Saúde mental, drogas e
reatualização do proibicionismo no
governo
Bolsonaro
Mental health, drugs, and reupdating the prohibitionism of the Bolsonaro government
https://orcid.org/0000-0001-6230-8391
André de Menezes GONÇALVES**
https://orcid.org/0000-0002-8089-5240
Leandro Sobral de LIMA***
https://orcid.org/0000-0002-1950-1804
Liziane Silva CRUZ****
https://orcid.org/0000-0002-9334-8748
Resumo: O artigo discorre criticamente sobre o
avanço do conservadorismo na atualidade, no âmbito das ações das políticas de
saúde mental e de drogas no país, processo que tem contribuído para uma
reatualização do proibicionismo, particularmente no governo Bolsonaro. Da
ditadura civil-militar à recente gestão de extrema direita, as legislações e
normativas sobre drogas avançam e se fortalecem em termos de punição, controle
e criminalização dos considerados indesejáveis. Apesar disso, são forjadas
lutas e resistências no âmbito da proteção e do cuidado nas temáticas de drogas
e de saúde mental, como aponta a pesquisa bibliográfica e documental presente
no texto, com base numa análise histórico-crítica. O horizonte sinaliza
inúmeros desafios, assim como possibilidades para a efetivação dos direitos
sociais e humanos a pessoas com relação às chamadas drogas.
Palavras-Chave:
Saúde mental. Drogas. Proibicionismo. Governo Bolsonaro.
Abstract: The
article critically discusses the advance of conservatism in the context of
mental health and drug policy actions in Brazil, a process that has contributed
to a re-updating of prohibitionism, particularly under
the Bolsonaro government. From the civil-military dictatorship to the recent
Far-Right administration, legislation and regulations on drugs have advanced
and strengthened in terms of the punishment, control, and criminalisation of
those considered undesirable. Despite this, there are struggles and resistance
in the areas of protection and care on the themes of drugs and mental health,
as indicated by the bibliographical and documental research present in the article,
which are based on a historical-critical analysis. There appear to be many
challenges going forward, but also possibilities for achieving social and human
rights for people with relationships with so-called drugs.
Keywords:
Mental health. Drugs. Prohibitionism. Bolsonaro
government.
Submetido
em: 6/2/2023. Revisto em: 3/5/2023. Aceito em: 1º/6/2023.
1
Inquietações Primeiras
“ |
E guerra às drogas não era sobre os entorpecentes”. O
poema, em forma de música e denúncia, do Rapper Don L. (Pânico de Nada, 2021)[1], desvela as
problematizações iniciais acerca do tema aqui proposto. O debate sobre as
drogas, comumente, é cercado por entendimentos superficiais e punitivos,
ensejados por preconceitos e medos, com vieses moralizantes, patologizantes e/ou, muitas vezes, criminalizadores.
Entretanto, pode-se afirmar que há uma relação ontológica dos homens e mulheres
com essas substâncias. O consumo de drogas e seus significados são produtos da
práxis social historicamente construída. Seus usos diversos (alimentares,
espirituais ou recreativos) compõem os processos sociais constitutivos da
existência humana. As drogas somente consistiram num problema para a sociedade e para o Estado no contexto do
capitalismo industrial quando se tornaram mercadorias inseridas na produção
mercantil, alvo das disputas intercapitalistas, e devido à emergência da
ideologia proibicionista.
Muitos significados
atribuídos às substâncias psicoativas (aquelas que podem agir e modificar
certas funções do sistema nervoso central) reproduzem os teores conservadores e
moralistas. Oficialmente, o
Estado brasileiro as define como substâncias capazes de causar
dependência (Brasil, 2006); este conceito normativo reforça os elementos que
dão base ao proibicionismo e à chamada guerra às drogas.
A matriz proibicionista orienta, hegemonicamente, os entendimentos sobre
drogas no senso comum, mas também os técnicos, os penais e até os científicos.
Ela visa ao controle social de frações da classe trabalhadora, traduzida como
um posicionamento ideológico que promove ações diversas para a regulação de
práticas consideradas negativas socialmente, através da proibição e da
criminalização de condutas, com forte intervenção do sistema penal (Karam,
2015).
Alguns determinantes, como a expansão global da ideologia proibicionista
no segundo pós-guerra e suas legislações e convenções internacionais sob a
direção estadunidense, a retórica de guerra às drogas na mesma conjuntura de
crise capitalista em que emergiu a ideologia neoliberal e a adesão da política
proibicionista no Brasil, fundamentada nas ideologias de Defesa Social, de
Segurança Nacional e dos Movimentos de Lei e Ordem, produziram aqui uma questão
das drogas particular, cuja expressão drástica está no encarceramento em massa
e no genocídio de jovens pobres, negros e periféricos (Albuquerque, 2018).
Encarceramentos e mortes no Brasil têm um público-alvo certo, conforme
revelam os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (junho de 2022)
(Brasil, 2022). À época, a população carcerária brasileira alcançou um total de
mais de 837 mil pessoas. Quase 62% estavam em situação de total privação de
liberdade. As penalizações relativas às drogas (tráfico, associação para o
tráfico e tráfico internacional) alcançaram o
segundo maior percentual, 28,7%, ficando atrás apenas dos crimes contra o patrimônio
(40,4%). Tal situação se inverte entre as mulheres presas: 54,8% por crimes
relacionados às substâncias consideradas ilegais; 23,9% tipificadas em crimes
contra o patrimônio.
Os dados revelavam que a população encarcerada no país tem determinantes
de classe, gênero, cor e geração: era predominantemente composta por
trabalhadores pobres; os homens representavam quase 96% do público total; as
pessoas identificadas como pretas ou pardas representavam 66,7%; e os jovens de
18 a 29 anos alcançaram quase 1/3 do número de reclusos (32,2%) (Brasil, 2022).
Segundo o Atlas da Violência (2021), em 2019, no Brasil, a taxa de
homicídios entre pessoas identificadas como não negras alcançou 10.217 casos;
em contrapartida, 34.466 pessoas negras foram assassinadas. O Atlas revela que,
para cada 100 mil habitantes, as taxas de homicídios alcançaram 11,16% e 29,22%
em pessoas não negras e negras, respectivamente. A taxa de violência, no mesmo
ano, alcançou 16,6% entre as pessoas não negras e 19,6% entre aquelas identificadas
como negras (Atlas
da Violência, 2021).
Rocha (2020) discorre sobre a categoria juvenicídio
e sistematiza os fundamentos desse fenômeno no Brasil e suas relações orgânicas
com a questão das drogas, e destaca: a perpetuação da vida precária dos jovens pobres
e negros, especialmente produzida pelo racismo estrutural; a proibição às
drogas como mantenedora do comércio ilegal; as legislações proibicionistas para
controle sociorracial, que conduzem ao encarceramento
em massa; e a política de guerra às drogas no contexto da necropolítica
neoliberal[2].
As mortes de milhares de jovens pobres e negros têm início nas perversas
condições de desigualdade social, miséria e desassistência do Estado, impostas
pela ordem do capital; pela ausência de oportunidades decretada pelas políticas
de ajuste fiscal radical; ou mesmo, pela política proibicionista no âmbito da
saúde, que impõe a abstinência e a segregação como única forma de cuidado. Esse
último fator é resultante das reformas conservadoras do Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas (SISNAD), promovidas pelos governos Temer (2018) e
Bolsonaro (2019), o que intensificou a abordagem punitiva, principalmente por
meio da contrarreforma psiquiátrica manifestada como Nova Saúde Mental (Nota Técnica MS nº 11/2019) (Brasil, 2019).
Nesse mirante de
inquietações iniciais, o objetivo central do presente artigo é problematizar a
reatualização do proibicionismo expressa nas legislações e atos normativos no
governo Bolsonaro, particularmente no âmbito da saúde mental. Busca, ainda:
apreender os fundamentos das políticas de drogas e saúde mental no contexto da
ditadura civil-militar brasileira e como esses foram atualizados no tempo
presente da gestão bolsonarista; analisar as conexões entre crise capitalista, ultraneoliberalismo autoritário e agudização do
proibicionismo no Brasil; e apontar os retrocessos das ações do governo
Bolsonaro sobre drogas no âmbito da saúde mental e alguns desafios para o novo
governo Lula.
De perspectiva crítica, antiproibicionista e antimanicomial, os argumentos
apresentados têm como alicerce o diálogo entre a criminologia crítica e a
crítica da economia política, ao se buscar as determinações, contradições e
mediações históricas que configuram as políticas de saúde mental e de drogas no
país. As abordagens aqui presentes refletem a
interlocução com autores de perspectiva crítica, através das pesquisas
bibliográfica e documental, o que permitiu certa aproximação à questão das
drogas. As pesquisas tiveram peso importante para o embasamento teórico
necessário, aliadas às vivências acadêmicas e de trabalho sobre a temática.
A pesquisa bibliográfica é um procedimento
sistemático de busca em fontes produzidas por outros. Desse modo, significa
diálogo, reflexão, análise e apreensão das categorias e contribuições teóricas
produzidas por pesquisadores e/ou autores clássicos e contemporâneos na área de
drogas e saúde mental. Já a pesquisa documental, com suas particularidades que
a diferenciam da pesquisa bibliográfica, facilita o acesso a fontes ricas em
informações de natureza diferente, como documentos institucionais a exemplo do
Atlas da Violência, do Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) e do documento Financiamento
Público de Comunidades Terapêuticas Brasileiras Entre 2017 e 2020; bem como de documentos jurídico-normativos, como as leis que
instituem o Sistema Nacional sobre Drogas (SISNAD), nº
11.343, de 2006, e nº 13.84, de 2019 (Brasil, 2019). Oferecem, portanto, matérias outras para
o devido tratamento analítico e interpretativo da problemática em questão.
Dividido em três partes
articuladas, na seção inicial, Inquietações
Primeiras, apresentam-se as problematizações acerca da questão das drogas
no Brasil e as direções das respostas historicamente operadas nos campos da saúde
mental e das drogas, da ditadura civil-militar à gestão bolsonarista. A seguir,
em Políticas de Drogas e de Saúde Mental
no Brasil: fundamentos de um projeto autoritário, indicam-se as bases do
projeto autoritário, em permanente atualização, direcionado aos considerados
perigosos, em particular aos usuários de drogas e da saúde mental. Já em Crise Capitalista e a Reatualização do
Proibicionismo Brasileiro, as análises apontam para uma conexão orgânica
entre as crises do capital, o neoliberalismo autoritário e a renovação do
proibicionismo no governo de Bolsonaro. Findam-se as reflexões afirmando que,
apesar da conjuntura desfavorável e dos retrocessos, é possível disputar e
resistir à luz dos direitos e na construção de uma sociedade sem privações.
2 Políticas de Drogas e de Saúde Mental no Brasil: fundamentos de
um projeto autoritário
No segundo pós-guerra,
apesar de a matriz proibicionista estadunidense ter sido o grande norte
orientador da construção de políticas e ações de combate às drogas na América Latina, no Brasil esse processo assumiu
particularidades históricas, especialmente no contexto dos anos 1960, na
ditadura civil-militar. Nesse período, tanto as políticas sobre drogas como as
de saúde mental mantiveram como fundamento um projeto de caráter conservador e
penalizador, sustentado pelo binômio punição-assistência, tendo como principal
dispositivo de controle social a privação da liberdade, expressa por medidas de
encarceramento, seja nas prisões ou nos manicômios.
As bases desse projeto ancoram-se
no chamado estatuto médico-jurídico, com predominância de tendências racistas e
moralistas, materializadas na psiquiatria tradicional e no direito penal,
através das noções de loucura e crime. A construção desse estatuto se apoia no saber médico psiquiátrico (branco-racista e
eurocêntrico-etnocêntrico) que associava, frequentemente, características
genéticas a desvios morais de determinados estratos sociais (Morais, 2005).
Muitas dessas impressões eugenistas foram incorporadas aos Códigos Penais brasileiros,
a exemplo do de 1940, do governo Vargas.
Conforme Carvalho (2016),
embora se encontrem resquícios de criminalização das drogas ao longo da
história legislativa brasileira, é somente na década de 1940 que se verifica
uma política proibicionista sistematizada, quando “[...] da autonomização das
leis criminalizadoras (Decretos 780/36 e 2.953/38), e
o ingresso do país no modelo internacional de controle (Decreto-lei 891/38).”[3]
(Carvalho, 2016, p. 50). Porém, foi no circuito da ditadura civil-militar que o
país entrou no cenário internacional de combate às drogas por meio da Convenção
Única sobre Entorpecentes (Decreto 54.216/1964).
Nesse processo, destaca-se o
traço conservador e autoritário, típico da formação brasileira, no âmbito das
políticas de drogas no país. Lima (2009, p. 209) ressalta que a natureza
internacional dessas políticas no país não se tratava de um “[...] alinhamento
automático à posição hegemônica – a ‘matriz proibicionista’ estadunidense”. Uma
das determinações desta particularidade está na própria base da formação
social, com forte presença da influência da Igreja católica, que “[...] também
defendia a “elevação moral” e a “purificação dos pecados” em sua Doutrina
Social [...]” (Lima, 2009, p. 201) e “[...] se forjou por encontrar atores,
interesses e ideias que o sustentavam e, por vezes, o antecipavam frente às
resoluções internacionais” (Lima, 2009, p. 209).
Na política criminal de
drogas no período militar, apesar de se manter o modelo sanitário, passou-se a
uma dupla regulação, que Carvalho (2016, p. 54) nomeou como ideologia da
diferenciação:
A
principal característica desse discurso é traçar uma nítida distinção entre
consumidor e traficante, ou seja, entre doente e delinquente, respectivamente.
Assim, sobre os culpados (traficantes) recairia o discurso jurídico-penal do
qual se extrai o estereótipo do criminoso corruptor da moral e da saúde
pública. Sobre o consumidor incidiria o discurso médico-psiquiátrico
consolidado pela perspectiva sanitarista em voga na década de 1950, que difunde
o estereótipo da dependência (Carvalho, 2016, p. 54).
Em outras palavras, a
ditadura de 1964 e as Leis de Segurança Nacional (1967, 1969, 1978 e 1983)
deslocaram o foco do modelo sanitário para a norma bélica de política criminal,
tendo como eixo estruturador a luta contra os inimigos internos e a ameaça
comunista (Batista, 2003)[4].
O Ato Institucional nº 5
(AI-5, de 1968 a 1978) expressou a face mais arbitrária e repressiva da
ditadura brasileira. Deu poder de exceção aos governantes para punir, de forma
violenta, os que fossem considerados inimigos do regime. Publicada após a
vigência do AI-5, a Lei de Drogas de 1976 (nº 6.368) estabeleceu uma unidade
antagônica de prevenção-repressão à questão; atuava sobre pessoas e coletivos
que produzissem, comercializassem e/ou consumissem substâncias psicoativas
consideradas ilícitas.
Os
binômios dependência-tratamento e tráfico-repressão permeiam a legislação e,
apesar de aparecerem integrados ao texto, sua conjugação é aparente, pois, na
realidade operativa do sistema repressivo, criam dois estatutos proibitivos
diferenciados, moldados conforme a lógica médico-psiquiátrica ou
jurídico-política, disciplinando sanções e medidas autônomas aos sujeitos
criminalizados (Carvalho, 2016, p. 65).
O texto normativo dessa lei
expõe de modo evidente o proibicionismo. Até a noção de prevenção tinha forte
tendência repressiva de impedimento aos usos das substâncias, no horizonte da
abstinência e do controle. Sob a ótica manicomial, previa tratamento e recuperação por meio de internação hospitalar, podendo ser utilizada a ação
compulsória quando diagnosticadas manifestações psicopatológicas, além de
tipificar crimes e penas de reclusão ou de pagamento de multas.
Não à toa, nesse período, a
Política de Saúde Mental ficou caracterizada como indústria da loucura. O momento que se seguiu ao golpe de 1964
expressou o marco divisório entre “[...] uma assistência destinada ao doente
mental indigente e uma nova fase a partir da qual se estendeu a massa de
trabalhadores e seus dependentes” (Resende, 1987, p. 60). Com notório interesse
privatista, optou pela contratação de leitos psiquiátricos em hospitais
particulares, reproduzindo-se em velocidade exponencial. “Em pouco menos de
cinco anos, o número de internações em hospícios privados saltou de 35.000 em
1965 para 90.000 em 1970. Notou-se, também, uma mudança no tradicional perfil
da clientela: agora, alcoolistas e neuróticos eram o público mais expressivo.”
(Resende, 1987, p. 60).
Havia, portanto, uma unidade
entre a finalidade terapêutica e as funções político-administrativas, as quais
se ocupam resumidamente em curar, produzir, normalizar e controlar. Supõe-se
que, além da funcionalidade econômica, o manicômio para o governo militar
assumiu o lugar de tratamento moral, muitas vezes com punições e torturas
física e mental daqueles considerados desviantes, marginais e perigosos ao
sistema, a exemplo de mulheres solteiras grávidas ou as separadas, pessoas
negras ou homoafetivas, usuários de psicoativos, militantes políticos e/ou
vítimas do terrorismo de Estado, entre outros.
Boiteux (1999) afirma que
estudos sobre as instituições totalitárias, no campo da criminologia crítica,
entre 1960 e 1970, provocaram relevantes questionamentos às prisões
manicomiais. Os sopros da redemocratização brasileira propiciaram a emergência
de críticas e movimentos na sociedade que, nas décadas seguintes,
possibilitaram revisões nas políticas de saúde mental e criminal, a partir das
reformas psiquiátrica e penal. Entretanto, questiona a autora, a prisão
manteve-se protagonista das estratégias punitivas no século XXI, “[...]
ampliando ainda mais a sua clientela, que alcançou patamares nunca
antes imaginados” (Boiteux, 1999, p. 2).
Evidenciavam-se, assim,
projetos distintos em disputa no trato da questão social brasileira e suas
mazelas, como o sofrimento psíquico e a marginalização, particularmente àquelas
associadas à questão das drogas, marcada por avanços e retrocessos. Ao passo
que foi aprovada a Lei de Execução Penal (Brasil,
1984), que assegurava alguns direitos e garantias aos presos,
aprovou-se, em seguida, em 1990, a Lei de Crimes Hediondos (Brasil, 1990), na qual o tráfico de drogas foi
incluído, restringindo direitos e ampliando a punição[5].
No início do século XX, o Brasil forjou embriões de
ruptura com o proibicionismo, em várias lutas no interior do Estado, que
foram não somente aprofundadas, mas demarcadas por posições antagônicas: “[...]
a primeira, orientada por princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da
estratégia de redução de danos; e a segunda, pelo estatuto médico-jurídico da
droga, intensificando a política criminal” (Lima, 2016, p. 243).
De um lado, conquistam-se
direitos e uma nova modalidade de cuidado através da Lei da Reforma
Psiquiátrica (nº 10.216/2001), da Política de Atenção Integral aos Usuários de
Álcool e outras Drogas (PAIUAD) e das ações de Redução de Danos (Portaria nº
1.028/2005. Do outro, houve o recrudescimento punitivo pelo sistema penal e
pelas demais modalidades manicomiais renovadas, explicitadas na Política
Nacional de Drogas de 2005, na Lei nº 11.343/2006 (Brasil, 2006) e na Portaria
MS nº 3.088/2011 (BRASIL, 2011), que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do SUS.
Durante os chamados governos democrático-populares, as políticas de
drogas e de saúde mental foram espaços de disputas e muitas contradições entre
a perspectiva da saúde coletiva, integralidade e redução de danos, e a
modalidade proibicionista, segregacionista e da abstinência, expressa, por
exemplo, nas novas Política e Lei de Drogas.
O uso de substâncias
consideradas para o consumo não prevê penas de privação de liberdade, ao
contrário das atividades identificadas como tráfico. A ausência de
materialidade na referida lei no que tange à definição de usuário ou
traficante, aliada ao histórico racismo estrutural presente na formação social
brasileira (Almeida, 2018), conduz o sistema de justiça criminal ao
aprofundamento da perspectiva da diferenciação social e à penalização seletiva.
Classe social, cor e território são elementos determinantes comumente
utilizados pela política de guerra às drogas para a criminalização de jovens,
negros e periféricos, produzindo o fenômeno do grande encarceramento, como
apontado no início deste texto.
Outra enorme contradição,
promovida pela retórica de Lei e Ordem associada a uma suposta epidemia de crack,
foi o Programa Crack é Possível Vencer e algumas normativas decorrentes,
especialmente a Portaria nº 3.088/2011, que instituiu a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) no âmbito do SUS. Ao incluir as comunidades terapêuticas na
Rede, estimulou e fortaleceu esses equipamentos com traços manicomiais, através
do forte financiamento público.
Em 2015, resultante das
disputas externas e internas no governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e de
uma correlação de forças desfavorável com significativa incidência de políticos
da bancada evangélica, foi aprovada a Resolução nº 1/2015, no Conselho Nacional
sobre Drogas (CONAD), que trata da regulamentação dessas comunidades. A
normativa explicitava que o
objetivo era interligar as entidades que promovem o acolhimento de pessoas com
problemas decorrentes do abuso ou da dependência de substância psicoativa com
as redes de cuidado, atenção, tratamento, proteção, promoção e reinserção
social do SUS, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e das demais
políticas públicas.
Embora a política de drogas,
particularmente no âmbito da saúde mental, seja permeada por disputas, avanços
e contradições, na sua materialidade historicamente operou-se a subsunção da
saúde coletiva à proibição, cujo fundamento está justamente no estatuto
médico-jurídico e em sua ideologia da diferenciação social: dependente-doente e
traficante-delinquente – estereótipos funcionais que se reatualizam, de acordo
com os interesses econômicos e políticos do poder, em cada momento.
Compreender a ditadura
civil-militar e suas heranças históricas, políticas e econômicas é extremamente
necessário, sobretudo diante da conjuntura de golpe na democracia e de um
governo reacionário pelo qual o Brasil passou recentemente, produzindo
profundas consequências ao povo brasileiro. Medidas de retração dos direitos
sociais e humanos, e das liberdades democráticas a partir da ampliação de
medidas de exceção do Estado brasileiro, eram a tônica do (des)governo
saudoso da ditadura, findado em 2022.
O regime autoritário de 1964
forjou uma política criminal de drogas com base no direito penal do inimigo,
com a repressão violenta daqueles considerados indesejáveis e uma política de
saúde mental privatista, manicomial, segregadora e enriquecedora do complexo
industrial médico-hospitalar. A nova (velha) Lei de Drogas do governo Bolsonaro
é herdeira deste processo e tem características muito particulares que
descendem das ideologias asseguradas pelo partido militar que governou o Brasil
nos últimos quatro anos, como se verá a seguir.
3 A
Crise Capitalista e a Reatualização do Proibicionismo Brasileiro
As crises fundamentam o
sistema capitalista e seu modo de produção, altamente destrutivo e desenfreado,
que não pode catalisar as intercorrentes geradas pelo próprio organismo. O
Brasil, país de economia dependente e periférica, é permeado por essas crises,
associado a uma formação social patriarcal-racista-capitalista. Nas
particularidades da questão social, as frações da classe trabalhadora mais
afetadas são as mulheres e as pessoas negras. Em períodos de racionalidade
neoliberal, o Estado tende a reduzir direitos ao restringir a política social a
ações compensatórias. A conta é paga pelos trabalhadores, já que as políticas
públicas assumem as formas de privatização e focalização, tornando-se cada vez
mais restritivas e levando ao alargamento das desigualdades.
A crise financeira de 2008
deu impulso a uma nova fase do neoliberalismo, mais ofensiva à classe
trabalhadora e com novas estratégias autoritárias no contexto de ascensão da
direita conservadora e antidemocrática, com a contração da agenda dos direitos
sociais e o avanço do crescente neoliberalismo, conforme afirmam Andrade,
Côrtes e Almeida (2021). Para eles, o neoliberalismo pode ser definido como uma
“[...] construção política da sociedade de mercado, constituindo o modo de
regulação ou o regime de governamentalidade
predominante na fase atual do capitalismo” (Andrade, Côrtes e Almeida (2021, p.
1).
Bases antidemocráticas
sempre tiveram alguma relação com o neoliberalismo, mas a crise de 2008
inaugurou uma fase essencialmente despótica, expandindo-se e fortalecendo-se no
âmbito do Estado, governos e gestões na contemporaneidade. Por isso, o
neoliberalismo autoritário não deve ser compreendido como o abandono da
democracia, mas sim como o seu esvaziamento (Andrade, Côrtes e Almeida, 2021).
Por aqui, a crise econômica
foi agravada pelo cenário político de 2013 e suas diversas consequências, o que
inclui a contestação do processo eleitoral pelo candidato derrotado à
Presidência da República (Aécio Neves, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB)), o ajuste fiscal rigoroso e a
implementação de políticas de mercado pelo governo Dilma Rousseff (PT), as
manifestações de rua no mesmo ano e a Operação Lava Jato e a criminalização da
política e da esquerda. Além disso, a grande mídia contribuiu para a criação de
um ambiente antipetista, o que levou às manifestações pró-impeachment e ao golpe de 2016,
que resultaram na deposição da presidenta legitimamente eleita.
Desde então, o país tem
presenciado uma proliferação de ideias e concepções reacionárias e
autoritárias, processo que contribuiu para a eleição do ultraconservador Jair
Bolsonaro, do Partido Liberal (PL). Como resultado, ocorreram alterações no
campo das legislações sociais como: a imposição do teto dos gastos públicos
(com graves impactos na educação e na saúde), as reformas trabalhistas,
previdenciárias e do ensino médio e, também, sérias mudanças nas normativas
voltadas às políticas de saúde mental e de drogas, na maioria com grandes
retrocessos e forte teor conservador.
Sob as bases do
neoliberalismo autoritário, os aparatos estatais e dispositivos penais foram
ampliados e passaram a intervir ainda mais no controle social punitivo da
classe trabalhadora. O traço autoritário da fase atual do capitalismo funciona,
no limite, para impor certo consenso de classe, seja através do convencimento
no campo das ideologias, seja da coerção pelo braço penal do Estado e de sua
necropolítica. De acordo com Carvalho e Rodrigues Jr. (2019), a extrema
direita, ligada politicamente ao Executivo, Judiciário e Legislativo, e em
articulação com as igrejas neopentecostais, molda uma narrativa ideológica
utilizando-se da grande mídia e das redes sociais para endossar seus projetos.
Surge então o fenômeno do bolsonarismo[6],
com atributos antidemocráticos, neofascistas e ultraneoliberais,
dando concretude ao golpe, por meio da eleição presidencial em 2018.
A chegada ao poder de um
governo de extrema direita resultou no avanço significativo de retrocessos no
campo dos direitos sociais e trabalhistas, especialmente nas políticas de saúde
mental e de drogas. Houve o fortalecimento de concepções punitivistas
e manicomiais e formas impositivas de tratamento, assim como o subfinanciamento
e o sucateamento dos serviços substitutivos, além do investimento público em instituições
asilares e privadas. É nesse cenário que se apresenta a reatualização do
proibicionismo nos aparatos legais das políticas sobre drogas no governo
Bolsonaro.
A análise da contrarreforma
nas legislações sobre drogas indica a substituição do modelo da saúde coletiva,
baseado na redução de danos e atendimento integral do indivíduo, pelo modelo
médico-jurídico, alinhado à doutrina da abstinência como única forma de
cuidado. Acompanha esse processo o sucateamento do SUS, destinando os recursos
públicos aos conglomerados médico-farmacêutico-hospitalares e às instituições
privadas vinculadas às igrejas, campo que detém a maior parcela de
gerenciamento das chamadas comunidades terapêuticas.
Nesse contexto, apesar dos
avanços da reforma psiquiátrica no país, sobretudo nos primeiros governos
petistas, os desafios à saúde mental se põem em constante ascenso.
Paralelamente ao aumento do número de Centros de Atenção Psicossocial e à
diminuição significativa das internações hospitalares, o histórico espectro da manicomialização/punição não foi superado. Exemplo disso
está na inserção das comunidades terapêuticas na RAPS, ainda em 2011, e na
criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, em 2023, já no
terceiro governo Lula.
Mesmo diante das denúncias
de ineficácia das comunidades terapêuticas[7]
e da reprodução da lógica manicomial, os últimos governos – de esquerda e de
direita – têm legitimado o repasse de altas quantias para o funcionamento
dessas instituições. Entretanto, após 2016, houve a ampliação significativa de
financiamento público. Conforme pesquisa publicada pelo Conectas/CEBRAP
(Financiamento [...], 2021, p. 7), “[...] o montante de investimento federal
entre 2017 e 2020 chegou a R$ 300 milhões e, considerados os valores repassados
por governos e prefeituras de capitais, atingiu-se R$ 560 milhões”.
Sob o lema trabalho,
disciplina e espiritualidade, grande parte dessas comunidades tem se confirmado
como espaços de inúmeras violações de direitos e de violências. Esse processo
representa uma contrarreforma psiquiátrica em curso no país. As alterações na
Política Nacional sobre Drogas e na Lei de Drogas, em 2019, trouxeram
consequências tanto para o campo da assistência, uma vez que ambas suprimem a
estratégia de redução de danos, reinserindo a lógica da abstinência e da
segregação como técnica de tratamento, quanto no campo da segurança, através da
manutenção e da intensificação dos mecanismos de controle, repressão e punição.
A nova (velha) Lei de Drogas
promove uma verdadeira reatualização proibicionista no país. Substitui o modelo
de saúde coletiva e a estratégia da redução de danos pela matriz biomédica e da
abstinência, priorizando a internação hospitalar ou asilar e a medicalização.
Estabelece internação involuntária e tratamento compulsório, fortalecendo-se
como um dispositivo de controle social. Elege as comunidades terapêuticas como
espaços privilegiados para a realização de tratamento no campo dos usos
problemáticos de substâncias, reeditando as práticas manicomiais como forma de
punição para aqueles que não foram abduzidos pelas malhas do direito penal.
4 Questões finais
Os argumentos aqui
apresentados possibilitam afirmar que a reforma psiquiátrica no Brasil
permanece um projeto inconcluso e em disputa. Embora haja avanços no campo da
saúde mental, houve um significativo crescimento e fortalecimento de ideias
reacionárias, com sérias consequências para as pessoas que usam psicoativos.
Com o avanço do
neoliberalismo autoritário no país, que se utiliza da crise econômica como catapulta
para o seu projeto de barbárie, no campo das políticas sobre drogas
reavivaram-se nuances do passado. Expressão disso é a reatualização do
proibicionismo, seja no endurecimento da política de guerra às drogas, seja na
indústria das internações e nos altos investimentos em instituições privadas,
confessionais e de caráter manicomial, em detrimento dos serviços públicos
substitutivos e comunitários. Isso revela que o projeto de privatização da saúde
pública está em pleno vigor.
Ainda assim, é também um
período que enuncia a velha luta de classes em intensa polarização. A
resistência não foi aniquilada, mesmo em correlação de forças desfavoráveis. As
lutas antiproibicionista e antimanicomial são exemplos
disso, como os movimentos em defesa da cannabis
para usos medicinais, as Marchas da Maconha e os coletivos pela legalização das
drogas.
Nesse contexto, reafirma-se
a importância dos movimentos sociais como forças imprescindíveis para frear os
avanços conservadores na arena de disputas. O ano de 2023 será palco da V
Conferência Nacional de Saúde Mental, numa conjuntura favorável à disputa pelos
movimentos populares. O novo governo Lula será permeado por contradições,
avanços e recuos no processo de reconstrução no pós-governo autoritário.
Esperança-se e se luta por uma realidade mais digna e cidadã para todos os que
defendem um país sem prisões nem manicômios.
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________________________________________________________________________________________________
Cynthia Studart ALBUQUERQUE Trabalhou na concepção e delineamento do artigo, e na sua
revisão crítica.
Professora do Curso de Serviço
Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE).
Professora do Mestrado Acadêmico de Serviço Social, Trabalho e Questão Social
da Universidade Estadual do Ceará (MASS/UECE). Doutora em Serviço Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
André de
Menezes GONÇALVES Trabalhou na concepção e redação do
artigo, e na aprovação da versão a ser publicada.
Professor do
Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGSS/UERJ).
Leandro
Sobral de LIMA Trabalhou na análise e interpretação dos dados, e na revisão do
artigo.
Discente de
Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (PPGSS-UFRN). Graduado em Serviço Social (IFCE) e Mestre
em Serviço Social, Trabalho e Questão Social (MASS-UECE). Atualmente Professor
do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Instituto Federal do Ceará campus
Iguatu.
Liziane
Silva CRUZ Trabalhou na concepção e redação do artigo, e na análise e
interpretação dos dados.
Discente do
Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social, da Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal
do Tocantins (UFT).
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* Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Professora do Curso de Serviço Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE – campus Iguatu). Professora permanente do Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE, Igatu, Brasil). Rodovia Iguatu / Várzea Alegre, km 05, s/n, Vila Cajazeiras, Iguatu/CE. E-mail: cynthia.studart@ifce.edu.br.
** Assistente Social. Mestre em Planejamento e Políticas Públicas. Professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG, Campina Grande, Brasil). Rodovia Antônio Mariz, BR 230 – km 466,5 CEP. 58.800.000 – Fazenda Cesário - Sousa-PB. E-mail: andre.menezes@professor.ufcg.edu.br.
*** Assistente Social. Mestre em Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Professor do Curso de Serviço Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. (IFCE, Iguatu, Brasil). Rodovia Iguatu/Varzea Alegre, km5, SN, Vila Cajazeiras, Iguatu (CE), CEP: 63503790. E-mail: leandro.sobral@ifce.edu.br.
**** Assistente Social. Discente do Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade Estadual do Ceará. (UECE, Fortaleza, Brasil). Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus Itaperi, Fortaleza (CE), CEP: 60.714.903. E-mail: liziane013@gmail.com.
© A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial. O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
[1] Faixa 4 do álbum Roteiro pra Aïnouz. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nUl7Q7m_oQA. Acesso em: 1º maio 2023.
[2] “[...] Poderíamos apostar que a noção de necropolítica de Mbembe (2018) está ancorada na materialidade da produção da vida social, ou seja, pela conexão entre estruturas sociais como economia, racismo, Estado e direito, que são funcionais à reprodução social. Em síntese, há uma economia política da morte no sistema do capital contemporâneo e, no caso brasileiro, aprofundada e legitimada pelo Chefe de Estado” (MADEIRA; ALBUQUERQUE; CAVALCANTE, 2022, p. 217).
[3] Houve outras legislações no Brasil de conteúdos proibicionistas, como a Lei do Pito do Pango (1830), com seu conteúdo racista e eugênico, que reprimia o uso da maconha, associando-o negativamente às religiões de matrizes africanas e à bandidagem das classes populares, notadamente as negras.
[4] Para Albuquerque (2018), esse direcionamento não foi um acaso à época, pois “[...] a juventude associou o consumo de drogas à luta pela liberdade. A partir das experiências do ‘Maio de 68’ na Europa e, também, das experiências do movimento de contracultura nas Américas, na década de 1960, as substâncias psicoativas passaram a ter uma conotação libertária, tendo seu consumo vinculado às manifestações políticas democráticas, aos movimentos contestatórios, à resistência à ditadura, especialmente as drogas psicodélicas” (Albuquerque, 2018, p. 128).
[5] Apesar de a atual Lei de Drogas no país não conferir a condição de hediondez ao crime de tráfico, após a vigência da Lei nº 13.964, que altera a legislação e os processos penais, tem prevalecido forte tendência no direito penal a tal equiparação, aumentando consideravelmente as massas privadas de liberdade, seja em presídios e seus derivados, seja em centros educacionais, comunidades terapêuticas, hospitais manicomiais e judiciais etc.
[6] O bolsonarismo pode ser definido como um fenômeno complexo e multifatorial que irrompeu na realidade brasileira com muita força, trazendo “[...] elementos que são altamente corrosivos para a democracia, como a retórica antissistema e a instrumentalização dos anseios de renovação política, o louvor e uma justiça messiânica, o antipartidarismo, a visão do adversário político como inimigo a ser aniquilado e o anti-intelectualismo, fundamentais na vitória de Bolsonaro” (SOLANO, 2019, p. 319).
[7] Dois importantes documentos fornecem críticas à lógica manicomial e proibicionista comumente presente em certas comunidades terapêuticas: o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas – 2017 (Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, 2018), e o Relatório de Fiscalização Serviço Social e a Inserção de Assistentes Sociais nas Comunidades Terapêuticas no Brasil (Conselho Federal de Serviço Social, 2018).