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Territórios em rebeldia

 

Territories in rebellion

 

Leonardo Dias NUNES

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Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-4190-1211

Blog Sobre Economia, Rede de Blogs da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

e-mail: leonardodiasnunes@hotmail.com

 

 

RESENHA/ BOOK REVIEW

 

 

 

 

 

 

 

 

ZIBECHI, Raúl. Territórios em rebeldia. São Paulo: Elefante, 2022. 272 p.

 

 

E

scrita pelo jornalista uruguaio Raúl Zibechi, a obra Territórios em rebeldia foi publicada no Brasil em 2022 e traz uma coletânea de artigos sobre a luta protagonizada pelas comunidades latino-americanas que resistem às violentas investidas do capital no século XXI e buscam construir novos mundos. Os artigos foram escritos em diferentes momentos e apresentam uma variedade de temas, quais sejam, o Estado de exceção como forma de dominação no capitalismo contemporâneo, a busca por um novo modelo de sociedade, as características da vida e da luta na condição antissistêmica e as contradições dos governos progressistas na América Latina.

 

Em sua abertura, o livro contém uma entrevista com o autor. Em seguida são apresentados curtos textos de intervenção e outros de maior extensão, em que teses são anunciadas e fundamentadas em consonância com a estrutura de um artigo acadêmico.

 

Como observador e analista de questões mais gerais, Zibechi possui um conjunto de proposições sobre o mundo contemporâneo. Observa que a extrema direita não tem projeto definido, mas busca se manter no poder. Defende que a proteção dos territórios populares é necessária para o crescimento do poder popular. Declara que a internet se transformou em uma droga e que a difusão do consumismo levou a uma mutação nos seres humanos. Propõe a recusa da ideia de uma única sociedade, pois deve-se buscar um novo conceito de totalidade. Além disso, enfatiza que a constante busca por uma única sociedade é uma característica demasiadamente eurocêntrica, ainda muito presente nos discursos.

 

A apresentação do livro de Zibechi está dividida em três partes. Na primeira, são retratadas as viradas intelectuais do autor. Na segunda, são reconstituídas as reflexões existentes em torno do auge e declínio dos governos progressistas, do Estado de exceção e da necessidade de novas estratégias políticas para os movimentos populares. E na terceira, é revelada a origem de seu entusiasmo com o zapatismo.

 

A entrevista que dá início ao livro é uma excelente forma de entender o universo temático de Zibechi, pois nela são apresentadas as três viradas intelectuais existentes em sua vida. A primeira ocorreu na Espanha, na década de 1970, quando ele conheceu a primeira onda feminista. A segunda se deu na América Latina, na década de 1980, e foi marcada pelo seu encontro com o zapatismo. Por último, em 2013, a terceira virada foi iniciada com a crise do progressismo no Brasil. Esses momentos de ruptura fizeram com que o autor repensasse o papel das esquerdas e o homem branco, escritor, acadêmico e militante, constatando que o pensamento crítico está difundido nas classes populares e que a crítica deve ser aprendida com aqueles que a fazem cotidianamente.

 

Nos artigos de maior dimensão, Zibechi mostra uma estrutura lógica organizada e um repertório de referências da crítica decolonial e do pensamento crítico europeu e norte-americano. Entre esses artigos, apresenta-se uma seleção que destaca os processos de auge e declínio dos governos progressistas e a emergência do Estado de exceção. Em Políticas sociais, governos progressistas e movimentos antissistêmicos, de 2010, Zibechi argumenta que os movimentos sociais devem ser entendidos à luz dos processos de acumulação por despossessão, cujos resultados precisam ser compensados por políticas sociais (Zibechi, 2022, p. 187). Dessa forma, os resultados do atual modelo extrativista de acumulação por despossessão são diferentes daqueles do antigo modelo de substituição de importações, pois intensificam o desemprego e a concentração de renda. Consequentemente, dada a maior necessidade de políticas sociais, torna-se necessário que esse modelo seja gerido por governos progressistas e possuidores de maior habilidade para dialogar com as classes populares.

 

Nesses governos, Estado e movimentos sociais uniram-se para garantir a governabilidade, fazendo com que os protestos não fossem mais entendidos como um problema, mas sim como uma oportunidade. Duas consequências são rapidamente observáveis nesse arranjo. Por um lado, os movimentos sociais receberam benefícios financeiros e acesso a profissionais especializados na organização de suas cooperativas. Por outro, ocorreu uma diminuição da organização desses mesmos movimentos por se tornarem parte integrante da institucionalidade estatal. De acordo com Zibechi, esse arranjo foi entendido como um êxito do Estado, que se legitimou ao resolver problemas sociais candentes e, simultaneamente, conseguiu usar esse processo a seu favor para manter a governabilidade.

 

Em Autonomias e autogovernos depois do progressismo, de 2019, Zibechi mostra as transformações ocorridas nos movimentos autônomos na América Latina. Assim, apresenta as nuances existentes nas críticas ao modelo extrativista de acumulação. Se na década de 1990 o foco das críticas estava na superação desse modo de produção, ao longo dos governos progressistas as críticas foram orientadas para os âmbitos social e ambiental. O autor também indica que as práticas autônomas da América Latina são variadas e começam por baixo, possuem preocupação ecológica e organizam-se com outros coletivos para ações concretas. Por fim, realça que os intelectuais de esquerda, em sua maioria, justificam os governos progressistas e não compreendem o funcionamento das engrenagens do atual modelo hegemônico exportador de commodities (Zibechi, 2022, p. 124).

Em Estado de exceção como paradigma político do extrativismo, de 2020, Zibechi parte da análise fundamentada nos conceitos de zona de ser e zona de não ser, de Ramón Grosfoguel (2012), para examinar as formas de opressão e regulação existentes em diferentes sociedades. Na zona do ser a opressão está colocada na moldura democrática liberal e existem espaços de mediação dos conflitos sociais. Já na zona do não ser os direitos humanos, os civis e os trabalhistas são negados para a maioria da população. Diante da inexistência da regulação dos conflitos, sua resolução se dá por meio da violência. Essa diferença faz com que a teoria crítica produzida na zona do ser não tenha a pretensão de universalidade, pois nas zonas onde opera o extrativismo há Estado de exceção permanente para que as classes populares sejam isoladas ou, de forma mais incisiva, sejam mantidas em campos de concentração.

 

Nos artigos de intervenção, como Genocídio no Haiti: a responsabilidade latino-americana, publicado em 2007, Zibechi afirma que as forças de paz enviadas pelos países latino-americanos para o Haiti realizaram uma guerra contra os pobres e não tinham a menor intenção de superar as condições de pobreza dos haitianos (Zibechi, 2022, p. 43). Já no artigo Quinoa de cem cores, de 2019, o autor descreve a atuação destrutiva realizada pela indústria da mineração no Peru e sentenciou que tais práticas devem ser entendidas como sendo a atualização do fato colonial. Por fim, no artigo As estratégias não são eternas, de 2018, ele argumenta que a via eleitoral era usada como parte de uma estratégia mais ampla dos movimentos sociais na América Latina. Entretanto, com a falência dessa estratégia, hoje ele compreende que a transição para um novo mundo deve ser pensada para além do Estado.

 

No que se refere à construção de novos mundos, Zibechi reconstitui no prólogo de seu livro Los arroyos cundo bajan, publicado em 1995, os motivos pelos quais se entusiasmou pelo zapatismo. Segundo o jornalista uruguaio, nessas comunidades consolidava-se a constante busca pela autonomia, as mulheres pobres e indígenas ganharam um papel de destaque ao se diferenciarem do feminismo eurocêntrico das classes médias acadêmicas, buscava-se construir outro mundo, a prática cotidiana fundamentava a renovação do pensamento, buscava-se superar o elitismo e o racismo existentes na esquerda e, finalmente, entendia-se a política como guerra.

 

Observa-se que a luta pela construção de um novo mundo convive com as várias dimensões da crise contemporânea. Ao lado da riqueza concentrada e centralizada pelo capital, verificam-se guerras, fome, polarização política, desemprego criado pelos avanços tecnológicos e problemas de ordem climática. A bibliografia produzida sobre esses temas é imensa. Por outro lado, existe um outro campo de pesquisa que busca compreender as comunidades que lutam cotidianamente para construir um novo mundo. Lógico que esse processo é cheio de improviso e não haveria como ser diferente, pois a transformação de um bairro popular é uma tarefa possuidora de imensas lutas e contradições, completamente distinta da criação de teses acadêmicas teoricamente bem fundamentadas e geralmente pouco úteis para as classes populares.

 

Diante dessas afirmações, entende-se que a tradução para o português do livro Territórios em Rebeldia, de Raúl Zibechi, é uma relevante contribuição para a difusão das práticas e dos conhecimentos das classes populares que lutam com esperança na possibilidade de construção de novos mundos. A obra é fruto de uma reflexão que vai muito além das limitadas promessas de transformação feitas pelos governos progressistas latino-americanos e da paralisia crítica fundada na impossibilidade teórica de superar os ditames do capital.

 

Referências

 

Grosfoguel, R. “El concepto de ‘racismo’ en Michel Foucault y Franz Fanon: ¿teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser?. Tabula Rasa, Bogotá, n. 16, p. 79-102, 2012.

 

Zibechi, R. Territórios em rebeldia. São Paulo: Elefante, 2022.

 

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Leonardo Dias NUNES

Economista. Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).  Como docente do curso de Especialização em Economia Financeira na Escola de Extensão da UNICAMP e dos cursos de Ciências Econômicas da Universidade de Sorocaba UNISO e da Universidade Federal do Espírito Santo UFES.

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Editoras responsáveis

Ana Targina Ferraz – Editora-chefe

Camilla dos Santos Nogueira – Editora Temática

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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