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Apontamentos sobre a Ofensiva Neoconservadora Transnacional e a participação brasileira na Rede da Intolerância

 

Notes on the Transnational Neoconservative Offensive and Brazilian participation in the “Intolerance Network”

 

Marlene Teixeira Rodrigues*

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-6983-6549

 

Resumo: Neste artigo, aborda-se a ofensiva neoconservadora ocorrida a partir de articulações transnacionais impulsionadas por organizações da extrema-direita, enfatizando-se como sua agenda se materializa por meio de políticas sociais e da centralidade dada à família. A partir de pesquisa documental, observou-se a importância da articulação transnacional com destaque para a  rede internacional  Political Network for Values (PNfV) – e suas repercussões na agenda e nas iniciativas implementadas no Brasil. Sob o Governo Bolsonaro, com a justificativa de atuar na defesa da vida, desde a concepção, das liberdades fundamentais – de consciência e religião e da chamada família natural – e dos direitos a ela atribuídos, experiências foram compartilhadas e se espraiaram em ações do governo, na política social, e em diferentes âmbitos da vida nacional. Parte importante dessa ofensiva visou ao desmonte de políticas sociais públicas e de direitos – especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e pessoas LGBTQIA+, no âmbito da guerra contra a chamada ideologia de gênero e o intervencionismo do Estado; e do aprofundamento da agenda neoliberal.

Palavras-chave: Ofensiva neoconservadora. Nova direita. Political Network for Values.  Governo Bolsonaro.

 

Abstract: This article addresses the neoconservative offensive, based on transnational articulations driven by far-right organizations, emphasizing how their agenda materializes through social policies and the centrality given to the family. From documentary research, the importance of transnational articulation was observed – with emphasis on the transatlantic Political Network for Values – and its repercussions on the agenda and initiatives implemented in Brazil, under Bolsonaro. Under the justification of acting in defense of life from conception, fundamental freedoms - of conscience and religion and the so-called natural family - and the rights attributed to it, experiences are shared and spread across government actions, in social policy and in different areas of national life. An important part of this offensive aims to dismantle public social policies and rights - especially the sexual and reproductive rights of women and LGBTQIA+ people, within the scope of the war against the so-called “gender ideology” and “interventionism”. of the State” and the deepening of the neoliberal agenda.

Keywords: Neoconservative offensive. Neoconservative offensive. New Right. Political Network for Values. Bolsonaro government.

 

Submetido em: 24/7/2023. Revisado em: 12/10/2023. Aceito em: 7/3/2024.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O

 fenômeno de reorganização de grupos conservadores e/ou da direita radicalizada, que se espalhou pelo mundo no início do século XXI – e ganhou contornos dramáticos no Brasil, sob o Governo Bolsonaro –, tem mobilizado intelectuais e sido abordado em diferentes estudos.[1]  Esse processo, que envolve uma cruzada contra direitos, tidos como fabricados e o Estado social, articula-se com objetivos e dinâmicas, que remetem à  esfera da economia política (Almeida, 2020; Chade e Trevisan, 2021; Finguerut, 2008; Galego, 2020; Ramírez, 2021; Pereira, 2020a; 2020b; Teixeira, 2021a; 2021b).

 

Neste artigo, tematiza-se a ofensiva neoconservadora, no período recente, interpretando-se, teórica e politicamente, esse processo, a partir das determinações sócio-históricas de nossa formação social, que se ancoram na dinâmica do capitalismo dependente; do sistema heteropatriarcal; e das desigualdades étnico-raciais, em um contexto de aprofundamento da crise.

 

Com essa premissa analítica e à luz da teoria social crítica e dos estudos de gênero e sexualidades, a pesquisa, da qual este artigo se desdobra, debruçou-se sobre o tema da ofensiva neoconservadora, a partir da análise das estratégias adotadas pela Nova Direita, por meio de uma de suas organizações, que se destaca pelo importante papel que vem desempenhando, no cenário internacional e, também, no Brasil, desde o Governo Bolsonaro.

 

Ancorada em uma perspectiva histórico-dialética e feminista, a investigação privilegiou uma abordagem de natureza qualitativa, situando-se, a análise da referida organização, enquanto parte de uma totalidade complexa, contraditória e multideterminada, cuja dinâmica e seu significado se associam aos processos mais amplos de reprodução e crise do capital, na contemporaneidade, e no qual se dá a emergência da chamada Nova Direita (Almeida, 2020; Chade; Trevisan, 2021; Corrêa, 2021a; 2021b; Ramirez, 2020; Pereira, 2020a; 2020b; Teixeira, 2021a; 2021b).

 

Trata-se da Political Network for Values, conhecida por PNfV – sua sigla em inglês –, ou, ainda, como Rede da Intolerância, conforme denominado pelo grupo WikiLeaks[2]. Sediada na Europa[3] e fundada há pouco mais de duas décadas, a rede ultradireitista agrega políticos e organizações – confessionais e laicas –, do mundo todo. Com atividades regulares, que abrangem diferentes nações, temas e sujeitos políticos, a PNfV vem cumprindo função estratégica na organização internacional da Nova Direita. A análise permitiu conhecer seu modus operandi, particularmente, no que diz respeito ao delineamento de sua ação na esfera transnacional (Political Network for Values, 2023a; Teixeira; 2021; Teixeira; Nunes; Oliveira, 2021; WikiLeaks, 2021).

Como procedimentos metodológicos, foram utilizadas as pesquisas bibliográfica e documental, analisando-se, no caso desta última, especificamente, o material disponibilizado pela própria PNfV, em seu portal na Internet e em seu canal no YouTube (Political Network for Values, 2023a; 2023b)[4]. Antes de focar nossa atenção nessa rede, todavia, examinemos o contexto em que emerge a Nova Direita e ganha fôlego a ofensiva neoconservadora, e cuja dinâmica se materializa por meio de organizações e estratégias diversas, de âmbitos global e local, como revela a Rede da Intolerância.

 

OFENSIVA NEOCONSERVADORA E EMERGÊNCIA DA NOVA DIREITA

 

A emergência da Nova Direita situa-se, historicamente, a partir da década de 1970, conforme assinalam autores como Almeida (2020); Corrêa e Kalil (2020); Pereira (2020a; 2020b); e Ramírez (2020). Relaciona-se à reação ao welfare state, considerado, por adeptos do neoliberalismo e conservadorismo, como a origem dos problemas econômicos então enfrentados.

 

Ou seja, o intervencionismo característico do Estado Social está, de acordo com essa visão, na origem da crise. Ancoradas nessa mesma lógica, organizações ultradireitistas advogam pelo resgate dos valores tradicionais e a prevalência do que denominam diferenças naturais, existentes entre os indivíduos, desencadeando verdadeiras cruzadas contra os direitos.

 

Nessa perspectiva, trata-se, sobretudo, de “[...] uma crise moral, ocasionada pelo abandono dos valores tradicionais que governam a sociedade desde os primórdios da civilização, feito em nome de um igualitarismo artificialmente criado pela intervenção estatal” (Almeida, 2020; E-book Posição 381). Ou seja, diferentemente do conservadorismo clássico, o neoconservadorismo da Nova Direita distingue-se por seu intrínseco vínculo com o neoliberalismo.

 

Essa Nova Direita, conforme assinalado por Pereira (2020b), em que pesem sua pluralidade e heterogeneidade, tem preceitos claros, os quais se relacionam à defesa dos valores tradicionais (especialmente a família patriarcal) e o combate ao Estado social e aos gastos públicos. Nesse contexto, Pereira (2020a) destacar que,

 

O neoliberalismo constitui a fase mais recente do capitalismo que, de crise em crise, acabou oportunizando, nos fins dos anos 1970, a ascensão triunfal dessa subordem liberal como uma das consequências da crise estrutural do capital explicitada naquele momento. [...] a mescla com o que parecia ser o seu oposto o neoconservadorismo é tão entranhada que redundou na fusão orgânica de ambos, a qual recebeu outro nome ‘nova direita’ representativo da índole comum e teleológica dos mesmos (neoliberalismo e neoconservadorismo) (Pereira, 2020b, não paginado, grifos meus).

 

A incapacidade de o “discurso neoliberal clássico” dar a sustentação ideológica necessária ao estágio atual da economia capitalista e sua “prática política brutal de extermínio e de rebaixamento das condições de vida" é a chave para a virada neoconservadora, observa Almeida (2020, E-book Posição 451). Conforme destacado por Finguerut (2008, p. 20), em diálogo com o teórico neoconservador estadunidense Irving Kristol, é assim que as bandeiras da Nova Direita incluem “um Estado mais forte, porém com menos impostos”; uma política externa de defesa do patriotismo e de rechaço a “um governo mundial”, que resultaria em uma “tirania generalizada”; e na adoção de uma política interna pautada em “[...] distinguir amigos de inimigos”. As guerras sexuais e a disseminação do pânico moral assumem lugar central, nesse contexto, como é assinalado por Gayle Rubin (1989).

 

Os conflitos contemporâneos relacionados aos valores sexuais e ao comportamento erótico têm muito em comum com os conflitos religiosos de séculos passados. Eles adquirem um imenso peso simbólico. Discussões sobre o comportamento sexual muitas vezes são meios de esquivar-se de preocupações sociais e descarregar as tensões sociais que as acompanham. Assim sendo, a sexualidade devia ser tratada com especial cuidado em tempos de grande stress social. É precisamente em épocas como essa, quando vivemos sob a ameaça de uma destruição inimaginável, que as pessoas ficam perigosamente enlouquecidas com a sexualidade (Rubi, 1989, p. 113-114, tradução nossa).

 

Mais recentemente, a utilização das mídias sociais e a adoção de uma linguagem típica das redes sociais têm se revelado elementos centrais da estratégia de comunicação da Nova Direita e de suas guerras. Trata-se de disseminar medo e ódio contra todos os identificados como inimigos (Corrêa, 2021a; Galego, 2020; Ramirez, 2020). Nesse cenário é que a memetização da vida e da política, por meio das redes sociais, revela-se estratégica e central na “banalização do ódio”, como assinalado por Solano (2018):

 

O discurso de ódio é apresentado, na maioria das ocasiões, como a figura do meme, da frase irreverente, da piada que as pessoas não entendem como algo agressivo, violento, a ser rejeitado. Pelo contrário, é exagero e histeria dos grupos que se dizem atacados. A banalização do ódio. Onde muitos de nós enxergamos discurso de ódio, enxerga-se, simplesmente, uma forma politicamente incorreta, bruta, folclórica de dizer as coisas (Solano, 2018, p. 20).

 

Para Corrêa (2021a, p. 136-ss), a chamada “ideologia de gênero” emerge, nessa conjuntura, e cumpre função importante, nesse cenário, como um “fantasma”. Uma espécie de “espantalho”, que é evocado a todo momento, por ameaçar e pôr em perigo a família, o pensamento cristão e a própria humanidade. Constitui-se, assim, como justificativa principal para as guerras sexuais e ofensivas anti-gênero, cujos alvos principais são os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais e Assexuais (LGBTQIA+).

 

Há que se ter em conta que essas “cruzadas anti-gênero”, destacadas por Corrêa (2021a), ganham centralidade na retórica da Nova Direita, ao se alinharem às concepções de ultraconservadores religiosos, acerca do que denominam “direitos fabricados”, como analisado por Teixeira (2021a).  Nas palavras de Ramirez (2020),

 

[...] esse não é o seu único ou principal objetivo. O principal desígnio político compartilhado pelos vários grupos neoconservadores religiosos e neoliberais que usam a retórica da “ideologia de gênero” é controlar o estado e as suas instituições por meio dos próprios mecanismos eleitorais da democracia formal e, uma vez estabelecidos em seu interior, impor a sua própria visão social e econômica (Ramirez, 2020, p. 11, grifos da autora).

 

A partir desse mesmo imperativo, a defesa de políticas para as famílias coloca-se como estratégica. Alçada à condição de principal alternativa para combater a tal ideologia de gênero, a defesa da denominada família natural articula-se, ademais, à desresponsabilização do Estado; à privatização da proteção social; ao fortalecimento do heteropatriarcalismo; e à deslegitimação e erosão de espaços públicos e de participação.

 

Os imperativos da ordem capitalista estão, pois, na base das guerras sexuais bem como dos processos de desdemocratização. Como destacam Christian Laval e Pierre Dardot (2016), a lógica neoliberal – essa nova razão do mundo, há que se ter em conta –, exige ações que acabem com qualquer possibilidade de a ordem econômica sofrer interferência de decisões democráticas ou oriundas da maioria. 

 

A inflexão conservadora e a ascensão da Nova Direita, no Brasil, frequentemente são associadas ao golpe contra Dilma Roussef e à eleição de Bolsonaro, em 2018.[5] Suas raízes associam-se ao aprofundamento da crise capitalista, e remontam à década de 1980, porém. Período internamente marcado pela abertura política e as disputas travadas por setores conservadores e progressistas, no bojo do processo constituinte (Corrêa, 2021a; Teixeira, 2021a; Teixeira; Nunes; Oliveira, 2021). A inflexão conservadora vem se gestando, entretanto, como assinala Corrêa (2021a), gradativamente, há muito tempo, ganhando novo fôlego no século XXI.

 

Fortalecida com a eleição de Bolsonaro, a Nova Direita ‘brazuca’ e a inserção global do Brasil ganharam importância na articulação internacional, tornando o País um de seus principais porta-vozes, com a derrota de Trump e a eleição de Biden, nos Estados Unidos da América (EUA). Como observado por Corrêa e Pazello, (2022, p. 11), o Brasil “[...] se tornou um nodo articulador dessas muitas correntes, seja no que diz respeito a conexões com personagens e grupos de direita norte-americana, seja no que se refere aos atores estatais europeus [...]”, desde a eleição de Bolsonaro (Chade; Trevisan, 2021; Corrêa; Pazello, 2022; Political Network for Values, 2023a; Ramirez, 2020; Teixeira, 2021b).

 

A análise da PNfV e de suas articulações, objeto da próxima sessão, tem em consideração esse contexto e buscou identificar sua agenda, suas estratégias e a articulação adotadas, assim como a inserção do País nessa dinâmica. Vejamos, pois, a seguir, como tais articulações se configuram, procurando delinear, a partir daí, os contornos que demarcam a ofensiva neoconservadora da Nova Direita e como essa incide na dinâmica do País, sob Bolsonaro.

 

A REDE DA INTOLERÂNCIA NOTAS SOBRE A OFENSIVA NEOCONSERVADORA TRANSNACIONAL E SUAS REPERCUSSÕES NO BRASIL

 

A atuação da PNfV ganhou destaque, em 2021, a partir do dossiê publicado pelo WikiLeaks, em que o grupo denuncia a organização de uma rede internacional “transatlântica” de “ultradireita”, bem como sua diretriz central: a promoção de seus “valores” – “antiaborto, antigênero, contra a educação sexual e a favor da família é dizer, provida, pró-família e pró-cristãos”, conforme assinalado em matéria da revista mexicana Contralínea[6] (Ramírez, 2021, não paginado).

 

Denominado Rede da Intolerância, o Comunicado do WikiLeaks expôs um conjunto de 17 mil documentos internos, das organizações espanholas ultracatólicas HazteOír e CitizenGo, do período de 2001 a 2017, que, entre outros temas, revelavam o processo de constituição da PNfV, assim como a sua razão de ser. Ao sintetizar seus achados acerca da constituição da Rede da Intolerância, o documento destaca:

 

[...] seu objetivo final é arrecadar grandes fundos e influenciar políticas em alto nível. [...] Tanto a HazteOir quanto a CitizenGo realizam suas campanhas e outros trabalhos sob o disfarce de valores familiares, mas fica claro através do conjunto de documentos que seus valores estão enraizados em um contexto cristão extremamente ultraconservador (WikiLeaks, 2021, grifos meus).

 

Ademais, a análise do referido material identificou doadores e membros dessas entidades, assim como as estratégias e o planejamento para a ação da PNfV. A denúncia acerca da Rede da Intolerância não teve grande repercussão no Brasil. No entanto, o documento desencadeou um escândalo, à época, na Espanha, expondo pessoas e grupos de destaque nacional[7] (Ferrero, 2021; Ramírez, 2021; WikiLeaks, 2021).

 

Além das organizações ultracatólicas mencionadas, outros agrupamentos de ultradireita – europeus, estadunidenses e latino-americanos – que atuam na esfera da sociedade civil e dos parlamentos, identificados no dossiê, aparecem em destaque nos eventos da PNfV (Ferrero, 2021; Political Network for Values, 2020d; 2021c; 2022; 2023a; WikiLeaks, 2021).

 

A defesa da família – especificamente da família natural – e a proteção da vida humana (desde a concepção) constituem os pilares que servem de alicerce ao ajuntamento de organizações de ultradireita, de vários países[8], na conformação e estruturação da PNfV, como apontado pela organização WikiLeaks. Em torno dessa agenda, realizam substanciais aportes financeiros e cumprem papel estratégico, mobilizando recursos de toda ordem para viabilizar as ações da Rede e dar seu aval público[9]  (Political Network for Values, 2020a; Ramírez, 2021; WikiLeaks, 2021).

 

Vale destacar que a inserção da Rede da Intolerância, na Internet, possibilitou-nos analisar sua atuação, pois aumentou de intensidade e ganhou centralidade a partir de 2020, no contexto da pandemia de Covid-19, colocando-se, a partir daí, como uma das estratégias centrais para o desenvolvimento da ação da Rede.

Ainda que tenha sido colocada sob holofotes somente em 2021, a partir de WikiLeaks, o surgimento da PNfV delineou-se, mais de uma década antes, e sua primeira atividade pública foi realizada, ainda em 2014, na sede das Nações Unidas, em Nova York[10] (Political Network for Values, 2020b; 2020c). Ademais, a realização desse evento, durante as atividades da Organização das Nações Unidas (ONU) e em suas instalações, vai se revelar uma característica da atuação da PNfV, em conformidade com um de seus principais objetivos: incidir em âmbito glocal, com especial atenção nos organismos multilaterais e nas instâncias nacionais de poder (executivo, legislativo e judiciário).

 

Com o tema Fortalecendo a Família para o Desenvolvimento Sustentável – Até onde poderíamos chegar?, a PNfV realizou, nessa ocasião, sua I Cúpula Transatlântica. Na oportunidade, tornou público o quadro de referência de seus membros: o Decálogo de Valores[11], ancorado nas três premissas basilares, que unificam a ultradireita, agregada em torno da PNfV (Political Network for Values, 2020a).

 

Assim, ao lado da defesa “da família”, como “unidade básica da sociedade”; da “vida desde a concepção”; e da “liberdade de consciência e de religião”, o Decálogo de Valores afirma o casamento “entre homem e mulher” e a “primazia da autoridade parental frente ao Estado”, no que se refere à educação das crianças. (Political Network for Values, 2020a).

 

Agrega, a esses “princípios”, a defesa de outro conjunto de “valores”, que incluem o rechaço ao aborto e à eutanásia – bem como à clonagem; manipulação genética; destruição de embriões humanos; e barriga de aluguel, e o que denominam “relativismo”, de caráter essencialmente “ideológico”. De acordo com o Decálogo de Valores, essa “tirania do relativismo” assenta-se em uma ideologia que “[...] alarga a enumeração de falsos e supostos novos direitos, que significam a supressão de deveres, quer com os idosos, quer com as crianças, quer com os nascituros” (Political Network for Values, 2020a, grifos meus).  

 

Vale destacar que a premissa que sustenta o Decálogo de Valores remete à ilegitimidade dos organismos multilaterais em relação aos estados nacionais e à família, quanto aos direitos e deveres. Ademais, o documento é permeado por duas estratégias, que se fazem presentes nas iniciativas, levadas a cabo não só pela Rede da Intolerância, mas na ofensiva neoconservadora capitaneada pela Nova Direita, em diferentes países e no Brasil.

 

Trata-se, de um lado, de articular ações, simultaneamente, nos níveis local e global ou “glocal [12], nas palavras de Lola Velarde (2020, não paginado). De outro lado, lança-se mão da estrutura legal existente, para justificar iniciativas e propostas que atendem às suas convicções, com forte teor autoritário, e impulsionar um processo continuado de desdemocratização, como assinalado por Ramirez (2020). Para tanto, incentiva-se a ocupação, por quadros conservadores, dos espaços políticos nacionais, de diferentes esferas e instâncias, e a proposição de novas leis e políticas. Diretriz que, no Brasil, se materializou na ocupação de espaço nos Conselhos de direitos; além dos parlamentos, legislativos e no judiciário; e diferentes iniciativas nesses espaços.

 

Além de ser o momento de ratificação do Decálogo de Valores, firmado, na ocasião, por 32 países, tendo à frente os EUA, a Espanha e Hungria[13], a I Cúpula promoveu o encontro de mais de 200 líderes políticos de 39 países, e oportunizou à Rede atuar em conjunto, em prol de suas metas: sensibilizar os decisores sobre o papel essencial da família; promover “redes transatlânticas” entre os participantes, tanto a nível nacional como internacional, com vistas a partilhar “boas práticas políticas” e estabelecer relações de “cooperação contínua” (Political Network for Values, 2020b; 2020c).

 

As Cúpulas Transatlânticas realizaram-se em intervalos maiores, a cada dois ou três anos, em um sistema de rodízio de países e continentes, ora nas Nações Unidas, ora em parlamentos de governos amigos.[14]  São espaços fundamentais também para a articulação e o lançamento de ofensivas direcionadas ao sistema de direitos internacionais, com especial ênfase na retirada de qualquer menção ao que denominam direitos fabricados; a maioria ligada ao universo dos direitos sexuais e reprodutivos, nos documentos desses organismos.[15]

 

Constatando-se a coincidência de algumas delas, com eventos patrocinados por agências multilaterais, ligadas, ou não, diretamente ao sistema da ONU. Nesses eventos presenciais, também se desenvolve uma iniciativa voltada à formação de jovens lideranças[16], por intermédio de parceria com a organização conservadora sediada nos EUA, a Global Responsability.[17] Além das Cúpulas Transatlânticas, a estratégia de ação da Rede da Intolerância, nesse período, envolveu a promoção de outra atividade regular: os Diálogos Transatlânticos.

 

Realizados no formato remoto on-line, entre maio de 2020 e dezembro de 2022[18] –, os Diálogos Transatlânticos lograram viabilizar a participação de centenas de representantes políticos, inclusive do Brasil. Destaca-se, além da ministra Damares Alves e sua secretária da Família, Ângela Gandra, a presença de parlamentares filiados ao Partido Republicanos e Partido Liberal e advogados vinculados à direitista Ordem de Advogados Conservadores do Brasil e à Associação Nacional de Advogados Evangélicos (Anajure). [19] Os temas aí abordados indicam o conjunto de preocupações de seus afiliados. Alguns dos Simpósios merecem destaque pela relevância para o entendimento do que se observa no Brasil, com a ascensão da Nova Direita, e pela presença da representante do governo brasileiro.

 

Mencionam-se os Diálogos Transatlânticos, que tiveram como temas Uma Resposta Política à Ideologia de Gênero; Avanços Políticos na Proteção da Vida Humana: Duas Experiências de Êxito; Efeito Dominó: O impacto Local e Global da Revogação da Sentença Roe vs Wade; e Política de Proteção da Infância (e da Mulher) ante a Agenda Trans (Political Network for Values, 2021b; 2022; 2023).

 

Durante o Governo Bolsonaro, foram inúmeras as iniciativas levadas a termo, no País, sejam por autoridades do governo; lideranças religiosas e/ou políticas; e, também, na esfera do judiciário, que revelam a incidência das diretrizes e estratégias promovidas pela Rede da Intolerância, na esfera nacional.

 

Ao longo de quatro anos, o Brasil virou notícia, inúmeras vezes, pelas posições regressivas, assumidas por nossos representantes, nas agências que compõem o sistema ONU e outros órgãos multilaterais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), especialmente em decorrência de adesão às pautas pró-vidas e antigênero.

 

A epidemia de COVID-19 açoitou a população, sob o governo fundamentalista e anticiência, que atuou em guerra aberta contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), submetendo-nos a enorme tragédia (Chade, 2021a; 2021b; Teixeira, 2021a; Teixeira; Nunes; Oliveira, 2021).

 

No âmbito interno, mencionam-se, ademais, as ações na esfera do legislativo, de algumas instâncias inferiores do judiciário e dos ministérios bolsonaristas em especial, da Educação; das Mulheres e Família; e da Saúde –, que pretenderam alterar legislações; instituir novos marcos; e desmontar programas e políticas, em convergência com a agenda e as estratégias apresentadas pela PNfV.

 

As propostas de restringir o aborto, previsto em lei; as reiteradas tentativas de aprovar o chamado estatuto do nascituro; as cruzadas contra a ideologia de gênero e a promoção da chamada cura gay; o desfinanciamento e desmonte das políticas de combate e controle do Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência  Adquirida (HIV/Aids) – sua sigla em inglês –, e de enfrentamento à violência;  são algumas dessas iniciativas, que visam retroceder com direitos conquistados por mulheres e pessoas LGBTQIA+, impondo-se uma perspectiva ultraliberal heteropatriarcal e fundamentalista sobre os direitos, a sociedade, o Estado e a vida (Chade, 2021a; 2021b; Chade; Trevisan, 2021; Corrêa; Kalil, 2020; Teixeira, 2021a; Trevisan, 2020).

 

Pode-se pensar que se trata somente de convergências decorrentes de ambos se situarem no espectro da Nova Direita. O exame do material selecionado na pesquisa documental, revela, porém, diálogo e presença brasileira nas ações da Rede da Intolerância, assim como de lideranças a ela vinculadas, no Brasil, durante o governo Bolsonaro.

 

Os Diálogos e as Cúpulas Transatlânticos mostraram-se relevantes à análise, também, para se observar a inserção internacional do Brasil, sob Bolsonaro, e a importância alcançada por seus representantes na construção das pautas e estratégias.  A presença da Secretária Nacional de Família – Ângela Gandra – do Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, no governo Bolsonaro, nos eventos da Rede de Intolerância, é ilustrativa de como isso se deu.

 

Ligada à direita ultracatólica nacional, e filha de Ives Gandra Martins, conhecido jurista paulista, frequentemente associado à ultracatólica Opus Dei, além de presença recorrente, Gandra ocupou lugar de protagonista e principal voz do governo Bolsonaro nos eventos da PNfV.

 

Examinemos agora, os Diálogos Transatlânticos, começando pelo primeiro, que foi realizado em 12 de março de 2021 (Political Network for Values, 2021c). Denominado Uma Resposta Política à Ideologia de Gênero, o encontro contou com a participação da Secretária Nacional da Família, cujas declarações, durante o evento, sobre as ações do governo brasileiro no combate à denominada ideologia de gênero, repercutiram no Brasil e foram reproduzidas, em matéria assinada por Chade e Trevisan (2021). Declarou a secretária, na ocasião:

 

Queria dizer a vocês que estamos trabalhando muito em políticas públicas contra a ideologia de gênero. Desde o primeiro momento tiramos todas as cartilhas que tínhamos, onde os pais estarão preparados para ajudar seus filhos a partir dos dois anos a escolher o sexo. Desde o primeiro momento no Ministério da Mulher, da Família, dos Direitos Humanos retiramos todo o material que não vai ser distribuído (Political Network for Values, 2021c grifos originais).

 

O segundo Diálogo Transatlântico, intitulado 10 Anos de Êxito em Política Familiar: o Caso de Hungria, realizado em 18 de junho de 2021, também contou com participação de Gandra, desta vez, como uma das expositoras,[20]  ao lado do húngaro Balázs Molnár, ex-subsecretário do governo Orbán. Falando diretamente da Prefeitura de São Paulo, a secretária destacou, em sua exposição, ser a “primeira vez que temos uma política para as famílias, no Brasil”, bem como um Ministério das Famílias (Political Network for Values, 2021a).

 

Em sua exposição, Gandra disse que o Ministério “tem se inspirado na experiência da Hungria”, onde pôde estar em companhia da ministra Novak, observando a experiência húngara. A secretária destacou, ainda, a importância de afirmar a família como “célula mais importante da sociedade”; e que o governo do Brasil estava atuando para que o País “tenha famílias fortes” (Political Network for Values, 2021a, grifos meus).

As estratégias reveladas nas temáticas e nos debates aparecem nos registros das Cúpulas e Diálogos Transatlânticos, e, também, quando analisadas as ações e declarações de políticos brasileiros, integrantes da gestão Bolsonaro e de outras organizações, como partidos e associações civis, da sociedade, com destaque para as ações coordenadas nos organismos multilaterais.

 

Por fim, mas não menos importante, uma das principais ações desenvolvidas pela Rede da Intolerância, em conjunto com entidades associadas, em sua estratégia de ação glocal, também se orienta pelo Decálogo de Valores e nos ajuda a entender a atuação da chamada bancada da bíblia e outros grupos ultradireitistas, que sustentaram o governo Bolsonaro.

 

Trata-se do monitoramento transcontinental da situação de seus “valores”, do ponto de vista legislativo, reproduzidos a seguir, no  Mapa1, que aponta a situação legislativa de oito temas, contemplados no Decálogo de Valores, a saber: (1) aborto; (2) fecundação in vitro; (3) barriga de aluguel; (4) eutanásia; (5) adoção homoparental; (6) ideologia de gênero;  (7) liberdade de consciência;  e (8) religião; classificando os países do ponto de vista da “legislação favorável aos princípios da PNfV”; “regulação parcialmente negativa”; e “completamente negativa” (verde, vermelho e amarelo, respectivamente). A discussão teve lugar em um dos Diálogos Transatlânticos, sob o título Visão Geral de Valores e Liberdades no Sistema Interamericano de Direitos Humanos[21], que se realizou em 18 de julho de 2020 (Political Network for Values, 2020a).

 

Quanto à importância do Mapa Legislativo de monitoramento dos valores para a PNfV, por tudo o que aqui se discutiu, é evidente, embora a versão exibida indicasse ser uma “versão em teste”. O caráter estratégico do material e dessa ação se intui, ademais, diante da constatação de que o único vídeo que não se encontra mais disponível, no canal da PNfV, curiosamente, é o desse Diálogo Transatlântico, no conjunto de 18 eventos. Em função de outras más experiências, o mapa foi printado, quando, em abril de 2021, o vídeo do referido Diálogo, ainda disponível no YouTube, foi assistido. Não foi possível garantir a qualidade gráfica. Ficou como registro (Political Network for Values, 2021d).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa 1 - Situação legislativa de temas contemplados no Decálogo de Valores

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

 

Fonte: Political Network for Values (2021).

 

A TÍTULO DE CONCLUSÃO

 

Cotejada com as reflexões suscitadas pela leitura da bibliografia, previamente selecionada, a análise documental possibilitou contextualizar a emergência da PNfV; conhecer seus protagonistas; a agenda; as redes aliadas; e suas formas de atuação. Desvelando-se, por meio dessa análise, a dimensão central da organização da ofensiva neoconservadora – qual seja, a ação transnacional da Nova Direita. Igualmente permitiu observar a inserção do Brasil, sob o governo Bolsonaro, e a incorporação de sua agenda, no País, em que a família e o familismo constituem pilar central (Political Network for Values, 2020a; 2020b; 2020c; 2020d; 2021d; 2022; 2023a; Teixeira; Nunes; Oliveira, 2021).

 

Além disso, e não menos importante, vale destacar que o amplo material disponível, assim como a centralidade da Internet e das plataformas digitais, para a PNfV, como ferramenta para a realização de suas atividades, no período analisado, mais que viabilizar a pesquisa que deu base a este texto, são reveladores da dinâmica e das estratégias que caracterizam a Nova Direita e o capitalismo, no momento atual, e que tem, como um dos seus pilares, a revolução tecnológica, a utilização da Internet e os processos de comunicação digital (Galego, 2018; Ramirez, 2020).

 

Por fim, as estratégias adotadas, durante o governo Bolsonaro, são reveladoras do intenso processo de diálogo e pactuação estabelecido com essa organização e políticos identificados com a direita extremada, de todos os continentes. Como se procurou mostrar, essas articulações internacionais orientam a Nova Direita ‘brazuca’, na construção de estratégias e organização das ações, seja em nível do Executivo, do Legislativo ou da sociedade.

 

Elemento fundamental, comum a diferentes contextos nacionais, a associação entre as agendas tradicionais dos ultraconservadores, com as diretrizes do modelo ultraliberal, dinamizou o processo de erosão democrática no Brasil, incidindo na dinâmica política do País, sob Bolsonaro. O resultado já se faz notar em todo o mundo, onde a Nova Direita chegou ao poder. E seus efeitos persistem, como vimos, após a saída de Bolsonaro.

 

REFERÊNCIAS

 

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Marlene Teixeira RODRIGUES

Possui doutorado em Sociologia (2003) e mestrado em Política Social (1995) pela Universidade de Brasília; graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1986). É professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social, da Universidade de Brasília, onde atua também como pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UnB) e coordenadora do Grupo de Estudos em Gênero, Política Social e Serviços Sociais (GENPOSS/UnB).

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* Assistente social. Doutora em Sociologia. Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Política Social, da Universidade de Brasília. (UnB, Brasília, Brasil). Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília, Distrito Federal, CEP 70910-900. E-mail: marte@unb.br.

 

 © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[1] Esse processo tem ensejado, de acordo com Galego (2020), a utilização de diferentes terminologias e conceitos, que têm em comum a ênfase no processo de reorganização e fortalecimento político das Direitas, no mundo, em um contexto de crise do capital, em que o neoliberalismo avança de braços dados com o neoconservadorismo, em direção a modelos claramente autoritários e antidemocráticos.

[2] A organização, fundada em 2006, por Assange, ganhou projeção mundial a partir da divulgação de documentos secretos do governo estadunidense. Acusado de violar as condições de sua fiança, Assange encontra-se detido da Inglaterra, desde abril de 2019, aguardando a extradição para os Estados Unidos da América (EUA), enquanto uma campanha mundial de mobilização tenta barrá-la.

[3] A Secretaria Executiva está localizada em Madri, capital da Espanha.

[4] Além do portal da PNfV e de seu canal no YouTube, o Observatório de Política e Sexualidade (conhecido por sua sigla, em inglês, SPW) e a Coluna Jamil Chade, no portal UOL, merecem menção especial, pelo trabalho sistemático em relação ao tema.

[5] Não se entrará, aqui, no debate acerca dos processos vividos no Brasil, nas décadas que antecederam a chegada de Bolsonaro ao poder; como feito em outra oportunidade (Ver Teixeira, 2021b). Referências utilizadas no presente texto, como a coletânea organizada por Galego (2020) oferecem também importantes contribuições sobre o tema.

[6] A matéria foi feita a partir de uma parceria entre WikiLeaks e os portais jornalísticos  Il Fatto Quotidiano (Itália), Taz (Alemanha), Público (Espanha) e Contralínea (México).

[7] Além de mostrar as relações dessas organizações com o partido espanhol ultradireitista VOX, revelou a participação de organizações e figuras conhecidas da Espanha, entre seus contribuintes, como o multimilionário Isidoro Álvarez  proprietário do El Corte Inglês.

[8] Entres essas: as estadunidenses Aliança Defendendo a Liberdade (ADF); Organização Internacional para a Família (IOF – na sigla em inglês); e Organização Nacional para o Casamento ((NOM – na sigla em inglês); das espanholas CitizenGo, Fundação Valores e Sociedade e do Instituto de Política Familiar (IPF), da Rede Família; Rede de Ação Ética Política, do México; e da italiana Fundação Nova Terrae. O Governo da Hungria e algumas instituições civis daquele país, como a Bethen Gábor Alapítvány, juntaram-se a essas, após o relatório supracitado.

[9] Suas logomarcas figuram no material de divulgação de suas atividades, e por meio de integrantes das comissões organizadoras, conferencistas e mediadores nos colóquios e conferências, ou em cargos de gestão ou aportando recursos financeiros.

[10] Ocasião da realização de sua Reunião Anual, quando se comemorou o XX Aniversário do Ano Internacional da Família, instituído pela ONU, em 1994.

[11] O documento, disponível no portal da Rede, encontra-se aberto a assinaturas, para representantes políticos, somente, conforme destaca a chamada.

[12] Estratégia, vale dizer, adotada por movimentos e organizações ambientalistas e de direitos humanos, de teor progressista, já na década de 1990.

[13] Embora os documentos registrem a presença do Brasil e EUA nesta I Cúpula, e o secretário de governo estadunidense tenha sido destaque, os governos do Brasil e dos EUA aderiram ao Decálogo, sob as presidências de Bolsonaro e Trump, e se desvincularam após a posse de Lula e Biden.

[14] É o contexto político de ascenso da Nova Direita e de espaços geopolíticos estratégicos que leva à II Cúpula, a ser realizada no Parlamento Europeu, em Bruxelas (2017); a III Cúpula, em 2019, no Congresso da República, da Colômbia; e a IV Cúpula, em 2022, em Budapeste, na Hungria. A V Cúpula, programada para 16 e 17 de novembro de 2023, na sede da ONU, em Nova York, coincidiu com a comemoração do 75o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem a ex-secretária da Família, Ângela Gandra, e o deputado federal, por Minas Gerais, Nikolas Ferreira, como palestrantes.

[15] A Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, conhecida como Consenso de Genebra, é ilustrativa desse movimento, tendo como pontos centrais a defesa da vida desde a concepção, e da família, como célula natural e fundamental da sociedade, assim como o rechaço do aborto. Elaborada para ser divulgada na Cúpula Mundial sobre a Saúde da Mulher, em 2020, e suspensa devido à pandemia de COVID-19. O documento, articulado sob as bênçãos da Rede, foi firmado virtualmente, contando com a adesão do Brasil e manifestação explícita de seus ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Mulher e Direitos Humanos. Sua principal repercussão no Brasil, entretanto é a Portaria GM/MS  2.561, de 23 de setembro de 2020, que, a pretexto de proteger as mulheres, criou uma série de embaraços para a realização do aborto previsto em lei.

[16] O objetivo da ação, explicitado pela própria PNfV, em seu portal, revela uma das estratégias importantes da ofensiva neoconservadora levadas a cabo pela Nova Direita e tem a ver com a oferta de formação e capacitação de jovens, sobre o funcionamento interno e a gestão externa do organismo internacional onde a Cúpula tem lugar.

[17] Além das Cúpulas, a PNfV também promoveu outras ações presenciais: em 2015, realizou-se, em Washington, DC, a I Cúpula Regional das Américas, e, nos anos de 2018 e 2022, respectivamente, tiveram lugar, na Espanha e no México, Seminários Temáticos promovidos em conjunto com algumas das organizações associadas nativas. Ademais, integrantes da Comissão Diretiva participam de eventos promovidos por organizações, em diferentes países

[18] Alcançando um total de 18 encontros, os Diálogos aconteceram com frequência, variando ao longo dos anos – 6 em 2020; 4 em 2021; e 8 em 2022.

[19] A participação do deputado federal paranaense, Filipe Barros (PL), ligado ao movimento Direita Paraná; do vereador cearense Jorge Pinheiro (PSDB), um ex-missionário pela Comunidade Católica Shalom; e do presidente regional do Republicanos (antigo PRB) e pastor da Igreja Sara Nossa Terra, Wilton Melo Acosta, exemplificam a presença brasileira.

[20] Vale notar que, conforme explicitado pela própria Secretária Nacional de Família, na ocasião, a exposição foi feita em inglês, em homenagem aos integrantes da Rede.

[21] O Seminário, que teve como conferencista principal Edgar Stuart Ralón, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, contou, ainda, com a participação do mexicano Rodrigo Iván Cortés (secretário da PNfV) e de Alfonso Aguilar (diretor do Human Rights Group e chefe do Escritório de Cidadania dos EUA na administração Bush), responsáveis pela abertura e apresentação do orador.