Representação chárgica
dos conflitos sobre a demarcação das terras indígenas no Brasil
Satirical cartoon representation of conflicts over
the demarcation of indigenous lands in Brazil
Rozinaldo Antonio
MIANI
https://orcid.org/0000-0003-0014-316X
Universidade Estadual de Londrina,
Departamento de Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social, Londrina, PR,
Brasil
e-mail: rmiani@uel.br
Bruna Miyuki
Enomoto AKAMATSU
https://orcid.org/0000-0002-9490-9535
Universidade Estadual de Londrina,
Departamento de Comunicação,
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação, Londrina, PR, Brasil
e-mail: akamatsu.bruna@uel.br
Resumo: A questão da demarcação das terras indígenas tem se
constituído como um dos principais campos de conflitos sociais e políticos no
Brasil desde o início do século XXI - dentre eles, os desdobramentos do
processo de demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e o debate em
torno da PEC 215, bem como as controvérsias do projeto de lei sobre o marco
temporal. Nesse sentido, constitui objetivo deste artigo apresentar e refletir
sobre os principais impasses e conflitos que conformaram a problemática da
demarcação de terras indígenas no Brasil nas últimas décadas a partir da
análise da produção chárgica de Carlos Latuff, seguindo a metodologia da análise do discurso chárgico. As análises apontaram para uma realidade permeada
pela violência contra os povos indígenas e em favor dos interesses capitalistas
do agronegócio, principalmente, a partir da intensificação da expropriação
territorial.
Palavras-chave: Demarcação de terras. Povos indígenas. Expropriação
territorial. Charge. Carlos Latuff.
Abstract: The issue of demarcation of
indigenous lands has been a principal area of social and political conflicts in
Brazil since the beginning of the 21st century - among these has been the unfolding
of the demarcation process of the Raposa-Serra do Sol Indigenous Land and the
debate around PEC 215 (Proposed Constitutional Amendment) 215, and this bill's
controversies regarding the time frame. This article presents and reflects on
the main impasses and conflicts that have shaped the issue of the demarcation
of indigenous lands in Brazil over recent decades based on an analysis of
Carlos Latuff's satirical cartoons and employing the methodology of analysing
the satirical cartoon discourse. The analyses points to a reality permeated by
violence against indigenous peoples and in favour of capitalist agribusiness
interests, due mainly to the intensification of territorial expropriation.
Keywords: Land demarcation. Indigenous
peoples. Territorial expropriation.
Satirical cartoon. Carlos Latuff.
Introdução
A |
demarcação das terras indígenas se constituiu
ao longo das últimas décadas em um dos principais campos de conflitos sociais e
políticos no Brasil. Neste sentido, este artigo tem como objetivo apresentar e
refletir sobre os principais conflitos conjunturais que conformaram a
problemática da demarcação de terras indígenas no Brasil nas últimas décadas a
partir da análise da produção chárgica disseminada
pela imprensa popular e alternativa.
Submetidos a discriminações, opressão,
exploração e extermínio durante séculos, os povos indígenas no Brasil obtiveram
importantes garantias na Constituição Federal de 1988; ao menos, era o que se
supunha considerando o que estava previsto nos preceitos constitucionais
estabelecidos, em especial, no caput
do artigo 231 ao estabelecer que “[...] são reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Brasil, 1988, p.
143).
Especificamente, a respeito da
demarcação das terras, a referida Constituição previa, no artigo 67 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, que a União deveria concluir a
demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação
da Constituição (Brasil, 1988, p. 166). No entanto, além de esta determinação
constitucional não ter sido cumprida, essa questão tem se arrastado por décadas
e gerado impasses e conflitos, muitos deles envoltos por intensa e extrema
violência, que reforçam a premissa de que os povos indígenas continuam sendo,
peremptoriamente, discriminados, massacrados e exterminados pelos interesses
capitalistas, em especial, das frações de classe burguesas ligadas ao
latifúndio e à agricultura empresarial.
Após a promulgação da Constituição
Federal em 1988, a questão indígena retornou à cena pública nacional em 1993
por ocasião dos debates envolvendo a revisão constitucional. Naquele contexto,
as bancadas parlamentares ligadas ao agronegócio e ao latifúndio intensificaram
seus argumentos contra a demarcação das terras indígenas, afirmando que os
povos indígenas detinham parcelas exageradas de terras que poderiam ser
utilizadas para a produção agrícola ou mesmo para a exploração de riquezas
naturais; atente-se para o fato de que, naquele momento, a esmagadora maioria
das terras indígenas ainda não havia sido demarcada, em flagrante descumprimento
às deliberações constitucionais.
O fato é que a revisão constitucional
foi um absoluto fracasso, tendo resultado em apenas seis emendas aprovadas no
primeiro semestre de 1994 - dentre elas, a redução do mandato do presidente da
República de cinco para quatro anos e a criação do Fundo Social de Emergência,
condição necessária para viabilizar o programa
econômico do governo Itamar Franco. Além
de a revisão constitucional, de modo geral, ter sido prejudicada por uma
conjuntura política desfavorável[1]
e pelo desinteresse do governo e dos próprios parlamentares, o debate sobre a
questão indígena não emplacou no seio da sociedade e a temática caiu novamente
na procrastinação.
Passados mais alguns anos, a
problemática da demarcação das terras indígenas foi recolocada na pauta e nos
debates políticos nacionais, em razão dos desdobramentos da demarcação da Terra
Indígena Raposa-Serra do Sol, situada no estado de Roraima, que garantiria o
direito de aproximadamente 20 mil pessoas indígenas, pertencentes a diversas
etnias, dentre elas, macuxi, uapixanas, ingaricós, taurepangues
e patamonas. Identificada em 1993 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), o referido território foi demarcado durante a presidência de Fernando
Henrique Cardoso[2] e sua
homologação ocorreu em abril de 2005 por ato do então presidente Lula.
No entanto, durante os 12 anos de
tramitação do processo administrativo da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol,
entre 1993 e 2005 - ou seja, desde a publicação no Diário Oficial da União
(DOU) do memorial descritivo apresentado pela Funai definindo as coordenadas
geográficas do território destinado à respectiva demarcação até a sua efetiva
homologação - houve importantes acontecimentos, principalmente, a invasão
parcial da área demarcada por parte de arrozeiros e a criação de um novo
município no interior daquele território, que resultaram em implicações ainda
mais complexas naquela que já se apresentava como uma situação tensa.
Em relação à homologação da Terra
Indígena Raposa-Serra do Sol, o que poderia ter significado um marco e um passo
decisivo no cumprimento do preceito constitucional da demarcação das terras
indígenas no Brasil acabou se tornando o estopim de uma avalanche de conflitos
e de um tsunami de violências contra os povos indígenas e seus direitos que só
foram se intensificando desde então. Dentre os episódios - e respectivos
desdobramentos mais conflituosos -, destacamos o embate em torno da Proposta de
Emenda à Constituição nº 215, de 2000 (PEC 215/2000) (Brasil, 2000) e, evidentemente, as controvérsias
relacionadas ao recente processo de discussão da tese do marco temporal e de
votação da PL 490/2007 (Brasil,
2007) (que tramitou no Senado Federal como PL 2903/2023 (Brasil, 2023).
Como se trata de um tema de grande
impacto político e de profunda sensibilidade social, a questão indígena recebeu
importante destaque por parte da imprensa popular e alternativa[3].
Dentre as estratégias comunicativas utilizadas neste contexto, enfatizamos a
presença da charge que, por sua natureza lúdica e icônica, expressou de modo
explícito e contundente os múltiplos impasses, tensões e contradições que
envolveram a referida problemática sociopolítica, bem como revelaram os
meandros da perversa atuação política dos diversos setores da burguesia
interessados na questão, em especial, da bancada ruralista e das frações de
classe burguesas ligadas ao latifúndio, ao agronegócio e à agricultura
empresarial.
Considerando o objetivo estabelecido
para este artigo, iremos analisar algumas produções chárgicas
de Carlos Latuff, particularmente, publicadas ao
longo da década de 2010 que retrataram situações ou contextos de conflitos, bem
como explicitaram iconograficamente as atitudes de alguns dos principais atores
sociais ou sujeitos políticos envolvidos. Carlos Latuff
é considerado um dos principais chargistas da atualidade no campo político
progressista; nossa escolha pelo referido chargista se deve ao fato de ele ter
se manifestado publicamente defensor da causa indígena (Conselho Indigenista
Missionário, 2012) e também por trabalhar,
predominantemente, para a imprensa popular e alternativa.
Para a realização das análises
utilizaremos a metodologia da análise do discurso chárgico
(Miani, 2023) que exige um aprofundamento
interpretativo da contextualização sócio-histórica que envolve a respectiva
temática, combinado com a aplicação de uma análise discursiva e imagética de
cada uma das charges selecionadas. Nesse sentido, a análise histórico-conjuntural
que se segue já se constitui como elemento essencial de aplicação da referida
metodologia na medida em que esta análise “[...] só faz sentido porque a charge
- concebida como fenômeno comunicacional inerente de um processo social - é,
precisamente, o principal elemento que nos interessa estudar e compreender, em
sua condição dialética” (Miani, 2023, p. 65).
O
conflito do marco temporal com a Constituição Federal de 1988
No contexto referente à demarcação de
terras indígenas no Brasil, as articulações políticas em torno do marco
temporal representam um ponto crítico de análise para a compreensão do papel
dos dispositivos sociojurídicos que mediam os direitos territoriais indígenas,
assegurados pela Constituição Federal de 1988, na dinâmica de uma sociedade de
classes. Para possibilitar uma interpretação das charges produzidas por Carlos Latuff e compreender os tensionamentos político-ideológicos
expressos no respectivo discurso chárgico, entendemos
ser necessário apontar e aprofundar a complexidade dos conflitos que circundam
o marco temporal a partir de duas frentes de análise.
No primeiro ponto de investigação
examinaremos o debate do marco temporal em seu ordenamento jurídico, sob o viés
do materialismo histórico e dialético; nesse sentido, iremos contrastar a tese
jurídica do marco temporal em oposição à tese do indigenato,
prevalente na Constituição Federal de 1988 (Cavalcante, 2016). Já na segunda
frente de análise, iremos examinar os desdobramentos políticos do marco
temporal no contexto legislativo, em especial, a partir da PEC 215/2000. Por
meio de revisão bibliográfica orientada pela teoria crítica dialética
sintetizaremos os argumentos centrais que apontam o caráter classista do debate
sobre o marco temporal e sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil,
perspectiva discursiva notória nas charges de Carlos Latuff
a serem analisadas neste artigo.
O exame das teses jurídicas do marco
temporal e do indigenato, assim como de seus
desdobramentos sobre a realidade dos povos indígenas no Brasil, se revela
categórico diante da compreensão de que o Estado burguês é dotado de
prerrogativas institucionais que lhe outorgam caráter coercitivo sobre os
conflitos individuais e sociais (Fávero, 2018). Essa dimensão ideológica, de
poder e controle, instrumentaliza o Direito (em uma sociedade capitalista) como
um catalisador da subsunção ou adesão individual ao projeto societário de
determinada classe social (Medici, 2007).
Assim, a importância do debate acerca
do marco temporal decorre das implicações sócio-históricas suscitadas pela
centralidade dessa tese jurídica em defender que as terras indígenas só podem
ser reconhecidas pelo Estado caso seja comprovada a efetiva ocupação
tradicional pelos povos indígenas na data de vigência da Constituição, ou seja,
5 de outubro de 1988. Liana Amin Lima da Silva (2015) aponta a dissonância do
marco temporal em relação à Constituição de 1988, na medida em que o argumento
basilar da tese do marco temporal nega a legitimidade dos direitos dos povos
indígenas como direitos originários - perspectiva embasada nas normativas
constitucionais pela tese jurídica do indigenato.
Há mais de um século, João Mendes
Júnior (1912) já afirmava o indigenato como um título
congênito, ou seja, trata-se de um direito antecedente à própria origem de um
Estado nacional e que não depende de comprovação. Essa perspectiva, jurídica e
antropológica, se sobressaiu na Assembleia Nacional Constituinte, na medida em
que a formulação das normativas constitucionais brasileiras responsabilizava o
Estado pela compensação da expropriação sistemática e das violências brutais
cometidas contra os povos indígenas, historicizando o debate sobre seus
direitos territoriais (Cavalcante, 2016). Ainda a esse respeito, e proferindo
uma crítica à tese do marco temporal, Thiago Leandro Vieira Cavalcante (2016)
afirma:
O estabelecimento do marco temporal é a-histórico porque
ignora, apesar da ressalva, os processos históricos ocorridos ao longo de cinco
séculos de colonização por meio dos quais vários grupos indígenas foram
expulsos de suas terras de ocupação tradicional. Além disso, também ignora
processos históricos que culminaram na constituição de novas comunidades
indígenas em datas mais recentes (Cavalcante, 2016, p. 16).
Em contraste ao indigenato,
a tese do marco temporal compreende os direitos territoriais indígenas (apenas)
como direitos adquiridos, passando a exigir comprovações - por meio de atos,
fatos ou situações jurídicas prévias - da ocupação territorial pelos povos
indígenas na data da promulgação da Constituição. Essa exigência restringe a
demarcação de terras indígenas no país, visto que adota uma análise ignorante
das violências históricas de coerção, remoção forçada e genocídio dos povos
indígenas e intenciona também apagar o papel desempenhado pelo Estado
brasileiro nessas ações e a sua respectiva responsabilidade na garantia e
proteção dos direitos indígenas (Yamada; Villares, 2010).
Segundo Gersem
Baniwa (2012), a compreensão jurídica da Constituição de 1988 caracteriza os
direitos indígenas sobre suas terras tradicionais como originários e
imprescindíveis, de modo que o papel do Estado ante a esse caráter é apenas o
reconhecimento oficial dos territórios em forma da posse permanente. Por isso,
em oposição à tese do marco temporal, a tese do indigenato
prevê a demarcação de terras indígenas não como concessão de um direito
condicionado a critérios de comprovação, mas, fundamentalmente, como
reconhecimento oficial, pelo Estado, de um direito preexistente.
Esse caráter originário decorre dos
laços históricos, culturais e espirituais dos povos indígenas com seus
territórios, os quais transcendem marcos temporais jurídicos e exigem a
apreensão dos processos históricos de expropriação e violência, que impediram a
ocupação tradicional contínua dos seus territórios pelos povos indígenas no
Brasil. Todavia, as contradições entre a tese jurídica do marco temporal e os
princípios constitucionais não foram impedimento para a aplicação desse
critério em decisões judiciais referentes à demarcação de terras indígenas
(Cavalcante, 2016; Pegorari, 2017).
Dentre os exemplos elucidativos se
encontra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular o decreto de
homologação da terra indígena Limão Verde, Mato Grosso do Sul (MS), ocupada
pelo povo Terena. A decisão foi apresentada em 2014 e aplicou o critério do
marco temporal um ano após o próprio STF reconhecer que a condicionante
temporal, apresentada no processo de demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol, não teria caráter vinculante, ou seja, não estabelecia parâmetro
obrigatório para processos similares ou outras instâncias jurídicas. Nesse
caso, a incorporação do marco temporal provocaria a perda de mais da metade do
território de 5 mil hectares homologado em 2003 (Alvim, 2023).
Cavalcante (2016) afirma que o marco
temporal se tornou uma referência pragmática para as decisões jurídicas e
ampliou o espaço para interposições de recursos de contestação em processos de
demarcação de terras indígenas, fator que agrava o cenário já existente de
atrasos nos procedimentos
administrativos. Para dimensionar a extensão e gravidade da problemática, a
Funai (2023) contabilizou 1.226 terras indígenas no Brasil, das quais
cerca de 40% ainda estão em análise e aguardando encaminhamentos para o início
dos processos necessários à demarcação. Nessa conjuntura, o argumento do marco
temporal se apresenta como uma ameaça à integridade dos territórios indígenas.
Em relatório,
o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) (2022) identificou 1.334 casos de violência
patrimonial contra indígenas no Brasil. A maioria das ocorrências registradas
abrangeu invasões territoriais e atividades ilegais de extrativismo, como a
retirada de madeira e o garimpo, bem como a caça e a pesca predatórias, além de
ocupações ilegais relacionadas à grilagem de terras. Esse quadro compromete a
segurança física e as condições necessárias para o bem-estar das populações
indígenas ao intensificar os crimes de violência e dificultar o atendimento de
políticas de assistência a essas populações, devido à desagregação e
deslocamentos forçados.
Diante desses fatores, os
desdobramentos políticos e os impactos do marco temporal sobre a realidade dos
povos indígenas revelam uma disputa pelo alinhamento do discurso jurídico ao
objetivo de salvaguarda dos interesses econômicos da burguesia agrária sobre as
terras indígenas e o consequente comprometimento da efetivação dos direitos
territoriais originários.
Em 2023, a discussão sobre os limites
impostos pelo marco temporal aos processos de demarcação de terras indígenas
ganhou novos contornos com o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário (RE)
1017365. O referido RE analisou o pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa
Catarina (IMA) referente à reintegração de posse de parte do território
reconhecido pela Funai como tradicionalmente ocupado pelo povo Xokleng e,
portanto, incorporado à Terra Indígena Ibirama Laklãnõ.
O argumento central mobilizado pelo IMA era de que não havia evidências
jurídicas suficientes para comprovar a ocupação tradicional efetiva por parte
dos Xokleng, a partir de 5 de outubro de 1988, do trecho superposto a um parque
estadual de Santa Catarina. No entanto, o STF discordou do parecer e concluiu
que o critério do marco temporal não deve ser aplicado como parâmetro
obrigatório para definir a ocupação tradicional nos processos de demarcação de
terras indígenas.
Junto a essa decisão, o STF fixou uma
nova tese que se apresentou como parâmetro de resolução para outros 226 casos
similares, que aguardam análise jurídica, assim como para casos futuros. A nova
tese se alinha às disposições constitucionais, balizadas pelo indigenato, ao reconhecer o caráter originário dos direitos
territoriais indígenas e defender a consulta às comunidades indígenas nos
processos que impactam seus contextos, bem como reafirmar o caráter de usufruto
exclusivo dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas. O
STF também enfatizou que o critério de tradicionalidade da ocupação territorial
deve ser determinado nos processos de demarcação de terras indígenas pelo laudo
antropológico e não por comprovações jurídicas relativas a condicionantes
temporais.
Embora a decisão do STF de 2023 tenha
reafirmado os direitos territoriais indígenas como originários e independentes
de comprovação, as disputas em torno do marco temporal continuam em curso e
avançam no âmbito parlamentar por meio de diversos projetos legislativos e
propostas que objetivam introduzir a tese do marco temporal na Constituição
Federal e fragilizar os processos de demarcação e proteção de terras indígenas
(Silva, 2017). Diante disso, a seguir, serão apresentadas e aprofundadas as
repercussões políticas do marco temporal no âmbito legislativo por meio da
análise da PEC 215/2000 e de seus desdobramentos.
PEC
215/2000: A disputa do agronegócio sobre a demarcação de terras indígenas
Embora a PEC 215/2000 tenha sido
arquivada em 31 de janeiro de 2023, toda a discussão gerada em torno dos
fundamentos de sua proposição e, principalmente, os conflitos decorrentes de
seus desdobramentos exigem o reconhecimento de que se tratou de um fato de
extrema relevância política para a questão da demarcação das terras indígenas.
A PEC 215 pautou o debate do marco temporal no âmbito legislativo e, de modo
mais amplo, impulsionou no Congresso Nacional a materialização de diversas
pautas da burguesia agrária em torno da exploração das terras indígenas (Silva,
2015). Para situar os argumentos que serão apresentados, será necessário
compreender o termo burguesia agrária,
bem como a forma como essa fração de classe se institucionaliza no Poder
Legislativo brasileiro por meio da bancada ruralista.
Inicialmente, indicamos as
contribuições de Ilena Felipe Barros (2018) que
destaca os impactos da financeirização do capital sobre a luta de classes no
campo, expressos no Brasil, especialmente, pelo projeto político-econômico do
agronegócio. Diante desse contexto financista, o conceito de burguesia agrária
se refere a frações de classe heterogêneas que se unificam em torno de um
projeto político, ideológico e econômico de defesa dos interesses econômicos
ligados ao agronegócio, bem como às atividades extrativistas, no âmbito da
representação política - uma vez que as possibilidades de geração de valor para
o capital financeiro no agronegócio não se baseiam atualmente apenas em
atividades produtivas, mas também na lógica especulativa das bolsas de mercadorias
agrícolas, de minérios e na propriedade privada e especulação valorativa da
terra (Stédile, 2013).
O fortalecimento do projeto
político-econômico do agronegócio nas últimas décadas reverberou na organização
da burguesia agrária no espaço institucional em “[...] frentes parlamentares
suprapartidárias voltadas prioritariamente para a defesa de interesses
corporativos e para o fortalecimento político dos setores por elas
representados” (Bruno, 2017, p. 155). A Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA) traduz a institucionalização da chamada bancada ruralista, a qual concentra a elite latifundiária
agroindustrial e se articula com políticos aliados - defensores de pautas
conservadoras comuns, normalmente de origem moral - para a consolidação dos
interesses da burguesia agrária e do capital financeiro no âmbito legislativo
(Barros, 2018).
Por sua vez, Elizângela Cardoso de
Araújo Silva (2017) evidencia que uma das principais pautas de articulação
política da burguesia agrária no Congresso Nacional é a investida contra os
direitos indígenas no Brasil, intencionando facilitar a exploração de recursos
naturais nas terras indígenas e reestruturar as normativas jurídicas e o
funcionamento da política de demarcação de terras. Esse cenário decorre da
concepção da burguesia agrária de que o Poder Legislativo é um espaço de
proposição e debate de políticas que ultrapassam um projeto de lei específico e
que incorporam temas mais abrangentes, como a propriedade privada da terra e a
exploração de recursos naturais (Bruno, 2017).
A PEC 215 demonstrou esse entendimento
acerca do Poder Legislativo, na medida em que propôs a incorporação da tese
jurídica do marco temporal à Constituição e se debruçou sobre o objetivo de
transferência da autoridade, do Poder Executivo para o Poder Legislativo
(Congresso Nacional), da prerrogativa de estabelecer e deliberar sobre a
demarcação das terras indígenas e dos territórios quilombolas. Atualmente, a
competência da demarcação e titulação de terras indígenas é atribuída à Funai,
principal órgão executivo da política indigenista no Brasil. Essa configuração
de funções institucionais advém do entendimento legal de que o procedimento de
demarcação de terras tem caráter técnico, sendo necessário um corpo de
especialistas para realizar estudos de identificação, declaração, demarcação
física, homologação e registro das terras na Secretaria de Patrimônio da União
(SPU).
Diante disso, a transferência de
competências institucionais, proposta pela PEC 215, reduziria a autonomia e incidência de decisões de ordem
técnica nos campos antropológico, histórico, social e jurídico (concernentes ao
Poder Executivo) e diminuiria a participação dos povos indígenas no processo de
reconhecimento dos seus próprios territórios, coadunando com uma perspectiva de
tutela do Estado sobre o sujeito indígena - oposta à ênfase estabelecida pela
Constituição de 1988 na autodeterminação dos povos indígenas (Silva, 2018).
A centralização do poder decisório
sobre a demarcação de terras indígenas conferida ao Congresso Nacional situaria
e submeteria os direitos assegurados pela Constituição ao âmbito político e
representaria grave ameaça aos povos indígenas, principalmente, pelo avanço da
bancada ruralista nessa arena e pela diminuta presença indígena no legislativo
devido às barreiras históricas.
Além de intencionar essa ampliação do
poder parlamentar sobre as decisões em torno das terras indígenas, a PEC 215
também havia proposto a flexibilização do acesso, apropriação e exploração dos
recursos naturais presentes nos territórios indígenas; a proposta buscava
favorecer atividades de alto impacto ambiental (como a extração de madeira e o
garimpo), empreendimentos do agronegócio e obras de infraestrutura. Junto a
essas proposições, encontrava-se também a imposição da possibilidade de
arrendamento de territórios indígenas e de impedimento da ampliação geográfica
de terras já demarcadas.
Portanto, a PEC 215 se enquadrava no
projeto político defendido pela bancada ruralista no Congresso Nacional e
procurava situar a terra indígena como mercadoria e não como direito (Silva,
2017; Bruno, 2017). Essa proposição contraria não apenas os princípios da
Constituição Federal de 1988 no que tange ao reconhecimento e proteção dos
territórios originários, como também sublinha um conflito mais amplo entre a
lógica de acumulação capitalista e a preservação dos direitos e modos de vida
indígenas.
As normativas jurídicas e o debate
político guardam limites significativos na garantia dos direitos dos povos
indígenas em uma sociedade capitalista; no entanto, ainda representam
dispositivos necessários para a disputa de um projeto de classe que priorize a
proteção da vida dos povos indígenas em contraponto ao amparo dos interesses
econômicos da burguesia agrária no país (Silva, 2018). No caso da PEC 215/2000,
apesar de ter sido arquivada, ela foi impulsionadora de intensos debates
políticos sobre as problemáticas que envolvem a questão indígena por
aproximadamente duas décadas e, de certa forma, suas prerrogativas foram
assimiladas no contexto do debate da tese do marco temporal e dos respectivos
projetos de lei (PL 490/2007
(Brasil, 2007), na Câmara dos Deputados, e PL 2903/2023 (Brasil, 2023), no Senado
Federal) que trataram da questão da demarcação das terras indígenas no Brasil.
Representação
chárgica das investidas capitalistas contra a
demarcação das terras indígenas
Cumprida a etapa metodológica de
contextualização e ancoragem histórico-conjuntural (Miani,
2023) que corresponde ao “[...] trabalho de pesquisa bibliográfica, com vistas
à realização de uma análise histórica e historiográfica para subsidiar a
contextualização sócio-histórica [...]” (Miani, 2023,
p. 65), faz-se necessário demarcar brevemente as condições de produção que
envolveram a produção chárgica a ser analisada. Essa
tarefa é, particularmente, fundamental porque definimos como corpus para a análise empírica uma
seleção de charges produzidas por um único
chargista, Carlos Latuff. Vale registrar que a
seleção de charges levou em consideração os limites estabelecidos para
este artigo e o imperativo de garantir que a pluralidade de questões
relacionadas à questão indígena abordadas na produção chárgica
de Latuff estivesse bem representada; ficaram de fora
apenas aquelas charges que replicam alguma questão retratada que será analisada
nas charges selecionadas.
Em relação a Carlos Latuff,
trata-se de um chargista que se autodefine como “cronista visual da barbárie” (Sperb,
2019) porque ele argumenta tratar em suas charges de “temas relacionados à
barbárie”, produzidas pelo sistema capitalista. A questão indígena e os
conflitos no campo - bem como, a causa Palestina, a violência policial, a
defesa dos direitos dos trabalhadores, etc. - são
algumas das temáticas retratadas por Latuff,
principalmente, veiculadas por jornais, revistas ou portais da imprensa popular
e alternativa, ou ainda disponibilizadas em modo copyleft em suas redes sociais.
Apesar de a maioria das charges
referentes à questão indígena aqui analisadas terem sido publicadas,
originalmente, em órgãos de imprensa popular e alternativa, principalmente, nos
portais do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Brasil de Fato ou do Brasil
247 (como é possível constatar na assinatura da maioria das charges, uma
vez que Latuff instituiu a dinâmica de também dar
crédito à organização que solicitou ou que publicou sua produção chárgica), optamos por caracterizar como fonte as redes
sociais onde Latuff republicou todas as referidas
charges. Isso confere outra ordem de intertextualidade para a análise das
charges, pois não será aprofundado o contexto intertextual original de cada uma
das charges, mas, tão somente, a discursividade inerente à imagem, bem como
alguns dos elementos de natureza imagética em seus aspectos semióticos e
estéticos (Miani, 2023).
A primeira charge a ser analisada tem
como foco uma retratação da burguesia agrária ligada ao agronegócio em
deliberada ação contra os povos indígenas e seus direitos, apontando para a
perspectiva da terra indígena como uma mercadoria, além de explicitar o
antagonismo entre o projeto político e a sociabilidade da ordem capitalista que
privilegia a propriedade privada, por um lado, e os modos de vida e de
apropriação e uso social da terra pelos povos indígenas, por outro lado. A
referida charge (figura 1) explora simbolicamente a perversa e predatória
acumulação capitalista do agronegócio como propósito central para promover a
redução dos territórios indígenas, algo que se relaciona com o debate sobre a
demarcação de terras indígenas, tanto no reconhecimento inicial dos limites
geográficos, quanto na pauta para impedir a ampliação das terras indígenas já
demarcadas. A perspectiva ideológica implicada na charge se materializa pelo
discurso imagético representado pelo apetite voraz do agronegócio sobre as
terras indígenas.
Figura 1: Charge Apetite
voraz do agronegócio sobre as terras indígenas de Latuff
(2012).
Conforme já abordado, uma das frentes
de atuação da burguesia agrária para garantir seus interesses políticos e
econômicos se materializa por meio da reconfiguração do ordenamento jurídico.
Importantes aspectos do debate em torno da tese do marco temporal e da
proposição e desdobramentos da PEC 2015/2000 se constituíram como argumentos
para a produção de algumas charges de Carlos Latuff;
nesse sentido, esse é o universo discursivo encampado pelo conjunto de charges
selecionadas e analisadas a seguir.
Na figura 2, a charge faz referência à
PEC 215/2000 que tinha como proposição transferir a competência sobre o
reconhecimento, demarcação e titulação das terras indígenas do Poder Executivo
para o Poder Legislativo, atribuindo ao Congresso Nacional a autoridade de
tomar as decisões finais sobre a demarcação das terras indígenas no país. Em
sua charge, Latuff ressalta a ameaça que a referida
proposta representava às vidas indígenas, uma vez que seria concedido maior
poder de decisão à bancada ruralista. Desse modo, a imagem de um homem branco
vestindo terno e chapéu (estereótipo icônico da burguesia agrária) e cavando
covas num terreno com o formato do mapa do Brasil explicita a ameaça que o
projeto político e econômico da bancada ruralista representava aos povos
indígenas brasileiros, ou seja, no limite, o seu próprio extermínio. Tratava-se
de uma denúncia derrisória do chargista em relação ao que caberia aos povos
indígenas caso a PEC 215 viesse a ser aprovada.
Figura 2: Charge A PEC
215/2000 e o extermínio dos povos indígenas de Latuff
(2013a).
Ainda em relação ao embate em torno de
um eventual reordenamento jurídico a incidir sobre a questão da demarcação das
terras indígenas, Latuff produziu uma charge cujo
foco era oferecer uma representação sintética dos propósitos e dos
tensionamentos derivados do PL 490/2007 (figura 3). O PL 490 dispunha sobre o
reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas. A referida lei
pretendia estabelecer a incorporação do marco temporal à Constituição Federal e também a flexibilização das normas de proteção às terras
indígenas e ao usufruto exclusivo dessas terras pelos povos indígenas, além de
interpor novas dificuldades ao processo demarcatório e abrir mais espaço para
recursos de contestação de terras já demarcadas. Havia também no escopo do
projeto a intenção de reduzir a autonomia dos povos indígenas em relação aos
seus territórios quando se tratasse de ocupação militar para propósitos de
defesa. Apesar de todas as controvérsias, a lei foi aprovada e, posteriormente,
sancionada pelo presidente Lula no final de 2023, com vetos relacionados ao
marco temporal, vetos estes que foram derrubados pelos parlamentares[4].
Na charge, vemos uma representação da contraposição/antagonismo entre os
interesses da bancada ruralista e os direitos dos povos indígenas, mediados,
mais uma vez, pelo uso de violência contra os indígenas.
Figura 3: Charge O PL
490/2007 e o antagonismo de interesses de Latuff
(2018).
Em relação ao marco temporal
propriamente dito, selecionamos uma charge que expressa de maneira bastante
representativa a dinâmica da luta de classes e como se constituem as
articulações em torno do debate da demarcação das terras indígenas (figura 4).
O discurso chárgico aponta em um de seus
desvelamentos que havia um alinhamento e uma combinação de interesses entre os
setores que se articulavam em torno da defesa do marco temporal - bancada
ruralista (representação estereotipada de um latifundiário), governo (figura de
Michel Temer) e Poder Judiciário (figura de Gilmar Mendes). Naquele contexto,
durante o governo Michel Temer (2016-2018), a Segunda Turma do STF havia
anulado três processos de demarcação de terras indígenas com base no critério
do marco temporal, comprovando o alinhamento político do Poder Executivo e, ao
menos, de alguns representantes do Poder Judiciário, com o projeto político e
econômico defendido pela bancada ruralista. Por outro lado, a charge também
expressou a existência de um movimento de resistência dos povos indígenas
contra o marco temporal, explicitando o fato de a questão indígena se
constituir como uma das arenas mais vivas dos processos de luta de classes no
Brasil.
Figura 4: Charge Resistência
e luta contra o marco temporal de Latuff (2017a).
As duas charges apresentadas e
analisadas a seguir expressam, em alguma medida, os embates entre os Poderes do
Estado e a luta pelo direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras.
Explorando vigorosamente toda a potencialidade de recursos imagéticos e de
elementos estético-simbólicos para explicitar que a questão da demarcação das
terras indígenas se constitui como um lugar de conflitos e de violências, Latuff apresenta, na primeira charge (figura 5) as ferramentas
de demarcação de terras que corresponde, respectivamente, ao instrumento
representativo de cada um dos segmentos sociais diretamente envolvidos nos
embates da respectiva questão indígena. O encadeamento entre o arco e a flecha
no primeiro quadro (referência aos indígenas), a caneta no quadro central
(referência ao governo) e a arma de fogo no quadro final (referência aos
ruralistas) indicam que o processo de demarcação de terras se estabelece como
um campo de disputas desigual, remetendo a um cenário de constantes conflitos entre
os direitos dos povos indígenas e os interesses econômicos do setor ruralista,
e que nessa batalha cada segmento utiliza as armas que tem para fazer a sua
luta e defender os seus interesses.
Figura 5: Charge Ferramentas
de demarcação de terras de Latuff (2013b).
Por sua vez, a próxima charge (figura
6) remete às consequências concretas da imposição dos interesses das frações de
classe burguesas ligadas ao latifúndio e ao agronegócio - em pleno alinhamento
com os Poderes do Estado - em detrimento dos direitos e dos interesses dos
povos indígenas, que não poderia resultar em outra coisa a não ser a
intensificação da extrema violência.
Figura 6: Charge Massacre
e violência contra os povos indígenas de Latuff
(2017b).
O que vemos na referida charge é a
imagem de uma pessoa indígena assassinada colocada sobre a imagem do mapa do
Brasil, este recoberto pelo sangue escorrido de seu peito perfurado por objetos
pontiagudos representativos de cada um dos três Poderes do Estado - quais
sejam, uma caneta tinteiro com a inscrição Legislativo,
um malhete com a palavra Judiciário e
uma espada marcada com a palavra Executivo
-, retratando a violência contra os povos indígenas. Nessa charge, Latuff se refere ao cenário de violência no campo que
vitima os povos indígenas e faz uma denúncia ao papel que o Estado vem
desempenhando na perpetuação da conjuntura de ataques, violências e massacres cometidos contra os povos indígenas,
principalmente, em razão do atraso nas demarcações das terras indígenas
e na conivência em relação à manutenção da precariedade das condições de
funcionamento dos órgãos de execução das políticas indigenistas, que acabam por
contribuir com a intensificação da violência no campo e com a ocorrência de
assassinatos de indígenas.
Por fim, as duas últimas charges
selecionadas para análise trazem como elemento central a retratação da forma
como o governo Michel Temer (2016-2018) e o governo Bolsonaro (2019-2022),
respectivamente, concebiam a questão da demarcação das terras indígenas. Como
poderemos perceber, o destaque à violência contra os povos indígenas foi um
elemento comum explorado na construção do discurso chárgico
de Latuff sobre a forma como ambos os governos
trataram a referida questão.
Na primeira imagem (figura 7), Michel
Temer aparece tracejando uma linha ao redor do pescoço de um indígena enquanto
é observado maquiavelicamente por
alguém que supostamente representa a burguesia agrária e que aguarda
entusiasmadamente o momento da realização da demarcação (aqui, com sentido irônico de eliminação). Atente-se
para o machado com corte afiado (indicado pelos traços emanados de sua ponta)
que, possivelmente, será usado para cortar o pescoço tracejado do indígena numa
explícita referência às práticas de violência cometidas pelo governo Temer
contra os povos indígenas e, em especial, contra o seu direito relativo à demarcação de terras.
Na última imagem
(figura 8), vemos Jair Bolsonaro afirmando “pode demarcar!” em explícita e
contundente manifestação de autorização concedida
à bancada ruralista para impor sua violência (indicada pela presença de uma
espingarda) contra os povos indígenas. Deve-se observar, ainda, que Bolsonaro
se escora numa pá que teria sido usada para enterrar a Funai (palavra inscrita
no jazigo), numa explícita referência à política do referido governo de tentar
destruir o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro e de apoiar o projeto
do marco temporal, conferindo todo o poder de demarcação das terras indígenas à burguesia agrária e sua base
legislativa representada pela bancada ruralista.
Figura 7: Charge A
questão da demarcação das terras indígenas no governo Michel Temer de Latuff (2016).
Figura 8: Charge A
questão da demarcação das terras indígenas no governo Bolsonaro de Latuff (2019).
Ambas as charges indicam a existência
de relações de proximidade, e até mesmo de cumplicidade, entre a bancada
ruralista e os governos retratados e sugerem que o papel que estaria cumprindo
estes governos em relação a favorecer os interesses da burguesia agrária seria
o de criar as condições necessárias para o avanço dos projetos econômico e
político dessa fração de classe burguesa e que, antagonicamente, implicaria no
agravamento da segurança jurídica, material e até mesmo física das populações
indígenas.
Vale destacar que a sugerida
cumplicidade se assenta no reconhecimento de que a bancada ruralista, por sua
vez, agiu em defesa dos interesses dos respectivos governos. A votação
favorável ao impeachment (leia-se
Golpe de Estado) da então presidenta Dilma Rousseff contou com expressiva
participação da bancada ruralista, assim como os parlamentares da referida
bancada também não apoiaram a abertura de investigação contra Temer por
corrupção passiva e organização criminosa. No caso de Bolsonaro, desde sua
campanha eleitoral, ele já havia prometido paralisar os processos de demarcação
de terras indígenas e de territórios quilombolas e já acenava seu alinhamento
político com a burguesia agrária; diante disso, em contrapartida, esta lhe garantiu uma base parlamentar para levar adiante
suas propostas de governo.
De modo geral, as charges de Carlos Latuff aqui analisadas, retratando aspectos relacionados à
questão da demarcação das terras indígenas, apresentam alguns dos conflitos que
se estabeleceram na conjuntura política nacional derivados da referida
problemática e revelam a participação dos múltiplos segmentos e sujeitos
envolvidos, procurando explicitar os posicionamentos políticos e ideológicos no
contexto da luta de classes. Na retratação chárgica
de Latuff, predominantemente, o Poder Executivo
aparece como um ator político alinhado aos interesses econômicos e políticos da
burguesia agrária e também da bancada ruralista, em
especial, no que se refere à questão da demarcação das terras indígenas, bem
como se revela negligente em relação à proteção das terras indígenas e ao
cumprimento do preceito constitucional de garantir a demarcação das terras indígenas.
Por fim, também é recorrente a representação da resistência e da insatisfação
dos povos indígenas, remetendo ao cenário de precariedade, atrasos e ataques que
incidem sobre a efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas, fator
crucial para a sua segurança física ante os severos conflitos fundiários, seu
bem-estar e a continuidade de seus projetos coletivos presentes e futuros
(Silva, 2018).
Considerações
finais
A charge, a nosso ver, se mostra um
vigoroso e estimulante produto cultural e fonte histórica que nos permite
compreender a dinâmica sociopolítica de um determinado fenômeno social ou de um
fato ou tempo históricos. Suas características de ludicidade e de ser uma
produção de natureza dissertativa (Miani, 2023)
conferem à charge uma vitalidade e uma força discursiva que possibilita aos
pesquisadores e pesquisadoras desbravarem o universo real e simbólico das
representações e das formações discursivas e ideológicas que conformam uma
determinada realidade.
Ao propor analisar a questão da
demarcação das terras indígenas por meio da análise do discurso chárgico de Carlos Latuff nos
aventuramos nesse desafio e acreditamos que, ao menos de modo satisfatório,
apresentamos algumas contribuições que se somam a uma perspectiva materialista
dialética de compreensão deste processo social que tem marcado de maneira
significativa a história política brasileira recente.
A produção chárgica
de Carlos Latuff sobre a demarcação das terras
indígenas no Brasil é muito mais ampla e complexa do que os limites deste
artigo nos permitiram apresentar e aprofundar. Além disso, há outros chargistas
que, tanto quanto Latuff, também merecem ter sua obra
analisada, tarefa que se apresenta como desafio que pretendemos continuar
assumindo e que, oxalá, tenhamos companhia nessa empreitada.
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2024.
________________________________________________________________________________________________
Rozinaldo Antonio MIANI Trabalhou na
concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e
revisão crítica.
Possui Graduação em
Comunicação/Jornalismo e História. Mestrado em Comunicação. Doutorado em
História. Pós-doutorado em Comunicação (ECA/USP - Fundação Araucária/PR).
Docente do Departamento de Comunicação e dos Programas de Mestrado em
Comunicação (PPGCom/UEL) e do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social (PPGSER) da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq -
Nível 2. Tem experiência nas áreas de comunicação popular e comunitária, humor
gráfico e mundo do trabalho; tem atuação nas áreas de movimentos sociais,
participação popular e políticas sociais. Coordena o Núcleo de Pesquisa em
Comunicação Popular (NCP/CNPq).
Bruna Miyuki Enomoto AKAMATSU Trabalhou na redação
do artigo e na análise e interpretação dos dados.
Possui graduação em
Comunicação/Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestranda
em Comunicação pelo Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade
Estadual de Londrina (PPGCom/UEL). Bolsista Capes.
Integra o Núcleo de Pesquisa em Comunicação Popular (NCP/CNPq) e desenvolve
pesquisas nas áreas de humor gráfico e processos sociais.
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Editoras responsáveis
Ana Targina Ferraz –
Editora-chefe
Camilla dos Santos Nogueira – Editora Temática
Submetido
em: 29/2/2024. Aceito em: 26/7/2024.
Este é um artigo publicado em acesso
aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons
Attribution, que permite uso, distribuição e
reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original
seja corretamente citado. |
[1] A
primeira metade da década de 1990 foi marcada, dentre outros fatos importantes,
pelo impeachment de um presidente
(Fernando Collor de Mello); pela realização de um plebiscito que decidiu manter
o regime presidencialista como sistema de governo; por uma crise parlamentar,
em especial, pelos desdobramentos da CPI do Orçamento; pelo impacto das medidas
relacionadas ao Plano Real; e pela realização de eleições presidenciais
marcadas por uma polarização em torno de dois projetos distintos.
[2] A
Terra indígena Raposa-Serra do Sol foi declarada posse permanente dos povos
indígenas por meio da Portaria 820/1998 (Brasil, 1998), assinada pelo então ministro da Justiça Renan Calheiros,
editada no dia 11 de dezembro de 1998.
[3] Por
imprensa popular e alternativa definimos como aquela imprensa de natureza contra-hegemônica, “[...] vinculada aos interesses
históricos das classes subalternas, no contexto da luta de classes, numa
perspectiva emancipatória, produzida e/ou impulsionada pelas mais diversas
organizações sócio-políticas engajadas na luta
anticapitalista” (Miani, 2010, p. 299).
[4] A
Lei 14.701/2023 (Brasil, 2023) é
um dos principais desdobramentos do debate em torno da tese do marco temporal
na atualidade, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter julgado como
inconstitucional e, portanto, derrubado a tese do marco temporal para a
demarcação de terras indígenas, afirmando que a tese é incompatível com a
proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas.