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Dependência e heteronomia educacional brasileira: mercantilização da educação superior como importante expressão

 

Brazilian educational dependence and heteronomy: commodification of higher

education as an important expression

 

Janaína Lopes do Nascimento DUARTE*

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-4847-4048

 

Rocio Tamara Muñoz AGUIRRE**

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0009-1612-0924

 

Resumo: O texto objetiva discorrer sobre educação superior e sua expansão mercantilizada contemporânea, como uma das importantes expressões do capitalismo dependente brasileiro. É construído utilizando o método histórico dialético, a partir de revisão bibliográfica sobre desenvolvimento capitalista dependente, heteronomia e Educação na atualidade, além de considerar o Censo da Educação Superior 2020. Apresenta os fundamentos do capitalismo dependente para identificar os traços da dependência educacional no Brasil, revelando que estrutura e dinamismos próprios conduzem o país à heteronomia sociocultural e como, numa das suas expressões atuais, avança o processo de mercantilização da educação superior, em especial via educação a distância (EAD). Conclui-se que, na atualidade, a dependência renova dilemas para a educação superior, exigindo luta permanente.

Palavras-chave: Capitalismo Dependente. Educação Superior. Mercantilização do Ensino. EAD.

 

Abstract: The article discusses higher education and the contemporary expansion of its commodification, as an important expression of Brazilian dependent capitalism. It employs the dialectical historical method, based on a bibliographical review of current dependent capitalist development, heteronomy and education. It also considers the 2020 Higher Education Census. It presents the foundations of dependent capitalism to identify the traits of Brazilian educational dependence, revealing how its structure and dynamics lead the country to sociocultural heteronomy and, as one of its current expressions, advances the process of commodification of higher education, especially via distance learning. It concludes that dependency renews dilemmas for higher education, demanding a constant struggle.
Keywords: Dependent Capitalism. Higher Education. Commodification of education. EAD.
 

Submetido em: 17/7/2023. Revisto em: 21/2/2024. Aceito em: 22/2/2024.

 

 

INTRODUÇÃO

 

E

ste artigo é fruto de reflexões coletivas em Grupo de Pesquisas sobre o debate educacional no capitalismo dependente brasileiro, a partir de revisão bibliográfica sobre o capitalismo dependente e a educação superior no Brasil. Apoiado no método histórico dialético, e nele, nas categorias totalidade, contradição e historicidade, o texto objetiva tecer reflexões sobre a educação superior e seu processo de expansão, via mercantilização, como expressão contemporânea da estrutura e dinâmica do capitalismo dependente e da heteronomia cultural.

 

Como pressuposto de análise, destacam-se os fundamentos sobre o capitalismo e suas particularidades em território brasileiro, constituídas em torno de determinações da dependência que acarretam desdobramentos para o campo educacional. O desafio é localizar o processo de expansão privada no âmbito da educação superior, à luz do debate sobre a realidade brasileira, suas contradições e tarefas históricas, postas em xeque a partir de autores que interpretam o Brasil de forma crítica.

 

As contribuições deste texto estão organizadas em três seções: 1) fundamentos do capitalismo dependente, dialogando brevemente com Marini (2022), Bambirra (2012) e Fernandes (1972; 1975a; 1975b), a fim de compreender como a América Latina e o Brasil se inserem de forma heteronômica no capitalismo mundial; 2) transformações ocorridas com a financeirização das políticas sociais e seus desdobramentos para a educação superior diante do padrão dependente educacional brasileiro; e 3) expansão mercantil contemporânea da educação superior, marcada pela superação quantitativa da modalidade à distância sob a modalidade presencial, como expressão complexa da atualidade da dependência brasileira. Nas considerações finais, ratifica-se a relevância de estratégias coletivas em defesa da educação superior de qualidade e pública como uma das possibilidades de luta contra a dependência.

 

APONTAMENTOS SOBRE O CAPITALISMO DEPENDENTE NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

 

Tem-se como pressuposto a necessidade de estudar e interpretar o Brasil sob a ótica dos dominados, ou seja, é essencial descortinar as relações constitutivas da formação socio-histórica brasileira que reproduzem e aprofundam sua condição dependente e de permanente heteronomia. Para compreender os fundamentos sócio-históricos do capitalismo dependente, o papel das classes sociais e do Estado, na América Latina, e na particularidade do Brasil, é preciso considerar que o capitalismo “[...] é também, e acima de tudo, uma complexa realidade sócio cultural, em cuja formação histórica concorreram vários fatores extraeconômicos” (Fernandes, 1972, p. 9), o que exige a “[...] análise das influências estruturais e dinâmicas da ordem social global sobre a absorção e a expansão do capitalismo no Brasil” (Fernandes, 1972, p. 9).

 

Marini (2022) analisa que as relações estabelecidas entre a América Latina e os centros capitalistas europeus se estruturam conforme a divisão internacional do trabalho, configurando uma “[...] relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (Marini, 2022, p. 171).

 

Nesses termos, o papel desempenhado pela América Latina foi importante para a formação capitalista mundial, uma vez que, para os países centrais, a industrialização “[...] não poderia ter acontecido se estes não contassem com os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionados de forma considerável pelos países latino-americanos” (Marini, 2022, p. 174). O efeito da “[...] troca desigual é — à medida que coloca obstáculos à sua plena satisfação — o de exacerbar esse afã por lucro e aguçar os métodos de extração de trabalho excedente” (Marini, 2022, p. 188), garantida pela intensificação do trabalho, pela prolongação da sua jornada e pela expropriação de parte do trabalho necessário, o que configura um processo de superexploração do trabalhador nos países dependentes “[...] e tende normalmente a se expressar no fato de que a força de trabalho se remunera (muito) abaixo de seu valor real” (Marini, 2022, p. 22).

 

Segundo Marini (2022), a industrialização latino-americana ocorre em bases distintas dos países centrais, pois “[...] a industrialização não cria, como nas economias clássicas, sua própria demanda, nasce para atender a uma demanda preexistente, e se estrutura em função das exigências de mercado procedentes dos países avançados [...]” (Marini, 2022, p. 204); ou seja, o desenvolvimento é controlado de fora, mas com consentimento de dentro, porque também atende a interesses dominantes internos. Portanto, é o caráter contraditório da dependência que determina as relações de produção e reprodução no mundo capitalista, já que “[...] para que uns floresçam, outros crescem atrofiadamente [...]” (Fernandes, 1995, p. 126) na totalidade do mundo capitalista.

 

Em concordância com tal ponto de vista, Fernandes (1972) argumenta que o sistema de colonização e de dominação externa da América Latina construiu-se a partir de padrões econômicos, culturais e políticos provenientes do chamado antigo sistema colonial. Ocorre uma transplantação de padrões ibéricos da estrutura social, combinando estamentos e castas e produzindo uma autêntica sociedade colonial, o que criou uma elite local. Essa organização social estratificada favoreceu a absorção e o controle das massas, composta por nativos, africanos e mestiços mantidos fora das estruturas estamentais e de poder, favorecendo o tipo legal e político de dominação colonial (Fernandes, 1975a). Com a desagregação do antigo sistema colonial, as nações europeias (em particular, a Inglaterra) conquistaram o controle da exportação e importação na América Latina, mantendo a dominação e ocupando o vazio econômico deixado pela desagregação do antigo sistema colonial (Fernandes, 1975a). O monopólio dos mercados latino-americanos, para Fernandes (1975a), foi produto de interesses associados das classes dominantes (locais e externas), que convergiam, recebendo o impulso para internalizar o sistema capitalista moderno.

 

Com a revolução industrial na Europa tem-se uma reorganização da economia mundial que provocou novas formas de articulação das economias periféricas na América Latina, mesclando elementos de modernidade com a manutenção de relações arcaicas, oriundas do antigo regime, suscitando “[...] seja a arcaização do moderno, seja a modernização do arcaico [...]” (Fernandes, 1975a, p. 61), pois “[...] estruturas econômicas em diferentes estágios de desenvolvimento (na periferia do capitalismo) podem ser combinadas organicamente e articuladas ao sistema econômico global” (Fernandes, 1972, p. 52). Isso porque “[...] os setores sociais e suas elites do poder (locais) preferiram escolher um papel secundário e dependente [...]” (Fernandes, 1975a, p. 16), identificando vantagem na reciclagem das estruturas econômicas construídas sob os alicerces do antigo regime e das relações de dependência.

 

A dominação externa se torna imperialista total e o capitalismo dependente surge como realidade para os países latino-americanos, especialmente a partir do capitalismo monopolista, sendo negligenciada a consolidação nacional dos países dependentes, tanto interna como externamente. Destaca-se aqui o debate sobre heteronomia diante da dependência consentida e associada, pois, conforme Duarte (2020a), o termo em Florestan Fernandes assume “[...] contraposição à autonomia, sendo definido pela capacidade ou não de decisão, direção e gestão do processo de produção e de reprodução do capital nos países, determinando sua condição heterônoma (dependente)” (Duarte, 2020a, p. 79 - nota).

 

Cabe acrescentar que a economia satélite/dependente não possui condições estruturais e dinâmicas para conter nacionalmente o processo de heteronomia e subdesenvolvimento, pois não foram construídas historicamente as condições objetivas necessárias para tal contenção. Os interesses privados externos e internos, em associação dependente, empenharam-se na exploração do subdesenvolvimento, guiados por valores egoístas e particularistas das frações dominantes locais, uma vez que, conforme Bambirra (2012), as burguesias latino-americanas se constituem como classes dominantes-dominadas, que se articulam e funcionam para manter a reprodução do capital, segundo interesses imperialistas.

 

Logo, a dependência não se constitui a partir de uma subordinação ingênua ou passiva. Fernandes (1975a) explica que “[...] a articulação estrutural de dinamismos econômicos externos e internos requer uma permanente vantagem estratégica do polo econômico hegemônico, aceita como compensadora, útil e criadora pelo polo dependente” (Fernandes, 1975a, p. 54). Então, a dependência ocorre sob a condução interna das frações dominantes locais dos países periféricos, uma vez que “[...] as burguesias locais se constituem como parceiras (ainda que menores) das burguesias hegemônicas [...]” (Duarte, 2020a, p. 80, grifo nosso), uma vez que aquelas vislumbram meios para garantir seus próprios fins locais[1].

 

Assim, diante da particularidade dependente do desenvolvimento capitalista brasileiro, a burguesia não se constitui como revolucionária, comprometida com reformas democráticas ou mesmo com a universalização de direitos. Isso porque “[...] as elites dominantes aqui emergidas não carregam consigo um projeto soberano de desenvolvimento, ou seja, um Projeto de Nação [...] A realidade brasileira não conhece, assim, uma burguesia nacional [...]” (Bezerra et al. 2019, p. 186). O que a hegemonia compósita burguesa busca, acima de tudo, é resguardar os seus privilégios econômicos, sociais e políticos, alcançados pelo monopólio do poder combinado entre os setores internos e externos, perpetuando-se mediante o “[...] padrão dual de expropriação do excedente econômico, no qual parte fica com a burguesia internacional e outra parte fica com a burguesia local [...]” (Duarte, 2020a, p. 79), estimulando sempre novas variações e combinações que fortalecem as relações de dependência e heteronomia nos países periféricos.

 

O padrão de hegemonia burguesa, então, fortalece uma racionalidade capitalista extremamente conservadora, antissocial e antinacional em terras dependentes, com a finalidade praticamente exclusiva de proteger a ordem estabelecida, a propriedade e a iniciativa privada, a livre empresa e a associação dependente, mecanismos essenciais para a conservação dos privilégios econômicos, socioculturais e políticos, sem negociação ou inserção de outras classes diante do poder decisório ou da partilha de direitos, de qualquer nível[2]. Assim, a dinâmica da dominação burguesa local garante, por um lado, a intensificação da dependência e do subdesenvolvimento, bem como a permanente heteronomia, como estratégias de manutenção dos seus superprivilégios; e, por outro, a reorganização e modernização das estruturas de poder, garantindo, dialeticamente, a direção externa.

 

Os fundamentos de consolidação do capitalismo dependente na América Latina, e em particular no Brasil, constituem-se como essenciais para apreender a estrutura e os dinamismos da dependência que ocasionam o subdesenvolvimento, não como uma etapa, mas como uma condição permanente nos países dependentes. Isso acarretará um trato singular dado às políticas sociais no capitalismo dependente, especialmente a partir de contrarreformas que vão na direção dos interesses da dupla dominação burguesa (interna e externa), provocando, ao mesmo tempo, um padrão dependente educacional marcado por uma lógica de heteronomia e dependência.

 

POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO NO CAPITALISMO DEPENDENTE BRASILEIRO

 

Na década de 1960, Fernandes (1966) advertia que, nos países de capitalismo dependente, a educação era necessária para mobilizar o elemento humano e promover o alargamento do seu horizonte cultural, mas também servia para adaptá-lo à lógica da produção e reprodução social no capitalismo. Dialeticamente, a educação também tem papel emancipatório, constituindo-se como estratégica mediação, pois é imprescindível formar “[...] novos tipos de personalidade, fomentar novos estilos de vida e incentivar novas formas de relações sociais, requeridos pela ordem social democrática [...]” (Fernandes, 1966, p. 351), sendo fundamental esforços coletivos na direção da superação de questões educacionais anacrônicas (Fernandes, 1966).

 

Na verdade, a educação é objeto de disputa de projetos societários distintos, marcada pela luta de classes, sendo as reformas no campo educacional uma das expressões dos interesses da dominação burguesa em sua dupla face (local e hegemônica). Segundo Duarte (2020a, p. 81), “[...] como um dos eixos centrais da dependência é a falta de autonomia na condução dos processos, a educação também é constituída a partir de um processo de heteronomia cultural que só reproduz desigualdades [...]”, uma vez que acarreta, para os países periféricos, dependência tecnológica, científica e de produção do conhecimento, adequando-se aos interesses e necessidades dos países centrais. Fernandes (1975b) explica que

 

[...] a estrutura educacional das sociedades capitalistas subdesenvolvidas dependentes nunca poderá reproduzir os modelos das nações centrais ou hegemônicas [...] porque a dependência socioeconômica e cultural traduz uma incapacidade relativa frustradora na livre produção e na livre utilização da riqueza. [...] Daí resultam muitas consequências para a dinâmica da cultura e para o desenvolvimento educacional [...] a mais importante dessas consequências diz respeito à vitalidade relativa da iniciativa privada nos dois tipos de nações (Fernandes, 1975b, p. 141, grifos nossos).

 

Para Farage (2021), a particularidade dependente do Brasil, assentada nas bases de um sistema escravocrata e patriarcal, é determinante diante dos efeitos da crise estrutural internacional contemporânea, resultando em efeitos devastadores para o país. A racionalidade da dominação burguesa em sua dupla dominação (interna e externa) está entrelaçada a todas as dimensões da existência, atingindo estruturalmente a organização do Estado e as políticas sociais.

 

De acordo com Osório (2014), isso ocorre porque o Estado é uma realidade complexa, é muito mais do que dominação de classes. O Estado sintetiza interesses particulares e expressa o poder de determinados grupos sociais – o das classes dominantes –, a fim de garantir as condições necessárias para a reprodução do capital. O Estado capitalista é sempre um Estado de classes, que ilusoriamente se apresenta como um Estado de todos[3]. Torna-se o lugar privilegiado do capital ao longo do século XX, à medida que a industrialização avança e a dinâmica da luta de classes propicia a transformação do Estado em um estratégico catalisador das forças produtivas e das relações de produção.

 

A formação do capitalismo dependente no Brasil se constitui de modo desigual e combinado, mascarando sérias desigualdades sociais, econômicas e políticas, o que alimenta o capitalismo e a dependência. A constituição das bases da política social brasileira, para Brettas (2020), dá-se neste terreno, que é permeado por contradições, em que a luta pela garantia de direitos se afirma no bojo da cultura a favor do coronelismo; isso porque aspectos arcaicos e modernos se combinam no Brasil dependente, impondo limites ao real processo de democratização.

 

Brettas (2020) ressalta que o trato dos recursos públicos cumpre a importante tarefa de funcionar como um mecanismo para sustentar e estimular a acumulação capitalista, especialmente no capitalismo dependente, motivo que sustenta os ataques contemporâneos à Constituição de 1988 por meio de medidas provisórias e leis ordinárias. Trata-se de alterar sem alarde, prevalecendo-se sobre a desinformação e a desmobilização social, em um país marcado historicamente pela desigualdade e pela fragilidade da inserção trabalhadora nos espaços de poder/decisórios, expondo desafios que ultrapassam o campo da redistribuição de renda, e abrem tendências e contradições articuladas às disputas possíveis sobre o destino do fundo público nos países dependentes (Brettas, 2020).

 

A partir da década de 1990, observa-se como o Estado neoliberal dependente brasileiro acentua a sua capacidade de tornar lucrativas as ações privadas na prestação de serviços públicos, apontando caminhos para enfrentar as crises de acumulação e de hegemonia do capital. A retirada de direitos e a mercantilização de serviços funcionam como formas contemporâneas de expropriação, objeto de desproteção dos trabalhadores, matéria-prima de manipulações ideológicas, em que os trabalhadores passam a ser compelidos a buscar no setor de serviços, via mercado, a satisfação de necessidades como a saúde e a educação, que se transformam em importantes nichos de mercado. O sentido dessas alterações, via endividamento, é estimular o crescimento financeirizado do setor privado (Brettas, 2020), porque é necessário atender aos dinamismos da dominação burguesa local e hegemônica.

 

As novas configurações da política social mantêm uma relação íntima com esse processo, emergindo novas formas de participação do setor privado, articuladas à ausência de investimento direto no setor público de áreas estratégicas ao desenvolvimento nacional (como a educação), como resultado da heteronomia permanente que determina a lógica do capitalismo dependente no Brasil[4]. Diante do exposto, a análise de Fernandes (1975b) se faz atual:

 

Enquanto a posição hegemônica garante às nações centrais um desenvolvimento cultural vantajoso, que lhes confere crescente supremacia intelectual e tecnológica, o inverso sucede com as nações periféricas. Elas não podem participar da ‘corrida inventiva e criadora’, ficando atreladas a um crescimento cultural reflexo e consideravelmente retardado (Fernandes, 1975b, p. 142).

 

Segundo Duarte (2020b), há um alinhamento da política de educação em direção ao projeto neoliberal, que parte de processos de privatização, desregulamentação, precarização e desnacionalização nos países periféricos, contribuindo para a permanência da dependência, sob as condições construídas internamente pela burguesia local, que posiciona a educação superior no setor de prestação de serviços, podendo, assim, ser realizada quase que exclusivamente via mercado. Tal processo, além de rentável para a dupla dominação burguesa, mantém a lógica da heteronomia cultural historicamente em curso no Brasil, uma vez que alimenta a mundialização e a financeirização do capitalismo como processos articulados que operam as transformações sob a órbita da crise estrutural do capital.

 

Nesses termos, a partir de 1990 reforça-se um modelo de educação superior tomado pelas determinações do mercado, cujas estratégias principais, conforme Duarte (2020a), são três: a ampliação da privatização da educação superior, por meio da expansão privada de cursos e das parcerias público-privadas; o processo de desmonte da universidade pública, em sua estrutura e autonomia; e o ajuste da pesquisa e da produção intelectual da universidade pública aos interesses privados nacionais e internacionais. O foco principal é a manutenção da dupla dominação burguesa dentro dos limites da perpetuação da dependência em sua totalidade, em particular no campo da educação superior. Por isso, é necessário estimular o processo de expansão avassaladora pela via da mercantilização desse nível educacional.

 

EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR VIA MERCANTILIZAÇÃO COMO EXPRESSÃO DA DEPENDÊNCIA E DA HETERONOMIA NA ATUALIDADE

 

Na atualidade, identifica-se um processo de aprofundamento em curso, no Brasil, do processo de mercantilização da educação superior, o que ocorre desde o contexto empresarial-civil-militar (Fernandes, 1975b), mas que se acelera a partir dos anos 1990 e, especialmente, nos anos 2000. As atuais exigências do mercado, no contexto neoliberal, transformam o direito à educação em prestação de serviço, uma vez que a privatização se constitui como um dos eixos estruturantes no capitalismo dependente.

 

Nesse sentido, a contemporaneidade da mercantilização da educação superior é determinada por um conjunto articulado de ações: ampliação quantitativa de vagas no setor privado; diversificação das modalidades de ensino (com destaque para o EAD); uso expansivo das tecnologias de informação; expansão de fusões e constituição dos conglomerados educacionais no País (Ferrarez, 2021), comprometendo a formação superior qualificada.

 

Ferrarez (2021) analisa que a ampliação avassaladora do setor privado-mercantil no Ensino[5] Superior é determinada expressivamente pela constituição dos conglomerados educacionais, de modo que discute de forma aprofundada as fusões que resultaram na Cogna Educacional S.A. (união entre Kroton e Anhanguera) e Yduqs Participações S.A. (agrupamento entre a Estácio e a Rede IBMEC), os grandes grupos que dominam o setor educacional privado no Brasil. A autora explica também que a educação superior foi transformada em nicho do mercado financeiro, diante do contexto de reestruturação do capital, demonstrando “[...] como a Educação Superior se tornou um ativo financeiro e com o desenvolvimento das TICs, consolidou-se no capitalismo dependente no Brasil [...]” (Ferrarez, 2021, p. 38), a partir do “[...] crescimento dos conglomerados e o quanto eles se sobressaem, inclusive, no mercado financeiro mundial” (Ferrarez, 2021, p. 39).

 

Gráfico 1 – IES por organização acadêmica e categoria administrativa – 2020

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Fonte: INEP/MEC (Brasil, 2022, p. 11)

 

Os dados 2020 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao Ministério da Educação (Brasil, 2022), contidos no Gráfico 1, revelam o crescimento considerável do percentual de Instituições de Ensino Superior (IES) privadas em relação às IES públicas. No conjunto de dados das instituições brasileiras, 87,6% são IES privadas, enquanto 12,4% são IES públicas. É fundamental refletir sobre esses dados a partir dos fundamentos históricos e dos dinamismos que legitimam a expansão do Ensino Superior privado, considerando o processo de Contrarreforma do Estado brasileiro, que também se desdobra em contrarreformas educacionais, agravadas na atualidade, como resultantes das necessidades das relações de dominação e dependência que se perpetuam no País[6].

Faz-se relevante destacar o Art. 207 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), no qual a obrigatoriedade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na educação superior é direcionada para as instituições consideradas como universidades, o que não obriga a rede privada, composta, em sua maioria, por Centros Universitários e Faculdades, a ofertar de fato educação superior, mas a oferecer, como serviço, apenas o Ensino Superior, o que compromete definitivamente a qualidade, a densidade e a totalidade da educação superior como direito.

 

Brettas (2020) salienta que o recurso das IES públicas começou a diminuir consideravelmente a partir de 2014, e essa redução aconteceu ao mesmo tempo em que crescia o montante do fundo público que era repassado para a ampliação do setor privado via Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) (Brasil, 2001) e Programa Universidade para Todos (PROUNI) (Brasil, 2005). Logo, o setor privado passou a ser o grande beneficiário desse processo de expansão privada da educação superior no Brasil. O crescimento e o fortalecimento das empresas e grupos educacionais procedem via aplicações financeiras de alta rentabilidade no mercado de capitais (Brettas, 2020) e também por meio de amplas isenções de impostos.

 

Cabe ainda considerar que o desenvolvimento das Tecnologias da informação e comunicação (TICs) no setor educacional tem fortalecido as empresas e grupos privados que se dedicam ao serviço educacional, aumentando a lucratividade, principalmente a partir dos cursos EAD, com redução de contratação docente (tutores são os responsáveis), replicação de material didático, maior alcance quantitativo de estudantes a baixo custo etc. Ferrarez (2021) ainda analisa que as TICs estabelecem “[...] novos nichos de lucratividade no segmento educacional, tais como: editoras, venda de materiais/conteúdos didáticos, vendas de softwares, desenvolvimento e venda de produtos educacionais” (Ferrarez, 2021, p. 41).

 

Essas alterações quantitativas produzem transformações qualitativas na forma e no conteúdo da formação superior, ao sabor de uma formação mais aligeirada e dissociada da articulação orgânica entre ensino, pesquisa e extensão, com instituições preocupadas muito mais com os índices de matrículas do que com a qualidade da formação. A sintonia com o padrão dependente educacional se explica, especialmente, a partir de três relevantes aspectos: a) a exploração lucrativa da educação pelo setor privado; b) a formação abreviada via ampla oferta apenas do ensino no setor privado, voltada para a massa trabalhadora; e c) a formação específica e qualificada direcionada para poucos (filhos da burguesia), em algumas IES públicas que ainda resistem no campo da produção de ciência e tecnologia de ponta.

 

O Gráfico 2 apresenta dados referentes ao ingresso em cursos de graduação, por modalidade de ensino, extraídos do Censo da Educação Superior de 2020 (Brasil, 2022), em que é possível observar a expansão da educação superior via ensino mercantilizado, considerando a diversificação das modalidades (presencial e a distância), o que vem impondo alterações relativas à concentração de matrículas no setor privado e à qualidade da formação profissional.

 

 

Gráfico 2 – Número de ingressos em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010-2020

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Fonte: INEP/MEC (Brasil, 2022, p. 17).

 

No Gráfico 2 identifica-se que, de 2010 a 2014, a modalidade de ensino presencial apresentou uma ordem crescente, mas que, a partir de 2016, houve um declínio de ingresso no ensino presencial, com destaque para a redução nos anos 2020, o que também pode ser explicado pela instauração do Ensino Remoto Emergencial (ERE), ainda nesse ano, em razão da pandemia de COVID-19[7]. Por sua vez, o ensino a distância se acentuou progressivamente já desde 2010, adquirindo maior expressividade em 2016, 2017 e 2018 e alcançando patamares ainda mais elevados entre 2019 e 2020. Ainda mais relevante é destacar que a modalidade de ensino a distância superou o ensino presencial, em termos quantitativos: 53% e 47%, respectivamente, em 2020. Tal crescimento ainda é embalado pelo discurso ideológico da inovação, do acesso ampliado, da necessidade de modernização, de adaptação aos novos tempos (Farage, 2021), além das condições objetivas determinadas pelo período pandêmico.

 

O Ensino Remoto Emergencial (ERE), conforme Farage (2021), constituiu-se como um balão de ensaio para demonstrar que a mercantilização pode avançar de modo mais ágil, e, até mesmo, que o projeto privatista educacional é inevitável diante da realidade e da conjuntura atual. Isso, devido à conjugação: a) dos sucessivos desinvestimentos na educação e na ciência; b) do rebaixamento da qualidade da demanda pela formação da força de trabalho em um mercado de trabalho desregulamentado e cada vez mais flexibilizado e uberizado[8]; c) da mercantilização da vida e dos direitos sociais; e d) do contexto de propagação da desinformação e da despolitização, principalmente no governo de Jair Bolsonaro (Duarte; Lima, 2022).

 

O exposto até aqui apenas elucida alguns elementos de concretude sobre o processo de expansão mercantilizada da educação superior como expressão renovada da privatização estruturante no capitalismo dependente, que, na verdade, revigora as históricas relações de dependência e heteronomia. Diante dos limites deste texto, finaliza-se sublinhando que, para quebrar o ciclo de dependência, heteronomia sociocultural e consequente padrão educacional dependente e subdesenvolvido, que se recicla ao sabor das novidades do processo de adensamento da mercantilização da educação superior brasileira, a partir de uma perspectiva de totalidade, o horizonte da luta deve estar assentado em uma perspectiva pública da educação e, para tanto, não se pode ficar passivo ou indiferente: é preciso avançar nas resistências coletivas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A educação, no contexto do capitalismo dependente, está integrada a um projeto societário hegemônico, sintonizado com as determinações e interesses da dominação burguesa em sua dupla face, interna e externa. No entanto, convive com outro projeto societário e de educação que luta pelo rompimento das relações de dependência e heteronomia e pela democratização real, de acesso e permanência, à educação superior de qualidade e pública como direito social.

 

Pode-se dizer que o desafio é romper com uma estrutura e ideologia que estimula a expansão da educação superior via ensino mercantilizado, sem real autonomia sob a qualidade da formação profissional e dos rumos da produção e socialização do conhecimento, extraindo seu caráter subdesenvolvido/dependente da própria estrutura e dinâmica da sociedade de classes sob o capitalismo dependente brasileiro.

 

O atendimento mercantil das demandas por educação, constituída como serviço, oculta, na prática, a substituição do direito social pelo acesso financeirizado para as classes dominantes, a formação aligeirada e não democrática, ou seja, em que o direito à educação assume a condição cada vez mais lucrativa de mercadoria. A educação superior, portanto, é atravessada por essas múltiplas determinações, as quais só podem ser capturadas, para fins do seu enfrentamento, no movimento da realidade concreta, a partir de um referencial teórico assentado na teoria crítica, que permita apreender e problematizar sua particularidade dependente e suas singularidades, que se revitalizam na atualidade. Destarte, sobre diversidade e atualidade dos dilemas educacionais em uma sociedade capitalista dependente, reafirma-se a urgência de se estabelecer “[...] correlação entre a inquietação e a fermentação sociais [...]” (Fernandes, 1975b, p. 199, grifos do autor), no sentido de fortalecermos as lutas em defesa da educação superior de qualidade, pública, democrática e como direito no Brasil.

 

REFERÊNCIAS

 

ANTUNES, R.; FILGUEIRAS, V. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020.

 

BAMBIRRA, V. Capitalismo Dependente Latino Americano. Florianópolis: Ed. Insular, 2012.

 

BEZERRA, L. et al. Realidade brasileira e Serviço Social: formação e trabalho profissional em debate. In: MEDEIROS, Evelyne; NOGUEIRA, Leonardo; BEZERRA, Lucas (Org.). Formação Social e Serviço Social: a realidade brasileira em debate. São Paulo: Outras Expressões, 2019. p. 179-197.

 

BRASIL. (Constituição [1988]). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília (DF), 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 abr. 2023.

 

BRASIL. Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e dá outras providências. Brasília (DF), 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10260.htm. Acesso em: 30 abr. 2023.

 

BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.  Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Brasília (DF), 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11096.htm. Acesso em: 30 abr. 2023.

 

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Janaína Lopes do Nascimento DUARTE Trabalhou na concepção e revisão teórico-crítica do artigo

Assistente Social. Mestre e doutora em Serviço Social. Professora Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Serviço Social no Capitalismo Dependente – GEDUSSC (UnB).

 

Rocio Tamara Muñoz AGUIRRE Trabalhou na concepção, estrutura e redação do artigo

Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Serviço Social (UFPA). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS/UnB). Pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Serviço Social no Capitalismo Dependente – GEDUSSC (UnB).

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* Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Professora Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília. (UnB, Brasília (DF), Brasil). Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, Asa Norte (ICC NORTE), Brasília (DF), CEP. 70910-900. E-mail: jana.lopesduarte@gmail.com.

** Assistente Social. Mestre em Serviço Social (UFPA). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Política Social na Universidade de Brasília (UnB, Brasília (DF), Brasil). Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, Asa Norte (ICC NORTE), Brasília (DF), CEP. 70910-900. E-mail:  rocio_tamara@hotmail.com.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[1] “Essa burguesia (local) só é débil para promover a Revolução Burguesa segundo o modelo ‘clássico’, nacionalista democrático. Ela é bastante forte para preservar o seu poder real e usar o Estado nacional [...]” (Fernandes, 1995, p. 136) a seu favor, para sua proteção e para assegurar sua dominação sem ameaças.

[2] Quem se beneficia? “Os dois polos da dominação burguesa, representados pela burguesia das nações capitalistas hegemônicas e pela grande burguesia brasileira, e as classes médias que forneceram os quadros humanos da burocratização e da tecnocratização das estruturas de poder [...] As demais classes ficaram na penumbra e serão contempladas de modo muito lento e desigual [...] estas classes (trabalhadoras) ‘servem o banquete’. Não participam dele” (Fernandes, 1995, p. 136).

[3] O Estado se revela como um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca das mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob a forma assalariada. As instituições jurídicas que se consolidam por meio do aparato estatal (o sujeito de direito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade) possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios exploradores e explorados. Essa separação, em face de todas as classes e indivíduos, constitui a chave da possibilidade da própria reprodução do capital (Mascaro, 2013).

[4] Relevante destacar a atuação histórica e decisiva dos organismos internacionais diante da viabilização do projeto privatista no campo educacional, já desde a ditadura empresarial-civil-militar, com a ação da Aliança para o Progresso, os acordos MEC/USAID, da OEA, Banco Interamericano de Desenvolvimento (Fernandes, 1975b) e, nos anos 1990, com o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e UNESCO, “[...] concretizando as condições de um padrão de educação superior adequado às exigências do capitalismo monopolista, sob intensa condução interna das frações da burguesia brasileira” (Duarte, 2020a, p. 83).

[5] O termo educação superior é bem mais abrangente, envolve a tríade indissociável entre ensino, pesquisa e extensão. Por outro lado, na atualidade, o que se tem de fato é um processo de expansão mercantilizada apenas do ensino superior como nicho de mercado estratégico para a manutenção do padrão de acumulação local/hegemônico, contribuindo com renovação da histórica dependência e heteronomia sociocultural.

[6] Houve também uma expansão do ensino superior público a partir de 2007, por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) (Brasil, 2007), que estabeleceu metas para que as universidades aumentassem em 90% a taxa de conclusão dos cursos de graduação presenciais. Todavia, essa expansão ocorreu num ritmo consideravelmente mais lento do que na iniciativa privada.

[7] Com o agravamento da pandemia do COVID-19, o MEC publicou a Portaria n.º 343/2020 que “[...] dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19 [...]” (Brasil, 2020, não paginado), ainda que o corpo docente, os discentes e as diversas instituições de ensino não tenham sido ouvidas, muito menos preparados para tal mudança drástica e abrupta, foi instituído o Ensino Remoto Emergencial (ERE) nas instituições de ensino básico e superior do Brasil.

[8] A uberização do trabalho deve ser compreendida e utilizada como expressão de modos de ser do trabalho via plataformas digitais, em que as relações de trabalho são cada vez mais individualizadas e invisibilizadas, de modo a assumir a aparência de prestação de serviços (Antunes; Filgueiras, 2020).