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Saúde mental e trabalho de jornalistas do Tocantins durante a COVID-19

 

Mental health and work of journalists in Tocantins during COVID-19 

 

Neilson Batista BORGES

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0009-0009-7484-6264

Governo do Tocantins. Secretaria Estadual de Educação e Cultura,

Palmas, TO, Brasil

e-mail: neilsondiantedotrono@hotmail.com 

 

Liliam Deisy GHIZONI

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-1254-7455

Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia,

Curso de Psicologia, Florianópolis, SC, Brasil

e-mail: liliam.ghizoni@ufsc.br

 

Resumo: O presente estudo teve por objetivo investigar de que forma o contexto de trabalho durante a pandemia por COVID-19 afetou a saúde mental dos/das jornalistas do estado do Tocantins. Como método de análise dos dados, foi utilizado o software Nvivo. A análise dividiu-se em dois grandes blocos: Eixo Descritivo e Eixo Analítico. Assim, constatou-se que a mudança de rotina e as estratégias de atuação para a contenção do vírus foram um grande desafio no processo de trabalho desses profissionais. O medo de contrair o vírus, de morrer ou transmiti-lo para seus familiares foram sentimentos que ocasionaram muita perturbação mental, de acordo com os entrevistados. Os atravessamentos vivenciados com relação às condições de trabalho já intercorriam antes do período pandêmico, o que enfraquece grandiosamente o exercício de sua profissão, a saúde mental, e consequentemente a qualidade de vida desses profissionais.

Palavras-chave: COVID-19. Jornalismo. Pandemia. Saúde Mental. Trabalho do Jornalista.

 

Abstract: This study aimed to investigate how the work context during the pandemic affected the mental health of Tocantins Journalists. As an analysis method COVID-19, Nvivo software was used. This analysis was divided into two large blocks: Descriptive Axis and Analytical Axis. Thus, it was found that changing routine and action strategies to contain the virus was a very challenge in the work process of these professionals. The fear of contracting the virus, of dying or transmitting it to family members, was a feeling that caused a lot of mental disturbance among those interviewed. The obstacles experienced in relation to working conditions already occurred before the pandemic period. These greatly weaken the exercise of their profession, mental health as well as the quality of life of these professionals.

Keywords: COVID-19. Journalism. Pandemic. Mental health. Journalist’s work.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Introdução

 

N

este artigo será apresentado o percurso da problematização, ou seja, de que forma o contexto de trabalho dos/das jornalistas do Tocantins, durante a pandemia por COVID-19, afetou sua saúde mental. Identificou-se que “[...] a sensação de isolamento social como um dos fatores cruciais no adoecimento mental, desencadeia neles, sentimentos de angústia, insegurança e medo, que quando não tratados devidamente, podem se prolongar mesmo após o controle do vírus” (Faro et al., 2020, p. 47).

 

Em meio a essa realidade, acrescenta-se a atuação profissional dos/das jornalistas, e sua ampla cobertura realizada nos veículos de comunicação social, sobre os impactos da pandemia por COVID-19 no dia a dia da população, com hospitais em superlotação, boletins epidemiológicos com números alarmantes de incidência de casos e óbitos, além de denúncias de corrupção, desemprego, fome e inflação (Lobo, 2021). Ressalta-se, ainda, as campanhas educativas de combate ao vírus, vacinas, entre outros, podendo sobrecarregar-se mental e emocionalmente frente a essas informações, e influenciando quem irá consumir a produção final desse conteúdo midiático - os espectadores (Noblat, 2021).

 

Desse modo, a organização do trabalho de diversos grupos ocupacionais sofreu profundas alterações quanto à jornada de trabalho, realização de horas extras e ritmo de trabalho (Cueto, 2020). A exploração do trabalhador, diante de uma precarização sem limites, resulta em uma perversidade do ponto de vista social, que se acentuou com a pandemia por COVID-19 (Antunes, 2020a; Lucca, 2020).

 

O que se vê é uma captura, não só do saber fazer dos trabalhadores, mas também a sua disposição intelectual-afetiva, composta para cooperar com a lógica da valorização, do pensar proativamente, inclusive encontrar soluções antes dos problemas acontecerem (Alves, 2011; Antunes, 2020b). Assim, é um desafio para a humanidade contemporânea dar sentido ao trabalho humano, tornando a vida do trabalhador também dotada de sentido (Antunes; Braga, 2015).

 

Diante disso, percebe-se a influência direta no processo de adoecimento mental, uma vez que o trabalho pode ser visto como um fator determinante e social de saúde e adoecimento juntamente com outros fatores, como educação e habitação, que impactam na qualidade de vida da população de forma geral (Federação Nacional dos Jornalistas, 2020).

 

Os/as jornalistas são indivíduos que necessitam de subjetividade para lidarem com as notícias. Seu processo produtivo envolve variáveis que não estão prontas e disponíveis em cartilhas e nem tão pouco são desenvolvidas de imediato (Lobo, 2021). Esses profissionais lidam com demandas cada vez mais pesadas, impostas pela inovação estrutural do trabalho, por novas tecnologias e pela necessidade de estarem sempre atualizando o público. Esse perfil, o de ser multitarefas, se tornou exigência nas empresas e na estruturação de suas equipes, o que colabora para o estresse (Silva; Heloani, 2007).

 

Durante a pandemia, o trabalho dos/das jornalistas se expandiu do trabalho na redação, na rua, em casa e em todas as situações de forma intensificada. A própria pandemia por COVID-19 se configurou em um cenário propício ao adoecimento mental (Reimberg, 2020).

 

Ainda sobre o universo de trabalho nesse contexto, destaca-se que empresas foram orientadas a indicarem o trabalho remoto aos seus trabalhadores, isto é, as atividades executadas em casa. Isso ocorreu com alguns jornalistas, principalmente os que atuavam em redações, outros continuaram expostos aos riscos de contaminação, pois foram obrigados a transmitir notícias in loco, geralmente nos locais onde havia pessoas acometidas pela doença (Casero-Ripollés, 2021).

 

Os desafios da profissão são múltiplos e variam desde a própria precarização dos vínculos empregatícios até os baixos salários, as longas horas de trabalho, além da exigência de diversas habilidades nesse tipo de atuação (Andrade; Assis, 2018).

 

Dessa forma, a atuação jornalística teve que assumir uma postura de linha de frente em meio ao combate da pandemia por COVID-19. As exigências por notícias sobre a crise sanitária mundial aumentaram as pressões psicológicas sobre esses trabalhadores. A redução de receita das empresas de jornalismo também os colocou sob o risco de demissão. O que os obrigou – em alguns casos – a aceitarem uma jornada de trabalho ainda maior com um salário reduzido. Esse acontecimento foi mais expressivo entre as mulheres jornalistas, tendo em vista que, no Brasil, elas atuam mais que os homens (Andrade; Assis, 2018).

 

Assim, independente de gênero, este estudo apresenta um mapeamento investigativo sobre como o contexto de trabalho pode ter afetado a saúde mental dos/das jornalistas do estado do Tocantins durante a pandemia por COVID-19. Especificamente buscou-se: avaliar como o trabalho dos/das jornalistas do Tocantins, nos anos iniciais da pandemia por COVID-19 (no período de março de 2020 a dezembro de 2023), afetou sua saúde mental; analisar as condições de trabalho dos/das jornalistas do Tocantins durante a pandemia por COVID-19 e se estas afetaram sua saúde mental; discutir como os jornalistas do Tocantins lidaram com as relações institucionais de gênero em sua jornada de trabalho durante a pandemia por COVID-19.

 

2 Metodologia

 

Foi realizada uma pesquisa de campo, com a utilização de um roteiro de entrevista semiestruturada e individual. Participaram seis jornalistas do Tocantins, sendo três do sexo masculino e três do sexo feminino, com representação específica, diversificada e intencional de ser um/uma jornalista de cada área de atuação: TV, Rádio, Web, Impresso, Assessoria e Docência. O critério de inclusão foi terem atuado ininterruptamente de março de 2020 a dezembro de 2023. Para acessar os participantes adotou-se a estratégia de bola de neve.

 

As entrevistas aconteceram de forma presencial, individual e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O áudio foi gravado e posteriormente transcrito na íntegra para o word. Cada entrevista durou aproximadamente 1 hora e 30 minutos. Nesse estudo, foram tomados todos os cuidados éticos e o projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal do Tocantins, com protocolo de nº: 6.453.287.

 

As entrevistas foram importadas para o software Nvivo versão 14, individualmente, em formato Doc. O processo de análise consistiu na utilização de ferramentas próprias desse software (análise automática de temas / nuvens de palavras / análise de cluster e análise automática de sentimento) (Lage, 2011), como também no processo de codificação das respostas nos eixos temáticos: saúde mental, condições de trabalho e relações institucionais de gênero, na pandemia por COVID-19.

 

3 Resultados e Discussões 

 

3.1 Identificação de temas e seus subtemas

 

Com a análise automática de tema apresenta-se essa tabela ordenada alfabeticamente em cada código principal.

 

Tabela 1 - Temas e subtemas nas entrevistas 

Código Principal

Códigos secundários

colegas

colegas da cbn

pelas colegas

colegas jornalistas

tenho colegas

demais colegas

teve colegas

outros colegas

vários colegas

jornal

colegas jornalistas

jornalista independente

era jornalista

jornalista na pandemia

jornal daqui

mulher jornalista

jornal impresso

relação ao jornalismo

jornal na casa

rádio jornalismo

jornal popular

sendo jornalista

jornalismo contribua

sou jornalista

jornalismo existe

só jornalista

jornalismo profissionalmente

tivemos jornalistas

jornalismo sozinho

tornei jornalista

jornalista da prefeitura

trabalho no jornal

jornalista exaustivo

tristeza no jornalismo

jornalista homem

vaga no jornal

mulher

cinegrafista mulher

mulher lá

era mulher

mulher na redação

gestora mulher

mulher vai

mulher branca

relação à mulher

mulher da redação

sobrecarga da mulher

mulher fala

talvez mulher

mulher jornalista

trabalho da mulher

Pandemia

ano da pandemia

jornalista na pandemia

chegada da pandemia

nessa pandemia

combate à pandemia

pandemia dentro

conta da pandemia

pandemia desse período

contexto da pandemia

pandemia na cbn

câncer na pandemia

pandemia teve

elemento da pandemia

período da pandemia

filho na pandemia

processo da pandemia

impacto da pandemia

época da pandemia

independente da pandemia

pandemia desse período

período

era naquele período

período da pandemia

nesse período

período pandêmico

num período

pessoas

aquelas pessoas

pessoas na universidade

duas pessoas

pessoas naquela hora

houve pessoas

querendo pessoas

naquelas pessoas

seis pessoas

outras pessoas

tendo pessoas

pelas pessoas

tinha pessoas

político

ato político

poder político

cargo político

política pública eficiente

componente político

políticas internas

contexto político

político desonesto

gestão política

processo político

imprensa política

questão política

interesses políticos

recurso político

lado político

trabalho

atribuo ao trabalho

trabalho jornalístico

autonomia no trabalho

trabalho junto

bom trabalho

trabalho motorista

confiar no trabalho

trabalho mudanças

relação ao trabalho

trabalho na assessoria

trabalho bacana

trabalho no ambiente

trabalho convencional

trabalho no jornal

trabalho da mulher

trabalho num edifício

trabalho desenvolvido

trabalho possível

trabalho discute

trabalho salubre

trabalho essencial

trabalho vivencia

trabalho habitual

tratado no trabalho

trabalho intelectual

 

Em uma análise mais específica, destrincha-se a distribuição dos temas entre os entrevistados. Os resultados se referem à quantidade ou proporção de trechos ou frases presentes em cada um dos temas para cada um dos entrevistados.

 

Tabela 2 - Tabela com a distribuição dos temas entre os entrevistados

Temas

Docente de Jornalismo

Jornalista de Assessoria

Jornalista de Impresso

Jornalista de Radio

Jornalista de TV

Jornalista de Web

colegas

2

4

0

7

1

0

jornal

0

10

19

3

4

5

mulher

0

7

6

2

2

1

pandemia

3

7

8

2

1

1

período

0

10

2

1

0

2

pessoas

6

2

3

1

2

2

político

1

8

7

0

2

0

trabalho

0

14

6

1

3

1

3.2 Frequências das palavras do conteúdo analisado

 

Com o intuito de obter uma representação visual da frequência e importância das palavras nas entrevistas, adotou-se a ferramenta Nvivo. Desse modo, percebe-se a relevância temática entre todos os participantes, apresentada na tabela 3. 

 

Tabela 3 - Frequência de palavras das respostas dos participantes

Palavra

Contagem

Percentual ponderado (%)

Palavras similares

jornalista

417

2,54

jornal, jornalismo, jornalista, jornalistas

trabalho

279

1,70

trabalha, trabalha', trabalhada, trabalhador, trabalham, trabalhamos, trabalhando, trabalhar, trabalhava, trabalhavam, trabalhávamos, trabalhei, trabalho, trabalho', trabalhos, trabalhou

mulher

97

0,59

mulher, mulheres

casa

89

0,54

casa, casadas, casado, casei, caso, casos, casou

pessoas

89

0,54

pessoais, pessoas

falou

86

0,52

fala, falam, falando, falar, falaram, falava, falei, falo, falou

pandemia

85

0,52

pandemia

vacina

75

0,46

vacina, vacinação, vacinada, vacinadas, vacinado, vacinados, vacinando, vacinar, vacinas, vacinei, vacinou

colegas

67

0,41

colega, colegas

assessoria

65

0,4

assessoria

 

A nuvem de palavras representa os termos mais presentes nas respostas dos entrevistados. As palavras estão relacionadas à temática geral da pesquisa, o trabalho dos/das jornalistas durante o período da pandemia. As palavras mais presentes foram: jornalista, trabalho, mulher, casa e pessoas. 

 

Figura 1 – Nuvem de Palavras por frequência

 

Texto

Descrição gerada automaticamente

 

Nessa primeira análise, pôde-se observar uma tendência de homogeneidade no conteúdo.

 

3.3 Análise de Cluster

 

Todos os entrevistados apresentaram similaridades significativas nas palavras, como pode ser observado pelos valores do Coeficiente de Pearson[1] na tabela 4.

 

Tabela 4 - Coeficiente de Pearson dos Clusters

Caso A

Caso B

Coeficiente de correlação de Pearson

Jornalista de Radio

Jornalista de Assessoria

0,88

Jornalista de Web

Docente de Jornalismo

0,86

Jornalista de Web

Jornalista de TV

0,85

Jornalista de Web

Jornalista de Assessoria

0,85

Jornalista de Web

Jornalista de Radio

0,85

Jornalista de Assessoria

Docente de Jornalismo

0,83

Jornalista de TV

Docente de Jornalismo

0,83

Jornalista de TV

Jornalista de Impresso

0,83

Jornalista de Web

Jornalista de Impresso

0,82

Jornalista de TV

Jornalista de Assessoria

0,81

Jornalista de Radio

Docente de Jornalismo

0,80

Jornalista de TV

Jornalista de Radio

0,79

Jornalista de Impresso

Docente de Jornalismo

0,79

Jornalista de Impresso

Jornalista de Assessoria

0,78

Jornalista de Radio

Jornalista de Impresso

0,78

 

Na imagem do dendograma, apresentada na figura a seguir, é possível visualizar dois agrupamentos entre os entrevistados. 

 

Figura 2 - Cluster dos entrevistados

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente

 

Dessa forma, os destaques com mais similaridades são entre: jornalista de Assessoria e jornalista de Rádio (0.88), jornalista de Web e docente de Jornalismo (0.86). A jornalista de TV está mais próxima de similaridade da de Web e do docente do que dos demais. O jornalista de Impresso está mais próximo dos conteúdos dos jornalistas de Assessoria e Rádio. Nesse caso, por se tratar de valores muito próximos e todos com alta significância, as diferenças entre os clusters é pouco acentuada.

 

3.4 Eixos Analíticos

 

3.4.1 A saúde mental dos/das jornalistas do Tocantins que atuaram nos anos iniciais da pandemia por COVID-19

 

Na análise das questões referentes ao “objetivo específico 1: que visou avaliar como o trabalho dos/das jornalistas do Tocantins, nos anos iniciais da pandemia por COVID-19 (nos períodos de março de 2020 a dezembro de 2023), afetou sua saúde mental” apresenta-se a figura a seguir.

 

Figura 3 - Árvore de palavras de saúde mental

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

A adoção de medidas sanitárias, que visavam proteger esses profissionais de uma contaminação, tornou-se um debate comum entre os/as jornalistas e a empresa. Assim, foi comum o aumento do estresse motivado pela fadiga e pelo medo de adquirir a doença e transmiti-la aos seus entes queridos, no lar. A exposição ao vírus, no intuito de levar ao público as informações necessárias sobre a pandemia, fez com que muitos jornalistas desenvolvessem síndromes, principalmente pelo medo de serem demitidos e, assim, em alguns casos, até aceitaram a redução salarial (Taiba; Santos; Coqueiro, 2022).

 

 E aí isso na pressão do jornalismo para noticiar dados atualizados constantemente sobre a proliferação do vírus da COVID-19 na pandemia, isso nos consome e aí a gente, Ah, OK, eu estou preocupado com a sua saúde mental, mas cadê o equipamento para que a minha saúde mental não, não bugue, né? (jornalista de TV).

 

Para além da pandemia por COVID-19, a rotina de trabalho do/da jornalista é permeada frequentemente pela exposição a diferentes fatores de risco psicossocial, tais como o convívio com situações de forte impacto emocional, a premência do tempo, a pressão dos editores-chefes pelo fechamento da pauta e a competição, entre outros (Taiba; Santos; Coqueiro, 2022, p. 95).

 

Como chamar os resultados desse ataque à saúde mental? O cansaço , o medo de contrair o vírus da COVID-19 e morrer no retorno do remoto. Uma quase alergia ao se pensar no trabalho presencial novamente. Enquanto ele era a única opção, vamos lá, após passar a haver outras opções. É desesperante para mim, é desesperante (docente de Jornalismo). 

 

Vale ressaltar, que as expressões com mais proximidade visualizadas nas frases são: correr o risco, falta de tempo, abalou o emocional e me fez questionar muito a minha vida. São expressões que sempre denotam a preocupação ou até a falta de amparo ao profissional.

 

Tabela 5 - Sentimento sobre a saúde mental

N

%

Muito negativo

41

27%

Moderadamente negativo

61

40%

Moderadamente positivo

36

26%

Muito positivo

12

8%

 

Observa-se, nesta tabela, a predominância de frases com conotação negativa. Somando as negativas, têm-se 102 frases. As positivas somam 48 frases. As referências em trechos negativos são mais que o dobro das referências positivas. Neste sentido corroboram algumas falas.

 

- Negativo:

A questão assim, talvez a frustração de não ver de repente chegar a todo mundo aquele resultado que eu imaginava, pois devido a necessidade dos recursos tecnológicos para se manter a comunicação no período pandêmico e com isso conter a proliferação do vírus, nem todos tinham acesso a esses recursos e com isso há essa integração e comprometimento (docente de Jornalismo). 

 

Por esse motivo, os/as jornalistas tiveram no contexto pandêmico, o grande desafio de se apropriarem ao máximo de recursos tecnológicos que facilitassem sua comunicação, porém, em diversas situações, muitos desses profissionais atuaram de forma limitada, por não possuírem condições financeiras para dispor de recursos para a execução de seu trabalho, até mesmo devido a suas limitações salariais (Lima, 2022). 

 

Passei por uma situação uma vez, duas situações muito difíceis na minha vida profissional como jornalista. Passei por uma situação em que uma chefe ela me humilhava todos os dias devido à pressão para constante atualização das notícias sobre a COVID-19 no primeiro ano da pandemia (2020) (jornalista de Assessoria).

 

Assim, no assédio moral, ocorre a desqualificação em função do trabalho, com situações de humilhações verbais, isolamento do profissional de suas reais funções, bem como a redução de tarefas para inibir sua atuação profissional (Andrade; Assis, 2018). 

 

Eu ouvia isso direto de um colega [...] me sentia muito mal, tipo, invalidava todo o esforço de todo mundo, ainda mais na pressão absurda para cobertura e atualização das notícias sobre a COVID-19, na pandemia (jornalista de Web). 

 

Na pandemia por COVID-19, a intensa competição pelo furo de reportagem e pela primazia da notícia entre os/as jornalistas, fez com que o clima rivalizado, vivenciado nessa categoria profissional desde sempre, se intensificasse, passando muitas vezes por cima da própria ética profissional (Lobo, 2021). 

 

- Positivo:

Só que eu não me deixo abater, simplesmente eu faço o seguinte: eu faço o meu trabalho com excelência, eu procuro entregar um bom trabalho, mas em compensação eu estou estudando para outra área, pois devido a minha atuação como assessor na pandemia ter sido esgotante, desejo muito em breve migrar para outra profissão (jornalista de Assessoria).

 

Compreende-se, que nesse contexto, o tema saúde mental é muito frágil. O assédio moral definido como toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se “[...] sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos escritos que possam trazer danos à personalidade, a dignidade ou a integridade física e psíquica de uma pessoa coagindo-a a se sentir ameaçada ou degradada em seu ambiente de trabalho [...]” (Andrade; Assis, 2018, p. 2), foi identificado na fala da entrevistada, a seguir. 

 

[...] De assédio moral, bastante, principalmente de um chefe me tirando o vídeo, porque eu estava eu aumentei o peso e ele falou não, você não serve. Uma vez eu não tinha ninguém, para apresentar o jornal da manhã, pois, nesse dia todas as apresentadoras estavam com medo de vir apresentar o jornal e contraírem a COVID-19, ainda em 2020. Eu precisei substituir e ele falou assim, não venha com os braços à mostra porque os seus braços estão muito gordos. Coisas desse sentido já, já passei bastante (jornalista de TV).

 

Desse modo, a pressão pela constante atualização de notícias referentes à pandemia por COVID-19, foi um fator desencadeador de grande estresse e ansiedade vivenciado pelos jornalistas nesse contexto, o que afetou inclusive sua autoestima, confiança e produtividade, trazendo assim a sensação e o sentimento de insegurança e descrédito com relação a sua competência profissional (Reimberg, 2020).

 

No período inicial da pandemia em 2020, o home office fez isso comigo, me esgotou porque eu perdi totalmente a noção do tempo, era 24 horas por dia em função da cobertura sobre a COVID-19 (jornalista de TV).

 

Lima (2022) enfatizou que a modalidade Home Office se iniciou antes da pandemia, no intuito de proporcionar ao trabalhador uma administração a contento de seu cotidiano laboral. O que se viu foi o esgotamento dos/das jornalistas participantes. 

 

Eu tenho muitas sensações de vazio. Mau humor nem tanto, mas a sensação de achar que eu não dou conta de fazer as coisas assim. Solidão [...] (jornalista de Web). 

 

Dessa forma, ao refletir sobre a saúde mental dos indivíduos e todo o contexto social resultante da pandemia por COVID-19, identifica-se que “[...] a sensação de isolamento social, desencadeia nos mesmos, sentimentos de angústia, insegurança e medo, que quando não tratados devidamente, podem se prolongar, mesmo após o controle do vírus” (Faro et al., 2020, p. 47).

 

Além disso, sobre a violência no desempenho da profissão, Andrade e Assis (2018) conceituam como sendo todo o exercício de força contra um trabalhador que causa ou não danos físicos ou o abuso verbal e o bullying, que resultam em abalos psicológicos e emocionais. Neste aspecto, houve relatos de humilhações no ambiente de trabalho e até de ameaças à vida dos entrevistados e suas famílias, por temas abordados em suas reportagens.

 

Nesse contexto, houve ameaça de pessoas ligarem para minha família, de me ameaçarem de ligarem para mim tentando proibir a matéria ou tentando oferecer dinheiro para uma matéria não sair. Em 2020 no ápice da pandemia por COVID-19, isso aconteceu bastante (jornalista de Impresso).

 

Isso é tão sério que eu não esqueci [...]. Eu tinha vontade de fazer um programa de rádio e só quem fazia o programa era ela [chefe]. Eu fazia o texto para ela divulgar as notícias nesse programa de rádio (jornalista de Assessoria).

           

Essas situações expõem a precariedade vivenciada nesse universo laboral, agravado no período pandêmico, pois muitos dos profissionais, para não ficarem desempregados, se submeteram a essas condições, estando muitas vezes de mãos atadas para não perderem seu emprego. Dessa forma, a saúde mental foi quem pagou essa conta, e em alguns casos, com danos irreversíveis (Andrade; Assis, 2018).

 

3.4.2 As condições de trabalho dos/das jornalistas do Tocantins durante a pandemia por COVID-19 

 

A árvore de palavras, da figura a seguir, apresentou as palavras que apareceram junto às citações sobre o ambiente de trabalho dos entrevistados. Dessa forma, foi desenvolvido o objetivo específico 2, que visou analisar as condições de trabalho dos/das jornalistas do Tocantins durante a pandemia por COVID-19 e se afetaram sua saúde mental.

 

Figura 4 - Árvore de palavras do ambiente de trabalho

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

De modo em geral, os temas próximos ao ambiente de trabalho se referem às condições físicas e estruturais dos locais, e foram vistos de modo positivo entre os entrevistados. Observou-se pouca diferença entre os sentimentos positivos e negativos.

 

Tabela 6 - Sentimento sobre as condições de trabalho

N

             %

Muito negativo

23

           13%

Moderadamente negativo

69

           39%

Moderadamente positivo

64

           36%

Muito positivo

20

           11%

- Positivo:

Nós temos um ambiente de trabalho muito bom, ? Nós temos equipamentos modernos, nós temos um ambiente de trabalho salubre e nós temos diálogos, nós nos comunicamos, nós discutimos pautas. [...] Lá é muito bom, mesmo com a correria infernal que foi no ano de 2020, ano inicial da pandemia por COVID-19 e incertezas de um futuro vitorioso, na luta pela sobrevivência, nesse contexto (jornalista de Assessoria).

 

Como já referido, Lobo (2021) enfatiza que os/as jornalistas são indivíduos que necessitam de subjetividade para lidarem com as notícias. Seu processo produtivo envolve variáveis que não estão prontas e disponíveis em cartilhas e nem tão pouco desenvolvidas de imediato. Esses profissionais lidaram na pandemia com demandas cada vez mais pesadas, impostas pela inovação estrutural desse trabalho, por novas tecnologias e pela necessidade de estarem sempre atualizando o público (Silva; Heloani, 2007). 

 

Mas depois que terminou esse período, como houve maior aproximação com os colegas de trabalho e com a chefia mais próxima, melhorou mais a comunicação (jornalista de Assessoria).

 

Com as campanhas de intensificação da vacinação no segundo semestre de 2021, o retorno do remoto para o presencial se tornou um processo menos estressante. Principalmente para os/as jornalistas, que mesmo sendo categoria profissional atuante na linha de frente da cobertura e divulgação das notícias sobre a pandemia por COVID-19, não receberam a vacina junto com os profissionais da saúde, no primeiro momento, tendo suas vidas expostas constantemente ao risco da contaminação. Com o retorno, a interação presencial foi um fator de grande relevância na produtividade do trabalho em equipe (Lobo, 2021).

 

Eu me considero feliz sendo jornalista, [...] embora tenha essas funções [...] [de] supervisão, que eu fico até o fechamento do jornal, eu sou um repórter, todos os dias eu escrevo, no período pandêmico de forma em geral, esse processo foi esgotador (jornalista de Impresso).

 

A pandemia por COVID-19 ocasionou, na rotina de trabalho dos/das jornalistas, situações estressantes e desgastantes, deixando-os psicologicamente fragilizados, principalmente pelas pressões por grande produtividade em curto espaço de tempo. Porém, um fator positivo a se pensar, nesse processo, foi que muitos dos jornalistas esgotados nesse contexto, atuaram também pelo gosto da profissão, dessa forma, “[...] a sensação prazerosa e exitosa nos resultados alcançados, trouxe certo equilíbrio sobre o desgaste incalculável vivenciado nesse contexto” (Reimberg, 2020, p. 58).

 

- Negativo:

Não por causa da pandemia, mas ela tornou isso muito mais forte, a gente tem uma outra sociedade hoje para mim, a grande força da docência sempre foi estar junto com os alunos e a ideia do estar junto hoje é muito diversa, mesmo estando junto no mesmo ambiente, há uma distância muito grande (docente de Jornalismo).

 

A alegria, a tristeza, esses sentimentos de frustração estão muito ligados no jornalismo, no sentido de apuração. [...] durante um ano, acho que nossa chefia veio aqui uma vez, o resto fomos nós expostos ao vírus e ao medo da morte, como se ela nos perseguisse constantemente. Essa foi a sensação que tive de 2020 até 2022, mesmo com a chegada da vacinação (jornalista de Impresso).

 

Os entrevistados acima enfatizam que apresentaram, em algum momento de sua carreira, o sentimento de deixá-la, mas é algo que não ocorre mais no presente. De modo geral estão satisfeitos com o cargo que ocupam hoje e a maioria não demonstrou interesse em mudar de profissão.

 

3.4.3 As relações institucionais de gênero dos jornalistas do Tocantins durante a pandemia por COVID-19

 

Neste último objetivo específico discutiu-se como os jornalistas do Tocantins lidaram com as relações institucionais de gênero em sua jornada de trabalho durante a pandemia por COVID-19.

 

Tabela 7 - Frequência de palavras

Palavra

Contagem

Percentual ponderado (%)

Palavras similares

mulher

91

4,32

mulher, mulheres

trabalho

39

1,85

trabalha, trabalhando, trabalhar, trabalhava, trabalhei, trabalho

jornalistas

31

1,47

jornal, jornalismo, jornalista, jornalistas

filhos

23

1,09

filha, filho, filhos

pandemia

21

1,00

pandemia

casa

19

0,90

casa, casadas, caso, casos, casou

cuidar

17

0,81

cuidado, cuidados, cuidando, cuidar

colegas

16

0,76

colega, colegas

homem

13

0,62

home, homem

homens

13

0,62

Homens

chefe

12

0,57

chefe, chefes, chefia

vejo

12

0,57

Vejo

volta

12

0,57

volta, voltar, volto, voltou

falo

11

0,52

fala, falam, falando, falar, falei, falo

pouco

11

0,52

poucas, pouco

repórter

11

0,52

repórter, repórteres

sentido

11

0,52

senti, sentido, sentir, sentiu

diferença

11

0,52

diferença, diferenças, diferenciada, diferenciado

relação

10

0,47

Relação

geral

9

0,43

Geral

 

A nuvem de palavras a seguir contempla questões sobre relações de gênero, especificamente mulheres, e observam-se palavras associadas como: casa, filhos, exemplo, homem, colegas, chefe e relação.

 

Figura 5 - Nuvem de palavras das questões sobre relações de gênero

Texto

Descrição gerada automaticamente

No Jornalismo, as mulheres protagonizam uma disparidade de atuação bem maior que os homens e as situações de entraves são vivenciadas constantemente em seu universo laboral, simplesmente pelo fato de serem mulheres em atuação (Andrade; Assis, 2018).

 

Figura 6 - Árvore de palavras mulheres

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

Os termos que aparecem nas frases, que contêm a expressão as mulheres, discorrem sobre como estas estão conquistando cada vez mais espaço, buscam mais conhecimento, são mais organizadas, porém, são mais desrespeitadas e questionadas. Na análise de sentimento foram encontradas 56 frases negativas e 29 positivas. As questões de relações de gênero não são vistas como positivas entre os participantes.

 

Tabela 8 - Sentimento sobre as relações de gênero

N

%

Muito negativo

19

     22%

Moderadamente negativo

37

     44%

Moderadamente positivo

22

     26%

Muito positivo

7

       8%

 

Nessa análise, é perceptível o grande desafio das mulheres na conquista de seu espaço no mercado de trabalho, pois mesmo com os avanços alcançados, elas ainda lidam com muitas barreiras para se estabelecerem nesse espaço já conquistado (Solon; Araújo; Rodrigues; Nunes, 2020). 

 

Tabela 9 - Sentimento entre homens e mulheres

Homem (3)

Mulher (3)

             

N

N             %

          N

                %

Negativo

7

37           62

         19

76

Positivo               

3

23           38

           6

24

 

Na distinção dessa análise entre homens e mulheres, pode-se observar, pela tabela acima, que as diferenças não são tão relevantes. Para os dois grupos a concentração está na percepção negativa, porém, sendo maior para as mulheres.

 

As ponderações dos entrevistados foram sobre a sobrecarga das mulheres que realizam, além do trabalho remunerado na sua área de atuação, atividades em casa e cuidam de pessoas da sua família.   

 

A sobrecarga da mulher, ela já é maior no dia a dia e na pandemia (jornalista de Impresso - Homem).

 

Têm as crianças, é muito diferente e o homem assim, na minha percepção, continuou tudo igual. Agora a mulher, tanto é que a gente teve colega aqui que teve neném na pandemia e quando voltou, não conseguiu mais trabalhar (jornalista de TV - Mulher).

 

4 Considerações Finais

 

Diante dos resultados obtidos, e retomando os objetivos deste estudo, chegou-se às seguintes considerações: no primeiro objetivo, que visou avaliar como o trabalho dos/das jornalistas do Tocantins, nos anos iniciais da pandemia por COVID-19 (nos períodos de março de 2020 a dezembro de 2023), afetou sua saúde mental, percebeu-se que a mudança de rotina e as estratégias de atuação para a contenção do vírus, foram um grande desafio no processo de trabalho desses profissionais. O medo de contrair o vírus, de morrer ou transmiti-lo para seus familiares foram sentimentos que ocasionaram muita perturbação mental aos entrevistados.

 

Além disso, se a rotina de trabalho desses profissionais já era esgotante antes da pandemia, nos períodos mais intensos isso se multiplicou de forma incalculável, pois o Home Office, como medida de proteção e segurança para os profissionais, teve seus prós e contras. Os prós foram: mais segurança ao poder trabalhar em casa de forma isolada e segura, como também dispor de certo conforto propiciado nesse ambiente, entre outros.

 

Já os contras indicaram que essa modalidade de trabalho os colocou em uma situação em que sua chefia, em muitos casos e de forma abusiva, extrapolou todos os limites possíveis na exigência e no cumprimento da carga horária. Isso fez com que esses profissionais, de forma esgotante, se submetessem a um ritmo de trabalho adoecedor, de praticamente 24 horas de atuação, para que produzissem constante atualização das notícias sobre a pandemia por COVID-19. A consequência dessa sobrecarga de trabalho diária trouxe uma acentuada desorientação de tempo e rotina fora desse contexto, entre outros prejuízos. Assim, todo esse processo inicial de readequações exigido para a contenção do vírus, trouxe danos gravíssimos à saúde mental dos/das jornalistas, em grande parte, independentemente do local onde atuavam.

 

No segundo objetivo, que visou analisar as condições de trabalho dos/das jornalistas do Tocantins durante a Pandemia por COVID-19, e se essas afetaram sua saúde mental, percebeu-se, a partir do conteúdo apresentado, que esses atravessamentos vivenciados com relação às condições de trabalho, são anteriores á pandemia, pois nas falas de alguns entrevistados foi exposto que, em certas experiências, o profissional recebia apenas o salário e tinha que arcar do próprio bolso para obter as ferramentas e os equipamentos necessários para execução de seu trabalho. Os participantes relataram sensação de pânico ao realizarem coberturas jornalísticas em locais com aglomerações.

 

No terceiro e último objetivo, que discutiu como os jornalistas do Tocantins lidaram com as relações institucionais de gênero em sua jornada de trabalho durante a pandemia por COVID-19, foi enfatizado que, quando o assunto é gênero, essa questão já se discutia anteriormente ao período pandêmico, pois a mulher, independentemente de sua classe profissional, se encontra sempre em um processo de busca e luta por seu espaço no mercado de trabalho; o peso e a cobrança moral e social sobre ela é muito grande, simplesmente pelo fato de ser mulher, independentemente da sobrecarga de papéis e funções que ela exerça em sua vida.

 

Desse modo, o percurso alcançado para o desfecho deste artigo, nos leva a percepção de que o contexto de trabalho dos/das jornalistas, não só no Tocantins, mas de forma geral, é permeado por uma série de atravessamentos (discutidos inclusive no material bibliográfico encontrado e utilizado, de pesquisas executadas em outros contextos de cultura, território, de períodos anteriores à pandemia, com ênfase e coerência no assunto), que enfraquecem grandiosamente o exercício de sua profissão. Esses atravessamentos interferem não só na saúde mental como também na qualidade de vida desses profissionais.

 

Assim, diante dessas situações enfatizadas, como apresentar estratégias necessárias para lidar com essas questões? É possível, diante dessas fragilidades institucionais, estabelecer uma relação de equilíbrio e limites entre contratado e contratante? Afinal de contas, esses profissionais precisam trabalhar para manter seu sustento.

 

Caso haja essas possibilidades, de que forma isso seria firmado? É possível propor um acordo trabalhista que beneficie ambas as partes? Tanto o empregado como o empregador? Desse modo, acredita-se que, diante desse cenário frágil e adoecedor, essa seria a primeira estratégia preventiva para o autocuidado: estabelecer uma comunicação assertiva no ato da contratação com o contratante, refletindo e avaliando em conjunto sobre os limites e possibilidades que propiciem o bem-estar a ambas as partes. É claro que diante desses entraves, os detentores do poder sempre terão a vantagem. É complexo prosseguir nessa reflexão, pois diante da necessidade de trabalhar, na maioria das vezes, os profissionais acabam vendendo sua vida e saúde mental (Reimberg, 2020).

 

As estratégias individualizadas também são importantes: ter uma rotina diária saudável de alimentação, de exercícios, de sono, de lazer, de leitura, de construir relacionamentos saudáveis, de manter os cuidados com a saúde etc. Mas na organização do trabalho, o que de fato vai mudar? Talvez esses questionamentos justifiquem as limitações no desenvolver desta pesquisa.

 

Vale ressaltar, que mesmo a pesquisa se utilizando de entrevistas com apenas seis jornalistas, o conteúdo extraído e analisado foi suficiente e coerente para cumprir o percurso proposto, estando presente nas reflexões discutidas de acordo com a bibliografia levantada.

 

Seria presunçoso pressupor que essa questão enfatize certo desinteresse dos pesquisadores da comunicação em produzir pesquisas direcionadas a essa temática? Se sim, por quê? Por não ser relevante, ou por que diante dessas questões trabalhistas não se tem muito o que fazer? Ou pelo fato de a pandemia trazer à tona essas questões com uma proporção gigantesca? O fato é que o contexto precarizado de trabalho dos/das jornalistas, independentemente das limitações apresentadas nesse estudo, de ser no período pandêmico ou não, existe a necessidade de pesquisas/estudos com discussões mais profundas, porém, cautelosas, sobre como esse contexto pode afetar a saúde mental desses profissionais.

 

A classe profissional precisa se posicionar para mudar essa realidade e produzir mais reflexões que possam servir para conscientizá-la sobre a importância de vivenciar o exercício profissional em um universo laboral que propicie não o adoecimento, mas a possibilidade de vivenciá-lo de forma saudável e equilibrada, não responsabilizando o trabalhador pela sua saúde/doença, mas sim analisando os processos de trabalho e a organização em que ele se insere, visando mudanças promotoras de saúde.

 

Referências

 

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Neilson Batista BORGES Trabalhou na concepção e delineamento, análises e interpretações do estudo, redação do artigo e aprovação da versão a ser publicada.

Mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), especialista em Educação especial e inclusiva (Faveni), especialista em Atendimento Educacional especializado e salas de recursos multifuncionais (Faveni), especialista em Psicologia Social (UNIP/GO), especialista em psicologia comunitária pela Unileya. Psicólogo (CEULP/ULBRA). Atua como psicólogo na Secretaria Estadual de Educação e Cultura- SEDUC em Palmas – TO. No CNPQ participa do Grupo de Pesquisa Trabalho e Emancipação.

 

Liliam Deisy GHIZONI Trabalhou na concepção e delineamento, nas interpretações dos dados, na revisão crítica e na aprovação da versão a ser publicada. Doutora em Psicologia Social, do trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB), Professora na Universidade Federal do Tocantins (UFT) até abril de 2024, atualmente professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Departamento de Psicologia. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho e Emancipação.

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Editoras responsáveis

Ana Targina Ferraz – Editora-chefe

Maria Lúcia Teixeira Garcia – Editora Temática

 

 

 

Submetido em: 24/4/2024. Revisto em: 6/8/2024. Aceito em: 4/10/2024.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Creative Common - by 4.0

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.

 

 



[1] O coeficiente de Pearson é um coeficiente que é empregado para mensurar em escala métrica a correlação entre duas variáveis. Seus valores variam de -1 a 1 onde o resultado mais próximo de -1 indica uma correlação negativa e quanto mais próximo de 1 mais forte é essa correlação (Figueiredo; Silva, 2009).