Questão
social e racismo: população em situação de rua e Política de Assistência Social
Social
issues and racism: homeless population and social assistance policy
Antonio
Reguete Monteiro de SOUZA
https://orcid.org/0000-0002-3707-0403
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
e-mail: tonimonteiro.sesouerj@gmail.com
María
Fernanda ESCURRA
https://orcid.org/0000-0003-2321-8339
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
e-mail: mfescurra@gmail.com
Resumo: A
proposta deste artigo é trazer elementos sobre a questão social no Brasil,
atrelada ao fenômeno do racismo estrutural, para problematizar a existência de
população em situação de rua, como segmento excedente da classe trabalhadora, e
as respostas dadas através da Política de Assistência Social. Para isso, em um
primeiro momento, é analisada a conformação do trabalho livre no Brasil, sua
relação direta com o escravismo e a maneira como foi silenciado, chave da
formação social brasileira. São assinalados aspectos peculiares do
desenvolvimento do capitalismo no país, com o intuito de identificar como tais
características
estão presentes na própria Política de Assistência Social.
Por fim, tratamos especificamente da população
em situação de rua e da Política de Assistência Social na cidade do Rio de
Janeiro, deixando transparecer o racismo estrutural nessas dimensões.
Palavras-chave: Questão social. Racismo
estrutural. População em Situação de Rua. Política
de Assistência Social.
Abstract: The purpose of this article is to bring elements about the social issue in Brazil, linked to the phenomenon of structural racism, to problematize the existence of the homeless population, as a surplus segment of the working class, and the answers given through the Social Assistance Policy. To this end, at first, the conformation of free labor in Brazil is analyzed, its direct relationship with slavery and the way it was silenced, a key to the Brazilian social formation. Peculiar aspects of the development of capitalism in the country are pointed out, in order to identify how such characteristics are present in the Social Assistance Policy itself. Finally, we deal specifically with the homeless population and the Social Assistance Policy in the city of Rio de Janeiro, revealing structural racism in these dimensions.
Keywords: Social issues. Structural racism. Homeless Population. Social Assistance Policy.
1
Introdução
A |
proposta deste artigo é trazer elementos
sobre questão social[1],
atrelada ao fenômeno do racismo estrutural[2],
para problematizar a existência de população em situação de rua e as respostas
dadas através da Política de Assistência Social voltada para esse segmento
excedente ou superpopulação relativa da classe trabalhadora[3].
Trata-se de um estudo exploratório
descritivo efetivado junto ao Programa Articulação População em Situação de
Rua, Organizações e Universidade[4].
Neste sentido, a metodologia utilizada, da qual o presente artigo é síntese de
sua produção, estrutura-se em três dimensões: (1) estudo da formação histórica
e social da população em situação de rua no Brasil, articulando a teoria
crítica de Marx com a formação do trabalho livre no país em sua relação direta
com a questão social e o racismo, em que se realizou um estudo teórico e
bibliográfico exploratório sobre o tema; (2) sistematização de dados de
pesquisas, censos e levantamentos sobre população em situação de rua realizados
nacionalmente e em alguns municípios, no período de 2014 a 2024; e (3) atuação
direta em um Centro POP, na cidade do Rio de Janeiro.
Nesta perspectiva, inicialmente é
oportuno registrar que, à primeira vista, parece lugar-comum correlacionar
população em situação de rua com questão social e racismo estrutural no Brasil,
visto que, se considerados os dados sobre essa população em diversas pesquisas
nacionais e municipais, cerca de 80% são de pessoas negras[5],
enquanto na população geral esse percentual é de 55,9% (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023).
Neste sentido, parte-se de dois
aspectos: o primeiro diz respeito à formação do trabalho livre no Brasil e sua
relação direta com o escravismo; e o segundo coloca a necessidade de pensar o
escravismo como sistema econômico intrínseco à idiossincrasia da questão social
no país. Analisa-se o escravismo como sistema econômico que compõe a questão
social no Brasil, no contexto da internacionalização do capital, entendendo que
ele “[...] só poderia sobreviver com e para [...]” (Moura,
2014, p. 66) o mercado global. Nessa perspectiva, o escravismo é um sistema
econômico inerente e indissociável ao desenvolvimento do capitalismo no século
XIX.
[...] escravidão foi um sistema econômico de primeira
importância [...] forneceu o açúcar para a xícara de chá [...] produziu o
algodão para servir de base ao capitalismo moderno. [...] As razões para a
escravidão, escreveu Gibbom Wakefiel,
‘não são circunstâncias morais; não se relacionam com vício ou virtude, mas com
a produção’ (Williams, 2012, p. 9-10).
Desse modo, a formação do capitalismo
no Brasil[6]
deve ser vislumbrada a partir das categorias da dependência[7]
e expropriação[8], que
podem ser aplicadas como características de longa duração, que se estendem do
escravismo aos dias atuais.
No contexto de crise estrutural e de reorganização do capitalismo em escala internacional,
processos de ultraneoliberalismo[9]
e neoconservadorismo[10]
alastram-se nas economias capitalistas desde o início da década de 1990. Trata-se de uma dinâmica degradante proporcional à barbarização da vida em sociedade que se reproduz em
prejuízo da humanidade e ameaça a sua própria sobrevivência (Netto, 1995). Esse
cenário desencadeia profundas transformações societárias determinadas pelas
mutações na esfera do trabalho, pela reforma gerencial do Estado ou, nos termos
de Behring (2008), contrarreforma, redefinindo sistemas de proteção social e
políticas sociais que emergem nessa conjuntura, dadas as novas formas de
enfrentamento da questão social, com mudanças significativas e rebatimentos nas
relações público/privado (Raichelis, 2009).
Sobre os rebatimentos nessas relações,
como exemplo ilustrativo, cabe mencionar o crescente destaque que, a partir do
início do século XXI, ganha a teoria do risco social nas diretrizes que
orientam as políticas sociais de países em desenvolvimento. Tal teoria
apresenta enunciados que – sintetizados em propostas de iniciativa local,
promoção de uma sociedade civil ativa e tantas outras – prometem renovação e
transformações, embora sustentem o triunfo do capitalismo, atualizando
discursos e práticas conservadoras que responsabilizam indivíduos, famílias e
comunidades[11],
crescendo, em contraposição, a desresponsabilização do Estado.
No Brasil, essa situação é agravada, visto que já a partir da
década de 1990 é cenário de retrocessos no âmbito do
Estado e na universalização de direitos, concomitante com o processo de
democratização política, econômica e social, assim como na inclusão da Política
de Assistência Social, na Constituição de 1988, e do reconhecimento como
direito social integrante do tripé da Seguridade Social (Barroco, 2015; Behring,
2008).
Na trajetória dos sistemas de proteção
social do país são observados limites estruturais articulados com a natureza
peculiar do desenvolvimento do capitalismo, que possui traços de condição
periférica e dependente, caracterizada pela “heteronomia” em oposição à ideia
de autonomia (Fernandes, 1975). Também se observa o desenvolvimento capitalista
sem transformações estruturais, como a construção do moderno através do arcaico
(Oliveira, 1988). O conjunto desses traços faz com que a sociedade brasileira
seja caracterizada como uma sociedade marcada pelo coronelismo, populismo,
autoritarismo social, despotismo político, ideologia do favor, pelas relações
de dependência pessoal, de compadrio e patrimonialismo, formas políticas de
apropriação da esfera pública em função de interesses de grupos no poder
(Chauí, 2000). Nesta perspectiva, é possível chamar a atenção para o fato de
que, no conjunto desses traços, não ganha relevância a presença do escravismo
como fenômeno estruturante da formação social brasileira.
2 Questão social e racismo estrutural: formação do trabalho
livre e assistência social no Brasil
Para iniciar a discussão deste item,
cabe registrar que os estudos que buscam fazer a correlação entre as Políticas
de Assistência Social e o racismo estrutural são recentes e ainda escassos[12].
Entende-se que esse aspecto pode ser indício de que, no Brasil, houve um
apagamento do escravismo como dimensão constitutiva da questão social e da sua
influência na formação histórica, política, ideológica, cultural, econômica,
assim como nas dinâmicas e práticas das próprias Políticas de Assistência
Social.
Entre autores do Serviço Social que
discutem a Política de Assistência Social, é consenso fazer referência ao
clientelismo, patrimonialismo e primeiro-damismo como características intrínsecas de longa duração que
só foram, em parte, rompidas com a Constituição de 1988 (Sposati et al., 2007;
Couto, 2006; Mestriner; 2005; Yazbek, 1996). De fato, pode-se observar que,
mesmo diante da ruptura promovida pela Constituição Cidadã no âmbito das
políticas sociais no Brasil, essas características ainda se encontram em muitas
práticas e em muitos governos, sendo amplamente analisadas nos estudos sobre o
tema, porém a relação com o escravismo não tem o mesmo destaque. Acredita-se
que este fato contribui para o ocultamento do escravismo como caraterística
intrínseca da formação social brasileira e apaga a luta abolicionista do
contexto da luta de classes. Diante disso, afirma-se a relevância de avançar na
compreensão da Política de Assistência Social articulada com o fenômeno do
escravismo intrínseco à questão social, entendida como um traço que permeia a
formação social do país, e sendo, portanto, de atualidade para se pensar a
história passada e presente da assistência social.
Para refletir sobre o escravismo como
chave da formação social brasileira e o modo como foi silenciado no mais amplo
espectro da sociedade, basta atentar-se para o fato de que nenhum movimento
sindical, político, acadêmico, ou de práticas e políticas estatais no
pós-abolição, incorporava em suas lutas e ações a inclusão das pessoas
recém-libertas no projeto societário.
Mesmo os socialistas da virada século XIX para o XX, que
apontavam como fatores para o atraso nas relações de trabalho a escravidão e o
clero, desqualificavam os escravos, como nos mostra Gomes (2006, p. 67): ‘Estevam Estrela [escrevendo na Gazeta Operária em
1902] afirma que, pelo estudo psicológico que vinha fazendo dos operários
modernos deste país, todos continuam a ter o mesmo respeito ao patrão que os
escravos tinham aos seus senhores. Não havia diferença, mesmo os estrangeiros,
com raras exceções, são tão covardes como os escravos’ (Souza, 2009 p. 10).
É necessário registrar, também, que a
formação da classe de trabalhadores livres no Brasil se dá através de um Estado
que opera conjugando liberalismo[13]
e escravismo[14]. Na
segunda metade do século XIX, o trabalhador livre confrontava-se com as pessoas
escravizadas, para garantir o ganho pelas ruas das grandes cidades do país.
Observa-se que as primeiras
lutas dos trabalhadores assalariados relacionadas ao modo de produção
capitalista ocorreram ao mesmo tempo em que se intensificaram as lutas
abolicionistas (Coggiola, 2003).
Por esse motivo, Gomes (2006) argumenta
que o “[...] referencial da escravidão se impõe para a construção de qualquer
tipo de discurso que envolva uma ética do trabalho” (Gomes, 2006, p. 26). Do
mesmo modo afirma Moura
(2014) que as duas classes sociais,
senhores e pessoas escravizadas, subordinariam ideológica e moralmente o
restante da sociedade. A ética da escravização irá impregnar
a formação social do trabalho livre no Brasil, e o próprio Estado concorreu
para impedir qualquer tipo de acesso aos meios de ascensão
social por parte das pessoas ex-escravizadas,
empurrando-as diretamente para a pobreza extrema e criando mecanismos sociais e
institucionais que as impediam de vender sua força de trabalho livre no
pós-abolição[15],
diferente de como agiam com os imigrantes, para os quais havia uma política
governamental institucionalizada que garantia subsídios diretos ou terras para
que pudessem substituir o trabalho de pessoas escravizadas[16].
Diante disso, é
possível afirmar que a formação da classe de trabalhadores livres no Brasil é
muito mais complexa e diversificada do que a formação da classe operária, sendo
essa última mais um “[...] acontecimento dentro da formação da classe de
trabalhadores assalariados no país” (Souza, 2015, p. 69). Nesta perspectiva,
para compreender a formação social do trabalho livre no país, não se deve
“[...] estabelecer um tipo específico de trabalhador como se constituísse o
conjunto da classe” (Fontes, 2006, p. 202-203). É fato que, principalmente a
partir da segunda metade do século XIX, “[...] verifica-se
a constituição de um mercado de trabalho livre que se desenvolve nesta cidade
[Rio de Janeiro] em torno dos setores comercial, manufatureiro, de transporte,
portuário e do funcionalismo público [...]” (Neder; Naro,
1981, p. 231), em conjunto com o escravismo tal qual um sistema de produção e
forma urbana de ganho econômico.
A convivência e a
relação direta entre pessoas escravizadas e trabalhador livre podem ainda ser
verificadas em Moura (2014, 1988a e 1988b), o qual assinala a existência de
pessoas escravizadas laborando como operários na mesma planta em que
trabalhadores livres trabalhavam, como no caso da Imperial Associação
Tipográfica Fluminense. Vale ressaltar que, segundo o recenseamento de 1849, 41,5%
dos trabalhadores da capital do império (Rio de Janeiro) eram pessoas
escravizadas. Esse número se altera profundamente no recenseamento de 1872,
quando o percentual de trabalhadores escravizados passa para 17,8% (Mattos,
2008; Chalhub, 2006). Na mesma direção, Mattos
(2004) acrescenta que a “[...] complexidade da escravidão especialmente na situação urbana e
a proximidade entre trabalhadores escravizados e livres, nos espaços de
trabalho urbano [...]” (Mattos, 2004, p. 233), deve ser levada em conta ao
pensar a formação do trabalho livre no Brasil.
Dessa maneira, como
adverte Fernandes (2017), é possível afirmar que “[...] classe e
raça se fortalecem reciprocamente e combinam forças centrífugas à ordem
existente, que só podem se recompor em uma unidade mais complexa” (Fernandes,
2017, p. 85). Para o autor, ainda que a classe seja um componente determinante
da questão social, a raça não deve ser vista como um dinamismo secundário.
Ambas fazem parte da mesma complexidade histórica da formação social do
trabalho livre no Brasil.
Com base nas discussões
apontadas acima sobre a relação entre raça e classe na formação da questão
social no Brasil, no próximo tópico abordam-se os temas população em situação
de rua na atualidade e a vinculação histórica e social das políticas de assistência
com o racismo estrutural.
3 População em situação de rua e
política de assistência social
A assistência social no
Brasil começa com as casas da Misericórdia, as quais, apesar do vínculo
religioso, eram instituições geridas pela filantropia com íntimas ligações com
o Estado, que, por sua vez, “[...] se articulava a uma estrutura de dominação colonial
que incluía o projeto escravocrata” (Souza, 2009, p. 12). Com o advento da
República, as ações de assistência social ligadas tanto à filantropia quanto à
caridade e ao Estado institucionalizavam práticas com referências no
positivismo e no higienismo “[...] a partir de importações de teorias europeias
que, em sua totalidade, exaltam a superioridade da cultura e evolução social
branca em relação às demais” (Souza, 2009, p. 10).
Segundo Quiroga
(2011), a filantropia “[...] mantém antigos valores e justificações morais
[...] ao mesmo tempo se apresenta com novos elementos” (Quiroga, 2011, p. 7). A
autora demonstra a chave para pensar o modo como o racismo estrutural impregna
as práticas de ajuda e apoio, e como a filantropia passou a se apresentar como “[...] racionalizadora e laicizante [...]” (Quiroga, 2011, p. 7),
tratando a pobreza a partir do conhecimento técnico-científico. Ao mesmo tempo
que “[...] criticava a sociedade colonial e o
escravismo [...]” (Quiroga, 2011, p. 8), questionava com igual empenho as
“[...] influências africanas e às manifestações da cultura e do modo de vida
popular” (Quiroga, 2011, p. 8).
A assistência social
foi construída inicialmente para os imigrantes pobres, depois passou a estar
relacionada aos trabalhadores de modo geral aos fabris em particular, em sua
maioria brancos. Ainda que nos arquivos históricos da assistência social seja possível
vislumbrar o atendimento aos negros, ela não foi pensada ou estruturada para
atender às demandas sociais surgidas no período posterior à abolição, e muito
menos como qualquer tipo de apoio, ajuda ou incorporação das pessoas ex-escravizadas no projeto de nação (Quiroga, 2008, 2011;
Rangel, 2010; Sanglar, 2003; e Souza, 2009 e 2015).
Nesse sentido, aborda-se a precariedade das ações e projetos da Política de
Assistência Social destinada à população em situação de rua como um possível
processo de continuidade da não incorporação das pessoas negras no projeto de
nação.
As primeiras iniciativas de organização
da população em situação de rua aconteceram com a redemocratização do país,
mostrando seu potencial e sua força de articulação. A essas iniciativas se
somaram organismos multilaterais, estudiosos, movimentos de igrejas, entre
outros (Machado, 2020; Sposati, 2009). Nesse contexto, é aprovada, em 1993, a
Lei nº 8.742, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), modificada pela Lei nº 11.258, de dezembro de 2005, que
acrescentou o serviço de atendimento a pessoas que vivem em situação de rua,
atualizada pela Lei nº 12.435, de julho de 2011 (Brasil,
2011b, 2005a, 2005b e 1993).
Em 2006, teve início o processo de
discussão e elaboração do texto da Política Nacional de População em Situação
de Rua (PNPR), publicada em dezembro de 2009. Ainda nesse ano, foi realizado o
II Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, contando com os
resultados da Pesquisa Nacional, oportunidade em que foi estabelecida e
validada a proposta intersetorial da PNPR, através do Decreto nº 7.053, de 23
de dezembro de 2009[17],
que, além da política, instituiu, também, o Comitê Intersetorial de
Acompanhamento e Monitoramento da PNPR (CIAMP-Rua) (Brasil, 2024b, 2009, 2008). O referido decreto considera população em situação de rua
[...] o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a
pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a
inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros
públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma
temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite
temporário ou como moradia provisória (Brasil, 2009, não paginado).
Em que pese a heterogeneidade dessa população, representada
por grupos historicamente discriminados, como idosos, adolescentes, pessoas com
transtornos mentais e LGBTQIA+, verifica-se quase uma homogeneidade ao observar
o recorte de cor, com predominância hegemônica da população negra[18].
A Política de Assistência Social
(Brasil, 2005a), na
qual estão previstas ações, além de serviços e projetos para a população em
situação de rua, ancora-se no ordenamento do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS)[19], mais
especificamente na Proteção Social Especial, tanto de média quanto de alta
complexidade. A oferta de serviço especializado para a população em situação de
rua na Proteção Social Especial de Média Complexidade se dá por meio do Centro
de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), do Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e dos
Serviços Especializados de Abordagem Social. Já a Proteção Social Especializada
de Alta Complexidade diz respeito às diversas modalidades de acolhimento
institucional temporário (Brasil, 2011a; e Brasil, 2005b).
Os
serviços e projetos da Política de Assistência Social voltada especificamente
para a população em situação de rua articulam o Serviço Especializado em
Abordagem Social responsável pela busca ativa e identificação de famílias e
indivíduos, bem como os circuitos de rua, identificando territórios,
trajetórias, incidências e relações institucionais. Essas equipes estão
vinculadas ao CREAS e/ou ao Centro POP. O Serviço Especializado em Abordagem
Social deve ser o principal ponto de vinculação entre os usuários e os demais
serviços socioassistenciais e de Defesa de Direitos. O Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) é destinado
exclusivamente à população adulta em situação de rua, ou seja, para pessoas que
usam a rua como moradia e/ou sobrevivência, orientando e encaminhando essa
população para outros serviços socioassistenciais, políticas públicas e órgãos
de defesa de direitos (Brasil, 2005b, 2011a).
Além do Centro POP, o CREAS também
oferece serviços que garantem a inclusão de famílias em situação de rua na rede
socioassistencial e de direitos (Brasil, 2011a). Cabe destacar que a inclusão
de pessoas em situação de rua no CadÚnico[20],
tendo o CREAS ou o Centro POP como endereços de referência, possibilitou
avanços para a inclusão na rede, criando-se um instrumento qualificado de
coleta de dados e identificação que permite, teoricamente, análises técnicas na
construção de políticas públicas e previsão orçamentária.
A complexidade da problemática da
população em situação de rua exige também respostas complexas, o que demanda
uma articulação entre diversas políticas públicas e órgãos de defesa de
direitos. Cabe enfatizar que a política social para a população em situação de
rua ocorre, de fato, na intersetorialidade, pois deve envolver as políticas de
Saúde, Habitação e Trabalho, além dos diversos órgãos de garantia de direitos.
Caso contrário – como na prática acontece –, torna-se uma política limitada,
uma política pobre voltada para pobres, cuja ineficácia pode ser compreendida
como expressão objetiva do racismo estrutural. Esse aspecto pode ser
evidenciado no fato de que a cidade do Rio de Janeiro possui apenas dois Centros POP, um
no Centro da cidade, onde se concentra o maior número dessa população; e outro
em Bonsucesso, bairro localizado na zona norte. A pesquisa da Secretaria
Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Rio e o Instituto Municipal de
Urbanismo Pereira Passos (IPP) apontou, em 2020, o total de 7.272 pessoas nessa
condição, sendo que apenas 20%, aproximadamente, têm acesso a vagas em
instituições de acolhimento ou abrigo (Rio de
Janeiro, 2020).
Trata-se da existência de população em situação de rua como
expressão multifacetada da questão social, que tem no racismo estrutural um determinante
fundamental. Isso fica evidenciado através de dados de diversas pesquisas,
como, por exemplo, a da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, a qual
identificou, nos anos de 2020 e 2022, que 79,6% e 83,7%, respectivamente, do
total de pessoas em situação de rua eram negras, em comparação com o percentual de 68% de todo o Brasil, em
2022 (Natalino, 2023; Rio de Janeiro,
2020, 2022).
Ao longo deste texto
foram apresentadas constatações sócio-históricas relacionadas com o escravismo
na formação da classe trabalhadora, o racismo como aspecto intrínseco do
capitalismo e o modo como se constituiu historicamente a assistência social no
país. Também foi abordado o funcionamento dos serviços da Política de
Assistência Social na atualidade voltados para a população em situação de rua.
Além disso, comprovou-se que essa população é composta de pessoas negras, em
sua maioria. Nas considerações a seguir, aponta-se, ainda que de forma concisa,
a relação entre estes pontos, quais sejam: a questão social, o racismo
estrutural, a população em situação de rua e a Política de Assistência Social.
4 Considerações
finais
No
contexto neoliberal, as expressões sobre a questão social, neste caso
específico a existência de população em situação de rua, passam a ser
analisadas como resultado de problemas individuais, morais, subjetivos, que
culpabilizam e criminalizam os próprios indivíduos pela situação de pobreza.
Dessa forma, como já observava Marx (2010) em 1844, em um pequeno texto em que
analisa o pauperismo clássico inglês do século XIX e as suas formas de
enfrentamento, a pobreza, longe de ser entendida como produto do modo de
produção capitalista, é analisada como problema político, filantrópico,
administrativo ou imputado como problema dos próprios pobres. Esse texto de
Marx permite identificar uma linha de continuidade nas formas de consciência
teóricas e políticas para o entendimento e tratamento da pobreza desde o século
XIX até os dias atuais.
Da mesma
forma, é possível identificar uma linha de continuidade entre o racismo
estrutural e o modo como se estruturou a Política de Assistência Social no
Brasil. Apesar da ruptura positiva, na perspectiva dos direitos sociais, que se
deu a partir da Constituição de 1988, perpetua-se o modo de “[...] assistir aos
necessitados sem apagar as desigualdades” (Quiroga, 2011, p. 9).
Tal matriz enraíza-se de tal forma
na realidade da assistência social que sua superação permaneceu (e permanece)
como um dos maiores desafios à implantação de políticas públicas norteadas por
noções de direito e cidadania das camadas mais pobres no Brasil (Quiroga, 2011,
p. 9).
Ademais,
é abordada a relação direta do escravismo com a formação do trabalho livre com
intuito de demonstrar que a
questão social no Brasil não pode ser explicada sem incluir o racismo
estrutural. Neste particular, atualmente, se considerado o conjunto da
população brasileira, seria preciso identificar na população pobre a mesma
correlação estatística de cor que a encontrada no conjunto da população geral.
No entanto, no conjunto da população pobre, em particular da população em
situação de rua, a expressiva maioria é de pessoas negras, de modo que, como
anteriormente assinalado, o racismo estrutural apresenta-se como fator
intrínseco à questão social, a qual não pode ser pensada sem incluir esse
componente.
Finalmente cabe
sublinhar que a escravização é um aspecto definidor do não reconhecimento de
dignidade, tal como se fazia com a pessoa escravizada e agora parece se
reproduzir com a população em situação de rua. Sendo assim, é possível afirmar
que o problema central que impera nas Políticas de Assistência Social não é a
continuidade do patrimonialismo, do clientelismo ou do primeiro-damismo, mas sim o escravismo como dimensão da questão
social no Brasil. Tal esquecimento, que parece um apagamento deliberado do
escravismo como característica intrínseca da formação social brasileira,
assenta-se sobre a naturalização da desigualdade ao formular políticas sociais pobres para pobres.
Almeida, S. L. de. O que é racismo estrutural? Belo
Horizonte: Letramento, 2018.
Barroco, M. L. S.
Não passarão! Ofensiva neoconservadora e Serviço Social. Revista Serviço
Social e Sociedade, São Paulo, n. 124, p. 623-636, out./dez. 2015.
Behring, E. R. Brasil
em Contra-reforma: desestruturação do Estado e
perda de direitos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
Brasil. Decreto nº 11.016, de 29 de
março de 2022. Regulamenta
o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instituído pelo
art. 6º-F da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília (DF), 2022.
Brasil. Decreto
nº 7.053/09, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a
População em Situação de Rua. Brasília (DF), 2009.
Brasil. Lei nº 14.821, de 16 de janeiro de 2024. Institui a Política Nacional de
Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua (PNTC PopRua). Brasília (DF), 2024a.
Brasil. Lei
nº 12.435/2011, 6 de julho de 2011. Altera a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência
Social. Brasília (DF), 2011b.
Brasil. Lei
nº 11.258, 30 de dezembro de 2005. Altera a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência
Social, para acrescentar o serviço de atendimento a pessoas que vivem em
situação de rua. Brasília (DF), 2005a.
Brasil. Lei
nº 8.742, 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS). Brasília (DF), 1993.
Brasil.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de
Renda e Cidadania e Secretaria Nacional de Assistência Social. Orientações
Técnicas: Centro de Referência Especializado para População em Situação de
Rua – Centro POP / SUAS e População em Situação de Rua. Volume 3.
Brasília, 2011a.
Brasil.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de
Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS/ 2004.
Norma Operacional Básica NOB/SUAS Brasília (DF), 2005b.
Brasil.
Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. População em situação de rua.
Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional para a
População em Situação de Rua. Brasília (DF), 2024b.
Brasil.
Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.
Brasília (DF), 2008.
Carneiro, S. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não-ser como fundamento do ser.
Rio de Janeiro: Zahar, 2023.
Chalhub, S. Cidade febril: cortiços
e epidemias na
corte imperial. 4. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Chauí, M. Brasil: mito
fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
Coggiola, O. Origens
do Movimento Operário e do Socialismo no Brasil. São Paulo: Mimeo, 2003.
Couto, B. R. O Direito
Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação
possível? 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
Escurra, M. F.
Teoria do Risco Social: responsabilização de indivíduos, famílias e
comunidades. Revista Serviço Social em Perspectiva, Montes Claros, v.3,
n. 1, p. 154-171, jan./jun. 2019.
Fernandes, F. Significado
do protesto negro. São Paulo: Expressão Popular; Fundação Perseu Abramo,
2017.
Fernandes,
F. A
Revolução Burguesa no Brasil: ensaios de interpretação sociológica. Rio
de Janeiro: Zahar, 1975.
Ferreira, G. C. Raça e nação na origem da política social
brasileira: união e resistência dos trabalhadores negros. 2020. (Tese).
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, 2020.
Fontes,
V. A transformação dos meios de
existência em capital – expropriações, mercado e propriedade. In:
Boschetti, I. (Org.). Expropriação e direitos no capitalismo. São Paulo, Cortez, 2018, p. 17-61.
Fontes,
V. A sociedade civil no Brasil contemporâneo: lutas sociais e luta teórica na
década de 1980. In. Lima, J. C. F.; Neves, L. M. W. (Orgs.). Fundamentos da
educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:
Fiocruz/EPSJV, 2006.
Gomes,
A. de C. A invenção do trabalhismo.
3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
Gramsci,
A. Cadernos do cárcere. Volume 2: os intelectuais, o princípio
educativo. 4. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
Gramsci,
A. Cadernos do cárcere. Volume 1. 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
Iamamoto, M. V. A questão social no
capitalismo. Temporalis, Brasília (DF): ABEPSS, n. 3, p.
9-32, 2001.
Iamamoto, M. V. Serviço Social em
tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 2008.
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua Anual: divulgações estruturais e especiais. Rio de Janeiro:
Sidra/IBGE, 2023. Disponível em:
https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadca/tabelas.
Acesso em 22 jul. 2024.
Machado,
R. W. G. A construção da política nacional para população em situação de rua. Temporalis, Brasília (DF): ABEPSS, ano 20, n. 39, p.
102-118, jan./jun. 2020.
Marini,
R. M. Acerca do Estado na América Latina. 1991. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/marini/1991/mes/estado.htm. Acesso em: 6
out. 2023.
Marx,
K. Glosas críticas marginais ao artigo “O Rei da Prússia e a Reforma
Social”. De um Prussiano. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2010.
Marx, K. O
capital. Crítica da Economia
Política. livro 1, volumes I e II. 12 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
Mattos, M. B. Escravizados e livres:
experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de
Janeiro: Bom Texto, 2008.
Mattos,
M. B. Trabalhadores escravizados e livres na cidade do Rio de Janeiro na
segunda metade do século XIX. Revista
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 12, p. 229-251, jan./abr. 2004.
Mestriner, M. L. Estado entre a Filantropia e a
Assistência Social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Moura, C. Dialética radical do Brasil do Brasil
negro. São Paulo: Fundação Maurício Grabois, coedição Anita Garibaldi,
2014.
Moura, C. Rebeliões da
senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 4. ed. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1988a.
Moura, C. Sociologia do
negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988b.
Natalino,
M. A. C. A população em situação de rua nos números do Cadastro Único.
Rio de Janeiro: Ipea, 2024. (Texto para Discussão, n. 2944).
Natalino,
M. A. C. Estimativa
da população em situação de rua no Brasil (2012-2022). Brasília:
Ipea,
2023. (Nota Técnica, n. 103).
Neder,
G.; Naro, N. A Instituição Policial na cidade do Rio
de Janeiro e a construção da ordem burguesa no Brasil. In: Neder, G.; Naro, N.; Silva, J. L. W. da. Estudos das características histórico-sociais das instituições
policiais brasileiras, militares e paramilitares, de suas origens até 1930.
Série Estudos. PUC-Rio, Rio de
Janeiro, 1981.
Netto,
P. Repensando o balanço do neoliberalismo. In: Sader, E.;
Gentili, P. (org.), Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o
Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
Oliveira, F. de. A
economia brasileira: crítica à Razão Dualista. 6. ed.
Petrópolis: Vozes, 1988.
Outhwaite, W; Bottomore,
T. Dicionário do pensamento social do
século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
Procópio, A. P.
Racismo e ultraneoliberalismo: uma abordagem sobre a
expropriação de direitos das populações negras na crise contemporânea do
capital. In: Mauriel, A. P. O.; Kilduff, F.; Silva, M. M. da;
Lima, R. S. (Orgs.). Crise, ultraneoliberalismo e desestruturação
de direitos. Uberlândia:
Navegando Publicações, 2020. p. 307-321.
Quiroga,
A. M. Assistência Social no Rio de Janeiro: desqualificação dos atendidos,
racismo científico e filantropia. Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 11,
n. 1, 2011.
Quiroga, A. M. A construção da Assistência Social no Rio de Janeiro:
cenários da 1ª República. Em Debate, Rio de Janeiro: PUC, n. 8, Rio de
Janeiro, 2009.
Raichelis, R. O trabalho do assistente social na esfera
estatal. In: CFESS/CRESS. Serviço Social: direitos sociais e
competências profissionais. Brasília (DF): ABPESS, 2009.
Rangel.
R. F. A insurgência da memória: a assistência no Rio de Janeiro da Primeira
República. O Social em Questão, Rio de Janeiro, ano 13, n. 24, jul./dez. 2010.
Rio de
Janeiro (Município). Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. CENSO
da População em Situação de Rua. Rio de Janeiro: IPP, 2022.
Disponível em: https://censorua-pcrj.hub.arcgis.com/. Acesso em: 22 jul. 2024.
Rio de
Janeiro (Município). Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. CENSO
da População em Situação de Rua. Rio de Janeiro: IPP, 2020.
Disponível em: https://censorua-pcrj.hub.arcgis.com/pages/censo-2020. Acesso em
22 jul. 2024.
Sanglard, G. Filantropia e assistencialismo no Brasil.
Hist. cienc. saúde. Manguinhos
[online], Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, 2003.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/rdbP5mhhXvJ8cZCrdMzvSLf/. Acesso em: 12 jul.
2024.
São Paulo (Município). Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento
Social.
Censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo: 2021. São Paulo, 2021. Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_socioassistencial/pesquisas/index.php?p=364984.
Acesso em 22 jul. 2024.
Souza, A. R. M. de. O papel do Estado na construção da Assistência Social
através da política do Rio de Janeiro: 1870 a 1930. 2015. Tese (Doutorado em Serviço Social)-Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,
Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2015.
Souza, A. R. M. Bizarro e
singular: uma visão abolicionista da assistência. Em Debate (PUCRJ.
Online), Rio de Janeiro, v. 8, p. 1-15, 2009. Disponível em:
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/14405/14405.PDF. Acesso em: 20 jul.
2024.
Sposati, A. O caminho do
reconhecimento dos diretos da população em situação de rua: de indivíduo a
população. In: Cunha, J. V. Q. da;
Rodrigues, M. (Orgs.). Rua: aprendendo a
contar. Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua.
Brasília (DF): Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009.
Williams, E. Capitalismo
e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Yazbek,
M. C. Classes subalternas e assistência social.
São Paulo: Cortez, 1996.
__________________________________________________________________________________________
Antonio Reguete Monteiro de Souza Trabalhou na concepção, delineamento, análise, interpretação
dos dados, redação e revisão crítica do artigo.
Doutor e
Mestre em Serviço Social (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-Rio), Psicólogo (Universidade Gama Filho – UGF). Consultor no
desenvolvimento de projetos sociais, graduando em Serviço Social (Universidade
do Estado do Rio de Janeiro – UERJ). Integrante do Programa Articulação
População em Situação de Rua Organizações e Universidade – ArtPOPRua
(UERJ).
María Fernanda Escurra Trabalhou na concepção, delineamento, análise, interpretação dos dados,
redação e revisão crítica do artigo.
Doutora
em Serviço Social (UERJ), Mestre em Serviço Social (Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ), Assistente Social (Universidad
Nacional de Rosario - Argentina). Professora Associada da Faculdade de Serviço
Social da UERJ. Integrante do Centro de Estudos Octavio Ianni – CEOI (UERJ).
Coordenadora do Programa Articulação População em Situação de Rua Organizações
e Universidade – ArtPOPRua (UERJ), com projetos de
pesquisa na área da Teoria Social de Marx e Crítica da Economia Política e
“População em Situação de Rua: política de assistência social, população
excedente, trabalho e pobreza”, contando com bolsistas Prodocência, Extensão de IC FAPERJ.
__________________________________________________________________________________________
Editoras responsáveis
Ana Targina Ferraz –
Editora-chefe
Maria Lúcia Teixeira Garcia – Editora Temática
Submetido
em: 31/10/2023. Revisto em: 18/7/2024. Aceito em: 9/8/2024.
Este é um artigo publicado em acesso
aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons
Attribution, que permite uso, distribuição e
reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original
seja corretamente citado. |
[1] Nas palavras de Iamamoto (2001, p.
16-17), “[...] questão social tem sua gênese no caráter coletivo da produção,
contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho”. No
entanto, a questão social diz respeito, também, ao terreno de disputas, a um
processo denso de “[...] conformismos e rebeldias, expressando a consciência e
a luta pelo reconhecimento de direitos de cada um e de todos os indivíduos
sociais” (Iamamoto, 2008, p. 160).
[2] Conforme Almeida (2018), o racismo estrutural é aquele que “[...]
transcende o âmbito da ação individual [...]” (Almeida, 2018, p. 36) e pode ser
identificado em normas, leis, e instituições que são a “[...] materialização de
uma estrutura social ou de um modo de socialização [...]” (Almeida,
2018, p. 36) como um “[...] fator estrutural, que organiza as relações
políticas e econômicas” (Almeida, 2018, p. 141). Para um aprofundamento ver: Carneiro (2023).
[3] “A
superpopulação relativa existe sob os mais variados matizes. Todo trabalhador
dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente
empregado [...] as formas principais que se reproduzem periodicamente assumem,
continuamente, as três formas seguintes: flutuante, latente e estagnada” (Marx,
1994, p. 743). A essas formas o autor acrescenta que o “[...] mais profundo
sedimento da superpopulação relativa vegeta no inferno da indigência e do
pauperismo” (Marx, 1994, p.
747). A lei geral da acumulação capitalista, apresentada por Marx (1994),
enquanto lei tendencial característica da dinâmica deste modo de
produção, contribui para problematizar e compreender a existência da pobreza.
[4]
Projetos de ensino, pesquisa e extensão coordenados pela Profa. María Fernanda Escurra, Faculdade
de Serviço Social da UERJ, contando com sete bolsistas UERJ e FAPERJ, além de
alunas voluntárias.
[5]
Essa informação está ancorada no fato de que, segundo o IPEA (Natalino, 2024),
68% das pessoas em situação de rua no Brasil são negras; enquanto o percentual
na cidade é de 83,7%, segundo a prefeitura do Rio de Janeiro (2022), e de
71,5%, segundo a prefeitura de São Paulo (2021).
[6]
É oportuno registrar que, no marco da formação do capitalismo no Brasil, a
questão social já estava posta desde o século XIX como expressão direta do
cosmopolitismo (Gramsci, 2004; 2006). Nos termos de Gramsci, cosmopolitismo
significa a dimensão da internacionalização do capitalismo, o que permite
compreender as especificidades da questão social no Brasil, sem perder a
perspectiva da relação direta com a economia internacional.
[7] Cf.
Marini (1991).
[8] Cf.
Fontes (2018), que analisa os processos
de expropriação contemporâneos, denominados primários e secundários, como a
contraface necessária da concentração exacerbada de capitais, forma mais
selvagem da expansão do capital.
[9] Procópio (2020) denomina ultraneoliberalismo “[...] as exigências que ultrapassam as
privatizações e os cortes dos recursos das políticas públicas, mesmo aquelas
focalizadas e compensatórias” (Procópio, 2020, p. 315-316). Segundo a autora,
“[...] estão sendo minados não somente todos os graus de resistência aos novos
padrões de acumulação, mas verificamos o aumento expressivo da descartabilidade
de populações negras e indígenas” (Procópio, 2020, p. 316).
[10] Segundo Barroco (2015,
p. 624-625), “[...] o neoconservadorismo apresenta-se como forma dominante de
apologia conservadora da ordem capitalista, combatendo o Estado social e os
direitos sociais, almejando uma sociedade sem restrições ao mercado, reservando
ao Estado a função coercitiva”.
[11]
Para um aprofundamento desta discussão, ver Escurra (2019).
[12]
Entretanto, cabe enfatizar a existência dos artigos de Souza (2009), Quiroga
(2009 e 2008) e Ferreira (2020).
[13] Conforme Outhwaite e Bottomore (1996), o liberalismo é um aspecto doutrinário do
capitalismo que sustenta que a finalidade do estado é facilitar os projetos de
indivíduos independentes sem imposições. No século XIX, incorporou ideias como
livre-comércio e foi revivido com força durante os anos de 1970. É defendido,
principalmente, por partidos conservadores.
[14] Cf.
Ferreira (2020).
[15]
Cf. Moura (1988a, 1988b e 2014) e
Fernandes (1975; 2017).
[16] Souza (2015) demonstra que o ministro da Justiça
Epitácio Pessoa escreveu, em 1889, que, diferente dos incentivos dados à
imigração, não houve “[...] medidas necessárias para regular a
transformação do trabalho, e descurar a sorte futura assim dos redimidos da
escravidão” (Souza, 2015, p. 74).
[17]
Tal
decreto é um conjunto de princípios que não oferece subsídios quanto à
tipificação de serviços. Diferente da Lei nº 14.821, de 16 de janeiro de 2024 (Brasil, 2024a), que institui a
Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de
Rua (PNTC PopRua), operacionalizada através dos Centros de Apoio ao Trabalhador
em Situação de Rua (CatRua).
[18]
Para detalhamento dos dados que sustentam essa afirmação, ver Natalino (2023,
2024), Rio de Janeiro (2020, 2022) e São Paulo (2021).
[19] Para aprofundamento, ver Brasil (2005b).
[20] Cf. Brasil (2022).