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Um pé dentro e um pé fora:

refletindo sobre a colaboração científica internacional

 

One foot in and one foot out: reflecting on international collaboration

 

Arinola ADEFILA*

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0001-9759-0104 

 

Gary SPOLANDER**

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-2758-4555 

 

Eduardo MAIA***

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-9347-8841 

 

Resumo: A colaboração científica internacional em pesquisa tem aumentado constantemente à medida em que o ensino superior se torna mais mercantilizado. Embora haja muitos benefícios óbvios na colaboração internacional, há também vários desafios que geralmente não são discutidos de forma crítica. Além das questões inerentes às parcerias desiguais entre países ricos e de baixa renda, esses tipos de parcerias podem ser problemáticos se não acentuarem uma colaboração que permita maiores oportunidades de aprimorar e desafiar nossas ideias e compartilhar experiências e conhecimentos. Este artigo apresenta uma reflexão das experiências vividas por três acadêmicos que estão envolvidos em processos de colaboração científica internacional há mais de quarenta anos.

Palavras-chave: Colaboração científica internacional. Colaboração acadêmica.

 

Abstract: International Research Collaboration has been steadily increasing as higher education has become more marketized. Though there are many obvious benefits for collaborating internationally, there are also several challenges that are often not critically discussed. Beyond the issues inherent in unequal partnerships between rich and low-income countries, these kinds of partnerships can be problematic if they do not accentuate collaboration that permits enhanced opportunities to improve and challenge our ideas and share various experiences and knowledges. This paper presents a reflection of lived experiences by three academics who have been involved in International Research Collaboration for over forty years.

Keywords: International Research Collaboration. Academic collaboration.

Submissão em: 4/7/2023. Aceito em: 10/7/2023.

Introdução

 

A

 internacionalização do ensino superior tem sido promovida por políticos, universidades e pesquisadores por diversas razões, incluindo o aumento da mercantilização da educação, juntamente com a colaboração científica para resolver desafios globais. Os processos de implementação da colaboração geralmente são dominados por estruturas neoliberais e uma inclinação eurocêntrica significativa devido à dependência de financiamento dos países ricos. Embora os acordos formais entre culturas geográficas, linguísticas e disciplinares estejam emaranhados em negociações complexas e perspectivas divergentes, falta reflexão crítica sobre como a colaboração científica internacional influencia as várias partes interessadas - pesquisadores, alunos, comunidades, bem como as instituições e comunidades envolvidas em projetos de pesquisa ou troca de conhecimento.

 

Este artigo reflete sobre a experiência de dois acadêmicos radicados no Reino Unido, ambos nascidos no exterior, e de um estudante de doutorado brasileiro que estava realizando parte de sua pesquisa de doutorado no Reino Unido. Todos os três têm experiência de trabalho e estudo em instituições acadêmicas do Reino Unido na Inglaterra e na Escócia, além de terem experiência significativa em pelo menos um outro ambiente institucional internacional do hemisfério sul que não seja sua instituição de origem. Com base em nosso próprio trabalho e em nossa experiência pessoal de internacionalização, refletimos sobre a experiência de colaboração internacional entre países no centro e na periferia do capitalismo. Somos interdisciplinares em nossa abordagem, com nossas respectivas disciplinas sendo serviço social, educação e economia política. Além disso, também colaboramos com uma equipe de redação internacional bem-sucedida, o que nos permitiu examinar, explorar e utilizar conceitos e metodologias transdisciplinares. Nos últimos dois anos, publicamos em conjunto dois livros editados e seis publicações em periódicos de alto nível em nossa parceria.

 

Por que a internacionalização é importante na academia

 

A colaboração científica internacional tem sido um fator significativo para as instituições de ensino superior (IES) sediadas no Reino Unido na última década em termos de viabilidade econômica por meio do recrutamento de estudantes internacionais, uma vez que o governo reduziu subsídios. A isso somam-se ainda os desafios globais que exigem cada vez mais parceria e cooperação internacionais. A colaboração em pesquisa é considerada uma abordagem estratégica para aumentar a competitividade, a riqueza econômica e a prosperidade das nações e comunidades de países (Comissão Europeia, 2021). Em relação ao ensino superior, as instituições internacionalizadas estão cada vez mais normalizadas (para a distinção entre globalização e internacionalização, ver Altbach e Knight (2007)). As instituições de ensino superior estão mais conscientes do que nunca do posicionamento dos cursos de estudo globalmente para garantir a competitividade de seus formandos (Lee et al., 2013). Metcalfe e Blanco (2021) enfatizam que as atividades colaborativas, os interesses compartilhados e o impacto social e profissional são os principais benefícios dessa forma de colaboração internacional.

 

Colaboração científica internacional possui várias definições, dependendo do contexto, de estratégias institucionais complexas e de dimensões geopolíticas mais amplas. Com foco na natureza transnacional da parceria, Metcalfe e Blanco (2021) observaram que, antes da COVID-19, essa forma de colaboração já exigia relacionamentos de longa distância, com número reduzido de reuniões presenciais. Essa forma de abordagem interdisciplinar internacional promove e tem sido vista por alguns acadêmicos (ver, por exemplo, Adams (2013), de Grijs (2015), Specht e Crowston (2022)) como uma abordagem inovadora para a solução de problemas e o desenvolvimento de capacidades.

 

Também é importante observar como as forças de mercado têm se estabelecido cada vez mais como parte do ensino superior (Teixeira; Dill, 2011). A mercantilização do ensino superior está alinhada com reformas abrangentes de forte tendência corporativa (Brown, 2015). Embora isso tenha impulsionado exponencialmente a colaboração científica internacional, Bendixen e Jacobsen (2017) argumentam que isso eliminou a qualidade no meio acadêmico. Velayutham (2021) argumenta que, embora a mercantilização tenha ampliado o acesso ao ensino superior, ela também está apagando o valor do ensino universitário como discriminador de talento e capacidade. A mercantilização levou à redução do financiamento estatal e à criação de fendas que acentuam o impacto das disparidades de renda e riqueza. Velayutham (2021) aponta ainda evidências que demonstram como o ensino superior é agora uma ferramenta contundente para a mobilidade social.

 

Consideração crítica do papel da internacionalização no compartilhamento de ideias, ideologia e neoliberalismo

 

Nos intercâmbios entre membros de redes em desenvolvimento ou existentes, há o risco de que qualquer um dos membros possa inadvertidamente desenvolver padrões de trabalho que coloquem em risco os padrões de trabalho existentes e, assim, ameacem sua capacidade ou a do grupo de capitalizar o potencial de trabalho conjunto. Isso pode ocorrer se não houver atenção e comprometimento suficientes com o processo de trabalho e relacionamentos (Engelbrecht et al., 2014). Quando os parceiros acadêmicos em potencial adotam uma perspectiva mais isolacionista por vários motivos, sejam eles econômicos, desinteresse pelo idioma ou expectativa de que outros devam liderar, isso pode resultar em perspectivas que estabelecem distinções entre colaborações nacionais e internacionais, embora tenha sido argumentado que essas distinções são porv vezes ilusórias (Lee, 2011).

 

Outros (ver, por exemplo, Manathunga, 2006; Lee, 2011) argumentam que o engajamento internacional também pode assumir as formas colonial e pós-colonial. Em um contexto internacional, o modo de engajamento colonialista é comum nas interações entre colegas de redes emergentes e redes estabelecidas. Neste paradigma, os representantes de redes estabelecidas veem seus colegas internacionais como a si mesmos, porém em um estágio anterior de desenvolvimento e, portanto, necessitando apoio para se envolverem plenamente. Embora não necessariamente signifique uma lente de dominação, é considerado colonial, pois, reconhece de forma imprecisa ou ignora o contexto cultural e, portanto, enxerga o colega internacional como outro (Manathunga, 2006). Isso pode resultar em poucas concessões oferecidas ao colega internacional, e as reuniões geralmente são dominadas por processos estilizados de respeito, hospitalidade e deferência entre os anfitriões e os visitantes, resultando em pouca  transformação (Manathunga, 2006).

 

A forma como a troca de conhecimento é estruturada influencia o impacto que um projeto pode ter. A ambiguidade e a especificidade do conhecimento podem prejudicar sua transferência, ao passo que a aprendizagem e o compartilhamento de conhecimento podem aumentar sua transferência (Khanna; Gulati; Nohria, 1998; Simonin, 1997, 1999). Um engajamento mais crítico ocorre dentro da perspectiva pós-colonial, que permite a exploração e o engajamento de identidades, facilitando, assim, as trocas culturais (Manathunga, 2006, p. 21). Da mesma forma, fundamentos ontológicos e epistemológicos, bem como práticas profissionais, são exploradas e debatidas, facilitando o debate e o envolvimento acadêmico (Manathunga, 2006; Spolander et al., 2016). A pesquisa e a linguagem acadêmicas e o ensino através de diferentes idiomas aumentam a complexidade, exigindo uma exploração cada vez maior (Spolander et al., 2016). Assim, a colaboração eficaz possibilita uma prática educacional adaptável, apoiando a colaboração internacional a fim de permitir uma prática de desenvolvimento educacional global flexível e diferenciada (Lee et al.,    2013).

 

Cultura acadêmica e seus legados

 

As barreiras à transferência de conhecimento (ver, por exemplo, Brown; Chan; Lai, 2006; Joseph; Laband; Patil, 2005) reduzem o impacto de publicações revisadas por pares, o que é ainda mais exacerbado se os autores não se apropriarem do artigo. Em contrapartida, os artigos altamente citados geralmente têm maior impacto do que os menos citados (ver George, 2016; George et al., 2016). Vick (2019), ao analisar o impacto da colaboração internacional de IES, relata um nível de citação e leitura duas vezes maior em artigos com colaboração internacional em relação a artigos com colaboração nacional. No entanto, a complexidade da atribuição do autor aumenta assim como os desafios na tentativa de entender a produtividade da pesquisa e o impacto das citações (Lee et al., 2013). Da mesma forma, o alto custo para publicar em acesso aberto também afeta a correlação entre os números de citações e a importância (Mcmannus et al., 2021). Para as IES brasileiras, os benefícios da colaboração internacional incluem o aumento da visibilidade da pesquisa brasileira, o aumento do número de colaborações internacionais nas IES brasileiras, o aumento da mobilidade acadêmica brasileira e a atração de um número maior de acadêmicos e alunos.

 

Reflexões sobre o trabalho internacional através das reflexões dos autores

 

A literatura aponta a importância da colaboração internacional para facilitar a colaboração, as publicações e o intercâmbio e desenvolvimento de conhecimento transdisciplinar. Nesta seção, refletiremos brevemente sobre nossas aspirações e experiências de colaboração internacional, especialmente entre o Reino Unido e o Brasil.

 

Reflexões dos autores sobre o contexto e a experiência pessoal de colaboração internacional

 

1.                  Como filha de acadêmicos, fui imersa na vida acadêmica desde o nascimento. Nasci durante as bolsas de pós-graduação de meus pais e me sinto um produto da colaboração científica internacional. Quando meus pais foram patrocinados por agências nacionais ou internacionais para fazer cursos no norte global, a expectativa era de trabalho colaborativo. Havia uma dose saudável de capacitação por parte das universidades mais estabelecidas em países de alta renda, incluindo financiamento para o desenvolvimento de programas e instituições. Tendo como pano de fundo a Guerra Fria, muitos dos primeiros alunos  da família estudaram e realizaram pesquisas nos Estados Unidos/Europa ou na União Soviética. As atividades acadêmicas foram combinadas com interações socioculturais e políticas, resultando em relacionamentos ricos e interações prolongadas que expandiram as redes de colaboração científica internacional nos países participantes.

 

O financiamento político na época da Guerra Fria era ao mesmo tempo um exercício de recrutamento; os financiadores queriam disseminar suas ideias políticas e econômicas e explorar os benefícios políticos da colaboração internacional. Alguns países de baixa renda receberam financiamento de ambos os lados, embora as parcerias desiguais tenham criado longas sombras no cenário da pesquisa em muitos destes países. Nas últimas três décadas, o alinhamento da colaboração científica internacional envolve um conjunto separado de dinâmicas políticas. A colaboração ainda é financiada pelos governos e os objetivos dessa colaboração também tendem a ter tons políticos e econômicos distintos. Diversos países impõem condições sobre o financiamento alocado, o que inevitavelmente molda o tipo de colaboração e os tipos de pessoas que podem participar. Quando colaboro com colegas, estou ciente da dinâmica de poder evidente nos critérios de financiamento e de como isso pode moldar os relatórios e as oportunidades de pesquisas futuras. Da mesma forma, o financiamento liderado pela indústria tem interesses econômicos semelhantes, levando a projetos guiados pela necessidade subjacente de atender a resultados rigorosos. O impacto positivo da colaboração científica internacional é turvado, de várias maneiras, por emaranhados humanos de exploração, parcerias epistêmicas distorcidas e modelos de financiamento deficientes.

 

2.                  Fui a primeira geração da minha família a frequentar a universidade, pois minha família era profundamente comprometida com a educação. Obtive meu diploma com honras na Universidade da Cidade do Cabo e, logo após a formatura, deixei o país, pois não queria prestar serviço militar durante o período do apartheid. Tive que escolher entre deixar o país ou cumprir oito anos de prisão como objetor contencioso. Mudei-me para o Reino Unido, mas, ao validar minha qualificação profissional, fiquei surpreso com o fato de que, embora a qualificação profissional no Reino Unido fosse um diploma de dois anos, as qualificações realizadas no exterior precisavam ser de nível superior e ter quatro anos de duração para serem reconhecidas como equivalentes. Inicialmente, trabalhei para uma grande multinacional japonesa, o que  envolvia muitas viagens com todas as complicações de não possuir um passaporte britânico. Retornei ao meu histórico de prática profissional e recomecei meus estudos, concluindo vários mestrados antes do doutorado. Ao ingressar no meio acadêmico, pude novamente realizar trabalhos de colaboração internacional em uma estrutura colaborativa, ao invés de  estar em um ambiente comercial mais competitivo.

 

Sempre me interessou a maneira pela qual podemos colaborar e desenvolver uma compreensão transdisciplinar dos desafios, apoiar o desenvolvimento de alunos e funcionários e compartilhar ideias, compreender e desafiar nosso pensamento e compreensão como colegas. Minha área é relativamente recente e a maioria dos profissionais não está envolvida diretamente na prática ou no aprendizado internacional, o que cria desafios sobre como desenvolver a profissão em uma base internacional, aprender e compartilhar o aprendizado com colegas e explorar criticamente os desafios contemporâneos.

 

3.                  Desde a minha adolescência, quando frequentava um curso de inglês, até os meus vinte e tantos anos, quando me mudei para outra cidade para cursar o doutorado, o apoio da minha família teve papel fundamental na minha jornada acadêmica. Com o incentivo deles, concluí meus cursos de graduação e mestrado, apesar das dificuldades de conciliar uma dupla jornada de trabalho em um banco e realizando pesquisa.

 

O doutorado representou a primeira oportunidade de mergulhar inteiramente na pesquisa e abriu as portas para a possibilidade de estudar no exterior. Felizmente, eu estava em um programa de pós-graduação cercado por pesquisadores seniores que continuamente incentivavam processos de colaboração internacional. Esse apoio foi fundamental para me ajudar a estabelecer contatos iniciais e preencher lacunas que, de outra forma, teriam sido difíceis de superar. Anteriormente, minhas interações com pesquisadores internacionais se limitavam a pessoas de língua espanhola da América Latina e, na maioria das vezes, não se tratava de colaboração internacional. Entretanto, na Escócia, tive o privilégio de interagir com pesquisadores de doutorado de lugares tão diversos quanto Irã e Iraque, Alemanha e Gana, ou Índia e Bulgária.

 

Embora as possibilidades de colaboração interdisciplinar fossem limitadas devido às diferentes dos demais pesquisadores que se inseriam nas áreas de Farmácia, Engenharia e Computação, essa rica mistura cultural ofereceu oportunidades de aprendizado inestimáveis, bem como desafios de adaptação significativos.

 

Aspirações e sonhos individuais

 

1.                  Um dos fatores motivadores da minha decisão de fazer parte dos meus estudos de doutorado no exterior foi a oportunidade de colaboração internacional e exposição a diferentes práticas de pesquisa. No entanto, ser um estudante de doutorado implica em navegar em uma posição um tanto delicada. Além dos desafios comuns às colaborações internacionais, trabalhar ao lado de pesquisadores mais experientes gera outras preocupações. Essas preocupações incluem o medo de não conseguir realizar contribuições significativas, sentir-se desqualificado e possíveis dificuldades nos relacionamentos interpessoais.

 

2.                  O envolvimento em colaboração internacional durante os estágios iniciais de uma carreira acadêmica pode ser uma oportunidade decisiva para um jovem pesquisador. A interação com acadêmicos de várias partes do mundo, cada um com seu próprio histórico e perspectiva, enriquece a vida acadêmica de várias maneiras. Por um lado, há benefícios relacionados à carreira, como publicações, expansão da rede acadêmica e abertura de novas perspectivas profissionais ou de colaboração. Por outro lado, vantagens mais amplas vão além do âmbito acadêmico, incluindo uma visão de mundo mais ampla, maior confiança e o desenvolvimento de novas habilidades.

 

Para um aluno de doutorado, as primeiras experiências de colaboração internacional servem como oportunidades inestimáveis de aprendizado. A busca pela colaboração internacional em si é um objetivo em mente. Entretanto, além de estar associado a um grupo de pesquisa ou a uma publicação, há um desejo genuíno de contribuir ativamente e ter uma função significativa na pesquisa em andamento. O reconhecimento de um pesquisador júnior pode ser demonstrado de várias maneiras, talvez a mais significativa sendo a criação de um ambiente que incentive a  expressão de dúvidas e opiniões e, ao mesmo tempo, ofereça oportunidades de contribuição.

3.                  Meu sonho em termos de participação internacional é que tenhamos igualdade nas oportunidades de participação. Estou ciente de que, para muitos colegas, alunos e estudantes de todo o mundo, o acesso a pesquisa, periódicos revisados por pares e oportunidades de intercâmbio são limitados pelo acesso a financiamentos, vistos (especialmente para o Reino Unido, onde o atual governo tem restringido o acesso) ou, de modo geral, pelas oportunidades de participar de forma igualitária das oportunidades de pesquisa e ensino.

 

 

 

 

Condições ideais individualizadas para colaboração científica internacional

 

Promover um alto nível de trabalho em equipe cooperativo exige tempo e esforço, principalmente em colaborações internacionais em que as diferenças culturais e de idioma podem ser um desafio. O desenvolvimento da confiança, do coleguismo e de um senso de justiça e responsabilidade é a base de qualquer colaboração de pesquisa bem-sucedida, independentemente da distribuição geográfica da equipe (De Grijs, 2015).

 

Como cidadãos planetários, precisamos desenvolver nossas capacidades colaborativas para pensar glocalmente sobre os problemas que enfrentamos. Glocal refere-se ao pensamento local com uma visão do global (Patel, 2020). Uma das principais barreiras à colaboração positiva é a incapacidade de nos comunicarmos com eficiência. Usamos as palavras de maneiras complexas e nuançadas. A comunicação glocal é fundamental para uma colaboração eficaz.

 

Em vários de meus relacionamentos com colaboração científica internacional, um dos principais desafios tem sido a comunicação eficaz. Os processos de colaboração ideais precisam desenvolver uma linguagem compartilhada. Isso vai além do uso de um idioma de comunicação, como o inglês ou o francês que são amplamente utilizados para o entendimento compartilhado das dimensões ontológicas, epistemológicas e axiológicas das palavras e do significado.

 

O significado compartilhado é importante, especialmente porque os relacionamentos em colaborações internacionais ultrapassam as fronteiras nacionais e culturais. O significado das palavras está impregnado de dinâmicas culturais, políticas e sociais. É necessário ter uma compreensão abrangente dos contextos em que a colaboração é realizada, incluindo as idiossincrasias históricas e as relíquias da influência colonial ou imperialista. Esse processo exige confiança e disposição para assumir riscos, comunicar-se com empatia e uma dose saudável de paciência quando a compreensão e a criação de significados demoram a se desenvolver.

 

As colaborações internacionais em que trabalhamos durante muitos anos sobreviveram devido ao investimento em tempo, confiança, empatia e desenvolvimento. Temos parceiros que assumem a função de conduzir a parceria, incentivar a comunicação, trabalhar na redação conjunta e desenvolver personas de ativistas e pesquisadores. De certa forma, todos queremos fazer a diferença no mundo real.

 

Além disso, os eventos de disseminação e os resultados de colaborações internacionais precisam ser descontextualizados para os diferentes públicos com os quais nos comunicamos. Mais produtos em formatos alternativos estão agora prontamente disponíveis na forma de poemas, arte, blogs, eventos comunitários etc. É muito importante reconhecer a linguagem e a criação de significados que a equipe teria desenvolvido, garantindo que o entendimento compartilhado seja adequadamente traduzido para as comunidades acadêmicas, cívicas, empresariais ou políticas como pretendido. Seria prejudicial exigir que aqueles que não estão envolvidos na parceria entendam o que desenvolvemos no cadinho de uma parceria estendida de colaboração internacional.

 

Colaborações científicas internacionais que utilizam linguagem de parceria para se comunicar com os outros são frequentemente chamados de elitistas. Isso é particularmente verdadeiro quando o financiamento é dominado por agências estrangeiras. A demanda e, possivelmente, o desejo de tornar os resultados discerníveis para o financiador negam a acessibilidade para outros. Em 2019, participei de um workshop financiado pelo British Council e pela Fapes no Brasil. Liderei o workshop com uma colega no Brasil com quem havia desenvolvido um relacionamento de longa data. A primeira coisa que procuramos fazer foi desenvolver um entendimento compartilhado das terminologias. Estávamos usando palavras complexas como desvantagem, pobreza e capital social. Sabíamos que elas tinham significados diferentes.

 

Minha experiência com grandes projetos internacionais mostra que há um investimento considerável em tempo e compromisso para desenvolver colaborações científicas internacionais, que levam tempo e são construídas com base em relacionamentos e confiança em termos de entrega de resultados de pesquisas ou projetos. Quase inevitavelmente, isso exige que os colaboradores mantenham seus compromissos uns com os outros muito tempo depois de não estarem mais fisicamente juntos, mesmo quando suas instituições empregadoras estão incentivando e fazendo exigências conflitantes. Isso também exige que a burocracia das organizações empregadoras seja capaz de fornecer uma função facilitadora no apoio a esse relacionamento e ao desenvolvimento colaborativo, sem exigências de medidas artificiais de desempenho.

 

Reflexões individuais sobre diferenças culturais, experiências pessoais e culturais e financiamento

 

1.                         Em minha experiência, colaborações internacionais dependem das redes e da boa vontade de um indivíduo. Quando bons relacionamentos e parcerias expansivas florescem, alguém fica  responsável pela maior parte da comunicação. Em meu trabalho com colegas no Brasil, em Gana e na Finlândia, fui responsável pela maior parte da comunicação. A vantagem de unir forças e encontrar sinergias de especialização incorpora o risco de invisibilidade de pesquisadores individuais dentro de uma equipe maior. Em alguns casos, as contribuições de pesquisadores mais jovens podem ser subsumidas.

 

2.                         Um exemplo de como as diferenças culturais podem influenciar uma colaboração é o projeto iniciado com um bibliotecário em uma instituição escocesa. Durante um mês, tivemos reuniões semanais nas quais ele me apresentou técnicas e ferramentas que não são usadas com frequência ou que não são facilmente acessíveis no Brasil.

 

Uma delas consistia em um método de extração de dados relevante para minha tese. Por meio de nossas discussões, concebi uma proposta de artigo que se beneficiaria muito da experiência do bibliotecário. Embora meu pensamento imediato tenha sido propor uma colaboração para esse artigo, eu não tinha certeza sobre como abordar a situação. Para evitar mal-entendidos, em primeiro lugar, conversei com um colega que é professor da instituição para entender melhor os processos de coautoria no Reino Unido, como iniciar uma conversa e se essa proposta seria interessante. Individualmente, essas etapas extras podem parecer insignificantes, porém seu  impacto cumulativo não deve ser subestimado.

 

Um aspecto que teve uma grande influência positiva na dinâmica cultural foi o ambiente de trabalho. Fui designado a uma mesa em um espaço compartilhado apenas por alunos de doutorado. Esse ambiente permitiu a interação com indivíduos de diferentes disciplinas e, mais importante, de vários países e culturas, todos se adaptando à cultura acadêmica local. Embora não esteja diretamente relacionado à colaboração internacional, esse intercâmbio ajudou a atenuar o impacto das diferenças culturais durante meu período na Escócia.

 

Em termos gerais, as diferenças culturais entre o Brasil e o Reino Unido podem passar despercebidas à primeira vista, pois um substrato ocidental comum resulta em normas e práticas cotidianas semelhantes. Entretanto, à medida que as relações interpessoais se desenvolvem, sejam elas pessoais ou profissionais, as diferenças sutis na cultura acadêmica se tornam aparentes e podem dificultar a colaboração internacional. Kwiek (2020) identifica como as influências sobre a colaboração internacional incluem a disciplina acadêmica de cada organização, a instituição empregadora e o tipo de vínculo, além da estrutura nacional de recompensas. Isso não é particularmente óbvio.

 

Vários fatores, como diferentes ferramentas, programas e habilidades, bem como diferentes abordagens para organizar e dividir a carga de trabalho, exigem adaptação contínua, principalmente nos estágios iniciais. Até mesmo algo tão simples como enviar um e-mail pode representar uma pequena dificuldade, exigindo mais tempo e esforço devido às formalidades específicas com as quais é preciso se acostumar.

 

Reflexões sobre as barreiras individualizadas vivenciadas

 

1.                         Colaborações científicas internacionais consomem tempo e exigem extensa gestão, coordenação e intercâmbio contínuo entre as equipes. Um grande desafio para as equipes é o acordo intercultural. Com frequência, nossas parcerias precisam primeiro desvendar os vários significados das palavras, os propósitos em camadas e as metas interpessoais. Em um caso específico, descobri que as suposições que prevalecem na  mídia e em algumas culturas são trazidas à tona. Alguns colegas estavam duvidando da experiência e das motivações dos colegas que trabalhavam em um país africano. Senti que os colegas de países de baixa renda precisavam demonstrar sua capacidade de realizar tarefas. O incrível esforço despendido na execução de suas tarefas nem sempre é valorizado. É por essas razões que os programas de intercâmbio internacional apóiam uma apreciação mais profunda dos contextos. Esse processo leva tempo. Se os pesquisadores puderem trabalhar na construção de bons relacionamentos, os colegas passarão a valorizar as circunstâncias epistemológicas e sociopolíticas em que seus colegas trabalham, aplicando constantemente uma lente homogênea. As tarefas podem então ser distribuídas e as responsabilidades cumpridas, individualmente ou em grupos que demonstrem proficiência.

 

2.                         Lidar com os desafios de comunicação, especialmente quando os pesquisadores trabalham em locais diferentes por longos períodos, exige estilos de comunicação claros para criar compreensão, confiança e sensibilidade; planejamento social avançado; e suporte tecnológico funcional. Embora o estabelecimento de colaborações regionais ou domésticas já possa ser um desafio por vários motivos mundanos, essas dificuldades podem ser ampliadas em um contexto internacional. Por exemplo, paradigmas de pesquisa conflitantes em diferentes contextos nacionais, desacordos sobre convenções ou padrões de prática, bem como a falta de conformidade com protocolos de pesquisa internacionais podem afetar a integridade do projeto de pesquisa conjunta. Além disso, os colaboradores podem não compartilhar o mesmo jargão profissional ou até mesmo falar o mesmo idioma de trabalho com proficiência suficiente (De Grijs, 2015).

 

3.                         As colaborações de pesquisa geograficamente dispersas, no entanto, impõem custos adicionais de coordenação para superar a distância geográfica e as diferenças institucionais. Em meu trabalho, algumas boas ideias tiveram que ser engavetadas devido a custos que não podiam ser arcados pelas instituições parceiras. Por exemplo, os pesquisadores das instituições finlandesas têm acesso a financiamento para engajamento público, o que lhes permite explorar colaborações entre vários institutos antes de se comprometerem com projetos de longo prazo. Quando o custo e o tempo não são investidos para criar parcerias em colaboração internacional, uma coordenação menos frequente e menos eficaz pode gerar mais conflitos, falta de monitoramento e, consequentemente, interesses divergentes.

 

A colaboração científica internacional exige uma sincronização intensa, e as "[...] colaborações científicas espacialmente dispersas [...]" (Cummings; Kiesler, 2005, p. 704, tradução nossa) exigem uma coordenação substancial para reunir ideias e conhecimentos especializados de forma eficaz. Os principais desafios destacados por Dusdal e Powell (2021) são: 1) Organização e gerenciamento estruturado de trabalho e tarefas; 2) Expectativas e normas culturais e organizacionais contrastantes; 3) Diferenças de estágio de carreira nas necessidades do pesquisador; 4) Estilos contrastantes de comunicação (troca de informações) e trabalho; 5) Comunicação em equipe e habilidades linguísticas; 6) Distribuição de trabalho; 7) Restrições de tempo (duração limitada do projeto); 8) Pontos fortes e fracos teóricos e metodológicos diversos. É interessante que nossas reflexões acima tenham capturado essas características.

 

O desafio de concluir este artigo: conclusão

 

Para os três autores, escrever este artigo foi um desafio, mas refletir sobre os motivos também foi complexo. A pressão para escrever foi, em parte, uma pressão contínua, mas tivemos dificuldades para entender o que poderia ser útil e significativo para o leitor e como isso poderia causar impacto. Éramos três autores, com diferentes perspectivas e experiências de colaboração internacional. Ficamos angustiados com com o conteúdo, o que seria sensato e acadêmico.

 

O contexto neoliberal do Reino Unido resultou em uma abordagem mais funcional e gerencial que, por vezes, se concentra nos negócios que essa forma de colaboração pode alcançar, ou seja, financiamento, estudantes internacionais e publicações. Nossas instituições frequentemente falam e promovem o trabalho internacional, porém, apesar dessas afirmações e aspirações, há problemas dentro da academia e dificuldades institucionais que incluem financiamento adequado, pressão para publicar em periódicos dos estratos mais altos, realizar e enviar propostas para financiamento externo. As publicações internacionais que não são em inglês nem sempre são reconhecidas na análise institucional de publicações e nem sempre classificadas. O idioma pode ser problemático para o alto número de citações em inglês, além dos desafios conceituais, epistemológicos e ontológicos. As diferenças no tamanho das palavras e nas abordagens ideológicas são apenas duas diferenças simples que encontramos.

 

Às vezes nos perguntamos por que nos colocamos sob pressão para cumprir prazos internacionais quando esse processo também é difícil. A colaboração traz enormes benefícios, incluindo o companheirismo, o aprendizado pessoal e o desafio, repensar modelos e entendimentos, o compromisso e a necessidade de se envolver em considerações transdisciplinares e no desenvolvimento do conhecimento. Nossos compromissos pessoais, amizade e curiosidade contínua por descobertas transcendem as estruturas institucionais que geralmente moldam nossas carreiras profissionais, apoiando este trabalho como um trabalho de amor, amizade e compromisso.

 

Trabalhar com nossos colegas brasileiros nos permite refletir e considerar novamente a pessoa no contexto desses desafios. Nossas observações geralmente envolvem considerações sobre o quão maior é sua discrição profissional, a profundidade da análise teórica que sustenta a paixão pelo tópico, pelo debate e pela pesquisa.

 

Há motivos convincentes para que a colaboração científica internacional seja importante e fundamental para o desenvolvimento, o compartilhamento e a disseminação do conhecimento. Ficamos impressionados com o fato de que, em grande parte da literatura, pouco é dedicado aos elementos que fazem com que essa vida funcione, com muitas horas longas, muitas vezes realizadas em nosso tempo pessoal, mas isso é impulsionado por nosso compromisso uns com os outros e pela importância e paixão pela bolsa de estudos. Para nós, o trabalho com nossos colegas brasileiros é uma jornada que começou há cerca de 10 anos, sem um destino claro, e que nos levou a trabalhar com colegas, ampliou nossas redes e incentivou e consolidou nosso aprendizado como colegas, acadêmicos e pessoas que buscam entender e apoiar, à nossa maneira, os problemas do mundo.

 

Referências

 

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Arionela ADEFILA Trabalhou na concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica.

Doutora em Educação pela Universidade de Warwick, Reino Unido. MBA em Desenvolvimento Econômico Comunitário da Universidade de Cape Breton, Canadá. Mestrado em Ética Global, pela Universidade de Birmingham, Reino Unido. Licenciatura em Educação Científica e Geografia pela Universidade em Educação Científica e Geografia pela Universidade Ahmadu Bello, Nigéria.

Vice-diretora do Centro para Aprendizagem e Prática Pedagógica da Universidade de Staffordshire, Inglaterra. Arinola desenvolve Pedagogias Educacionais Transdisciplinares e investiga como melhor utilizar recursos interculturais para desenvolver práticas educacionais que são transnacionais e incluem múltiplas perspectivas e epistemologias.

 

Gary SPOLANDER Trabalhou na concepção e delineamento, análise e interpretação  dos  dados,  redação  do  artigo  e  revisão  crítica.

Bacharel em Serviço Social e Psicologia. Professor de Serviço Social na Universidade Robert Gordon, Escócia. É também professor extraordinário de Serviço Social na Universidade Western Cape, África do Sul e professor honorário de Saúde Global e Cuidado Social na Universidade Keele, Reino Unido.

 

Eduardo MAIA Trabalhou na concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica e na aprovação da versão a ser publicada do artigo.

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Economia Política Internacional. Doutorando em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Membro do Grupo de Trabalho Crise e Economia Internacional (CLACSO) e do Grupo Estudos Críticos em Processos Sociais (UFES).

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* Professora Associada. PhD em Educação. Vice-diretora do Centro para Aprendizagem e Prática Pedagógica da Universidade de Staffordshire, Inglaterra. (SCoLPP, Staffordshite, Inglaterra). College Road, University Quarter, Stoke-on-Trent, Staffordshite STE 2DE. E-mail: arinola.adefila@staffs.ac.uk.

** Assistente Social e Psicólogo. Doutor em Administração de Empresas. Professor de Serviço Social na Universidade Robert Gordon, Escócia. (RGU, Aberdeen, Escócia). Garthdee House, Garthdee Rd, Garthdee, Aberdeen AB10 7AQ, Reino Unido. Professor extraordinário de Serviço Social na Universidade Western Cape, África do Sul. Professor honorário de Saúde Global e Cuidado Social na Universidade Keele, Reino Unido. E-mail: g.spolander@rgu.ac.uk.

*** Bacharel em Relações Internacionais. Mestre em Economia Política Internacional. Doutorando em Política Social na Universidade Federal do Espírito Santo. (Ufes, Vitória, Brasil). Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória (ES), CEP.: 29075-910. E-mail: eduardo.maia@live.com.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.