A pós-graduação brasileira e a internacionalização
do ensino
Superior
Salyanna de Souza SILVA*
Cada vez mais o tema da internacionalização vem se
tornando presente no âmbito do ensino superior brasileiro, nesse sentido o volume
15, segundo número de 2023 da Revista Argumentum,
busca pautar e problematizar tal tema refletindo criticamente sobre os
processos que levam à chamada internacionalização. Tendo um direcionamento
pautado nos princípios da universidade pública, gratuita, presencial e
socialmente referenciada; buscamos refletir sobre a internacionalização que
queremos, pensando coletivamente novas práticas.
A partir de tal perspectiva, compreendemos que a
necessidade de ampliação da internacionalização no ensino superior não deve ser
pensada de forma estranhada,
descontextualizada, meramente como um indicador a ser alcançado a todo
custo; mas como um percurso que tenha como parâmetros a construção de uma
relação horizontal de troca de saberes intelectual, cultural e político, primando
dessa forma pelo incremento do projeto nacional e pela socialização da produção
humana entre os diferentes países e continentes.
Para tal é condição sine qua non o investimento político e
financeiro em um projeto nacional de fortalecimento da universidade no âmbito
do ensino, da pesquisa e da extensão (graduação e pós-graduação). O que se
consubstancia no incremento estrutural (laboratórios, bibliotecas, salas de aula,
mobilidade estudantil, dentre outros), intelectual e acadêmico (ampliação de
bolsas, autonomia do trabalho docente, etc)
e de viabilização de formas de permanência estudantil (bolsas de assistência
estudantil, acesso e melhoria ao Restaurante Universitário, creche para mães
estudantes, residência universitária, etc.).
Se de um lado a internacionalização pode ser entendida
como uma mediação estratégica importante nesse contexto de negacionismo da
ciência; ela também pode ser entendida como uma possibilidade de abertura e
ampliação do conhecimento democrático, crítico e radical. É mister notar a grande contribuição do Movimento de Reconceituação, enquanto “grande
união” que articulou o Serviço Social em diversos países da América Latina,
para aproximação ao referencial crítico marxista. Particularmente o Serviço Social brasileiro,
no âmbito das relações internacionais, vem cada vez mais ganhando espaço, tanto
acadêmico, profissional quanto organizacional – representativo, vale aqui
sinalizar a filiação do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) à Internacional Federation of
Social Workers – IFSW, a partir da década de 1990. Destacamos também a
filiação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) à
Associação Latino Americana
de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social (ALAEITS).
No presente número a Revista Argumentum
apresenta textos de diferentes intelectuais, pesquisadoras(es) e estudiosas(es)
de diferentes regiões do Brasil, bem como de pesquisadores do Reino Unido.
A Seção Debates conta com o artigo de Roberto
Leher (UFRJ) e Maria Rosimary Soares dos Santos (UFMG)
intitulado Geoeconomia política do
conhecimento e os desafios para a internacionalização da pós-graduação.
Debatendo tal texto temos o artigo de Gisele Caroline Ribeiro Anselmo (UFPB) e
Maria Alexandra da Silva Monteiro Mustafá (UFPE), título Geoeconomia política do conhecimento e Internacionalização: buscando
ampliar a compreensão do problema. Além ainda da contribuição do artigo Internacionalização da Pós-Graduação: para que?
Para quem? Como? Das autoras Maria Lúcia
T. Garcia (UFES) Eliza Bartollozi Ferreira (UFES).
O trabalho de Leher e
Santos nos leva a entender a imprescindível relação entre a internacionalização das universidades e as revoluções burguesas e
projetos de poder. Logo, o artigo evidencia um nexo intrínseco entre os grandes
centros de influência acadêmico, intelectual e de conhecimento e a (re)produção de uma heteronomia econômica, política e cultural,
em que os próprios indicadores dos ranking estão de
acordo com as práticas desenvolvidas pelo grupo hegemônico, com destaque para
os Estados Unidos da América. Ressaltam os referidos autores a necessidade estratégica
de fortalecimento da ciência e tecnologia pautado na centralidade das
instituições universitárias e de C&T.
Dialogando com o artigo acima, no segundo artigo da Seção Debates as
professoras Gisele Anselmo (UFPB) e Maria Alexandra (UFPE) se debruçam mais detalhadamente
sobre a produção e difusão do saber e do conhecimento que se deu nos Impérios
Alexandrino, que institui a Biblioteca de Alexandria. As autoras evidenciam que
a capacidade de influência de um grupo político no mundo intelectual
relaciona-se diretamente com a sua capacidade de reter exclusivamente tal
conhecimento. Daí a construção (re)produção da
heteronomia política, economia e social, no qual o conhecimento assume um papel
fundamental na geoeconomia política.
O supracitado trabalho apresenta ainda a importância de investimentos
como Programa Institucional de Internacionalização (PRINT/CAPES) para incentivo
no âmbito da internacionalização nas universidades brasileiras. Cabe também ressaltar
a experiência do Departamento
de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com
universidades italianas (Roma Tre, Ca`Foscari di Venezia, La Sapienzadi Roma,
Milano Biccoca).
Seguindo a linha da problematização da internacionalização do ensino
superior, no terceiro artigo da seção debates, Maria Lúcia e Eliza Bartollozi
(UFES) destacam ser este uma das linhas centrais para o desenvolvimento do
Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), bem como para atribuição do conceito
de excelência acadêmica aos Programas de Pós-Graduação no Brasil.
As autoras realizam
uma crítica à lógica global que reverbera na educação de vários países, esta é
caracterizada por concentrar-se em realizar uma avaliação quantitativa, em
detrimento da qualidade da produção acadêmica. Além de reforçar a competição
entre instituições, tais parâmetros de avaliação são focados no desempenho do
corpo docente e discente, pautado por uma política educacional de prestação de
contas.
Além de uma gritante
desigualdade na distribuição de financiamentos e de bolsas entre as áreas, é
notório o fato de que as Ciências Sociais recebem menos bolsas que outras áreas,
por exemplo as Engenharias; passamos por um momento de brutais ataques à
educação e à pesquisa nacional que se expressou tanto na ausência de reajustes
de bolsas quanto em seus cortes.
Atualmente com o início
de um novo governo federal, ficamos que com a afirmação de Maria Lúcia e Eliza Bartollozi (UFES), de que “[...] é preciso ser otimista e
pessimista ao mesmo tempo [...]” (p. 37), pois existe uma expectativa em
avançar no âmbito do investimento da pesquisa, contudo não podemos esquecer dos
limites historicamente encontrados pela universidade brasileira para
fortalecimento de um projeto nacional
Na Seção Temática, iniciamos com o texto de Maria Liduina
de Oliveira e Silva, Rafaela Bezerra Fernandes e Tales Willyan
Fornazier Moreira que discutem sobre a pós-graduação
em Serviço Social no contexto do Ensino Remoto Emergencial (ERE) que se deu nos
anos da pandemia, o artigo evidencia os desafios vivenciados durante esse
contexto específico, bem como os prejuízos para a formação. No segundo artigo
as autoras Solange Emilene Berwig e Gissele Carraro trazem o relato de duas experiências
de doutorado sanduíche vinculadas ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PPGSS - PUC/RS, elas
refletem sobre a importância das experiências de intercâmbio fruto das
políticas de internacionalização para a formação docente, assim como também
formação de redes de cooperação internacional entre diferentes instituições de
ensino superior.
O terceiro artigo Daniella Borges
Ribeiro apresenta uma pesquisa quali-quantitativa na
qual descrever o panorama dos programas de pós-graduação no
Brasil do ano 2000 até 2021, com ênfase aos anos da pandemia da COVID-19. Já o
artigo de Christiane
Pimentel e Silva analisa a contribuição do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Pará (PPGSS-UFPA) para o processo de qualificação dos recursos humanos
nas políticas públicas.
No artigo de Adriana
Regina Vettorazzi Schmitt e Helder Boska de Moraes Sarmento aborda
a internacionalização particularmente no
Serviço Social, os autores apresentam o debate da
internacionalização da educação superior por meio de reflexões
teórico-epistemológicas de autores nacionais e internacionais, além de destacar
a importância das redes de colaboração de conhecimento e
também tematizar
a presença de um processo de internacionalização em toda a história da
profissão.
No
último artigo de Gary Spolander, Arinola
Adefila e Eduardo Maia temos o relato da experiência de dois acadêmicos residentes
no Reino Unido, ambos nascidos no exterior e um estudante de doutorado
brasileiro que realizava pesquisas para seu doutorado brasileiro no Reino
Unido, o trabalho apresenta a rica experiência de colaboração internacional
entre países do centro e da periferia do capitalismo.
Na Seção de Temas Livres contamos que três artigos que discutem a
dimensão técnico-operativa do Serviço Social, o debate das políticas sexuais e
reprodutivas, bem como o relevante debate entre a pandemia e racismo.
Desejamos uma boa leitura!!
* Assistente Social. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGPS/UFES). Integrante do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho (NET).