A pós-graduação brasileira e a internacionalização do ensino

Superior

 

Salyanna de Souza SILVA*

  https://orcid.org/0000-0002-33929-4856

 

Cada vez mais o tema da internacionalização vem se tornando presente no âmbito do ensino superior brasileiro, nesse sentido o volume 15, segundo número de 2023 da Revista Argumentum, busca pautar e problematizar tal tema refletindo criticamente sobre os processos que levam à chamada internacionalização. Tendo um direcionamento pautado nos princípios da universidade pública, gratuita, presencial e socialmente referenciada; buscamos refletir sobre a internacionalização que queremos, pensando coletivamente novas práticas.

 

A partir de tal perspectiva, compreendemos que a necessidade de ampliação da internacionalização no ensino superior não deve ser pensada de forma estranhada, descontextualizada, meramente como um indicador a ser alcançado a todo custo; mas como um percurso que tenha como parâmetros a construção de uma relação horizontal de troca de saberes intelectual, cultural e político, primando dessa forma pelo incremento do projeto nacional e pela socialização da produção humana entre os diferentes países e continentes.

 

Para tal é condição sine qua non o investimento político e financeiro em um projeto nacional de fortalecimento da universidade no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão (graduação e pós-graduação). O que se consubstancia no incremento estrutural (laboratórios, bibliotecas, salas de aula, mobilidade estudantil, dentre outros), intelectual e acadêmico (ampliação de bolsas, autonomia do trabalho docente, etc) e de viabilização de formas de permanência estudantil (bolsas de assistência estudantil, acesso e melhoria ao Restaurante Universitário, creche para mães estudantes, residência universitária, etc.).

 

Se de um lado a internacionalização pode ser entendida como uma mediação estratégica importante nesse contexto de negacionismo da ciência; ela também pode ser entendida como uma possibilidade de abertura e ampliação do conhecimento democrático, crítico e radical.  É mister notar a grande contribuição do Movimento de Reconceituação, enquanto “grande união” que articulou o Serviço Social em diversos países da América Latina, para aproximação ao referencial crítico marxista.   Particularmente o Serviço Social brasileiro, no âmbito das relações internacionais, vem cada vez mais ganhando espaço, tanto acadêmico, profissional quanto organizacional – representativo, vale aqui sinalizar a filiação do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) à Internacional Federation of Social Workers – IFSW, a partir da década de 1990. Destacamos também a filiação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) à Associação Latino Americana de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social (ALAEITS).

 

No presente número a Revista Argumentum apresenta textos de diferentes intelectuais, pesquisadoras(es) e estudiosas(es) de diferentes regiões do Brasil, bem como de pesquisadores do Reino Unido.

 

A Seção Debates conta com o artigo de Roberto Leher (UFRJ) e Maria Rosimary Soares dos Santos (UFMG) intitulado Geoeconomia política do conhecimento e os desafios para a internacionalização da pós-graduação. Debatendo tal texto temos o artigo de Gisele Caroline Ribeiro Anselmo (UFPB) e Maria Alexandra da Silva Monteiro Mustafá (UFPE), título Geoeconomia política do conhecimento e Internacionalização: buscando ampliar a compreensão do problema.  Além ainda da contribuição do artigo Internacionalização da Pós-Graduação: para que? Para quem? Como? Das autoras Maria Lúcia T. Garcia (UFES) Eliza Bartollozi Ferreira (UFES).

 

O trabalho de Leher e Santos nos leva a entender a imprescindível relação entre a internacionalização das universidades e as revoluções burguesas e projetos de poder. Logo, o artigo evidencia um nexo intrínseco entre os grandes centros de influência acadêmico, intelectual e de conhecimento e a (re)produção de uma heteronomia econômica, política e cultural, em que os próprios indicadores dos ranking estão de acordo com as práticas desenvolvidas pelo grupo hegemônico, com destaque para os Estados Unidos da América. Ressaltam os referidos autores a necessidade estratégica de fortalecimento da ciência e tecnologia pautado na centralidade das instituições universitárias e de C&T.

 

Dialogando com o artigo acima, no segundo artigo da Seção Debates as professoras Gisele Anselmo (UFPB) e Maria Alexandra (UFPE) se debruçam mais detalhadamente sobre a produção e difusão do saber e do conhecimento que se deu nos Impérios Alexandrino, que institui a Biblioteca de Alexandria. As autoras evidenciam que a capacidade de influência de um grupo político no mundo intelectual relaciona-se diretamente com a sua capacidade de reter exclusivamente tal conhecimento. Daí a construção (re)produção da heteronomia política, economia e social, no qual o conhecimento assume um papel fundamental na geoeconomia política.

 

O supracitado trabalho apresenta ainda a importância de investimentos como Programa Institucional de Internacionalização (PRINT/CAPES) para incentivo no âmbito da internacionalização nas universidades brasileiras. Cabe também ressaltar a experiência do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com universidades italianas (Roma Tre, Ca`Foscari di Venezia, La Sapienzadi Roma, Milano Biccoca).

 

Seguindo a linha da problematização da internacionalização do ensino superior, no terceiro artigo da seção debates, Maria Lúcia e Eliza Bartollozi (UFES) destacam ser este uma das linhas centrais para o desenvolvimento do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), bem como para atribuição do conceito de excelência acadêmica aos Programas de Pós-Graduação no Brasil.

 

As autoras realizam uma crítica à lógica global que reverbera na educação de vários países, esta é caracterizada por concentrar-se em realizar uma avaliação quantitativa, em detrimento da qualidade da produção acadêmica. Além de reforçar a competição entre instituições, tais parâmetros de avaliação são focados no desempenho do corpo docente e discente, pautado por uma política educacional de prestação de contas.

 

Além de uma gritante desigualdade na distribuição de financiamentos e de bolsas entre as áreas, é notório o fato de que as Ciências Sociais recebem menos bolsas que outras áreas, por exemplo as Engenharias; passamos por um momento de brutais ataques à educação e à pesquisa nacional que se expressou tanto na ausência de reajustes de bolsas quanto em seus cortes.

 

Atualmente com o início de um novo governo federal, ficamos que com a afirmação de Maria Lúcia e Eliza Bartollozi (UFES), de que “[...] é preciso ser otimista e pessimista ao mesmo tempo [...]” (p. 37), pois existe uma expectativa em avançar no âmbito do investimento da pesquisa, contudo não podemos esquecer dos limites historicamente encontrados pela universidade brasileira para fortalecimento de um projeto nacional

 

Na Seção Temática, iniciamos com o texto de Maria Liduina de Oliveira e Silva, Rafaela Bezerra Fernandes e Tales Willyan Fornazier Moreira que discutem sobre a pós-graduação em Serviço Social no contexto do Ensino Remoto Emergencial (ERE) que se deu nos anos da pandemia, o artigo evidencia os desafios vivenciados durante esse contexto específico, bem como os prejuízos para a formação. No segundo artigo as autoras Solange Emilene Berwig e Gissele Carraro trazem o relato de duas experiências de doutorado sanduíche vinculadas ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PPGSS - PUC/RS, elas refletem sobre a importância das experiências de intercâmbio fruto das políticas de internacionalização para a formação docente, assim como também formação de redes de cooperação internacional entre diferentes instituições de ensino superior.

 

O terceiro artigo Daniella Borges Ribeiro apresenta uma pesquisa quali-quantitativa na qual descrever o panorama dos programas de pós-graduação no Brasil do ano 2000 até 2021, com ênfase aos anos da pandemia da COVID-19. Já o artigo de Christiane Pimentel e Silva analisa a contribuição do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará (PPGSS-UFPA) para o processo de qualificação dos recursos humanos nas políticas públicas.

 

No artigo de Adriana Regina Vettorazzi Schmitt e Helder Boska de Moraes Sarmento aborda a internacionalização particularmente no Serviço Social, os autores apresentam o debate da internacionalização da educação superior por meio de reflexões teórico-epistemológicas de autores nacionais e internacionais, além de destacar a importância das redes de colaboração de conhecimento e também tematizar a presença de um processo de internacionalização em toda a história da profissão.

 

No último artigo de Gary Spolander, Arinola Adefila e Eduardo Maia temos o relato da experiência de dois acadêmicos residentes no Reino Unido, ambos nascidos no exterior e um estudante de doutorado brasileiro que realizava pesquisas para seu doutorado brasileiro no Reino Unido, o trabalho apresenta a rica experiência de colaboração internacional entre países do centro e da periferia do capitalismo.

 

Na Seção de Temas Livres contamos que três artigos que discutem a dimensão técnico-operativa do Serviço Social, o debate das políticas sexuais e reprodutivas, bem como o relevante debate entre a pandemia e racismo.

 

Desejamos uma boa leitura!!

 

 

 



* Assistente Social. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGPS/UFES). Integrante do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho (NET).

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2022 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.