelas mãos da extrema direita, que assumiu o poder na realidade brasileira pelas faces do Bolsonarismo, o qual não foi eliminado com a recente eleição e posse de um governo progressista. Expressões da questão social emergem e são silenciadas pelo negacionismo e conservadorismo, alimentado pelo reacionarismo contemporâneo.

 

Há vidas que importam e outras que nada valem. A ideia do homo sacer expressa por Agamben (2007) já não faz sentido, pois as vidas passam a ser matáveis, inclusive fisicamente, e não apenas socialmente ou simbolicamente. O devaneio doentio anseia pelo militarismo, como pelo desejo de eliminação de minorias para garantir o privilégio das maiorias. As faces da violência são descortinadas, mas pouco se fala sobre o adoecimento psíquico que assola milhões, os quais, em sua maioria, não têm acesso a uma rede de serviços de atendimento psicossocial condizente com o que é preconizado nas políticas públicas.

 

A raiz da problemática ecoa reflexões no processo histórico brasileiro, haja vista que as questões relacionadas à saúde mental foram envoltas no ostracismo, discriminação e no mutismo quase absoluto no âmbito de políticas que calaram pessoas em instituições manicomiais como proposta higienista por séculos. O limiar da ebulição capitalista já não permite esconder a questão. É preciso debater, traçar estratégias de intervenção para conter a epidemia silenciosa, contudo é preciso enfatizar que os desafios de ordem mental não estão ligados apenas às patologias psiquiátricas, mas também às expressões da questão social que emergem no sistema capitalista excludente e cada vez mais violento, potencializado pela racionalidade neoliberal.

 

Marx (2006) retratou como a discriminação, a desigualdade e as opressões potencializam quadros de sofrimento psíquico, que desencadeiam inclusive o suicídio. O adoecimento não é novo e o sistema capitalista fomenta gatilhos de maior gravidade. Além disso, a sobrecarga, as relações adoecidas, a coisificação do homem, a redução da força de trabalho à mercadoria, a mais-valia, a condição desigual de gêneros e a face da pobreza que tem sexo e cor, são condições que elevam as possibilidades para o desenvolvimento de depressão, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade, dentre outras patologias psiquiátricas que se espraiam no cotidiano populacional.

 

Não basta expor números que não atendem as demandas de saúde mental no país. É preciso resistir, como também potencializar a busca constante pelo direito a ter direitos, pelos enfrentamentos e possibilidades frente à ordem capitalista instaurada. É preciso lutar, pois como já dizia Thiago de Mello (2006): “Sei que é preciso sonhar. Campo sem orvalho, seca a fronte de quem não sonha”.   

 

Referências

 

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Lidiany de Lima CAVALCANTE Trabalhou na concepção, delineamento, análise e interpretação de dados, redação do artigo, revisão crítica e aprovação da versão a ser publicada.

Pós-doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora da Universidade Federal do Amazonas desde 2014. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão nas áreas de gênero, sexualidades, saúde mental e enfrentamento ao suicídio.

 

Maria Isabel Barros BELLINI Trabalhou na concepção, delineamento, análise e interpretação de dados, redação do artigo e revisão crítica.

Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul nos Programas de Serviço Social e Ciências Sociais. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão nas áreas de família, intersetorialidade, política de saúde e educação em saúde.

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* Assistente Social. Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas. (UFAM, Manaus, Brasil). Av. Rodrigo Otávio Jordão, nº. 6200, Coroado I, Campus Universitário Senador Arthur Virgílio Filho, Manaus (AM), CEP.: 69080-000. Bolsista do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD/Amazônia). E-mail: lidiany@ufam.edu.br.

 

** Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Professora no Programa de Pós-graduação em Serviço Social e no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. (PUCRS, Porto Alegre, Brasil). Assistente Social na Escola de Saúde Pública da Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, nº 6681, prédio 8, sala 401.16, Paternon, Porto Alegre (RS). CEP 90619-900, Caixa Postal, 1429. E-mail: maria.bellini@pucrs.br e maria-bellini@saude.rs.gov.br.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.