A
corrida do ouro na Terra Indígena Yanomami: garimpo e o genocídio de Haximu
The gold rush in the Yanomami Indigenous Land:
mining and the Haximu genocide
Corrado DALMONEGO
https://orcid.org/0000-0001-9658-7245
Universidade Federal de São Paulo, Escola
de Filosofia Letras e Ciências Humanas,
Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Guarulhos,
SP, Brasil
e-mail: corrado.dalmonego@unifesp.br
Márcia Maria de OLIVEIRA
https://orcid.org/0000-0001-5511-0942
Universidade
Federal de Roraima, Programa
de Pós-graduação em
Sociedade
& Fronteiras), Boa Vista, RR, Brasil
e-mail:
marcia.oliveira@ufrr.br
João Paulo ROBERTI JUNIOR
https://orcid.org/0000-0002-1489-5330
Universidade
Federal de Roraima, Centro de Educação, Curso de Psicologia,
Boa Vista, RR, Brasil
e-mail:
joao.junior@ufrr.br
Tiago Siqueira REIS
https://orcid.org/0000-0001-9115-1231
Universidade Federal de Roraima, Programa de Pós-graduação
em
Sociedade
& Fronteiras, Boa Vista, RR, Brasil
e-mail:
siqueira.treis@gmail.com
Resumo: O artigo tem por objetivo
investigar o fenômeno da Corrida do Ouro na Terra Indígena Yanomami, entre os
anos de 1987 e 1993. Debruçaremos sobre os eventos, as
causas, os desdobramentos e as implicações deste que pode ser considerado um
dos capítulos mais sombrios da história da relação entre as comunidades
indígenas e os impactos da exploração mineral em terra indígena. Desse modo,
destacaremos que um dos resultados mais sombrios do processo de invasão do
território Yanomami se materializou no genocídio de Haximu,
ocorrido em 1993. O estudo lança luz para a compreensão dos recorrentes
processos de violência sofridos pelos Yanomamis, ainda pouco conhecidos pela
população em geral.
Palavras-chave:
Corrida do
ouro. Yanomami. Genocídio de Haximu. Garimpeiros.
Abstract: This study
investigates the gold rush in the Yanomami Indigenous Land between 1987 and
1993. It examines the events, causes, developments, and implications of what
should be considered one of the worst chapters in the history of relationships
between indigenous communities and the impacts of mineral exploration on
indigenous land. It highlights that one of the darkest results of the process
of the invasion of Yanomami territory manifested itself in the Haximu genocide in 1993. The study sheds light on the
understanding of the recurring processes of violence suffered by the Yanomami,
which are still little known by the general population.
Keywords: Gold Rush.
Yanomami. Haximu Genocide. Prospectors.
Introdução
A |
Terra Indígena Yanomami (TIY) abrange cerca de
9,5 milhões de hectares, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela, nos
estados de Roraima e Amazonas. O território é habitado pelos povos Yanomami e
Ye’kwana, que vivem em comunidades itinerantes, dedicando-se à caça, coleta e
agricultura há mais de mil anos. A TIY é a maior em área e em população
indígena do país, com 27.152 indígenas de acordo com o último Censo (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023). Além disso, é um espaço que abriga
grande diversidade sociocultural e linguística, bem como povos isolados.
A trágica situação do povo Yanomami tem
sido destaque nacional e internacional, devido ao garimpo ilegal e pela
presença do crime organizado em todo o seu território. Apesar dos esforços do
atual Governo Federal, tem sido complexo o processo de desintrusão dos
garimpeiros do território Yanomami, por se tratar de uma atividade criminosa
com alta lucratividade baseada na extração de minérios.
As principais consequências da
mineração ilegal estão relacionadas à invasão do território indígena, a
contaminação das águas com a utilização indiscriminada de mercúrio, a
contaminação da terra pela total ausência de saneamento básico, a destruição da
floresta e dos territórios de produção de alimentos das comunidades indígenas.
Dentre outras consequências, os Povos
Yanomami enfrentam intensos conflitos socioambientais; confrontos permanentes
com os invasores (com mortos e feridos); aumento da fome e, consequentemente,
da desnutrição; intensificação das doenças infectocontagiosas e da malária;
violência sexual contra mulheres e crianças; tráfico humano e situação de
trabalho forçado, análogo ao escravo (Albert, 2001)
A invasão de garimpeiros, madeireiros,
caçadores, posseiros e extrativistas de toda ordem, é um problema antigo do
território Yanomami. O primeiro grande momento de invasão da TIY, também
conhecido como a Corrida do Ouro, ocorrido entre 1987 e 1992, registrou cerca
de mais de 40 mil garimpeiros (Comissão pela Criação do Parque Yanomami, 1989),
tendo como uma das suas
mais nefastas consequências o genocídio de Haximu em
1993. Nesse sentido, debruçaremos sobre os eventos, as causas, os
desdobramentos e as implicações de um dos capítulos mais sombrios da história
da relação entre as comunidades indígenas e os impactos da exploração mineral
em terra indígena.
O artigo[1]
propõe lançar luz sobre os fatores econômicos, políticos e sociais que
catalisaram a Corrida do Ouro na Terra Yanomami, delineando as falhas nas
políticas governamentais e a falta de medidas eficazes para proteger os
direitos territoriais dos povos indígenas. Além disso, visa examinar os
resultados devastadores dessa invasão, destacando as ramificações humanitárias,
socioambientais e históricas que reverberam na comunidade Yanomami até os dias
atuais. O estudo da Corrida do Ouro na Terra Yanomami não apenas contribui para
a compreensão acadêmica, mas também serve como um chamado à ação para a
implementação de medidas mais efetivas na proteção dos direitos territoriais e
culturais das comunidades indígenas.
A corrida do
ouro (1987-1992): contexto, expansão e impactos
Garimpeiros
independentes já nos anos de 1950 se aventuravam ao longo dos rios Uraricoera e
Ericó - afluentes do rio Branco, no Extremo Norte do Brasil – para extrairem
ouro e diamantes. Tais investidas, contudo, eram limitadas por vários fatores, como o baixo preço do ouro antes de 1970, a
dificuldade de acesso à região e a reputação dos Yanomami como um povo
guerreiro. A presença de garimpeiros nas margens do território Yanomami,
sinalizada desde o fim dos anos 1970 (Rodrigues, 2021), resultou, na década seguinte, em uma invasão
selvagem da área e no início de uma desenfreada corrida do ouro, tolerada,
quando não abertamente encorajada, pelos poderes públicos nacionais (Basta, 2023).
A divulgação dos resultados das
pesquisas geológicas do Projeto Radam[2] (Serviço Geológico do Brasil, 1975) instigaram a invasão de
mineradores na região de Surucucu (no centro do território Yanomami), onde, no
final de 1975, estimava-se que cerca de 500 garimpeiros trabalhassem em uma
única área. Na década seguinte, porém, a alta do preço do ouro e as dificuldades
dos colonos empregados na agricultura pela diminuição de apoio aos serviços de
extensão rural, desencadeou uma verdadeira corrida à mineração no Território de
Roraima. Na terra Yanomami, foram abertos garimpos de ouro que receberam
milhares de ‘forasteiros’, atraídos pela aparente combinação de capitais a
serem investidos, recursos técnicos, promessas de políticos e jazidas que
esperavam para serem exploradas.
A omissão dos Governos Federais, o
incentivo dos Governos de Roraima à garimpagem, o esgotamento de outras minas
(significativamente a Serra Pelada) e o aumento do preço do ouro, provocaram a
invasão do território indígena de proporções impressionantes e efeitos
devastadores. Entre 1987 e 1990, o território Yanomami foi invadido por um
número de garimpeiros calculado entre 30 e 40 mil, trabalhando em cerca de 400
garimpos e utilizando-se de uma centena de pistas de pouso clandestinas ao
longo dos principais afluentes da margem direita do rio Branco
(Uraricoera-Parima, Mucajaí, Couto de Magalhães, Catrimani). As consequências dessa invasão foram o
alastramento de epidemias, o estouro de conflitos, a difusão de desnutrição e
patologias que resultaram em um verdadeiro genocídio (Comissão pela Criação do Parque
Yanomami, 1989, 1990; Ramos, 1993).
A situação já muito grave
provocada pela presença de garimpeiros na área indígena e pelas tensões sociais
geradas, tornou-se mais dramática quando, em agosto de 1987, a Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai) suspendeu os convênios para a assistência
à saúde dos Yanomami, forçando a retirada das equipes médicas, de todos os
membros de organizações indigenistas e de algumas equipes missionárias.
A justificativa colocada pelo
órgão indigenista para a remoção de todos os não indígenas da área foi a
situação de violência evidenciada após um conflito entre Yanomami e
garimpeiros, na região do rio Couto de Magalhães. Nesse conflito, ocorrido
perto do Posto Indígena de Paapiú, na metade de agosto de 1987, quatro Yanomami
tinham sido mortos por garimpeiros que haviam invadido a área indígena, embora
interditada pelo Governo Federal desde janeiro de 1985. Durante o confronto,
também um garimpeiro perdeu a vida.
As notícias veiculadas na cidade
de Boa Vista acusavam os missionários de serem responsáveis pelos conflitos
entre Yanomami e garimpeiros e de insuflarem os indígenas à violência; enquanto
em todo o Brasil deflagrava uma campanha difamatória contra a Igreja de
Roraima, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), sustentada pelo Governo Estadual, pelos políticos
locais e pelas empresas que nutriam interesses econômicos na invasão do
território Yanomami[3].
As comunidades mais próximas dos
centros de exploração tiveram sua vida socioeconômica abalada pela agressão ao
seu território. Considerando apenas o auge da corrida do ouro, entre meados de
1987 e janeiro de 1990, esse genocídio provocou em Roraima a morte de cerca de
mil Yanomamis, correspondente a 22% de sua população no estado, por causa de
doenças como a malária, estritamente conexas à presença dos garimpos e aos
complexos impactos provocados por eles (Ramos, 1993).
A essa tragédia, soma-se o impacto
da presença de milhares de garimpeiros, empresários, comerciantes e todo tipo
de pessoas que gravitavam ao redor dos garimpos, condicionando a vida das
comunidades Yanomami e suas relações com outros agentes envolvidos:
missionários, membros de Organizações Não-Governamentais (Ongs), servidores da
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) etc.
No dia 13 de junho de 1988, foi
publicado no Diário Oficial da União a Portaria Interministerial n.º 160,
declarando os limites da terra ocupada pelos Yanomami e determinando sua
demarcação em ilhas[4]. Tal decisão não
respeitava o artigo 231 da Constituição, que garantia aos indígenas a posse exclusiva das terras que tradicionalmente ocupavam e
o usufruto exclusivo das riquezas nelas existentes[5]
(Brasil, 1988).
No meio dessas discussões, de 9 a
12 de junho de 1989, a Ação pela Cidadania realizou uma viagem ao estado de
Roraima[6]. A comitiva, formada por 20 pessoas – entre elas os
subprocuradores da República Carlos Eduardo Vasconcelos e Wagner Gonçalves, o
subprocurador geral Cláudio Fontelles, o senador Severo Gomes, o deputado
federal Plínio de Arruda Sampaio e representantes da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, da Associação Brasileira de Antropologia, da Comissão pela
Criação do Parque Yanomami, do Conselho Indigenista Missionário, do Centro
Ecumênico de Documentação e Informação, da Ordem dos Advogados do Brasil – constatou
a urgência de se tomar medidas para evitar o genocídio Yanomami (Comissão pela Criação do Parque Yanomami, 1989).
O relatório que seguiu à visita da
Comissão levantou os múltiplos casos de violência que ocorriam em toda a região
e a situação dramática, efeito também da demarcação em ilhas: a invasão de
garimpeiros produzia a dizimação da população Yanomami; a poluição da água pelo
mercúrio usado no processo de extração do ouro e o afugentamento da caça
reduziam drasticamente a possibilidade de procurar fontes de alimentação,
obrigando os Yanomami a esmolar comida ao longo das pistas de pouso e dos
campos dos garimpeiros; o aumento e as consequências dos casos de doenças era
dramático, agravado pela inexistência de atendimento médico; a agressão à
cultura era contínua, pois os Yanomami estavam expostos, sem qualquer presença
de autoridade, ao contato descontrolado e promíscuo com os garimpeiros (Comissão pela Criação do Parque Yanomami, 1989).
O relatório da Ação pela Cidadania
e o mesmo do senador Gomes (Comissão pela
Criação do Parque Yanomami, 1989), em artigo publicado no
jornal Folha de São Paulo, evocava os conflitos acesos encontrados no Paapiú e
no Surucucus, descrevendo o cenário de guerra do Vietnam e definindo o
Paapiú como um campo de extermínio. Depois da análise da situação, a
Comissão recomendou uma série de ações que deveriam resolver a
inconstitucionalidade dos garimpos na área indígena, solicitar a correta
demarcação do território dos Yanomami e de outros povos indígenas em Roraima,
pressionar a Funai, o Ibama e o Ministério da Saúde a cumprirem os seus papéis.
Apesar das recomendações feitas
pela Comissão da Ação pela Cidadania, a dramaticidade da situação e os
conflitos subjacentes se exacerbaram quando, em julho de 1989, o então
governador de Roraima – e ex-presidente da Funai – Romero Jucá Filho,
apresentou ao Presidente da República, José Sarney, o Projeto
Meridiano 62, que propunha a criação de reservas de garimpagem na floresta
Nacional de Roraima, localizada em território Yanomami. Contra a posição do
governador, o Ministério Público Federal interditou as pistas de pouso
clandestinas abertas pelos garimpeiros na área.
Na década de 1980, a luta pela
demarcação do território Yanomami e pela expulsão dos garimpeiros recebeu
impulso significativo, em âmbito nacional e ressonância internacional, pela
atuação da Comissão Pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) e o engajamento de
algumas lideranças Yanomami, especialmente, Davi Kopenawa. Em 15 de novembro de
1991, as diversas pressões nacionais e internacionais levaram à criação da
Terra Indígena Yanomami e à sucessiva demarcação, com a expulsão dos
garimpeiros.
Após 20 anos de luta, a Terra
Indígena Yanomami foi homologada, em 1992, significativamente no ano da
realização da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, na cidade do Rio de
Janeiro, também conhecida como Eco-92.
As conquistas dos Yanomami não cessaram os conflitos com os garimpeiros, pelo
contrário, um ano após a demarcação do seu território, foram alvo de um dos
episódios mais tristes e sangrentos de nossa história – o genocídio de Haximu.
A partir do laudo antropológico de Bruce Albert (1993a), tem-se que o genocídio de Haximu, em 1993, não foi um episódio isolado, mas foi
gerado pelas relações ambíguas e tensas determinadas pela presença/invasão de
garimpeiros na Terra Indígena Yanomami (TIY), que desembocam em hostilidades,
conflitos explícitos e vinganças. Por esse motivo, é preciso inserir o
genocídio de Haximu no contexto da corrida do ouro
promovida nos anos 1980-1990, e destacar que ocorreu após a homologação da TIY
em 1992, devido à ineficácia da desintrusão do território. É importante
destacar que permanece, atualmente, o mesmo perigo, embora em novos e velhos
formatos.
Com o
termo genocídio, entende-se um crime contra a humanidade, que consiste em
cometer contra um grupo (nacional, étnico, racial ou religioso) um ato tendente
a destruí-lo, total ou parcialmente, matando os seus membros, causando-lhes
graves lesões, submetendo-os a condições que ameacem a sua vida ou que evitem
nascimentos no seio do grupo. A legislação brasileira (Lei n.º 2.889, de 1956),
em sintonia com tratados e convenções internacionais, repudia e pune o crime de
genocídio, assim definido.
Conforme
Albert (2001), na origem do massacre de Haximu está
uma situação crônica de conflito interétnico criada pela presença predatória
das atividades garimpeiras. O antropólogo francês descreveu o modelo do
processo de aproximação e estabelecimento dos garimpeiros no território
Yanomami que, a partir de uma distribuição inicial de bens e alimentos para
tentar comprar a anuência dos indígenas, terminava com atitudes agressivas e
conflitos abertos (Albert, 1994).
Em sua
concepção, há uma relação marcada por equívocos e incompreensões, em que os
indígenas interpretam as atitudes do ‘outro’ a partir
de modelos convencionais, gerando estranhamento e tornando difícil prever os
passos dos adversários e evitar o pior. Com o passar do tempo, a consolidação
dos garimpos revelava aos indígenas – agora considerados inconvenientes ou uma
verdadeira ameaça aos empreendimentos exploratórios – os reais efeitos dessa
presença: os garimpeiros não eram equiparáveis a aliados com os quais se
deveriam estabelecer relações de troca, enquanto os impactos sanitários e
ecológicos da sua presença
começavam a ser evidentes e refletirem-se na desestruturação econômica e social
que ameaçava a sobrevivência das comunidades.
Em
meados de 1993, as relações entre os Yanomami do grupo dos Hwaximëutheri
(os habitantes de Haximu) e os garimpeiros
brasileiros, que tinham estabelecido as suas balsas no rio Taboca (afluente do
rio Orinoco, em território Venezuelano), chegaram a um ponto crítico. As
visitas dos indígenas ao garimpo e às sedes dos empresários, com pedidos de
objetos e comida, eram atendidas de mau gosto, com alguns ‘presentes’ e muitas
promessas descumpridas.
Os
Yanomamis que já precisavam pedir comida com insistência, eram mal suportados
pelos garimpeiros, que se sentiam ameaçados também pelas espingardas que eles
mesmos lhes haviam fornecido. O desenrolar dos
acontecimentos, marcados por ameaças, planos de assassinatos, vinganças e
retaliações, resultaram no trágico fato conhecido como massacre de Haximu (Albert, 2001, Rocha, 2007, Comissão pela
Criação do Parque Yanomami,
1994).
O massacre de Haximu
não foi apenas um episódio, mas o ápice da crueldade que vinha sendo cultivada
e consumida em uma
relação tensa e conflitiva marcada por assassinatos de outros Yanomami, cujos
restos mortais, transformados em cinzas funerárias, não chegaram a constituir
‘corpos de delito’ nas mesas dos investigadores.
No dia 23 de agosto, L., que se
encontrava em Xitei, após a chacina, destacou em sua
narrativa, que tinha assistido à chacina e que, anteriormente, quando tinha
visitado o acampamento dos garimpeiros para pedir munições, tinha sido recebido
com xingamentos enquanto um garimpeiro que “[...] se mostrou amigo deles, deu
um pouco de farinha para eles e disse: ‘Vão embora, se não eles vão matar todos
vocês’” (Missão
Xitei, 1993, p. 178). O relato continua com a descrição
do assassinato de 4 jovens Yanomami, surpreendidos pelos garimpeiros.
O relato do Tuxawa
B., que costumava visitar os Hwaximëutheri,
registrado pelas religiosas da Missão de Xitei,
confirma o fato que não tinha havido apenas um ataque dos garimpeiros. No
momento do massacre de mulheres e crianças em Haximu,
a comunidade já havia desenterrado os corpos dos quatro jovens assassinados,
queimado os restos e recolhido os ossos calcificados dos primeiros parentes[7] (Missão Xitei, 1993).
Os assassinatos constituíam, portanto,
parte de um plano que, no intuito dos assassinos e em um crescente de violência
brutal, tinha por objetivo incutir o medo e livrar-se definitivamente dos
indígenas que, com suas contínuas demandas, estavam se tornando um peso e uma
ameaça para os garimpeiros que sofriam a dificuldade de abastecimento nas
regiões remotas e temiam a ação repressiva da Guarda Nacional Venezuelana.
Como parte do plano de extermínio que
devia permitir aos garimpeiros o livre acesso ao território Yanomami (Brasil, 1993b), os garimpeiros planejaram e os quatro
principais empresários do garimpo patrocinaram e contrataram pistoleiros
profissionais para a expedição que, em sua intenção, visava exterminar os Hwaximëutheri (85 pessoas). O ataque contra mulheres e
crianças, perpetrado pelos garimpeiros em final de julho de 1993[8], no acampamento temporário onde tinham se refugiado,
enquanto a quase totalidade dos homens participava de uma cerimônia funeral
intercomunitária em outra aldeia, não podia ser previsto pelos Yanomami[9].
No ataque morreram 12 pessoas: um homem
e duas mulheres idosas, uma jovem, três meninas adolescentes, uma menina de um
ano e outra de três anos, e três meninos entre seis e oito anos. Dessas
crianças, três eram órfãs de pais mortos pela malária. A cremação ritual dos
corpos foi realizada às pressas, por medo de novos ataques. Os sobreviventes se
puseram em fuga com os ossos dos mortos recolhidos em recipientes, e carregando
uma menina ferida que acabou falecendo durante o êxodo.
Embora as cinzas dos mortos sejam o bem
mais precioso dos Yanomami, a pressa os levou a deixar cinzas e fragmentos de
ossos e dentes com sinais da causa violenta das mortes (Albert, 2001). Tudo indica que os
garimpeiros tentaram apagar os rastros da chacina, queimando as malocas,
jogando fora pertences e, provavelmente, tentando esconder o corpo da jovem de Homoxi que não tinha sido cremada, não havendo parentes
entre os sobreviventes. Os restos mortais carregados nas cabaças funerárias ou
encontrados sobre o solo no local da cremação foram a marca viva do massacre.
A brutalidade da ação dos garimpeiros
que atacaram o acampamento é descrita nesses termos, no relato do antropólogo
que entrevistou os sobreviventes:
[...] por volta de meio dia, os garimpeiros chegam ao
acampamento e o cercam de um lado. Crianças brincavam, mulheres cortavam lenha
e os demais estavam deitados nas redes. Um garimpeiro dispara um tiro e todos
os outros o seguem, abrindo fogo cerrado, ao mesmo tempo em que avançam para as
vítimas. [...] Do esconderijo, os fugitivos continuam a ouvir gritos abafados
pelo estrondo dos tiros. Longos minutos depois, os garimpeiros interrompem o
tiroteio e entram nos abrigos para terminar de matar quem ainda está vivo. A
golpe de facão matam não só os feridos mas os poucos
que não haviam sido atingidos; por fim, mutilam ou esquartejam todos os
cadáveres crivados de balas e chumbo (Albert, 2001, p. 47).
Uma mulher dos Hwaximëutheri
que, após algumas horas, alcançou o local do massacre, relatou aos
investigadores que “[...] nos corpos das vítimas havia perfurações de chumbo,
balas de revólver, golpes de ‘terçado’ (facão) e que quase todos eles estavam
cortados por quase todo o corpo” (Maia, 2001, p. 20). Os
sobreviventes que chegaram à região de Toototobi, no
final de agosto de 1993, disseram que “[...] os adultos foram mortos a tiros e
mutilados a terçadadas. As crianças foram chacinadas
a golpe de terçado na cabeça, na garganta e no peito... (sem tiros). Uma velha
mulher [cega] foi morta a pontapé” (Albert, 1993a, p. 2).
Confirmando os depoimentos dos
indígenas, um garimpeiro que participou da chacina revelou que o ataque ao
acampamento se deu no final da manhã, enquanto havia crianças brincando,
atirando os garimpeiros por alguns minutos contra as vítimas inermes e “[...] que
‘Goiano doido’ meteu a faca numa criancinha e ele só ouviu
ela gritar” (Maia, 2001,
p. 21).
A notícia dos atos cometidos pelos
garimpeiros contra os Hwaximëutheri atravessou a
invisível fronteira entre Venezuela e Brasil, seguindo o trajeto do êxodo dos
sobreviventes – que fizeram amplos desvios para evitar encontrar os garimpeiros
agressores – e ao longo das trilhas na floresta percorridas por outros
Yanomami.
Junto com a notícia do massacre, era
semeado o terror entre os diversos grupos Yanomami que, longe de serem
‘isolados’, mantêm uma ampla rede de relações intercomunitárias. No dia 15 de
agosto de 1993, o Tuxawa A. deixou preocupadas as
religiosas da Congregação das Irmãs da Providência de Gap, presentes na Missão
de Xitei, afirmando que tinha ocorrido um ataque de
garimpeiros contra a comunidade de Haximu. Conforme
relatam as religiosas, o Tuxawa A., da comunidade de
Y., dizia ter desistido de retornar para a sua comunidade, pois, no caminho de volta, tinha
encontrado o Simão, dos Hwaximëutheri, que estava fugindo com outros
sobreviventes de um ataque de garimpeiros (Missão Xitei,
1993).
No dia 16 de agosto, as religiosas
registram no seu diário
que o Tuxawa A., preocupado e atemorizado, tinha dado
maiores detalhes da conversa com o Simão: o ataque dos garimpeiros teria
resultado na morte de “[...] muitos Yanomami. Ele contava nos dedos: ‘Curumi, curumi ...’ muito curumi [...]
Da mesma forma ele dizia: ‘Moko, moko
... moko [moças] muitas’ e chegava também a 15 e mais
dois homens”. O Tuxawa A. detalhara também a forma da
morte e solicitava ajuda: “[...] as pessoas foram matadas
esfaqueadas, cortadas com o facão por todo o lado. Antônio pedia para chamar a polícia federal” (Missão
Xitei, 1993, p. 172).
No dia 17 de agosto, as religiosas, por via de um contato de rádio
e de uma carta, comunicaram ao administrador da Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA), Luis Eustorgio
Pinheiro, do fato que os indígenas informavam de uma chacina ocorrida em Haximu, solicitando também a mobilização da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
A partir dessas informações, o fato foi
noticiado pela mídia nacional e internacional e começaram as averiguações e as
operações por parte da Polícia Federal para encontrar provas e vestígios do
provável massacre. No dia 18 de agosto, deslocando-se para Xitei,
a Polícia Federal recolheu os primeiros depoimentos do Tuxawa
Antônio e de um segundo Yanomami, de nome L., que dizia ter testemunhado a
chacina e manifestava o trauma devido aos acontecimentos.
No mesmo dia, três mulheres de Haximu se apresentaram no posto de saúde de Homoxi, pedindo alimentos, manifestando temor e sinais de
luto e fugindo mata adentro logo após terem recebido alimentos (Missão Xitei,
1993). As operações de investigação se mostraram inicialmente difíceis,
pois as forças de polícia não dispunham da localização precisa do local da
chacina e não conseguiam encontrar os corpos das vítimas. Entre os dias 25 e 26
de agosto, os Yanomami do Demini e a Polícia Federal
encontraram, próximo à roça velha dos Hwaximëutheri,
os restos de mais de uma dezena de fogueiras de cremação com “[...] alguns
poucos restos de ossos e dentes humanos” (Missão Xitei, 1993, p. 183; Albert, 1993a).
A necessidade de fugir às pressas após o massacre forçou os sobreviventes a deixarem para trás os restos mortais de seus parentes.
A fuga dos sobreviventes durou várias
semanas, desviando dos caminhos, no intuito de despistar os garimpeiros. O
grupo caminhou de dia e de noite, não podendo se alimentar e ainda realizou a
cremação de uma menina que, por uma grave ferida no crânio, morreu durante o
trajeto. No fim da sua fuga, o grupo chegou à maloca do Makos,
localizada no alto Paxotoú, um afluente do alto Toototobi, no estado do Amazonas, no dia 24 de agosto de
1993. Uma área escolhida por ser livre de garimpeiros, habitada por aliados e
que oferecia a possibilidade de atendimento médico.
Nesse local, os 69 sobreviventes dos Hwaximëutheri relataram os fatos e os antecedentes da
chacina. Ficou evidente que os sobreviventes tiveram as suas vidas salvas
porque, deixando mulheres e crianças, tinham se deslocado para uma festa em uma aldeia localizada
a um dia de distância ou tinham saído em busca de frutas silvestres no dia da
chacina. Ficou também esclarecido o número dos mortos nos diversos episódios de
conflito (Albert, 1993a)
Conforme Luciano Mariz Maia, então
Procurador Regional da República, nas duas chacinas que vitimaram os Hwaximëutheri estão presentes os elementos que tipificam o
delito de genocídio: os garimpeiros atacaram e mataram indígenas, a quem não
conheciam pessoalmente, de quem individualmente não tem razão de ter
hostilidade, pela única condição de serem indígenas e membros dos Hwaximëutheri[10].
Esse crime foi perpetrado contra
mulheres, crianças e homens que não tinham participado do ato de hostilidade
que exasperou a agressividade dos garimpeiros. A brutalidade do ataque de Haximu foi desencadeada pela intenção de exterminar um
grupo: nas palavras dos imputados se tratava de matar “[...] os índios todos da
maloca” (Maia, 2001, p. 28).
No
imaginário social da Região Norte do país, o garimpeiro era tratado como herói,
destemido desbravador na guerra para o desenvolvimento, como fica evidente na
construção de uma estátua em exaltação aos garimpeiros, ainda exposta na praça
central da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Aimberê Freitas
(1996) analisa profundamente a dinâmica social na Região
Amazônica, destacando como a sociedade regional retratava frequentemente
o garimpeiro como um herói, um
destemido desbravador na guerra para o desenvolvimento. Essa representação
muitas vezes glorificava a atividade do garimpo, considerando-a essencial para
o progresso da região e do país.
Em
contrapartida, os indígenas eram frequentemente rotulados como 'selvagens',
percebidos como obstáculos ao desenvolvimento da Amazônia e do Brasil. Essas
visões, que permeavam a sociedade regional, refletiam-se na promoção da imagem
do garimpeiro como um símbolo de coragem e progresso, enquanto os povos
indígenas eram estigmatizados como empecilhos que precisavam ser 'civilizados'.
Essa
dicotomia de representações contribuiu para a marginalização dos indígenas e
justificou a exploração desenfreada dos seus
territórios. Quando o massacre
foi noticiado, no final do mês de agosto de 1993, muitos manifestaram as
suas opiniões: a chacina não passava de uma armação de entidades
estrangeiras, da igreja e da Funai que queriam internacionalizar a Amazônia (O que
o..., 1993). Esse pensamento alimentou o desprezo, o ódio e instigou as ações
mais brutais.
O penoso caminho do processo penal
referente ao massacre de Haximu rompeu o ciclo de
impunidade que envolvia a atividade conexa à garimpagem. O pronunciamento da
justiça definitivamente decretou que houve genocídio, colocando o Brasil
perante as ações abomináveis que a humanidade pode cometer.
A investigação apontou pelo menos 22
garimpeiros como participantes da bárbara expedição. O julgamento realizado em
1996, porém, condenou apenas 5 acusados, sendo que um deles morreu antes de ser
preso. Os condenados receberam penas de 19 a 20 anos pelo massacre perpetrado.
Contudo, após menos de três anos na cadeia, graças ao regime de progressão de
pena, foram soltos. Vários dos envolvidos acabaram sendo presos e condenados
por outros crimes, como tráfico e contrabando
(Brasil, [2024?]).
Considerações finais
Os ataques de toda a ordem aos
povos indígenas se reorganizam em um processo de
longa duração. A corrida do ouro configura-se como um dos piores momentos da
história dos Yanomami, e da história do Brasil. Em julho de 1993, como foi
detalhado acima, o massacre de Haximu foi marcado por um cenário de violência e
morte dos indígenas pelos garimpeiros
brasileiros em território Venezuelano, em que os sobreviventes fugiram
caminhando por várias semanas na floresta, para encontrar refúgio junto a uma
comunidade em território brasileiro.
Os Yanomami foram vítimas de uma
escalada de violência e pela omissão dos Estados (Brasil e Venezuela) em
perseguir as atividades ilegais e os grupos criminosos nelas envolvidos. A
chacina foi tipificada como genocidio, mas o inquérito policial (Brasil, 1993a) associou-lhe
outros crimes: associação para o genocídio, lavra garimpeira, contrabando,
ocultação de cadáver, dano, quadrilha ou bando. Ainda hoje, a atividade de extração mineral ilegal está
associada a um espectro diverso de crimes.
A sociedade precisa preservar a
lembrança dos fatos ocorridos. É necessário preservar a memória porque os fatos
de Haximu não foram isolados, estando inseridos no quadro da grande corrida do
ouro que investiu a Terra Indígena Yanomami, entre os anos de 1980/90. Uma
situação que contra todas as piores expectativas está dramaticamente se
repetindo, na agressão da última fronteira da colonização.
Apesar da demarcação do território
em área contínua e do empenho de diversas entidades para a proteção da Terra
Indígena, a expulsão dos garimpeiros se configurou como operação difícil em
decorrência da conjuntura política e dos interesses econômicos. Nunca houve
completa desinstrusão do território, pois em algumas regiões a presença de
garimpos ilegais foi permanente. A histórica invasão do Eldorado na Terra
Indígena Yanomami foi marcada, desde o seu início, por assassinatos e
atrocidades, fato utilizado nos argumentos falaciosos que, já nos anos da
primeira corrida do ouro, apresentaram a necessidade de ‘organizar’ e
‘legitimar’ a exploração das reservas minerais do território indígena como
única opção para que o processo ocorresse de forma ‘civilizada’ e ‘pacífica’.
Em 2023, completaram-se 30 anos do
genocídio de Haximu. O fotógrafo e jornalista Ormuzd Alves (Milton Alves da Silva)[11], que registrou imagens da tragédia, ressaltou em entrevistas
anteriores a necessidade de manter viva a memória desse evento trágico como
forma de evitar o esquecimento e prevenir sua repetição nos dias atuais.
Referências
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Nanterre, Tome 80, p. 250-257, 1994.
Albert, B. Relatório de investigação realizada com os
sobreviventes da chacina do Hwaximëu no Toototobi dia 26/08/1993. Centro de Documentação
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Albert, B. L'Or cannibale et
la chute do ciel. Une critique chamanique de l'économie politique de la nature.
(Yanomami, Brésil). L'Homme, Paris, v. 33, n. 2-4, p. 349-378, abr./dez. 1993b.
Basta, P. C. Garimpo de ouro na Amazônia: a origem
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39, n. 12, p. 1-6, 2023.
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Federativa do Brasil de 1988. Brasília (DF): Senado Federal, 1988.
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Brasil. Lei nº 6.001, de 19 de
dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm. Acesso em: 20 de outubro de 2023.
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Roraima, [2024?]. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/rr/memorial/atuacoes-de-destaque/massacre-de-haximu.
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Secretaria de Polícia Federal, Departamento de Polícia Federal, Divisão de
Polícia Federal em Roraima. Representação de prisão temporária de: João
Neto, Pedro Emiliano García, vulgo "Pedro Prancheta",
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nº 470/93-Cart/DPF.1/RR. 05/09/1993, ao Dr. Renato Martins Prates, MM. Juiz
da Justiça Federal de 1ª instância em Roraima. Boa Vista, 1993b.
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Varella, J. Fotógrafo se destacou nas
coberturas do massacre de ianomâmis e da prisão de PC Farias. Folha de São
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Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2020/10/fotografo-se-destacou-nas-coberturas-do-massacre-de-ianomamis-e-da-prisao-de-pc-farias.shtml. Acesso em: 15 ago. 2023.
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Corrado
DALMONEGO
Trabalhou na redação, concepção, delineamento, análise e interpretação dos
dados.
Doutorando
no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unifesp; Bolsista Capes
(DS); pesquisador do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Fronteiras
(GEIFRON) da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Márcia
Maria de OLIVEIRA
Trabalhou na redação, concepção, delineamento, análise e interpretação dos
dados.
Doutora
em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA/UFAM); Pós-Doutorado em Sociedade e
Fronteiras (PPGSOF/UFRR). Professora da Universidade Federal de Roraima
(PPGSOF/CCH/UFRR).
João
Paulo ROBERTI JUNIOR
Trabalhou na redação, revisão crítica, análise e aprovação da versão a ser
publicada.
Realizou
estágio pós-doutoral no Programa de Pós-graduação em Sociedade & Fronteiras
(PNPD/PDPG/CAPES), Universidade Federal de Roraima (UFRR). Professor da
Universidade Federal de Roraima (CEDUC/UFRR).
Tiago
Siqueira REIS
Trabalhou na redação, revisão crítica, análise e aprovação da versão a ser
publicada.
Doutor em
História pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista de Pós-doutorado Capes,
pelo programa de pós-graduação em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF), Universidade
Federal de Roraima (UFRR).
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Editoras responsáveis
Ana Targina Ferraz –
Editora-chefe
Camilla dos Santos Nogueira – Editora Temática
Submetido em: 29/2/2024. Revisado em:
7/11/2024. Aceito em: 11/11/2024.
Este é um artigo publicado em acesso
aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons
Attribution, que permite uso, distribuição e
reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original
seja corretamente citado. |
[1] Ressalta-se que os resultados deste
artigo são provenientes da XXXX (informações retiradas para preservar o
critério de sigilo da submissão).
[2] O Projeto Radam
(Radar na Amazônia) foi uma iniciativa brasileira desenvolvida entre os anos de
1970 e 1980, durante a Ditadura Civil-Militar brasileira, com o objetivo
principal de realizar levantamentos geocientíficos na Região Amazônica. O
projeto foi oficialmente denominado Levantamento de Recursos Naturais e
foi executado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O
Radam teve sua origem na necessidade de obter informações detalhadas sobre a
vasta e pouco explorada Região Amazônica. O projeto foi especialmente
impulsionado pela crescente pressão para explorar economicamente a região,
incluindo questões relacionadas à mineração, agricultura e infraestrutura. O
Projeto Radam resultou na produção de uma série de mapas, relatórios e dados
georreferenciados, proporcionando um valioso conjunto de informações sobre a
Amazônia. No entanto, também gerou controvérsias devido às preocupações
ambientais relacionadas à exploração intensiva da região e à falta de consulta
adequada às comunidades indígenas e ribeirinhas (Monteiro, 2015).
[3] Os veículos de informação de Roraima –
distorcendo os fatos e confirmando uma postura difamatória e agressiva contra o
posicionamento dos missionários em defesa dos povos indígenas – atribuíram aos índios
selvagens a morte de 8 garimpeiros e responsabilizaram a Diocese de Roraima
(no específico o bispo dom Aldo Mongiano e os padres), de terem instigado os
indígenas a uma chacina. O advogado e representante do Sindicato dos
Garimpeiros declarou – sem provas – que a mesma Diocese possuía uma estrutura
de mineração na área e afirmou, no noticiário da TV Roraima: “[...] se o clero
estava procurando um cadáver, agora o encontrou” (Missão Catrimani, 1988a, p. 70; Missão
Catrimani, 1988b).
[4]
Determinou a demarcação de 19 áreas indígenas (ilhas) descontínuas, no
interior de duas florestas naturais e de um Parque Nacional, caracterizadas
como sendo Terra Indígena Yanomami. Apenas dois meses depois, a Portaria
Interministerial n.º 250 revogou a anterior, explicando que florestas e parque
não podiam ser considerados terras indígenas, e limitando-se a estabelecer para
os indígenas apenas preferências no uso das riquezas nelas existentes. Com
isso, o território Yanomami foi reduzido em 70% de sua área.
[5] Os direitos constitucionais dos indígenas
estão expressos em um capítulo específico da Constituição Federal de 1988
(título VIII, Da Ordem Social, capítulo VIII, Dos Índios), além de outros
dispositivos dispersos ao longo de seu texto e de um artigo do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias
(Brasil, 1988). Essa legislação traz inovações conceituais importantes
em relação às Constituições anteriores e ao Estatuto do Índio (Brasil, 1973): 1) o abandono de
uma perspectiva assimilacionista; 2) a definição dos direitos dos indígenas
sobre suas terras como direitos originários; 3) a elevação à categoria
constitucional do conceito de Terras Indígenas. Determinados elementos
caracterizam uma terra como indígena e legitimam o direito à terra por parte da
sociedade que a ocupa, independentemente de qualquer ato constitutivo. Nesse
sentido, a demarcação de uma Terra Indígena, fruto do reconhecimento pelo
Estado, é ato meramente declaratório, cujo objetivo é somente precisar a real
extensão da posse, para assegurar a plena eficácia do dispositivo
constitucional e a proteção das Terras Indígenas.
[6] A Ação pela Cidadania foi um movimento que surgiu no início de
1989, tendo como objetivo principal a defesa dos direitos inerentes à
cidadania, mediante a movimentação da sociedade civil. Entre as organizações
que a compunham estavam a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), universidades, centrais sindicais, além de membros do Congresso Nacional
(Comissão pela Criação do Parque Yanomami, 1990).
[7] Conforme Missão Xitei (1993), após o
assassinato de quatro jovens, na metade de julho de 1993, os Hwaximëutheri
realizaram a cremação dos restos dos falecidos. Em seguida, após uma rápida
expedição de retaliação que resultou na morte de um garimpeiro, abandonaram
suas grandes casas e refugiaram-se, por medo, em uma roça velha.
[8] Conforme o relatório de investigação
elaborado por Albert, a data do ataque seria entre 23 e 24 de julho (1993a).
[9] Convidados a participar de uma cerimônia
intercomunitária (reahu) na maloca do
Simão (Makayutheri), apenas os homens e algumas mulheres atenderam ao convite
dos aliados, deixando mulheres, crianças e anciãos nos acampamentos levantados
na roça velha, convencidos de que essas pessoas inermes, nunca seriam atacadas
pelos garimpeiros (Albert, 2001).
[10] É interessante notar que, mesmo durante as
investigações, a chacina de Haximu foi tratada como um genocídio. Um documento
do Presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), dirigido ao administrador
regional da Fundação, em Boa Vista, solicita que o antropólogo Bruce Albert “[...]
acompanhe as investigações realizadas ‘in loco’, cujo intuito é a apuração do genocídio de índios Yanomami” (Fundação Nacional do Índio, 1993, ofício
em página única, sem numeração. Grifo nosso).
[11] O
Jornal A Folha de São Paulo destacou recentemente a importância da cobertura
jornalística do Genocídio de Haximu realizada pelo jornalista e fotógrafo
Ormuzd Alves (Varella, 2020). Mais informações sobre o evento disponível em:
https://ufrr.br/noticias/a-viii-semana-de-ciencias-sociais-falara-sobre-o-massacre-de-haximu/