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O trabalho profissional de assistentes sociais na Cohab/Pará (1960-1980)

 

The professional work of social workers at Cohab/Pará (1960-1980)

 

Leonardo Costa MIRANDA*

Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Faculdade de Serviço Social,

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Belém, PA, Brasil.

e-mail: leonardocostamiranda1@gmail.com

Descrição: Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-2675-8448

 

Joana Valente SANTANA

Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Faculdade de Serviço Social,

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Belém, PA, Brasil.

e-mail: joanavalente@ufpa.br

Descrição: Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-4033-1317

 

Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que buscou recuperar e analisar o trabalho profissional do(a) assistente social inserido(a) nas equipes de Trabalho Social no âmbito das políticas urbanas e habitacionais executadas pela Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab/PA), entre as décadas de 1960 e 1980, evidenciando as requisições postas e as principais respostas desses(as) profissionais. Com base no método do materialismo histórico e dialético, o estudo lançou mão de pesquisas bibliográfica, documental e de campo, mediante realização de entrevistas com assistentes sociais que trabalharam na Cohab/PA no período citado. Evidenciou-se que o trabalho profissional de assistentes sociais estava polarizado pelas requisições institucionais conservadoras e pelas demandas oriundas das massas trabalhadoras que pressionavam o poder público por respostas à questão da habitação.

Palavras-chave: Trabalho profissional. Assistentes Sociais. Trabalho Social. Companhia de Habitação. Estado do Pará.

 

Abstract: This article presents the results of a study that sought out and analysed the professional work of social workers in social work teams within the scope of urban and housing policies implemented by the Pará State Housing Company (Cohab/PA) between the 1960s and 1980s. It highlights the demands made of them, and their main responses. Based on the historical and dialectical materialism method, the study used bibliographical, documentary and field research, through interviews with social workers who worked at Cohab/PA during the period in question. It concludes that their work was polarised by conservative institutional demands and the demands of the working masses who were pressuring the government for answers to the housing issues.

Keywords: Professional work. Social Workers. Social Work. Housing Company. State of Pará.

 

Submetido em: 3/12/2023. Aceito em: 13/5/2024.

 

 

 

Introdução

 

O

presente artigo buscou recuperar e analisar o trabalho profissional de assistentes sociais inseridos(as) nas equipes de Trabalho Social no âmbito das políticas urbanas e habitacionais executadas pela Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab/PA),[1] entre as décadas de 1960 e 1980, evidenciando, neste período histórico, as demandas e requisições centrais postas ao trabalho das assistentes sociais e as principais respostas desses(as) profissionais.

 

No Brasil, a questão da habitação é uma das mais fortes expressões da “questão social” (Santana, 2018), tendo em vista que o espaço urbano brasileiro tem reproduzido as tendências do capitalismo e, cada vez mais, sido marcado pela segregação socioespacial inerente à lógica desigual de produção do espaço, na qual as famílias da classe trabalhadora vivem em espaços geralmente negligenciados pelo Estado (e pelo mercado). Nesse particular, a produção da moradia constitui-se enquanto um resultado da luta histórica dos(as) trabalhadores(as) em construir suas habitações em lugares possíveis, bem como da luta dos movimentos sociais por moradia.

 

Nesse contexto, insere-se o trabalho profissional do(a) assistente social, que, no âmbito das políticas urbano-habitacionais, é mediado pelas contradições das diferentes classes, pelas respostas do Estado capitalista[2] via programas e projetos e pela movimentação da organização política dos sujeitos que lutam por direitos sociais (Santana, 2020).

 

Assim, entende-se que o trabalho profissional do(a) assistente social está permeado por um leque de demandas que advêm das expressões da contraditória relação entre capital e trabalho, o que demanda, desde a segunda metade do século XX, uma modalidade de ação especializada: o Trabalho Social (TS), espaço profissional esse que o(a) assistente social tem ocupado predominantemente desde então. Dado isto, a apreensão do TS requer localizá-lo no contexto social, relacionando-o com as diferentes conjunturas políticas do país (Paz et al., 2018).

 

Uma estudiosa como Guerra (2019) aponta a importância de indicar “[…] as mediações que vinculam traços particulares da formação socioeconômica, política e cultural do Brasil com as particularidades da profissão em determinados espaços geopolíticos” (Guerra, 2019, p. 35). A autora também destaca que ainda são residuais os estudos sobre a historiografia do Serviço Social no Brasil e nas diferentes regiões, e, por isso, “[…] temos poucos conhecimentos sobre as efetivas estratégias alternativas utilizadas pelos profissionais para responder [...] às requisições institucionais, socioprofissionais e políticas de seu tempo histórico” (Guerra, 2019, p. 35).

 

Dessa maneira, a investigação que deu origem ao presente artigo se configura como um esforço de recuperação histórica do Serviço Social na particularidade da política de habitação paraense. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com base no método do materialismo histórico e dialético e contou com pesquisas bibliográfica, documental e de campo, com a realização de quatro entrevistas concedidas por assistentes sociais.[3]

 

As entrevistas foram orientadas por roteiro semiestruturado, no qual foram observados os seguintes critérios de inclusão para a participação de assistentes sociais na pesquisa: a) ter formação em Serviço Social; e b) ter atuado na Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab/PA) entre as décadas de 1960 e 1980. As assistentes sociais que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Uma assistente social entrevistada formou-se no ano de 1965 pela Escola Isolada de Serviço Social, em Belém (PA), com estágio curricular na Cohab/PA, e três delas formaram-se no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA) (duas em 1976 e uma em 1980), sendo que duas delas iniciaram o trabalho na referida companhia em 1978 e a outra em 1982. Importante registrar que, além das quatro entrevistas, foram incluídas nas reflexões do presente artigo as informações de cinco assistentes sociais que concederam entrevistas no âmbito de um projeto de pesquisa desenvolvido por um grupo de pesquisa cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e que tem por objetivo sistematizar o processo histórico da Cohab/PA.

 

As reflexões do artigo serão apresentadas da seguinte maneira: além desta introdução, a segunda seção apresenta apontamentos sobre a questão urbana e habitacional, as respostas estatais na área habitacional e o contexto histórico de criação da Cohab/PA no período de 1960 a 1980; a terceira seção traz a particularidade do Serviço Social na companhia nesse período, com ênfase nas principais demandas, requisições e respostas; por fim, as considerações finais.

 

A questão urbana e habitacional e as respostas do Estado: o contexto histórico da Companhia de Habitação do Estado do Pará entre as décadas de 1960 e 1980

 

O estudo sobre o trabalho profissional de assistentes sociais na política urbana/habitacional pressupõe o esforço de uma interpretação que permita vincular o objeto de estudo às suas determinações histórico-concretas. Isso porque as demandas ao trabalho profissional estão mediadas pelas contradições urbanas e pela questão da habitação na ordem burguesa, assim como pelo papel do Estado capitalista na produção do espaço urbano. Essa intervenção, por sua natureza, privilegia as frações de classe dominante e garante as condições gerais de produção essenciais à acumulação do capital.

 

A moradia, que é uma necessidade humana universal (Marx; Engels, 1989), torna-se uma mercadoria na sociedade capitalista, pois “[…] a produção capitalista [...] é dirigida para produzir mercadorias – valores de troca –, e não fundamentalmente para produzir valores de uso – bens e serviços destinados ao usufruto de sua população em geral” (Ramos, 2008, p. 197).

 

Assim, considerando a desigualdade social e a desigualdade no uso e ocupação do solo, os trabalhadores assalariados vivem, em geral, em condições aviltantes. Em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, Engels (2010) relatou, de forma minuciosa, a reprodução social empobrecida dos operários trabalhadores no período da Revolução Industrial, os quais se abrigavam em becos, ruelas e casas pequenas com péssimas condições de infraestrutura. Nesse sentido, a obra de Engels (2010) é bastante atual para a interpretação da questão da moradia em inúmeras cidades ao redor do mundo, onde trabalhadores pobres lutam pela terra e constroem suas moradias em lugares com infraestrutura urbana precária.

 

Atravessada pelos interesses de classes nos marcos da produção capitalista, a configuração do espaço urbano resulta na sua apropriação desigual, que, com efeito, expressa a segregação socioespacial da vida citadina. O lugar das pessoas na cidade, portanto, corresponde ao lugar da classe trabalhadora na divisão social do trabalho nesse espaço, o que faz parte da lógica da sociedade do capital que, dialeticamente, produz a abundância e a escassez, pois “no modo de produção capitalista, o processo de produção é socializado [...], muito embora os meios de produção e apropriação do produto sejam privados” (Ramos, 2008, p. 203).

 

Ao analisarem a obra de Engels (2015), Santana, Cruz e Ribeiro (2020) afirmam que:

 

a escassez da moradia, conforme analisada por Engels (2015) vincula-se ao quadro histórico de crescente desigualdade no acesso aos bens e serviços produzidos na ordem burguesa, não podendo ser simplesmente identificada como questão de pobreza. E que as respostas/soluções encontradas para a questão da habitação pelo Estado e pelo mercado – em diferentes momentos históricos do MPC [Modo de Produção Capitalista] – guardam similaridades às respostas encontradas à resolução da “questão social”, respostas essas de natureza conservadora ao tratarem a questão habitacional como problemas habitacionais e a “questão social” como problemas sociais ou questões sociais (Santana; Cruz; Ribeiro, 2020, p. 75, grifos das autoras).

 

Assim, seguindo as argumentações de Lojkine (1997) e Harvey (2005), pode-se afirmar que as políticas urbanas e habitacionais cumprem um papel decisivo na produção do espaço urbano em função da produção e reprodução das relações sociais capitalistas, uma vez que as infraestruturas físicas e sociais são seletivas e produzidas desigualmente no espaço com o intuito de garantir a produção, a distribuição e o consumo de mercadorias para a obtenção do lucro por parte das frações de classe dominante.

 

No contexto do estado do Pará, na década de 1960, tem-se a criação da Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab/PA), por meio da Lei Estadual nº 3.282, de 13 de abril de 1965. Santana (2011) afirma que essa companhia foi criada para atuar neste estado com o objetivo principal de produzir habitação popular para as famílias de baixa renda, ou seja, “famílias com rendimento igual ou inferior a três salários-mínimos; sendo um órgão de coordenação e execução do Plano de Habitação do Estado” (Santana, 2011, p. 120).

 

Desse modo, mesmo que em nível nacional as Cohabs tenham sido apresentadas como instituições que atuariam na provisão de habitações para a população com menor renda, o que deveria garantir acesso dessa parcela da sociedade ao direito da moradia, verifica-se que, no período, a maior parcela dos recursos foi destinada “às faixas do mercado econômico e médio, o que foi [...] de encontro aos objetivos formalizados pelo Estado, quando da apresentação das diretrizes da política que se dizia comprometida prioritariamente com as faixas de menor renda” (Silva, 2014, p. 107).

 

Levando-se em conta os limites desta reflexão, não é possível apresentar a processualidade histórica relacionada à produção habitacional da Cohab/PA. Contudo, pode-se afirmar que, em face do agravamento da situação habitacional no estado do Pará, a companhia em questão, contraditoriamente, foi importante no que se refere à produção habitacional e à urbanização de áreas de moradias precárias, em especial na Região Metropolitana de Belém. Ainda, salienta-se que, no contexto da execução das políticas habitacionais dessa companhia, os profissionais de Serviço Social no período em exame (1960 a 1980) trabalharam nas equipes técnicas de Trabalho Social.

 

Com base nesses elementos, a seção seguinte apresenta reflexões sobre demandas, requisições e respostas profissionais desses assistentes sociais na Cohab/PA.

 

O Serviço Social na Cohab/PA: demandas, requisições e respostas profissionais entre 1960 e 1980

 

No período de 1960 e 1980 a formação em Serviço Social no estado do Pará sofreu disputas entre diferentes direções teórico-metodológicas e concepções políticas que incidiram no trabalho das assistentes sociais na Cohab/PA. Em um contexto amplo, destaca-se que a profissão experienciou profundas mudanças com o processo de renovação pelo qual o Serviço Social brasileiro passou na segunda metade do Século XX, que teve influência direta do contexto político da América-Latina e do conhecido Movimento de Reconceituação (Goin, 2019; Netto, 2018).

 

Desta forma, Goin (2019) assevera que o Movimento de Reconceituação instaurado teve como background os tensionamentos que gestaram uma dinâmica (nova) a partir, de um lado, da efervescência dos pressupostos revolucionários cubanos que foram se alastrando pelos países latino-americanos, de outro, da defesa do imperialismo cuja maior expressão estava no Aliança para o Progresso,[4] o qual, sinteticamente, tinha por objetivo barrar o avanço das ideias soviéticas/socialistas no continente.

 

Foi neste contexto que a categoria profissional pôde, através de um movimento questionador, contestar o Serviço Social tradicional nos níveis teórico, metodológico e ideológico, o que acarretou um nítido esforço das profissionais de Serviço Social em repensar a profissão no âmbito das mudanças da sociedade latino-americana (Goin, 2019; Yazbek, 2009). Contudo, o Movimento de Reconceituação sofreu o embargo posto pela instauração de ditaduras militares nos países latino-americanos, financiadas pelo governo dos Estados Unidos. Este fato histórico resvalou de diferentes maneiras no que diz respeito aos seus desdobramentos no âmbito do Serviço Social. No Brasil, este processo rebateu no interior da profissão e condicionou um processo diferente do que se passava nos países fronteiriços, o que Netto (2018) denominou de renovação do Serviço Social. Quanto às vertentes deste processo e que foram gestadas na particularidade brasileira, Netto (2018) denominou como: a) vertente modernizadora, b) reatualização do conservadorismo e c) intenção de ruptura.

 

Na década de 1960, percebe-se que os processos mais gerais, sobretudo os que ocorreram na América Latina, como o movimento de Reconceituação, tiveram um lugar de destaque nos espaços de formação em Serviço Social no espaço paraense, conflitando com os influxos das bases positivistas norte-americanas que adentraram o Serviço Social brasileiro e, consequentemente, o Serviço Social no Pará. Já nos anos 1970 e início de 1980, percebe-se o embate travado entre as diferentes vertentes teóricas no âmbito da formação em Serviço Social, expressando as movimentações observadas no processo de renovação do Serviço Social brasileiro.

 

A primeira Escola de Serviço Social no Pará foi criada em 1950 e segundo Santos Neto, Pontes e Braga (2021), com base em Oshai (2000), “[...] a influência teórico-metodológica que estava presente na escola de Serviço Social paraense a princípio era funcionalista, mesclada com o ideário católico (doutrina social da Igreja)” (Santos Neto; Pontes; Braga, 2021, p. 399). Dessa maneira, os rebatimentos do Movimento de Reconceituação na particularidade paraense podem ser identificados na fala de uma das profissionais de Serviço Social entrevistadas, formada na primeira metade da década de 1960, que, ao ser questionada sobre qual era a concepção de profissão de Serviço Social daquele momento histórico, afirma:

 

[...] era realmente um Serviço Social subversivo, revolucionário e pensado a partir da nossa realidade mais fidedigna, não só como realidade brasileira, como também realidade amazônica. E isso nos era dado não apenas pelo curso, isso era dado [também] pelo nosso engajamento no movimento estudantil. (AS1, Pesquisa de Campo, 2022, grifo nosso).

 

A pesquisa identificou as disputas teóricas na formação de assistentes sociais no Pará, pois, na década de 1960, comparece a influência norte-americana e a formação orientada pelo Serviço Social de Caso, de Grupo e de Comunidade, ao mesmo tempo em que as influências do Movimento de Reconceituação eram reconhecidas pela mediação dos(as) professoras da referida escola, conforme explicita o trecho destacado a seguir:

 

Virgínia era nossa professora de Serviço Social de Comunidade, ela que trazia toda a discussão de Desenvolvimento de Comunidade, [...] Eu tenho hoje, aqui na minha frente, os livros que estudei, Serviço Social de Grupo, de Caso e de Comunidade. Todas [são] traduções de livros americanos [...] Então, foi a virada do Movimento de Reconceituação, e não foi só Brasil, foi América-Latina (AS1, Pesquisa de Campo, 2022, grifo nosso).

 

Segundo uma das assistentes socais entrevistadas, a perspectiva da disciplina Desenvolvimento de Comunidade, ministrada pela professora Maria Virgínia Guedes da Silva – docente que foi a primeira Presidente da Cohab/PA –, possuía uma leitura da realidade que extrapolava a concepção positivista, expressando a influência do Movimento de Reconceituação e que, portanto, buscava posicionar-se contra a hegemonia ideológica do discurso norte-americano para os países latino-americanos:

 

[...] tínhamos Virgínia como a professora de [Serviço Social de] Comunidade. Por que qual era a subversão que a Virgínia trazia? [...] Ela trazia os princípios do Desenvolvimento de Comunidade, que era a autodeterminação dos povos [...] nas recém colônias que estavam se tornando independentes ou tentavam ser independentes, então esse discurso da autodeterminação, é [...] que ecoava naquele momento, [...] o que prevalecia era a inquietação do Movimento de Reconceituação (AS1, Pesquisa de Campo, 2022, grifo nosso).

 

No estado do Pará, percebe-se que o processo de renovação do Serviço Social foi marcado pelas disputas na formação profissional (Santos Neto; Pontes; Braga, 2021). Nessa lógica, por meio das entrevistas com as assistentes sociais que tiveram sua formação nesse período, percebe-se que o curso de Serviço Social estava em sintonia com os processos de renovação que ocorriam em nível nacional, conforme relato da AS2:

 

[...] com a renovação do Serviço Social no Brasil, que teve a sua origem em meados da década de 1960, que apresentou tendências de modernização alicerçadas em que o Serviço Social é concebido como instrumento de intervenção a ser operacionalizado nos marcos da manutenção do capitalismo [...], o Curso de Serviço Social da UFPA passou a abordar várias matrizes teórico-metodológicas no sentido de fundamentar a formação profissional do assistente social, dentre elas, nós podemos citar a teoria social positivista, marxista, [...] teoria fenomenológica (AS2, Pesquisa de Campo, 2022, grifo nosso).

 

Assim, a partir da criação da Cohab/PA, no ano de 1965, surgiu um novo espaço sócio-ocupacional para as assistentes sociais no estado do Pará. Diante disso, foram requisitadas discentes concluintes da Escola de Serviço Social do Pará para atuarem na companhia, ainda como estagiárias (Rocha; Bahia, 1965). Com base no trabalho dessas autoras, então concluintes na Escola de Serviço Social do Pará, é possível apreender a concepção de política habitacional adotada pela companhia naquele momento após a sua criação, a qual é descrita da seguinte maneira: “[…] trata-se do estudo dos problemas relacionados com habitação popular, e o planejamento e execução de suas soluções” (Rocha; Bahia, 1965, p. 32).

 

Nessa perspectiva, a pesquisa demonstrou que os trabalhos realizados pelas assistentes sociais entrevistadas se concentram em dois momentos: o primeiro coincide com o surgimento e os primeiros anos de desenvolvimento da Cohab/PA na segunda metade da década de 1960; enquanto o segundo diz respeito às décadas de 1970 e 1980, quando o trabalho de assistentes sociais se tornou componente essencial da política habitacional executada pela Cohab/PA.

 

No primeiro momento (segunda metade da década de 1960), o Trabalho Social foi realizado no contexto de um Departamento de Trabalhos Sociais (DTS), em uma conjuntura na qual a Cohab/PA foi presidida por uma assistente social, docente do curso de Serviço Social na escola supracitada. Essa professora, ao atuar no cargo de presidente da companhia, passou a demandar concluintes da Escola de Serviço Social para atuarem como estagiárias/auxiliares técnicas contratadas pela Cohab/PA, conforme o relato a seguir:

 

[...] naquele momento, de criação da Cohab/PA, que tinha sido criado em 1965, [...] nós fizemos um estágio, inclusive como contratadas, como auxiliares técnicas [...], e essa experiência foi o objeto do nosso TCC, e nesse momento, a primeira presidenta da Cohab/PA era uma assistente social, que era a nossa professora, que foi Virgínia, [...] ela era a nossa professora de Serviço Social de Desenvolvimento de Comunidade, então ela que assume a presidência da recém criada, naquele momento, Cohab Pará (AS1, Pesquisa de Campo, 2022).

 

Nota-se, portanto, que o espaço do Serviço Social na companhia, nesse momento inicial, dava-se principalmente por meio de atividades do Trabalho Social. Tais ações tinham por objetivo o levantamento das condições de vida da população que morava em áreas precárias da cidade, bem como a preparação das famílias que seriam removidas dos espaços considerados impróprios para habitação e realocadas em conjuntos habitacionais construídos pela Cohab/PA, atuando ainda no trabalho pós-remoção dessa população.

 

Ainda com base nas análises das entrevistas, pode-se inferir que a presidente da Cohab/PA nos anos iniciais, por ser uma docente do curso de Serviço Social e por ter influência do Movimento de Reconceituação, procurou incidir na produção habitacional no estado do Pará em uma perspectiva diferenciada da orientação do Banco Nacional de Habitação (BNH), isto é, orientando a equipe a elaborar  projetos habitacionais para as famílias de baixa renda que incorporassem a particularidade da região, no sentido de se diferenciar do padrão construtivo desse banco. A proposta apresentada, entretanto, não pôde ser implementada diante da lógica do modelo de produção habitacional do regime militar.

 

[...] e com essa vivência de sermos, inclusive, ainda, profissionais numa fase de conclusão de curso, dos nossos cursos, [...] ela [Presidente da Cohab/PA], nos desafia a propor a construção de um conjunto habitacional que diferenciasse do que se tinha como modelo no Brasil, mas principalmente no Rio de Janeiro, com os antigos conjuntos habitacionais como [...] Vila Kennedy, Vila Aliança e Vila Esperança. Então, nessa condição, nós realmente fizemos uma primeira proposta de conjunto habitacional usando madeira e dando uma configuração para esse conjunto habitacional, com uma infraestrutura de serviços, já que nesse momento, 1965, aquela área do início da Augusto Montenegro, era uma área completamente desprovida de qualquer tipo de serviço público instalado nela […]  (AS1, Pesquisa de Campo, 2022, grifo nosso). 

 

Além disso, à época, havia incompatibilidade entre a concepção de Desenvolvimento de Comunidade, adotada pelo Serviço Social na consecução dos trabalhos no Departamento de Trabalhos Sociais, e a lógica funcional e burocrática da Cohab/PA sob o contexto do regime ditatorial. A perspectiva do Trabalho Social, de produzir habitação mais adequada à realidade regional, diante da gravidade das condições de moradia no Pará e com possibilidade de construção de processos participativos, foi reduzida ou nula diante da lógica burocrática e da racionalidade do Estado burguês brasileiro.

 

Na década de 1970, estudos demonstram que houve uma intensificação da questão da habitação nesse período, o que vai ao encontro da implementação de políticas de habitação, por intermédio da Cohab/PA, como forma de mitigar as consequências da ocupação desordenada da cidade e, ao mesmo tempo, garantir a legitimação da política do Estado Ditatorial diante da população. Nesse contexto, as profissionais de Serviço Social continuaram a ser demandadas para trabalhar junto às famílias que residiam em áreas de intervenção ou às famílias que passariam a morar em conjuntos habitacionais construídos pela companhia, particularmente no Programa de Desenvolvimento de Comunidade (PDC) executado pela Cohab/PA.

 

O Desenvolvimento de Comunidade comparece no Trabalho Social da Cohab/PA mediante as atividades de organização de comunidade; geração de emprego e renda; preservação dos equipamentos comunitários; e cultura e lazer. As assistentes sociais entrevistadas relataram que uma das demandas ao Trabalho Social dizia respeito ao convencimento das famílias a permanecerem nos conjuntos habitacionais construídos distantes da malha urbana e com pouca infraestrutura urbana.

 

Outras requisições postas eram aquelas voltadas à questão de inadimplência das famílias, ou seja, dos mutuários. Dessa maneira, as assistentes sociais indicaram em seus relatos que atuavam diretamente no contato com as famílias inadimplentes, ao passo que traçavam estratégias para que as famílias que não tinham como realizar o pagamento das prestações não perdessem suas moradias. Além disso, comparecia uma perspectiva da dimensão educativa no trabalho do(a) assistente social, ainda que concebida pelas profissionais por um viés conservador. Nessa direção, as assistentes sociais eram requisitadas, em sua dimensão educativa, a modificar os comportamentos das famílias para que pudessem viver em harmonia e em consonância com os novos padrões de habitabilidade presentes nos conjuntos habitacionais construídos pela Cohab/PA.

 

A Cohab, ela sempre foi uma empresa que trabalha, que visa, a habitação para pessoas carentes, que não tem [...] não é só o déficit habitacional quantitativo, mas também qualitativo [...] e também aqui havia um índice grande de inadimplência, porque naquela época eram financiados os conjuntos habitacionais, então a gente trabalhava esses dois aspectos [...] Nós implantamos uma agência de casos na época, pra trabalhar, fazer os estudos sociais dessas famílias que não podiam mais pagar, e negociávamos a dívida pra que elas não perdessem o imóvel (AS3, Pesquisa de Campo, 2022).

 

[...] a gente via muito na época, as pessoas não saberem como usar o banheiro, não é o banheiro que eles usavam [...] geralmente as pessoas vinham de periferias, áreas de igarapés e rios, e não sabiam como usar um banheiro de uma construção mínima que tem. Nem sabiam usar. A gente tinha que fazer todo esse trabalho educativo. Não sabiam para que servia um extintor de incêndio, não sabiam. E a gente trabalhava isso. O trabalho educativo, para mim, era a coisa mais importante em todos os aspectos. Poderia até ser que ele não ficasse lá, mas só o fato de você receber todas essas informações, que na época, até então, era bem [...] limitada pela questão toda que foi a questão da questão militar, dos anos militares, e tudo mais, “já” ficava feliz (AS4, Pesquisa de Campo, 2022, grifos nossos).

 

Nessa perspectiva, o Serviço Social, dentro da Cohab/PA, respondia às demandas institucionais sob a perspectiva de Desenvolvimento de Comunidade e, por isso, estava preocupado com o controle dos comportamentos sociais das famílias atendidas. Porém, ao mesmo tempo, eram desenvolvidas estratégias no sentido de instruir a população quanto ao alcance de direitos e serviços sociais, mesmo em um contexto ditatorial, conforme pode ser verificado na fala de uma das assistentes sociais entrevistadas:

 

Em 1980, tempo do AI-5, nós realizamos um seminário para atender as necessidades das pessoas das famílias que enfrentavam vários e diversos problemas nos conjuntos habitacionais [...] Faltava tudo. Transportes, serviços e outros. E como eu organizei, em pleno tempo do AI-5, um seminário na SUDAM, em que vocês sabem que era difícil da gente trabalhar, inúmeras questões, inúmeras dificuldades, expor no seminário [...] E qual foi a minha estratégia? Eu preparei as lideranças comunitárias dos conjuntos da época [...] e realizamos o seminário. E veio ministro da época, pessoal do ex BNH, e aí eles [famílias] começaram a fazer uma série de reivindicações, mas colocando as reivindicações com uma determinada propriedade sobre o assunto, e não era tão fácil, né? E o ministro queria saber quem tinha orientado isso, e eles foram assim, de uma sutileza muito grande. Eles não revelaram meu nome. Eles assumiram, sabe? Eles estavam preparados [...] E eles conseguiram tudo que eles queriam, que era exatamente a prestação de serviços, levar serviços e equipamentos, que é o primeiro objetivo para a gente desenvolver o bem-estar das famílias (AS1, Pesquisa de Campo, 2022).

 

Outrossim, a pesquisa identificou espaços para o desenvolvimento de ações contra hegemônicas do Serviço Social na Cohab/PA, mesmo nos marcos do Banco Nacional de Habitação, da ditadura militar e do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Assim, ao mesmo tempo em que as assistentes sociais eram convocadas – via política habitacional da companhia – a convencer os moradores a serem remanejados e/ou permanecerem nos conjuntos habitacionais distantes dos serviços urbanos, pelo mesmo canal também havia espaço para que essas profissionais pudessem sensibilizar a população acerca de seus direitos.

 

[...] normalmente, a gente chamava [a população atendida] e elencava junto com eles, fazia assembleias gerais, e elencava, por exemplo, Cidade Nova I, tinha um centro comunitário da Cidade Nova I, a gente fazia as reuniões e apresentava as propostas de trabalho, entendeu? E aí, brotavam todos os problemas e a gente ia elencando aquilo e conduzindo junto com eles. Qual era os mais grave? Ônibus? Então vamos tratar com todos os problemas relativos ao ônibus. Então a gente ia conduzindo nesse sentido (AS4, Pesquisa de Campo, 2022).

 

A seguir, o Quadro 1 apresenta uma síntese sobre as principais requisições e respostas profissionais[5] no Trabalho Social em Habitação no âmbito da Cohab/PA, no período de 1960 a 1980.

 

Quadro 1. Principais requisições e respostas profissionais no Trabalho Social em Habitação no âmbito da Cohab/PA no período de 1960 a 1980.

Nível territorial

Principais requisições

Principais respostas

Pará

Década de 1960: no contexto da construção dos conjuntos habitacionais para famílias remanejadas, têm-se: a) elaboração de estudos sobre a problemática habitacional nos bairros objetos de intervenção; b) realização de entrevistas com as famílias; c) contato com instituições no sentido de qualificar o estudo sobre as condições de moradia das famílias a serem remanejadas; d) visita as áreas em que as famílias moravam; e e) relatórios sobre o bairro estudado.

 

Décadas de 1970 e 1980: no contexto de construção de conjuntos habitacionais pela Cohab/PA e do Programa de Desenvolvimento de Comunidade, destacam-se: a) elaboração e apresentação dos Programas de Desenvolvimento de Comunidade; b) coordenação das equipes de Trabalho Social da Cohab/PA; c) seleção e cadastramento das famílias; d) desenvolvimento de atividades relacionadas aos eixos de organização comunitária/ geração de emprego e renda/ patrimônio/ educação/ saúde; e) promoção da participação social da comunidade objeto de intervenção; e f) convencimento das famílias no sentido de evitar a evasão nos conjuntos habitacionais, localizados em lugares distantes do centro.

Décadas de 1960, 1970 e 1980:

- Estratégias de atendimentos para a seleção das demandas oriundas das famílias beneficiárias.

- Sensibilização das famílias beneficiárias quanto à necessidade de reivindicarem serviços adequados à sua reprodução social nos conjuntos habitacionais;

- Estratégias para impedir que as famílias perdessem suas unidades habitacionais em virtude da inadimplência dos imóveis;

- Estímulo à participação dos moradores nas reuniões e encontros para discussão e levantamento das principais demandas das famílias;

- Estímulo à formação de lideranças comunitárias;

- Reuniões entre os profissionais de diferentes áreas;

- Demonstração da importância do Serviço Social no Trabalho Social e na Cohab/PA.

Fonte: Elaboração dos autores com base na Pesquisa de Campo, 2022.

 

Assim, o trabalho profissional realizado por assistentes sociais – requisitado em sua grande maioria pelo Estado (burguês) –, nos mais diversos campos de trabalho, incluindo o da habitação, intervém na regulação das relações sociais, ou seja, no “controle dos comportamentos, das normas sociais; contribuindo para produzir atitudes, posturas, para influir nas consciências, como parte das iniciativas de racionalização da relação entre os homens na sociedade capitalista” (Trindade, 2017, p. 80).

 

Esta investigação também permite que se façam algumas inferências sobre o trabalho profissional de assistentes sociais que trabalharam na Cohab/PA entre as décadas de 1960 e 1980, acompanhando o movimento do Trabalho Social em Habitação em nível nacional. Verificou-se que os processos de remoção de famílias de lugares inadequados para conjuntos habitacionais construídos pela companhia, bem como o Programa de Desenvolvimento de Comunidade, ocuparam lugar de destaque na concepção, elaboração e execução da política habitacional paraense. Ademais, indicam que as estratégias construídas na particularidade paraense estavam em fina sintonia com aquelas encontradas nacionalmente no Trabalho Social, demonstrando que as assistentes sociais consideravam o Trabalho Social como um importante espaço de contato com as famílias, no sentido de instruí-las acerca de seus direitos.

 

Santana e Santos (2021) afirmam que, em mais de seis décadas, grande parte das requisições ao trabalho do(a) assistente social esteve relacionada ao acompanhamento da vida dos moradores, de modo a adequá-los ao novo espaço de moradia, com práticas higienizadoras e controladoras, mediante, na maioria das vezes, o recurso da participação instrumental. Assim:

 

[…] pode-se considerar que houve uma inflexão qualitativa nesse formato de requisição – ainda que frágil e limitada em sua potencialidade real pela própria condição da política social no capitalismo – no período após a Constituição de 1988, que abriu a possibilidade de alguns ganhos no interior da política urbana na década de 1990 e início do século XXI, onde foram incluídas nas demandas da política, intervenções urbanas, baseadas na participação democrática (Santana; Santos, 2021, p. 106).

 

Nessa linha de raciocínio, na atualidade, as requisições às(aos) profissionais, geralmente, são para a execução e formulação de projetos sociais no âmbito da política urbana e habitacional, o que demanda desses(as) profissionais qualificação e reconhecimento abrangente no campo da política urbana/habitacional e nas demais políticas sociais, tendo em vista que “a moradia envolve o acesso não apenas a casa, mas a uma série de serviços públicos que transversalizam o direito à moradia tais como saúde, saneamento, educação, segurança pública, emprego e renda etc.” (Santana; Santos, 2021, p. 106).

 

Em seguida, as autoras destacam que as respostas profissionais desses(as) assistentes sociais nas equipes técnicas no âmbito da política urbana e habitacional “[…] estão mergulhadas no conjunto das mediações contraditórias constitutivas das políticas urbanas e habitacionais, das desigualdades do acesso da classe trabalhadora à moradia adequada, da lógica mercantil do espaço urbano” (Santana; Santos, 2021, p. 107). Sendo assim, nas instituições onde os(as) assistentes sociais estão presentes há espaço para respostas profissionais articuladas à defesa dos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, sobretudo quando a(o) profissional orienta seu trabalho pelo denominado Projeto Ético-Político do Serviço Social.

 

Considerações finais

 

A questão da habitação, uma das expressões da “questão social” é, nesse sentido, um fenômeno universal, pois reflete a falta de acesso a um bem básico – a moradia – por parte considerável das famílias empobrecidas, em todos os países onde o capitalismo se consolidou, ao mesmo tempo em que tem, no seu reverso, a luta dos(as) trabalhadores(as) por direitos, dentre eles, o de acesso à moradia.

 

O Estado, ao responder (de forma limitada e contraditória) às demandas dos(as) trabalhadores(as) por habitação, tem inserido, historicamente, os(as) profissionais de Serviço Social no âmbito das políticas urbanas e habitacionais. A investigação realizada e sistematizada neste artigo permite identificar a importância do trabalho desenvolvido pelas assistentes sociais, considerando tanto suas contribuições na reprodução material e social dos sujeitos quanto a sua dimensão educativa, que incide na cultura das classes subalternas e fortalece a dimensão coletiva das lutas sociais.

 

No estado do Pará, a pesquisa demonstrou que uma das primeiras e mais importantes respostas institucionais à questão da habitação foi a criação da Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab/PA), tornando-se – ainda que contraditoriamente – um importante agente da produção do espaço no território paraense mediante a produção habitacional. Os registros históricos e o acúmulo de pesquisas desenvolvidas acerca da companhia demonstram que, no período que cobre as décadas de 1960 a 1980, o seu funcionamento acompanhou as movimentações do Banco Nacional de Habitação (BNH), bem como a forte centralização das políticas públicas, uma das marcas do período ditatorial; fato esse que, por sua vez, tem rebatimento no trabalho profissional das assistentes sociais que trabalham no referido período.

 

Desde o surgimento da Cohab/PA, o Serviço Social esteve presente, em especial, por meio de sua primeira presidente, pois se tratava de uma assistente social que também compunha o corpo de docentes desse curso na primeira metade da década de 1960. Nos primeiros anos de funcionamento da Cohab/PA, é possível visualizar a presença marcante do Serviço Social no Departamento de Trabalhos Sociais, o qual era composto por setores que, de forma geral, buscavam levantar as condições de vida e moradia das famílias que viviam em áreas precárias para, então, removê-las para conjuntos habitacionais construídos pela Companhia. Nas décadas de 1970 e 1980, observa-se que o trabalho das assistentes sociais era um componente essencial do Programa de Desenvolvimento de Comunidade, no qual essas profissionais trabalhavam ativamente junto às famílias no que diz respeito ao controle social e à adaptação nos conjuntos.

 

Em síntese, a investigação realizada permitiu identificar que o trabalho profissional de assistentes sociais na particularidade da Cohab/PA, nas décadas de 1960 e 1980, sofreu os rebatimentos das movimentações no âmbito da política urbana e habitacional brasileira, bem como do Serviço Social brasileiro, o qual estava imerso no processo de questionamento de suas bases tradicionais. Os dados evidenciados nesta pesquisa possibilitaram inferir que o processo de luta da categoria de assistentes sociais na Companhia culminou no seu reconhecimento como parte importante da elaboração e execução da política de habitação no Pará.

 

Por outro lado, os dados também apontam os limites do trabalho profissional desenvolvido pelas assistentes sociais, geralmente requisitadas para trabalhar no controle do comportamento social das famílias que passavam a morar nos conjuntos habitacionais. Ao mesmo tempo, as profissionais buscavam sensibilizar as famílias no sentido de lutarem por seus direitos, mesmo no contexto da ditadura militar, conformando, na particularidade do Pará, a tendência de intervenção profissional em processos contraditórios com interesses diferenciados e opostos.

 

Esta constatação vai ao encontro da afirmação de Santana, Gomes e Miranda (2021), para quem, se é verdade que o trabalho profissional de assistentes sociais está na mediação entre as classes sociais, então, pode-se afirmar que a correlação de forças entre esses interesses antagônicos cria – e reitera – limites e possibilidades, a depender da conjuntura em que estes(as) profissionais estão inseridos(as). Daí que os(as) assistentes sociais, como qualquer outro(a) profissional inserido(a) no modo de produção vigente, sofre os rebatimentos das crises inerentes à ordem burguesa, além da movimentação das classes e do Estado, que, por sua vez, alteram os espaços onde os(as) assistentes sociais trabalham, impondo limites à execução de suas tarefas, mas não eliminando as possibilidades de respostas profissionais em favor da classe trabalhadora.

 

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Leonardo Costa MIRANDA Trabalhou na redação do artigo e revisão crítica do texto.

Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFPA e atualmente discente do Curso de Doutorado no mesmo programa. Bolsista CAPES. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Em 2022, realizou mobilidade acadêmica no PPGSS da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) por meio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD-Amazônia).

 

Joana Valente SANTANA Trabalhou na concepção e delineamento e interpretação dos dados e na aprovação da versão a ser publicada

Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente da Faculdade e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Bolsista Produtividade em Pesquisa PQ, nível 1D. Foi membro da Coordenação do GTP Questões Agrária, Urbana, Ambiental e Serviço Social da ABEPSS (2013/2014, 2015/2016, 2017/2018). Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPA, no período de 2013 a 2015. Foi Coordenadora adjunta da Área de Serviço Social na CAPES (2018-2022).

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* © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024. Acesso Aberto. Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

 

[1] O estado do Pará está localizado na região Norte do Brasil e integra a Região Amazônica. De acordo com o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o segundo maior território geográfico brasileiro, com área de 1.245.870,704 km², possuindo uma população de aproximadamente 8,1 milhões de pessoas.

[2] Para Poulantzas (1980, p. 145) em “[…] relação às classes dominantes, em particular a burguesia, o Estado tem um papel principal de organização”. O Estado tem o papel de representar e organizar os interesses do ‘bloco no poder’, composto por várias frações de classe burguesas, mantendo a hegemonia da fração de classe hegemônica. Assim, o Estado possui uma autonomia relativa em relação a determinadas frações do bloco no poder para que possa assegurar a organização dos interesses da burguesia de forma geral e sob a hegemonia de uma de suas frações. Para o autor: “O Estado não é pura e simplesmente uma relação ou a condensação de uma relação; é a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe.” (Poulantzas, 1980, p. 148, grifos do autor). A manutenção dos interesses das frações de classe dominante inclui a relação contraditória com as classes dominadas, pois o Estado ao mesmo tempo em que colabora para a divisão e desorganização política das classes dominadas, estabelece certos compromissos com essas classes com vistas à conquista da hegemonia, mantendo uma relação de dominação-subordinação e assegurando os interesses das frações de classe dominante.

[3] O projeto de pesquisa foi registrado na Plataforma Brasil e foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição onde a pesquisa foi realizada (CAAE: 58971522.1.0000.0018).

[4] Dentre os diversos objetivos, procurava diminuir os índices de desigualdade social na região, tendo por base o crescimento das economias nacionais (GOIN, 2019).

[5] No que se refere às informações presentes no Quadro 1, ressalta-se que no contexto das décadas de 1960, 1970 e 1980, as respostas profissionais indicadas pelas assistentes sociais entrevistadas apresentaram uma visível semelhança. Por esta razão, optou-se por não dividir as respostas profissionais de acordo com as décadas em questão.