Geoeconomia poltica do
conhecimento e internacionalizao: buscando ampliar a compreenso do problema
Political
geoeconomics of knowledge and internationalisation: seeking to broaden the
understanding of the problem
Maria
Alexandra da Silva Monteiro MUSTAF*
https://orcid.org/0000-0002-9011-6597
Gisele
Caroline Ribeiro ANSELMO**
https://orcid.org/0000-0003-4130-1152
A |
tese apresentada por Leher e Santos (2023) consiste na argumentao de
que a produo de conhecimento no mundo est diretamente relacionada com a
geoeconomia poltica e que, historicamente os grandes imprios tm se
apropriado do conjunto de saberes produzidos pela humanidade, detendo sobre
eles um poder de concentrao e de controle sobre os demais povos, tendo em
vista que as condies geogrficas, polticas e econmicas so elementos
determinantes nessa concentrao de poder e saber.
Estamos em total acordo com esta tese, pois fato notrio
que a geoeconomia poltica dita as regras da difuso ou no do saber e que a
histria registra exemplos irrefutveis, tais como aquele do Imprio Alexandrino,
que instituiu a Biblioteca de Alexandria como centro de produo, concentrao
e, ao mesmo tempo difuso do saber, na Antiguidade e aquele do Imprio
Norte-americano que, na atualidade, representa o maior espao de controle do
conhecimento no mundo.
No entanto, gostaramos de fazer algumas ponderaes que
diferenciam estes dois grandes exemplos situados no campo da geoeconomia
poltica e acrescentar algumas reflexes que podem elucidar novos
esclarecimentos sobre este fenmeno e pontuar algumas sugestes que, no nosso entendimento
poderiam redirecionar essa concentrao de poder e saber para os pases cuja
condio geoeconmica e poltica caracterizada como perifrica aos grandes
centros.
Sendo assim, lembremos que, diferentemente do Imprio
Norte-Americano, o Imprio Alexandrino foi demarcado por um aspecto que o
tornou muito peculiar: a cultura helenstica, cujos pilares encontravam-se
exatamente na intencionalidade de Alexandre o Grande, de difundir a cultura e a
lngua grega por todo o Imprio, mesmo tendo sido a Grcia uma de suas
conquistas geopolticas. O fato talvez se explique considerando-se que o
Imperador Alexandre teria recebido sua formao pedaggica do filsofo
Aristteles, que, embora sendo um macednico de Estagira,
tinha se radicado na Grcia, desde a juventude para ser discpulo de Plato, na
ento Academia e, posteriormente ter-se afastado desta escola aps a morte de
seu mestre e ter fundado o Liceu ou Peripato, no qual
desenvolvia e difundia a sua filosofia.
Note-se que Alexandre ficou sob os cuidados de Aristteles
desde os treze anos de idade e assim aprendeu a reconhecer estrategicamente o
poder da cultura grega como elemento aglutinador e unificador do seu imprio,
que passou a estender-se desde a Grcia, a Prsia, Egito, Fencia, Palestina,
Babilnia, Assria, sia Menor e ndia, no mbito das suas intenes de domnio
mundial.
O impacto intelectual e cultural da Biblioteca de
Alexandria sobreviveu morte de Alexandre e a ataques de imperadores romanos e
religiosos fanticos e se trasladou no tempo at os dias atuais, como bem
descreve o historiador Ernst Gombrich, na sua obra Breve Storia del
Mondo:
Mas mesmo se o Imprio se fragmentou [aps sua
morte], o plano de Alexandre tinha se realizado lentamente. A arte e o esprito
greco tinham penetrado na Prsia, tinham chegado at a ndia e, at mesmo alm,
at na China. E os gregos, por seu lado, tinham entendido que Atenas e Esparta
no eram o centro do mundo e que, talvez, existissem coisas mais importantes
entre os contnuos litgios entre dricos e jnios. Ao contrrio, exatamente
quando tinham perdido totalmente o limitado poder poltico deles, os gregos se
transformaram em portadores do maior poder espiritual jamais existido, aquele
poder que se chama cultura grega. Voc sabe quais eram as fortalezas desse
poder? As bibliotecas. Em Alexandria, por exemplo, existia uma biblioteca grega
que possua 700 mil rolos [de papiros]. Estes 700 mil rolos foram os soldados
gregos que conquistaram o mundo. E aquele Imprio est em p ainda hoje (Gombrich, 1997, p. 94)
Com efeito, a difuso do pensamento grego se deu em outros
centros culturais do Imprio, como aqueles de Prgamo, Rodes, e sobretudo em
Alexandria. "Atenas conseguiu manter ainda seu primado no campo da
filosofia, mas Alexandria tornou-se o grande centro da cultura cientfica, que
justamente a atingiu os mais altos cumes, tocados no mundo antigo" (Antiseri; Reale, 2017, p. 305).
Na obra citada de Antiseri e Reale (2017), ns
aprendemos que Alexandria, logo aps a morte de Alexandre, passando a ser
gerenciada pela dinastia ptolomaica, assumiu para si, conscientemente, uma
posio geopoltica central: Ptolomeu I, Soter, com a assessoria estreita de
Demtrio Falereo e, mais tarde de Estrato
de Lmpsaco recolheu "[...] numa grande
instituio todos os livros e instrumentos cientficos necessrios para
pesquisas, de sorte a oferecer aos estudiosos um material que no teria podido
encontrar em nenhuma outra parte, e assim induz-los a
ir a Alexandria" (Antiseri; Reale, 2017, p. 305-306).
Em relao ao museu, podemos dizer que ele: "[...] igualmente,
atraiu matemticos, astrnomos, mdicos, gegrafos, que expressaram, no mbito
dessa instituio, o melhor daquilo que a Antiguidade produziu" (Antiseri; Reale, 2017, p. 306).
Pois bem, esta iniciativa poltica e cultural teve uma funo
claramente de auferir uma concentrao de poder intelectual sem rivais. Em
outras palavras, a capacidade de influncia de um grupo poltico no mundo
intelectual proporcional capacidade de ele reter, com exclusividade, algo
que os demais interessados no tm como conseguir de outra forma.
Inspirando-se nessa proposta, podemos dizer que, quando
apontamos para o Brasil, como privilegiado por estar longe do ambiente
intelectualmente catico das universidades europeias e estadunidenses, queremos
exatamente indicar um elemento que pode fazer de ns um centro de interesse
inigualvel, para atrair quem esteja querendo se afastar um pouco daqueles
ambientes geopoliticamente e intelectualmente barulhentos para ter espao de
respirao erudita para elaborar as melhores e mais fundamentadas teses.
Em adio a isso vemos que poderamos criar ambientes de
estudo e albergue de intelectuais de todo o mundo, munidos de grandssimas
bibliotecas poliglotas, nas quais brasileiros e visitantes se debruassem
diariamente, para pesquisar. Ao lado disso, pensamos nas equipes, tambm
poliglotas de tradutores, que trabalhariam incansavelmente traduzindo toda a
produo mundial mais significativa e atualizada. Isso iria, acreditamos,
deslocar o centro de pesquisa, pelo menos nas cincias humanas e sociais para o
Brasil.
Dito isso, passemos a algumas consideraes sobre aspectos
especficos que buscam contribuir com o debate.
1 A influncia possvel de um pensamento crtico nos
ambientes hoje hegemonizados pelo capitalismo
1.1 A unidade necessria para uma ao coletiva de
resistncia
O
conhecimento desempenha um papel crucial na geoeconomia poltica. o alicerce sobre o qual as naes
constroem seu poder e influncia. Pases que investem pesadamente em pesquisa
tendem a ter uma vantagem competitiva no mercado global. Precisamos reverter
esse quadro
Como j afirmava Francis Bacon, Saber poder. Em
outras palavras, teremos que decidir se, enquanto intelectuais de um mundo
geopoliticamente vitimado pelo preconceito acadmico, empreenderemos esforos
visando quebrar aquelas barreiras e nos impor como dadores de novas explicaes
sobre a realidade ou nos barricaremos nos nossos ambientes geopoliticamente
tambm determinados, construindo um muro de isolamento em relao quele bloco
hegemnico.
Esta ltima opo no nos parece inteligente, pois nos caracterizaria
diante da histria da cincia como ressentidos e terminaria tambm por nos
impedir o acesso a uma quantidade no insignificante de instrumentos e estudos.
Ento, nossa inteligncia dever ser capaz de propor uma ao coletiva,
estrategicamente bem estruturada que nos leve a nos tornar agentes, alm de
participantes do debate internacional, com o status de primeira ordem,
indispensveis, enquanto dadores de explicaes irrenunciveis a respeito da
realidade.
Sendo assim, mister que percebamos que a palavra-chave
para exercer aquilo que Francis Bacon chamou de Saber poder mtodo,
como o prprio Francis Bacon fez notar: "[...] quero que tudo aquilo que visa a estabelecer relaes
intelectuais e a libertar as mentes se difunda nas multides e passe de uma
boca a outra" (Bacon, apud Antiseri; Reale, 2017, p. 253).
Farrington, assim escreveu sobre Bacon: "Bacon submeteu
reviso toda a cultura humana para descobrir como foi que ela produziu to escasso
fruto da realidade e de que forma pudesse ser aperfeioada" (Farrington, apud Antiseri;
Reale, 2017, p. 251). No mais, Paolo Rossi comentando
Bacon explica que:
A cincia pode e deve transformar as condies
da vida humana [...]; a extenso do poder do homem sobre a natureza nunca
obra de um nico pesquisador que conserve secretos seus resultados, mas
necessariamente fruto de uma coletividade organizada de cientistas; [...] e
toda reforma da cultura sempre tambm, reforma das instituies culturais,
das universidades, das instituies, alm da mentalidade dos intelectuais (Farrington, apud Antiseri;
Reale, 2017b, p. 252.)
Da a nossa proposta ilustrativa do que, desde j,
poderamos comear a objetivar da geopoltica transformao do nosso pas no local
privilegiado para produo do saber de agora em diante, explicado acima, pois
pblico e notrio a dificuldade geral que nas universidades de primeiro mundo
se tem de produzir descobertas, j que l, naqueles locais, sofre-se presses
de vrios tipos para que se evite o pensamento forte. Transformando nosso
territrio geopoltico em territrio privilegiado para a produo de novos
saberes, terminaramos por deslocar o centro intelectual para nosso continente
e teramos dado um golpe significativo na estrutura que mantm aquele sistema
ainda em vigor, um tipo de atualizao daquilo que Ptolomeu Ster
fez em Alexandria com a ajuda de Demetrio Valereo e Estrato.
Voltando a falar do mtodo, to assediado teoricamente,
nesses tempos ditos ps-modernos, percebamos que ele sim o grande e autntico
dador de credibilidade no mundo acadmico. Da devemos revisitar Bacon.
O Dizionario di Filosofia Garzanti (2016), a
tal respeito, nos explica que no Novo Organon, obra principal de Bacon,
[...] ao saber especulativo e lgica clssica, Bacon ope um
saber prtico operativo e uma lgica adequada: o mtodo experimental indutivo
que move por graus at o universal e dele a novos particulares, contraposto ao
mtodo silogstico dedutivo que, partindo imediatamente do universal e
extraindo dele os critrios do juzo particular, estril e no faz progredir
o saber, mas serve unicamente para sistematizao e exposio do que j
conhecido. A lgica silogstica-dedutiva til nos debates, para arrancar o
consenso do adversrio, mas totalmente incapaz de `conquistar a natureza' [produzir
provas cientficas]. Por outro lado, um mtodo que faa apenas experincia com
o instrumento do conhecimento igualmente incapaz de fornecer uma cincia: a
experincia passiva, fragmentria e ocasional, no serve para nada; ela deve
ser guiada por um mtodo e, sobretudo, deve ser `provocada' ativamente sob base
de hipteses j formuladas (Dizionario di
Filosofia Garzanti. Bacone, 2016, p. 85).
Juntando-se o que foi apenas citado quela sugesto de
Bacon que ele desejaria que a cincia se tornasse universalmente praticada, a
nossa revoluo cientfica pode muito se desencadear, deixando atnito todo o
mundo intelectual dos pases hoje imperialistas, criando aqui dentro um fenmeno
no qual toda a populao resolva aderir ao modo cientfico de raciocinar, isto
, ao mtodo cientfico.
Claro que, para isso, deveramos nos fazer capazes de no
sermos mais induzidos por escritores ps-modernos, agentes do atual
imperialismo geopoltico, a rejeitar um mtodo cientfico entre ns, pois na
falta dele, continuaremos a ter nossa produo ridicularizada pelos j citados
hegemnicos, ao passo que, com o mtodo cientfico cada vez mais bem
fundamentado e utilizado, terminaremos vencedores dos nossos propsitos.
Deixemos de desperdiar nossas inteligncias e nos unamos em torno de um
projeto voltado para quebrar essa hegemonia geopoltica.
1.2 A necessidade de criao de novas estratgias para
neutralizar o boicote capitalista produo intelectual dos pases dependentes
economicamente
Ao instituir esse princpio de que Saber poder,
Bacon suscitou o debate sobre a potencialidade do uso da razo humana para dar
respostas s suas necessidades concretas. Mas essa afirmao tem se verificado
como forma de legitimar o poder e o controle poltico e econmico que um povo
detm sobre outro. Na realidade, o conhecimento tem-se colocado a servio da
dominao para legitim-la e acirrar as desigualdades sociais, econmicas,
polticas entre os povos e pases.
Na diviso internacional do saber e na diviso social do
trabalho, o conhecimento tem sido um recurso til para demarcar as fronteiras
entre os campos do saber que podem ser desenvolvidos ou construdos por cada
pas.
A subordinao dos pases que se encontram oprimidos no
processo de diviso social do trabalho um obstculo real para inibir a
produo de pesquisas e de conhecimentos nas reas consideradas mais avanadas
da pesquisa cientfica.
O Brasil, por exemplo, no campo da tecnologia industrial,
no tem se revelado como produtor de cincia capaz de inovar e ser autor de
patentes tais como a criao de novos modelos de automveis, computadores,
etc. No mximo, o Brasil adota os modelos produzidos nos pases centrais
e atua como montador e consumidor de automveis e de computadores ou difusor
dos programas de computao e manuseador da inteligncia artificial que
gerada e produzida por intelectuais dos pases centrais.
Isso se deve prpria diviso internacional do trabalho
que define os pases centrais como mentores intelectuais e detentores de um
saber que difundido pelo mundo e que contribui de forma decisiva para
legitimar o status dos intelectuais dos pases centrais e a sua posio
dominante no campo da inteligncia e da concentrao de riquezas, pois a
condio de consumidor no rol destas relaes internacionais ou de manipulador
de um produto idealizado e projetado fora do seu territrio lhe confere o
status de dependncia e subalternidade que alimenta a lgica do capital.
Se h protocolos que regulam a diviso internacional do
saber e a diviso internacional do trabalho que, como vimos, esto
intrinsecamente imbricadas, tais protocolos s podem ser rompidos com uma forte
deciso da sociedade, dos intelectuais e da poltica brasileira em promover uma
reviravolta no interior da sua prpria pedagogia e viso do papel do
conhecimento e do saber como dimenso emancipatria da inteligncia da
populao e de seus intelectuais no sentido de promover uma vontade poltica de
criar as condies necessrias para se impor diante das relaes internacionais
como pas produtor de conhecimento, detentor de um saber que implique o acesso
toda a populao dos instrumentos que representam a possibilidade de dialogar
em nveis de igualdade com os outros pases, especialmente naquele onde a
intelectualidade pode ocupar espao protagonista e inovador.
preciso criar canais de participao no dilogo mundial,
capazes de se fazer entender e interagir em todos os campos do saber,
especialmente naquele das universidades. Isso requer que pensemos seriamente o
significado da internacionalizao da nossa produo de conhecimento.
O clima
poltico de um pas pode afetar seu sistema educacional, pesquisa cientfica e
direitos de propriedade intelectual.
Por exemplo, pases com regimes autoritrios podem restringir a liberdade
acadmica e censurar informaes que vo contra seu posicionamento
ideolgico. Da mesma forma, tenses
geopolticas entre pases podem levar a restries ao intercmbio de conhecimento
e tecnologia.
Em tempos de ditadura, conforme pesquisas realizadas e
divulgadas pelo intelectual do Servio Social Jos Paulo Netto (1991), em seu
livro Ditadura e Servio Social, os
intelectuais foram impedidos de estabelecer contato com o povo e com intelectuais
de outros pases do mundo. Esta constatao nos faz refletir sobre o papel dos
intelectuais, enquanto intelectuais orgnicos da classe trabalhadora, que tem o
papel de levar informaes, conhecimentos, mas tambm de criar as condies
para que a classe trabalhadora seja produtora de conhecimento e tenha a sua inteligncia
desenvolvida para alm dos limites impostos pelo processo de alienao prprio
do capitalismo. S um povo culto realmente livre pois a emancipao
verdadeira e prpria passa por um processo de desenvolvimento das inteligncias
dos indivduos que compem a massa populacional, capaz de transform-los em
sujeitos e promotores da sua prpria libertao, de superao das amarras da
alienao e da ideologia que obstaculizam toda e qualquer iniciativa de
capacidade crtica e construtiva de uma nova ordem societria.
Esses ranos continuaram ainda em tempos de democracia,
ps-Constituio de 1988 e os intelectuais brasileiros e latino-americanos,
vtimas da ditadura, ainda tm dificuldades naquilo que podemos chamar de dilogo
internacional. Com efeito, se os critrios de meritocracia e cientificidade
so definidos pelos intelectuais dos pases centrais, podemos concluir que a
nossa participao nessa mesa de definio desses critrios est carente da
nossa influncia.
Neste sentido, a nossa ausncia, determinada pela diviso
internacional do saber e do trabalho, encontra um outro obstculo que deve ser
superado o mais rapidamente possvel. Sabemos que, para se manter um dilogo
profcuo e de paridade nas relaes, preciso falar a mesma lngua, pois a
lngua o veculo por excelncia da comunicao entre os seres humanos. E a
lngua oficial para as relaes internacionais, por razes imperialistas, , de
fato, hoje, o ingls. O portugus falado em poucos pases do mundo e ns nos
servimos tambm do espanhol, graas ao estreito contato com os outros pases
latino-americanos. Mas nos convm superarmos o obstculo da lngua para
participarmos com poder de deciso do debate internacional.
Sabemos que o capital est mundializado, o mundo inteiro
est internacionalizado e as relaes sociais, graas aos meios de informao
digital, esto cada vez mais universalizadas.
A
interao entre geoeconomia poltica e conhecimento provavelmente se tornar
ainda mais complexa no futuro.
medida que a tecnologia continua avanando, novas formas de conhecimento
surgiro, como a inteligncia artificial e a computao quntica. Essas
tecnologias tero implicaes geopolticas significativas, pois os pases que
as desenvolverem primeiro tero uma vantagem estratgica sobre seus
rivais. Alm disso, a ascenso do
populismo e do nacionalismo em muitos pases pode levar a um cenrio de
conhecimento global mais fragmentado.
Os pases podem se tornar mais protetores de sua propriedade intelectual
e menos dispostos a compartilhar conhecimento com outros.
Se o capital
utiliza isso a seu favor, por que ns, intelectuais orgnicos da classe
trabalhadora no nos apropriamos desses recursos e no passamos a promover de forma
concreta e real aquilo que foi preconizado por Marx "Trabalhadores do
mundo, uni-vos"? (Marx, 2007, p. 69).
Aqui vale a pena lembrar o discurso escrito por Engels (1883), no tmulo de Marx, reconhecendo nele o
grande homem da Cincia que representou para a humanidade:
No dia 14 de maro, trs horas e
quarenta e cinco minutos da tarde, o maior pensador de nossos dias, parou de
pensar. Ns o deixamos apenas por dois minutos a ss e quando voltamos o
encontramos dormindo suavemente na sua poltrona, mas para sempre. praticamente
impossvel calcular o que o proletariado militante da Europa e da Amrica e a
cincia histrica perderam com a morte deste homem. Imediatamente se perceber
o buraco que foi aberto com a morte desta personalidade gigantesca. Assim como
Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgnica, Marx descobriu
a lei do desenvolvimento da histria humana: um fato to simples, mas escondido
debaixo do lixo ideolgico, de que o homem necessita, em primeiro lugar, comer,
beber, ter um teto e vestir-se antes de poder fazer poltica, cincia, arte, religio, etc. Que a produo dos meios imediatos de vida,
materiais e, por conseguinte, a correspondente fase de desenvolvimento
econmico de um povo ou de uma poca a base a partir da qual tem se desenvolvido
as instituies polticas, as concepes jurdicas, as ideias artsticas e, at
mesmo as ideias religiosas dos homens e de acordo com a qual, ento, devem ser
explicadas, e no ao contrrio, como at ento se vinha fazendo. Mas, no s
isto. Marx descobriu tambm a lei especfica que move o atual modo de produo
capitalista e a sociedade burguesa criada por ele. A descoberta da mais-valia,
imediatamente, clareou estes problemas, enquanto todas as investigaes
prvias, tanto dos economistas burgueses quanto dos socialistas crticos, haviam
vagado na escurido. Duas descobertas como estas deveriam ser bastante para uma
vida. Quem tem a sorte de fazer apenas uma destas descobertas, j pode se
considerar feliz. Porm, no houve um s campo que Marx no investigasse e
estes campos foram muitos e, em nenhum deles, se limitou a fazer apenas
superficialmente inclusive na matemtica, na qual no fizesse descobertas
originais. Tal era o homem de cincia. Porm, isto no era, nem com muito, a
metade do homem. Para Marx, a cincia era uma fora histrica motriz, uma fora
revolucionria (Engels,
1883, no paginado).
1.3 A reestruturao do discurso das Agncias de Fomento e
a ao em andamento do Movimento pelo Intercmbio entre o Servio Social
Brasileiro e aquele Mundial
Se o Imprio Alexandrino conseguiu difundir a lngua grega
e assim proporcionar a criao da biblioteca de Alexandria que representou um
impacto no mbito do conhecimento que repercute ainda hoje no nosso sistema de
academias e universidades, por que no transpomos esse obstculo j que
socializar a nossa produo de conhecimento e t-la reconhecida universalmente
um dos nossos objetivos?
Isso no significa uma submisso ao imperialismo
norte-americano, mas a proposta de criao, autonomamente, de condies para
sentar na mesa e participar da definio das regras do jogo que, por sua vez
decidem os merecedores de prmios como o Nobel e outros, de condies para que
nossos artigos cientficos venham com respeito e seriedade avaliados; de
condies para que a validao do conhecimento resultante das nossas pesquisas
e das nossas universidades recebam reconhecimento e crdito real.
S muito recentemente a Coordenao
de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes) colocou em pauta
a proposta da internacionalizao, embora o pas j venha mandando intelectuais
para fazer ps-formao no exterior h um certo tempo. Mas isso poderia denotar
subservincia produo feita no dito primeiro mundo. Seria esta iniciativa
que responde pelo nome de Projeto PRINT uma tentativa de romper com os ranos
da poltica cultural da ditadura militar de 1964? Como potencializar essa
intencionalidade de abertura para o mundo de modo a transform-la num potencial
real de insero, com pari direito de participao, das nossas universidades,
de nossos intelectuais no debate mundial?
Afinal, no nos interessa que apenas a Amrica Latina alcance
a emancipao humana, mas que todos os trabalhadores do mundo possam se
emancipar. Restritos aos limites nacionais e continentais, nossa voz tem pouco
eco junto classe trabalhadora mundial e, apesar de termos uma produo de
conhecimento consolidada nacional e continentalmente,
compete-nos alargar os nossos horizontes na direo da universalizao do
saber, tal como se comeou a propor na poca do Iluminismo.
Deve-se, porm, perceber, que nos moldes em que est posta
a proposta de Internacionalizao da Capes, a timidez ainda preponderante,
pois a concesso de bolsas se baseia em critrios ainda engessados e o dilogo
com outros pases ainda no alcanou uma dinmica tal que possa realmente ser
chamada de dilogo internacional. Pensemos, por exemplo, que o PRINT um
projeto que no se prope ainda a gerar uma aliana nacional de intelectuais
voltada a apresentar nossa produo como emersa num ambiente geopoltico
privilegiado por apreciar os dados sociopoltico e econmicos com uma distncia
epistmica ideal para melhor se ver a totalidade do cenrio mundial, coisa que
quem est no centro perde raio de viso intelectual.
A hiptese que h algumas dcadas estamos lidando que a
produo de conhecimento social e de economia-poltica que ocorre nos pases
ditos centrais uma produo assediada por presses ideolgicas que impedem
descobertas de maior e mais determinante porte, enquanto fora do fulcro dessas
presses assediadoras, geograficamente deslocados, ns poderamos nos
candidatar para dar as melhores explicaes e at as melhores solues de
encaminhamento do futuro da "questo social". Mas o projeto PRINT
ainda precisaria ser reformatado para ter to sensatas pretenses e as propor
para a nossa intelectualidade presente e nascente.
Ento podemos dizer que o projeto PRINT uma proposta que
permite o intercmbio de pesquisas e de pesquisadores entre vrios pases, mas
deve ter um grau de auto melhoramento em ato capaz de o fazer ser um instrumento
forte da nossa intelectualidade. Podemos assim, pensar em potencializ-lo muito
mais: incrementando publicaes conjuntas, epistemologicamente direcionadas,
financiando e apoiando eventos internacionais, politicamente bem focalizados, e
apoiando mais sistematicamente os intercmbios existentes, gerando unificao
das intencionalidades ltimas deles.
A nossa experincia em nvel internacional, cremos que
possa ser considerada um modelo a ser apreciado, avaliado na sua genuinidade e
na sua capacidade de interferncia. Ele comeou nos anos noventa, quando
decidimos, depois de estudos que nos apontaram a necessidade radical de romper
com o isolamento que a ditadura de 64 tinha produzido no pas, incentiva a ida
para Itlia nossa e dos assistentes sociais em geral, para doutorado e demais
cursos. Assim chegamos a Roma; l conhecemos assistentes sociais italianas, com
as quais escrevemos artigos conjuntos sobre o Servio Social brasileiro e
italiano. De volta ao Brasil, criamos o Intercmbio Intelectual e Cultural
entre o Brasil e a Itlia e no Departamento de Servio Social da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), fizemos
esse movimento se oficializar no intercmbio entre os servios sociais de ambos
os pases. Desde ento, temos promovido visitas cientficas de intelectuais
brasileiros e italianos nos respectivos pases; cursos de lngua e cultura
italiana na UFPE; intercmbio de estudantes para
realizar cursos de mestrado e doutorado de brasileiros na Universidade de Roma
Tre e, mais recentemente de profissionais italianos para realizar cursos de
doutorado aqui no Brasil; cursos de ps-doutorado; pesquisas e publicaes
conjuntas; convnios com a Universidade de Roma Tre, Milano Bicocca
e La Sapienza di Roma; eventos
internacionais sobre tica, pesquisa social e direitos humanos, Seminrios
sobre Desigualdades e Direitos Humanos; sobre Polticas Sociais no Brasil e na
Itlia e sobre a Internacionalizao; participao de professores das
respectivas universidades em coorientao de doutorado e bancas de ps-graduao,
etc.
Este Movimento em plena atividade hoje nos grupos de
pesquisa da ps-graduao das Universidades Federais
de Pernambuco, do Esprito Santo e da Paraba tem, para alm dos convnios com
as Universidades Italianas: Roma Tre, Ca`Foscari di Venezia, La Sapienza di Roma, Milano Bicocca,
estabelecido um dilogo vivo atravs da realizao de pesquisas e publicaes
conjuntas e difundido um conhecimento que socializado para profissionais,
professores e estudantes sobre a realidade social poltica e econmica do
Brasil e da Itlia de forma a construir um conhecimento coletivo e de alto
nvel no que se refere produo intelectual nos dois pases.
No nosso entendimento, esse um Movimento radicado na paridade
do dilogo que cria bases de formao de critrios para incluso do Brasil no
debate internacional e cria tambm as bases para nossa atuao nas entidades
representativas do Servio Social em nvel mundial, como a Associao
Internacional das Escolas de Servio Social (International
Association of Schools of Social Work -IASSW/AIETS).
Referncias
ANTISERI, Dario; REALE; Giovanni. Filosofia: Antiguidade e Idade Mdia. Vol. I. So Paulo: Paulus,
2017. (Coleo Filosofia).
DIZIONARIO GARZANTI DI FILOSOFIA. Milano:
Garzanti, 2016. Bacon.
ENGELS, Friedrich. Discurso Diante do Tmulo de Karl Marx. Londres, 17 mar. 1883. Disponvel
em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1883/03/22.htm. Acesso em: 23 mar. 2023.
GOMBRICH, Ernst. Breve Storia del
Mondo. Firenze: Adriano Salani Editore, 1997.
LEHER, Roberto; SANTOS, Maria Rosemary Soares dos. Geoeconomia
poltica do conhecimento e os desafios para a internacionalizao da ps-graduao. Argumentum,
Vitria, v. 15, n. 2, p. 8-21, maio/ago. 2023. Disponvel em: https://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/40987/version/36599.
MARX, Karl. Manifesto Comunista. So Paulo: Boitempo, 2007.
NETTO, Jos Paulo. Ditadura e Servio Social.
So Paulo: Cortez, 1991.
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Maria Alexandra da
Silva Monteiro MUSTAF
Professora Associado IV dos cursos de graduao e ps-graduao
do Departamento de Servio Social da UFPE. Doutora em Filosofia pela Universit Salesiana di Roma.
Coordenadora do Movimento pelo Intercmbio entre o Servio Social Brasileiro e
o Italiano desde os anos noventa do sculo XX. Coordenadora do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre tica (GEPE). Member at Large da International Association of Schools of Social Work
(IASSW/AIETS).
Gisele Caroline Ribeiro
ANSELMO
Professora adjunta dos
cursos de graduao e ps-graduao do Departamento de Servio Social
Universidade Federal da Paraba. Doutora em Servio Social pela Universit Roma Tre (Itlia). Membro do Ncleo de Estudos e
Pesquisas em Polticas Sociais (NEPPS). Membro do Movimento pelo Intercmbio
entre o Servio Social Brasileiro e o Italiano.
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* Assistente Social. Doutora em Filosofia. Professora
Associado IV da Universidade Federal de Pernambuco. (UFPE, Recife, Brasil). Av.
Prof. Moraes Rego, s/n. Cidade Universitria, Recife (PE). CEP.: 50670-901. E-mail:
ethisophias@gmail.com.
** Assistente
Social. Doutora em Servio Social. Professora Adjunta da Universidade Federal
da Paraba. (UFPB, Joo Pessoa, Brasil). Cidade Universitria - Campus I -
Conjunto Humanstico - Bloco V - Castelo Branco, Joo Pessoa (PB), CEP.: 58051-900.
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A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2023. Acesso Aberto Esta obra est licenciada sob os termos da Licena Creative Commons Atribuio 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial. O licenciante no pode revogar estes direitos desde que voc respeite os termos da licena.