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Articulações e tensionamentos entre
deficiências e saúde mental

 

Links and tensions between disability and mental health

 

                                                                                              Ricardo Lugon ARANTES

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-1826-6523 

                                                                       Universidade Feevale, Curso de Medicina, Novo Hamburgo, RS, Brasil

e-mail: ricardolugon@gmail.com

                                         

Analice de Lima PALOMBINI

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-8332-8292

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Serviço Social, Saúde e Comunicação Humana, Departamento de Psicologia Social e Institucional, Programa

de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Porto Alegre, RS, Brasil

e-mail: analice.palombini@gmail.com

 

Resumo : Os campos da Saúde Mental e o das Pessoas com Deficiências vivem um distanciamento entre suas políticas e lutas. Este artigo debate os tensionamentos e articulações possíveis entre eles, em diálogo com os movimentos dos Estudos Loucos e dos Estudos Sobre as Deficiências. A partir de onze entrevistas com ativistas, pesquisadores e gestores brasileiros, tematizamos a tradução e escolha dos termos utilizados no Brasil e os marcos legais envolvidos nessas políticas. No Sul Global, há pouca produção acadêmica, com um movimento incipiente na África, enquanto, na Índia, a luta feminista é aliada no enfrentamento das opressões patriarcais reproduzidas pela Psiquiatria. Há sinergia entre as lutas e convergência no acesso ao direito à renda ligado à condição de pessoa com deficiência, mas há divergências na escolha do termo para os coletivos se autodesignarem.

Palavras-chave: Pessoas com Deficiência. Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica Brasileira.

 

Abstract: There is a gap between policies and struggles related to the field of Mental Health and that of Persons with Disabilities. This article discusses the connections and tensions between these fields using Mental Health Studies and Disability Studies sources. Based on eleven interviews with Brazilian activists, researchers, and managers, we discuss the translation and choice of terms employed in Brazil and the legal frameworks surrounding these policies. In the Global South, there is little academic output, with an emerging movement in Africa, while in India the feminist struggle is allied to confronting the patriarchal oppressions reproduced by Psychiatry. There is synergy between the struggles and convergence around access to the right to income linked to disability, but there are divergences in the choice of the terms with which these collectives designate themselves.

Keywords: Persons with Disabilities. Mental Health. Brazilian Psychiatric Reform.

 

INTRODUÇÃO

 

A

Reforma Psiquiátrica Brasileira, que conquistou importantes avanços no que se refere ao cuidado em saúde mental (cuidado em liberdade em rede, territorializado e intersetorial), não deixa de enunciar, em seu discurso, a presença, em seu campo, dos marcadores sociais de raça/etnia e gênero — ainda que, na prática, tenha negligenciado o impacto desses marcadores na saúde mental da população brasileira (Passos, 2020; Alves, 2022). Todavia, a discussão a respeito de pessoas com deficiência e de enfrentamento do capacitismo se mostra inexistente nesse campo, no discurso e na prática, e há pouca compreensão sobre a perspectiva contemporânea de deficiência, a partir da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) assinada em 2007, em Nova Iorque, e incorporada ao arcabouço legislativo brasileiro em 2008. Sua regulamentação no Brasil deu origem à Lei Brasileira de Inclusão.

 

Deficiência, nessa perspectiva, pode ser compreendida não como consequência inevitável de impedimentos individuais (Oliver, 2018), mas como o resultado de forças estruturais, sociais, culturais e políticas que são incapacitantes. Ela não é redutível à classificação diagnóstica atribuída a uma pessoa, conforme o que Oliver chama de “[...] modelo individual de deficiência [...]” (Oliver, 2018, p. 41), o qual situa a limitação funcional no impedimento do corpo, envolvendo aspectos médicos, psicológicos e as práticas de caridade e de reabilitação centradas no déficit. Em contraposição, o modelo social busca deslocar o foco das atenções, dos impedimentos situados no corpo, para os problemas causados por ambientes, barreiras e culturas deficientizantes (Oliver, 2004). O termo capacitismo, nesse sentido, denuncia um sistema de opressões produzidas pelo modelo hegemônico da corponormatividade (Mello, 2016), que opera engrenagens, formula discursos e escolhe estratégias que envolvem não somente o uso cotidiano de expressões como fingir demência, mas também o baixo percentual de pessoas com deficiência acessando, quiçá concluindo, o Ensino Superior, ou a presunção de incapacidade civil de pessoas com deficiência intelectual.

 

Essa perspectiva contemporânea de deficiência questiona o constructo do corpo como um dado natural que antecede a construção dos sujeitos, acompanhando, nesse sentido, a segunda onda do movimento feminista. Nessa analogia (com o feminismo), a deficiência é tomada como categoria analítica e política, onde “[...] o sexo está para o gênero como a lesão ou o impedimento está para a deficiência” (Lopes, 2022, p. 308). Esse foi um “[...] paradigma estratégico a partir do qual deficiência passou a ser sistematicamente reivindicada como um problema de ordem social e sociológica” (Lopes, 2022, p. 301).

 

Carniel e Mello (2021) reconhecem um atraso de quatro décadas entre a movimentação gerada pelas lutas antimanicomiais e a aproximação com os estudos da deficiência para “[...] construir agendas políticas e analíticas afirmando a neurodiversidade como dimensão biossocial constitutiva na condição humana” (Carniel; Mello, 2021, p. 497). Para as autoras, talvez as reflexões sobre deficiência psicossocial sequer seriam possíveis se o movimento antimanicomial não tivesse se ocupado do enfrentamento do caráter autoritário, discriminatório, mercantil e opressor do modelo hospitalocêntrico de tratamento das pessoas estigmatizadas pela loucura, o qual foi amplificado pela ditadura militar brasileira (Amarante, 1995).

 

Podemos reconhecer uma convergência no sentido de que a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) e as lutas das pessoas com deficiências buscam tomar loucura e aleijamento como posturas afirmativas que incidem sobre o mundo na sua radicalidade, posicionando sua condição de existência transgressora em tempos marcados por normatividades de gênero, raça/etnia, modos de pensar e de habitar os corpos. Tomamos aqui como horizonte ético o desafio de construir alianças e parcerias para se enfrentar o capacitismo e os estigmas ligados à loucura, para construir um mundo sem abismos nem portões trancados, sem falta de acessibilidade ou presunção de periculosidade, sem frases tais: qual é mesmo o diagnóstico? ou desculpe, não temos intérprete de libras.

 

Apresentamos, neste artigo, uma discussão a partir de países do Norte e do Sul Global sobre os tensionamentos e as possíveis alianças entre o movimento social e político da Saúde Mental na perspectiva da Atenção Psicossocial e o movimento e as políticas ligadas às Pessoas com Deficiência e, em seguida, os resultados de uma pesquisa que abordou o diálogo entre esses temas a partir das vozes de pessoas protagonistas em cada um desses campos, no Brasil,  articuladoras dos temas e com participação nas respectivas Conferências Nacionais.

 

Diálogos e tensionamentos entre os campos no Norte e no Sul Global


Desde o Norte Global, destacamos três interlocutores nestes diálogos e tensionamentos entre as temáticas das deficiências e da loucura, dos campos de pesquisa e ação estratégicos: os Sobreviventes da Psiquiatria, os Estudos sobre a Deficiência e os Estudos Loucos, de onde emergem as principais produções que se propõem a debater e compreender o distanciamento e as aproximações entre os temas aqui debatidos.

 

Os Sobreviventes da Psiquiatria representam um coletivo de pessoas as quais participam como aliadas do movimento das pessoas com deficiência no Norte Global desde a década de 1970 e cuja pauta central é denunciar as iatrogenias ligadas às intervenções psiquiátricas. Sua principal meta é a abolição de qualquer abordagem involuntária oferecida de modo coercitivo pela Psiquiatria tradicional: medicamentos, psicocirurgias ou eletroconvulsoterapia. Reivindicam também o direito de não serem “pacientes” e de nomearem, eles próprios, suas experiências de sofrimento. Trata-se de um movimento que recebeu contribuições da antipsiquiatria, do Movimento Feminista, do Movimento Negro, do ativismo LBGTQIA+ e da organização política das pessoas privadas de liberdade e das pessoas com deficiência (Santos, 2023, p. 2).

 

Por sua vez, os Estudos sobre Deficiência (ou Disability Studies) se constituem como um campo de produção de conhecimento e incidência política de pessoas com deficiência e, nos seus desdobramentos em solo brasileiro, trabalham dentro da perspectiva emancipatória de pesquisa, na qual pesquisar com as pessoas com deficiência e não pesquisar sobre elas é princípio inegociável (Moraes, 2010; Gaudenzi; Ortega, 2016). As autoras apostam na abordagem interseccional da deficiência que considere, sobretudo, a adoção de uma postura anticapacitista em todas as lutas sociais e que afirme a necessidade de visibilização das barreiras sociais, as quais obstaculizam a participação social das pessoas com deficiência, assim como “[...] os efeitos do entrelaçamento entre gênero, raça, deficiência e outras categorias sociais para a produção de subjetividades e vulnerabilidades” (Gesser, Block, Mello, 2020, p. 28)

 

Ainda no contexto do Norte Global, os Estudos Loucos (ou Mad Studies) não coincidem nem se confundem com os estudos da antipsiquiatria, nem com o movimento dos sobreviventes da Psiquiatria (Mad In Brasil, 2021). Esse coletivo busca reconstruir e sistematizar as lutas das comunidades loucas com base numa relação de proximidade entre a academia crítica e a militância, articulando o fazer e o pensar como aspectos complementares da transformação social no cenário contemporâneo. O seu posicionamento político é muito semelhante ao assumido pela RPB no esforço de fazer reconhecer a loucura como uma experiência humana válida e significativa para gerar conhecimento crítico face ao discurso psiquiátrico.

 

Na experiência dos Sobreviventes do Reino Unido, a relação entre os movimentos políticos e as lutas no interior  desses campos pode ser vista em diferentes modulações: há convergência no fato de que os sobreviventes compartilham dos sentimentos de vivenciar as barreiras e a hostilidade de um mundo não acolhedor do mesmo modo que as pessoas com deficiência, e desse fato se desdobra o apoio ao modelo social em oposição ao modelo médico. Não há, todavia, consenso sobre a terminologia a ser usada: algumas pessoas usuárias da saúde mental tendem a não reconhecer que têm um impedimento, logo, a ideia da similitude com o campo da deficiência não lhes parece fazer sentido (Morgan, 2021; Beresford; Russo, 2016).

 

Morgan (2021) situa duas questões transversais a esse diálogo: 1) o modelo social da deficiência é ou pode ser suficientemente expansivo para incluir as experiências de quem sofre e dos loucos?; 2) o modelo social do sofrimento mental ou da loucura é constituído dentro dos auspícios do modelo social da deficiência como uma extensão, com semelhanças, ou deve ser articulado em separado? A autora afirma que reconhece convergência nas experiências se considerarmos que os impedimentos são corporificados, isto é, produzem efeitos que podem ser restritivos, dolorosos e desconfortáveis. Russo e Shulkes (2015) propõem considerarmos que os impedimentos vividos pelos sobreviventes são produzidos iatrogenicamente por intervenções como eletroconvulsoterapia e uso de neurolépticos em doses supraterapêuticas. Para elas, o impacto do tratamento psiquiátrico sobre a vida das pessoas - danificar e comprometer a saúde física e a capacidade de pensar, sentir e confiar - pode ser indissociável do que consideramos como “[...] deficiência psiquiátrica” (Russo; Shulkes, 2015, p. 31). A deficiência, assim, seria produzida para essas pessoas quando elas são submetidas às formas violentas e degradantes de tratamento à base da coerção e do isolamento. Pois,

 

Procedimentos como eletrochoque e uso de drogas neurolépticas podem causar dano físico irreparável; os diagnósticos patologizam nossas experiências e nossa personalidade de modo que ficamos ainda mais propensos a encarar discriminação. Nossa autoestima e autoconfiança normalmente são reduzidas por causa da psiquiatria e nossas vidas social, laboral e amorosa estão muito mais propensas a piorar do que a melhorar (Russo; Shulkes, 2015, p. 29,  tradução nossa).

 

A experiência de viver com esses impedimentos, na perspectiva de Morgan (2021), não é neutra, mas “[...] mediada por relações sociais e estruturas que frequentemente não a priorizam ou valorizam, resultando em efeitos e consequências exacerbadas ou prolongadas desses impedimentos” (Morgan, 2021, p. 25). Entretanto, muitos sobreviventes rejeitam essa positivação do impedimento e destacam a dificuldade de circular pelo mundo a partir de uma identidade de pessoa com deficiência, que pressupõe uma classificação diagnóstica e o reconhecimento de uma etiqueta de impedimento de acesso aos direitos sociais ou tratamento e outras formas de suporte.

 

A Rede Europeia de Sobreviventes reconhece um tensionamento no nível pessoal-identitário, em que as sobreviventes da psiquiatria reivindicam para si o poder de nomear a própria experiência; são sobreviventes e querem assim ser chamadas. Na perspectiva econômica, a convergência se dá já que muitas dessas sobreviventes, ao serem oficialmente categorizadas como Pessoas com Deficiência, pelo diagnóstico, têm acesso a direitos, sobretudo acesso à renda. Para as autoras, em um cenário de poucas opções para sobrevivência, garantir o pão de cada dia acaba se tornando mais importante do que o direito a se autodefinir. Outra convergência ocorre no nível político-organizacional, a aliança com os outros grupos dentro do movimento do campo das deficiências possibilitou o aumento da influência da rede e a conquista de metas, sobretudo no que concerne a denunciar os abusos cometidos pela Psiquiatria (Russo e Shulkes, 2015).

 

Morgan propõe a ampliação global dessa discussão e que possamos “[...] ouvir – e escutar – vozes indígenas e outras vozes marginalizadas, especialmente do sul global” (Russo; Shulkes, 2015, p. 114, grifos nosso, tradução nossa).

 

A Rede Panafricana de Pessoas com Deficiências Psicossociais (PANUSP), criada em Uganda em 2005, abrange uma série de movimentos de usuários no continente africano, porém as incidências sobre o desenvolvimento das políticas no nível nacional e continental ainda são tímidas (Kleintjes, Lund, Swartz, 2013). Sua pauta é centrada no enfrentamento das violências cometidas pela Psiquiatria e na crítica ao movimento Saúde Mental Global (Cosgrove et al., 2020) – a PANUSP não se propõe a fazer o diálogo e/ou tensionamento entre os campos aqui debatidos.

 

Bhargavi Davar (2008, 2020) talvez seja a única autora que traz essa relação entre os campos e lutas para a perspectiva do Sul Global. Ela problematiza a equivalência entre doença mental e deficiência psicossocial, que colocaria em risco os valores de empoderamento intrínsecos ao discurso da deficiência. Igualmente, os termos usuário e sobrevivente reproduzem a lógica colonizadora, por carregarem essa perspectiva ocidentalizante, pois, onde faltam serviços, não se trata de usá-los ou sobreviver a eles. Davar acredita que a conscientização sobre os direitos afirmados pela Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência pode alavancar os processos de empoderamento e maior potencial de inclusão para coletivos embrionários.

 

Na Índia, de maneira diferente dos usuários do Reino Unido, a referência à deficiência psicossocial tem permitido nomear alguns aspectos inomináveis do sofrimento que essas pessoas têm carregado em suas vidas, sem o estigma ligado à doença mental.

 

Embora trazer o discurso da deficiência para a mentalidade da saúde mental seja promissor e relevante na política pública hoje, simplesmente substituir o termo ‘doença mental’ por ‘deficiência psicossocial’ seria apenas uma outra palavra e poderia mais uma vez repetir erros do passado. Para dar ancoragem [à expressão] Deficiência Psicossocial e tornar a CDPD relevante para usuárias e sobreviventes da psiquiatria, é importante que abordemos diretamente as identidades pessoais de mulheres que vivenciam dor e sofrimento mental (Davar, 2008, p. 284, tradução nossa).

 

A aliança com a luta feminista na Índia pode ser compreendida como um movimento de Saúde Mental, já que produz efeitos terapêuticos ligados à oportunidade de as mulheres reconhecerem suas vidas dentro do sistema patriarcal, compreender sua impotência e se vincular com os processos de reconstruir suas identidades a partir de uma perspectiva política. Davar critica o viés patriarcal da Psiquiatria, que, “[...] por meio de um discurso de cura, reproduz práticas de exclusão que sistematicamente marginalizam mulheres que se desviam da norma, identificando-as como anormais, danificando seus cérebros e apagando suas mentes por meio de tratamentos desumanos e degradantes, às vezes envolvendo tortura como isolamento em asilos e eletrochoque” (Davar, 2008, p. 277 - tradução nossa). Parte desse movimento feminista possibilitou uma aliança entre mulheres loucas e pessoas queer, na qual muitas dessas últimas procuravam atendimento psiquiátrico por terem sofrido rotulação psiquiátrica ou por terem passado por experiências de coerção disfarçada de tratamento. “O espaço interno, um caldeirão de eventos mentais ricos em promessas bem como em perigos, foi um espaço experimentado, irredutível ao patriarcado ou a um constructo psiquiátrico” (Davar, 2008, p. 272 – tradução nossa).

 

 

Metodologia

 

A presente pesquisa envolveu  11 entrevistas com ativistas, pesquisadores e gestores dos campos da Saúde Mental e das Pessoas com Deficiências. Trabalhamos guiados pelo ethos da entrevista cartográfica (Tedesco; Sade; Caliman, 2013), que considera como inseparáveis os planos da experiência vivida e de sua versão pré-refletida ou ontológica. Utilizou-se também o método de recrutamento de novos entrevistados por meio das cadeias de referência – Bola de Neve (Vinuto, 2014).

 

Seis entrevistas foram realizadas a distância e cinco de maneira presencial, entre julho de 2022 e abril de 2023, com durações entre 45 min e 120 min. Os participantes assinaram o termo de consentimento e, nas entrevistas por via remota, há registro em áudio de sua concordância.

 

A questão-guia da entrevista foi: quais histórias são contadas sobre a produção de abismos e pontes entre as políticas públicas voltadas aos campos da Saúde Mental e das Pessoas com Deficiências?

 

Destacamos, neste artigo, três tópicos que ajudam a compreender convergências e distanciamentos a partir da experiência brasileira, trazendo fragmentos das conversas com:

- Eduardo Vasconcelos, homem branco sem deficiência, psicólogo e cientista social, autor da coleção Abordagens Psicossociais, que historiciza a construção das políticas públicas no Brasil;

- Izabel Maior, mulher branca com deficiência, médica, primeira pessoa com deficiência a assumir a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e autora do livro e do filme-documentário História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil;

- Alexandre Mapurunga, homem branco autista, formado em Administração em Análise de Sistemas, em 2024, ocupava o cargo de Diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva do Ministério da Educação;

- Maria Cristina Ventura Couto, mulher branca sem deficiência, psicóloga, pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental (NUPPSAM/IPUB/UFRJ);

- Maria Cristina Hoffman, mulher branca sem deficiência, psicóloga, atuou como consultora da Coordenação de Saúde Mental do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde entre 2001 e 2012;

- Roberto Tykanori, homem de origem asiática sem deficiência, médico, coordenador da Política de Saúde Mental e de Álcool e Drogas do Ministério da Saúde entre 2011 e 2015;

- Pedro Gabriel Delgado, homem branco sem deficiência, médico, coordenador da política de Saúde Mental do Ministério da Saúde, entre 2000 e 2010.

 

Os nomes em itálico serão os nomes que utilizaremos para nos referirmos aos entrevistados nos trechos adiante. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizada e recebeu parecer favorável à sua execução.

 

Traduções e traições: os termos e os impasses

 

O primeiro tópico a ser considerado como distanciamento entre os dois campos passa pelas escolhas e tensionamentos nos processos de tradução dos termos e expressões ligadas ao campo da deficiência, sobretudo do inglês para o português.

Esse distanciamento tem como um dos seus principais componentes a escolha do termo deficiência como tradução para disability. Mapurunga defende que – em respeito ao mote-guia da CDPD Nada sobre nós sem nós – não são os técnicos-terapeutas que devem definir como a pessoa tem que ser chamada:

A gente lutou, a gente entrou num consenso dos movimentos. Nenhum ficou infeliz, não.

 

Eduardo traz uma perspectiva problematizadora ao uso do termo, falando que o vocábulo  deficiência gera uma resistência por parte dos profissionais:

Somos muito ciosos da categoria, a gente usa sofrimento psíquico, sofrimento mental, as características próprias disso, e, pelos usuários e familiares, [parece] que a categoria deficiente para eles provoca mais estigma.

 

Tykanori teceu uma crítica contundente:

Então a tradução serviu para deixar as coisas do jeito que estão. Ao invés de criar um novo problema para as pessoas seguirem debatendo, ao contrário, fechou, fechou a questão.

Para ele, o termo deficiência traz confusão, porque, tradicionalmente, em inglês, deficiência mental é QI baixo, deficiência intelectual, literal, e não corresponderia às questões que os sobreviventes da Psiquiatria traziam.

 

Cristina Ventura optou por disputar menos o termo, apostando na convergência do sentido das lutas. Ela também conta a história da institucionalização das crianças a partir do uso da expressão deficiência ao longo do século XX:

No início da proposta [das políticas] da saúde mental pública para crianças, lutamos contra essa categoria de deficiência e, quando o movimento social da deficiência começou a ter mais vigor e a se espraiar mais no mundo e as suas ressonâncias chegaram ao Brasil, a gente custou a se dar conta de que a nomeação do modelo social da deficiência era uma tradução de disability. Essa tradução não falava mais daquela deficiência enquanto déficit. Havia uma marca histórica que produziu consequências na organização do campo assistencial brasileiro, produziu segregação, exclusão, anulação de uma criança como alguém imerso na condição humana, e foi muito fértil na montagem de instituições chamadas abrigos para portadores de deficiência, que eram as crianças consideradas inaptas seja para a vida escolar, para a vida social, abandonadas ou não, tinha de tudo, era um mix [que cabia] na categoria deficiente.

 

Podemos, dessa forma, avançar na compreensão de que a escolha do termo deficiência como tradução para disability é parte importante do distanciamento: os entrevistados no campo da Saúde Mental reconhecem que o termo produz rechaço e dificuldades e que a mudança na compreensão do termo nas últimas décadas ainda não aconteceu mesmo entre os operadores estratégicos do campo.

 

Outro ponto sensível na discussão situou-se em torno da escolha do termo “deficiência psicossocial”. Izabel falou:

Ficamos com medo da história de trocar o ‘intelectual’ por ‘mental’ porque tinha ficado bem marcado que não eram sinônimos, mas em determinado momento o Romeu [Sassaki] aparece com essa expressão que tenta construir um consenso. Ele diz que [psicossocial] é a consequência, o mesmo raciocínio que se faz da deficiência física com o modelo social da deficiência, que a deficiência não é não andar mas não ter o mundo preparado para a pessoa também usar cadeira de rodas e ter acessos… ele quer dizer isso, não é o diagnóstico, não é o CID. [...] Eu até acho que o mental, do meu ponto de vista, seria mais bem traduzido por psicossocial [...] ficava melhor diferenciado assim o que é intelectual e o que é mental… o psicossocial traz uma conotação, a meu ver, mais ampla do que mental.

 

O termo deficiência psicossocial, em princípio, parece dotado dessa função de reduzir a carga de estigma. Em vários artigos escritos por Sassaki (2011a, 2011b, 2012), a despeito de uma generosa tentativa de aproximação entre os campos, o autor nega inicialmente a equivalência de tal termo à ideia de pessoa com transtorno mental e propõe a ideia de pessoa com sequela de transtorno mental: “[...] uma pessoa cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou e não mais oferece perigo para ela ou para outras pessoas. Os transtornos mentais mais comuns são: esquizofrenia, depressão, síndrome do pânico, transtorno bipolar e paranóia” (Sassaki, 2012, p. 5).

 

Abreu, Vilardo e Ferreira (2019) procuram definir o termo referindo-o à

 

classificação de um problema nas funções mentais de um indivíduo, que podem ser uma ou mais limitações das capacidades de consciência, aprendizado, interação social, temperamento, energia e impulso, estabelecimento de vínculos, personalidade, atenção, memória, concentração, linguagem, percepção, conforme a classificação das funções mentais pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (Abreu; Vilardo; Ferreira, 2019, p. 193 - itálicos nossos).

 

Há um avanço nesse movimento das autoras acima ao propor o uso da CIF e a opção por descrever a vida psíquica como composta por funções, ao invés do enquadramento nosográfico na CID. Porém, as autoras seguem situando o impedimento do/no indivíduo como definidor de deficiência.

 

Propomos problematizar o uso desse conceito a partir de três argumentos:

 

a) Ao fazer equivaler deficiência psicossocial à sequela (no caso de Sassaki) ou a problemas ou limitações nas funções (no caso de Abreu, Vilardo e Ferreira), continua-se a situar a deficiência no indivíduo, apagando o papel das barreiras e opressões sofridas na produção da deficiência. Isso caminha inclusive na contramão do que propõe Gerard Quinn, citado com ênfase em vários artigos de Sassaki: “[...] o que move a CDPD como um todo é como os outros se comportam em relação a você” (Quinn, 2009, p. 7).

 

b) Ao levarmos literalmente a proposta textual de Sassaki, seriam consideradas pessoas com deficiência psicossocial apenas aquelas “[...] cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou e não mais oferece perigo para ela ou para outras pessoas” (Sassaki, 2012, p 5, grifo nosso). Essa escolha reproduz a noção de periculosidade do usuário da Saúde Mental e tenta excluir o louco perigoso do guarda-chuva protetivo da Convenção, incorrendo no ponto nodal com o qual a Reforma Psiquiátrica busca romper: o estigma do louco como perigoso que precisa ser asilado e separado da sociedade. Pessoas em crise também enfrentam barreiras e opressões, sofrem violência policial, dentre outras, e necessitam, sim, de suporte apoiado no respeito aos Direitos Humanos, o que pode ser oferecido a partir de uma rede intersetorial de serviços que se inspirem na CDPD como guia ético.

 

c) O terceiro problema ligado ao termo deficiência psicossocial envolve a autenticidade de sua proposta no contexto brasileiro: ele não foi construído ou eleito a partir das pessoas em contato frequente com os serviços de Saúde Mental, seja em algum evento, conferência, seja em texto, artigo escrito ou publicação, nem surgiu a partir dos movimentos sociais ou de seus coletivos, de modo diferente dos Sobreviventes da Psiquiatria que se afirmam a partir dessa nomeação.

 

Eduardo falou sobre a história dos nomes:

No movimento internacional, o termo usuário remete, no caso da Inglaterra, à existência de um sistema público de saúde: “são usuários mas são sobreviventes da psiquiatria”. Nos Estados Unidos, são consumidores, por terem um sistema de saúde que é privatizado, e a arena de luta é o direito do consumidor, enquanto no Brasil o nome usuário direciona à arena de luta para a luta por direitos.

O que o movimento da deficiência está colocando é que essa luta é mais ampla: nós somos muito mais que usuários dos serviços, nós temos corpo. É uma perspectiva da afirmação positiva: eu não sou uma pessoa com deficiência visual, eu sou uma pessoa cega: nós temos que gozar da nossa deficiência, afirmá-la. Cara, mas isso na psiquiatria???

 

Um dos pontos de diálogo e tensionamento é trazer para a discussão com a Saúde Mental a perspectiva da teoria crip (Thorneycroft, 2020; Gesser, 2023) que é um desdobramento da teoria queer, em que se opera uma inversão de valores sobre um termo, transformando-o de pejorativo em uma afirmação radical de um modo de existência. Há, ainda que com tímida expressão, a experiência das Paradas do Orgulho Louco, no Brasil, que se aproximam dessa perspectiva (Andrade, 2020).

 

Como último componente do distanciamento a ser analisado neste artigo, falamos sobre os desencontros a respeito da adesão à ideia – pelos gestores na esfera federal – de que os usuários de Saúde Mental são cobertos pelos direitos afirmados pela CDPD. A primeira pista a respeito deste desencontro vem do fato que, em todo o relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, há apenas uma menção à CDPD: “[...] 211. Cobrar das instâncias competentes (Ministério Público, Defensoria Pública, Previdência Social, OAB, Secretarias e Conselhos Profissionais, entre outros) o reconhecimento da mudança conceitual de Deficiência, a partir da Convenção da ONU de 2008, ratificada pelo Brasil” (Brasil, 2011, p. 49).

 

Izabel participou ativamente dos trâmites na negociação do texto da Convenção:

O convite da ONU para o estado brasileiro chega através do Itamaraty, e a partir de 2002 começam as reuniões, as rodadas. [...] Nas últimas rodadas de negociações na ONU, eu estive com o Pedro Gabriel e a equipe dele para poder saber qual seria a posição, e eles disseram: “não tem nada a ver a saúde mental, e a população de Saúde Mental não tem nada a ver com essa Convenção”. Acho que eles não conseguiram perceber a importância da Convenção.

 

Pedro Gabriel confirma o tímido envolvimento da Saúde Mental na Convenção:

A participação da Saúde Mental no debate e nos preparatórios da Convenção foi pequena por conta, não vou dizer que de um mal-entendido conceitual, era uma ausência de melhor debate no momento. Eu cheguei a participar de debates onde se colocava a questão de que o tema da deficiência não era um tema da saúde mental, colocando alguns critérios, digamos, axiológicos, valorativos, do tipo “o problema da saúde mental não é um problema de deficiência”, o que é visto anos depois como uma confusão retórica. Mas ela é uma coisa meio sem sentido, é por causa puramente de um valor atribuído à deficiência, como um valor negativo e valor atribuído ao que era a saúde mental, mas se considerava que a saúde mental era um campo muito diferente do campo das deficiências. Eu acho que não houve uma participação desejável da política de saúde mental, do nosso campo, na Convenção. O que aconteceu é estranhável, que a Saúde Mental não estivesse mais próxima. Nós não designamos pessoas para estarem diretamente acompanhando a Convenção, embora todos fossem favoráveis à Convenção e aos resultados dela.

 

No percurso da entrevista, alguns dos nossos interlocutores compartilharam lembranças sobre uma posição de recusa da então coordenação de Saúde Mental na participação e apoio à inclusão de usuários da Saúde Mental como protegidos pelo escopo da Convenção. Cristina Hoffman diz:

Eu não sei se a saúde mental queria entrar e eu acho que não fez força para entrar. [Primeiro] porque não queria fazer essa vinculação da questão da deficiência, era uma compreensão distinta, não é a questão do sofrimento mental, do transtorno mental, mas... essa compreensão da influência do social...

Teoricamente, nós tínhamos uma lei que falava dos direitos das pessoas com transtorno mental no âmbito nacional, que era o que se queria. Isso, por ser lei, dava um respaldo de garantia desses direitos das pessoas com transtorno mental.

 

Essa hipótese também foi corroborada por Eduardo, que se refere a:

Um momento meio que de superdimensionar a importância da lei (10.216) como suficiente para sustentar todas as políticas.

 

Pedro Gabriel, caminhando na direção de uma convergência, concluiu:

Quando essa Convenção resultou numa adesão internacional e [...] de todos os segmentos da Saúde Pública, das instituições, das políticas sociais, a saúde mental começou a perceber a força dessa convenção, porque depois ela gerou a Lei Brasileira de Inclusão. Nesse momento, há uma transição no nosso campo - estou falando no campo do ponto de vista do imaginário social, dos valores circulantes e tal –, no sentido de entender que aquilo foi um enorme avanço para a Saúde Mental. A gente mudou completamente no Brasil o cenário da questão da curatela, por exemplo, de pacientes com transtornos mentais por conta da LBI, que criou a figura da tomada de decisão apoiada.

 

Compreendemos, assim, que esses desencontros nos tempos sobre a importância da Convenção são parte da manutenção desse distanciamento, de modo que, para a luta das pessoas com deficiência, a CDPD é ponto de partida e, para a Saúde Mental, é uma discussão que ainda enfrenta muitas dificuldades para ser incorporada (Puras, 2022). O avanço ético em pauta envolve reconhecer que o generoso guarda-chuva de proteção e afirmação de direitos trazido pela CDPD pode e deve se estender a todos aqueles em contato com os serviços de Saúde Mental: em crise ou fora dela, com ou sem classificações diagnósticas e identificando-se ou não com o termo pessoa com deficiência.

 

Conclusões

 

Há ressonâncias e desencontros entre os interlocutores internacionais e os protagonistas brasileiros no que se refere a compreender o distanciamento e a articulação entre os campos da Saúde Mental e o das Pessoas com Deficiência. No Norte Global, o termo sobreviventes está consolidado, produz pertencimento e faz avançar na luta política. Na Índia e em vários países africanos, a expressão pessoa com deficiência psicossocial parece ter encontrado abrigo no coração dos movimentos. Todavia, os termos pessoa com deficiência psicossocial ou sobreviventes não fazem sentido na realidade brasileira, e o termo usuário tem sido historicamente consolidado. Mais ainda, no Sul Global, diante de um cenário financeiro precário, garantir a subsistência pode ser mais importante do que reivindicar o direito a se definir, e a adesão a uma categoria diagnóstica nem sempre produz o automático reconhecimento de si como pessoa com deficiência.

 

As escolhas na tradução da Convenção para o português dificultam a comunicação entre os campos: o termo deficiência como tradução para disability é um dos pontos nodais dessa tradução/traição, e os entrevistados no campo da Saúde Mental reconhecem que o termo produz dificuldades no plano político. Essa nova perspectiva ainda não alcançou parte importante dos operadores estratégicos do campo da Saúde Mental, e esse atraso na compreensão reduziu o alcance da CDPD como dispositivo de proteção contra violação de direitos. A sobrevalorização da importância da Lei 10.216 no campo da Saúde Mental e a ausência de um debate mais qualificado foram, na pesquisa aqui apresentada, componentes que dificultaram o entendimento e a mudança de perspectiva operante dentro do campo brasileiro da atenção psicossocial.

 

O termo deficiência psicossocial, apontado como uma expressão que poderia diminuir o estigma do termo deficiência no campo, apresenta problemas. As definições atuais focam em sequelas e disfuncionalidades e situam-se no plano da pessoa, apagando o papel das barreiras e opressões sofridas na produção da deficiência. Há o risco de que reproduzam a noção de periculosidade do usuário da Saúde Mental, ao tentarem excluir o louco perigoso do guarda-chuva protetivo da Convenção.

 

Se concordamos com Morgan (2021), que o tratamento psiquiátrico produz impedimentos e deficiências, ou seja, aquilo que se apresenta como tratamento na verdade pode produzir danos de longo prazo, cabe-nos, a partir da nossa posição ética, reafirmar loucura e impedimentos de longo prazo como posturas afirmativas de sujeitos que reiteram sua condição de existência transgressora em um mundo marcado por normatividades de gênero, raça/etnia, modo de pensar e modo de habitar os corpos. Loucos e aleijados, sim, e perigosos também, para todas as normas que operam a manutenção dos grupos privilegiados.

 

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Ricardo Lugon ARANTES Trabalhou no levantamento do cenário nacional e internacional e realização das entrevistas; fez a redação inicial do artigo e participou das revisões posteriores

Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutor em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS (2024), Atuando como professor universitário e consultor do Ministério da Saúde.

 

Analice de Lima PALOMBINI Trabalhou no processo de discussão e revisão crítica do artigo em todas as suas etapas

Psicóloga de formação, mestre em filosofia (UFRGS), doutora em saúde coletiva (UERJ), com atuação em saúde mental, foi docente do Instituto de Psicologia da UFRGS (1996-2023), sendo atualmente docente convidada do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da mesma universidade.

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Editoras responsáveis

Ana Targina Ferraz – Editora-chefe

Maria Lúcia Teixeira Garcia – Editora Temática

 

 

Submetido em: 14/3/2024. Aceito em: 23/7/2024.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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