Sociologia
do negro brasileiro
The sociology of black Brazilians
João
Paulo da Silva VALDO*
Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
e-mail:
jp.valdo@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-1347-8228
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RESENHA/ BOOK REVIEW |
Clóvis Moura. Sociologia
do negro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019. (Coleção
Palavras Negras). 320 p. |
P |
ublicado
em 1988, ano do centenário da abolição inconclusa, Sociologia do Negro
Brasileiro é resultado de um trabalho/síntese de mais de 20 de anos estudos
e militância, de um grande intelectual marxista e intérprete do Brasil, Clóvis
Moura. A segunda edição desse livro foi publicada em 2019 e conta com a
apresentação do professor doutor Dennis de Oliveira e com o prefácio do
professor doutor Cleber Santos Vieira, ambos intelectuais militantes do
movimento negro e pesquisadores.
Dono
de uma vasta produção teórica que acerta contas com a história da nossa
formação social, Clóvis Moura, apresenta nessa obra uma proposição analítica
sobre o problema do negro do Brasil que confronta criticamente o pensamento
social brasileiro e coloca a luta do povo negro no centro de sua reflexão sobre
a formação social do Brasil. Como o próprio autor sinaliza: é um livro que
busca respostas a questão da população negra no país a partir de dois níveis:
i) teórico, ao propor uma crítica epistemológica aos trabalhos tradicionais das
ciências sociais sobre o negro na sociedade de classes; e ii)
metodológico, a partir do método crítico-dialético, para explicar o processo
histórico e dinâmico da luta dos negros escravizados no país.
Este livro surge,
pois, no momento em que o problema do negro está sendo
nacionalmente reposicionado e questionado em face da necessidade de uma
avaliação do que foram os cem anos de trabalho livre para ele. Daí a nossa
preocupação em levantar algumas questões que poderão explicar sua situação de
marginalização, pobreza, discriminação e rejeição social por parte de grandes
segmentos da população brasileira. Não escrevemos, pois, por causa de uma
pretensa moda comemorativa (mesmo porque não há nada de comemorar), mas como um
material de reflexão para todos aqueles que não se aperceberam da importância
do assunto, e, ao reconhecê-la, possam fazer uma análise crítica a respeito do
comportamento alienado de uma grande parte da nossa nação que os negros criaram
com o seu trabalho durante quase quatrocentos anos como escravos, e, depois,
com cem anos de trabalho livre (MOURA, 2019, p. 35- 36).
Na
primeira parte do livro, Clóvis Moura, apresenta uma leitura crítica as
abordagens tradicionais das ciências sociais sobre a condição do negro na
sociedade brasileira e aponta a luta de classes como ferramenta essencial para análise
das estruturas desiguais e racistas do país.
A
crítica do autor busca romper com o pensamento social subordinado a uma
estrutura dependente que é mediada por dois aspectos: uma suposta imparcialidade científica e uma
ideologia racista racionalizada, reflexo do processo de escravização que
atravessa a formação social brasileira. Portanto, o objetivo de Moura é uma
construção analítica que avance em elaborações teóricas sobre os problemas
reais dos negros do país, que seja ferramenta para prática.
Ainda, segundo Moura, houve a construção
de um aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista que foi
responsável pela formação de um pensamento social racista que permeia a
realidade brasileira até os dias de hoje. Esse pensamento foi fundamental nas
elaborações teóricas que esvaziaram as tensões entre os negros escravizados e
os senhores de escravos e o Estado, e na construção da imagem do negro
deslocada da sua humanidade.
[...] há um continuam
nesse pensamento social da inteligência brasileira: o país seria tanto mais
civilizado quanto mais branqueado. Essa subordinação ideológica desses
pensadores sociais demonstra como as elites brasileiras que elaboram esse
pensamento encontram-se parcial ou totalmente alienadas por haverem assimilado
e desenvolvido a ideologia do colonialismo. A esse pensamento seguem-se medidas
administrativas, políticas e mesmo repressivas para estancar o fluxo
demográfico negro e estimular a entrada de brancos ‘civilizado’ (MOURA, 2019,
p. 49- 50).
É através desse aparelho ideológico de
dominação que se efetivou uma série de estratégias de imobilismo social, seja
através da literatura, da cultura, da imagem do negro inferiorizada,
incapacitada ao trabalho e de compor o processo de desenvolvimento do país, que
já estava presente na estrutura do sistema escravista e se perpetuou no
processo de transição a sociedade de capitalismo dependente.
Essa interpretação de Moura é chave
reflexiva importante para elaboração das categorias grupos diferenciados e
específicos. Ponto alto de suas reflexões nessa primeira parte da obra.
[...] o grupo
diferenciado tem as suas diferenças aquilatadas pelos valores da sociedade
de classes, enquanto o mesmo grupo passa a ser específico na medida em que ele próprio sente essa diferença e, a
partir daí, procurar criar mecanismos de defesas capazes de conservá-lo específico ou mecanismo de integração na
sociedade (MOURA, 2019, p. 148).
Clóvis Moura aponta que os grupos
específicos foram criados como forma de resistência e reconhecimento da
população negra enquanto tal, num sistema escravista que impedia a tomada de
consciência e a construção de uma ideologia entre a população negra. Esses
grupos específicos foram fundamentais para a existência negra no período da
escravização, seja os grupos mais rebeldes ou aqueles grupos de resistência no
interior das senzalas. Esses grupos irão permanecer após a Abolição seja em
organizações religiosas, escolas de samba, grupos de teatro, grupos políticos,
como a Frente Negra, além da imprensa.
É preciso, por isso, que se compreenda a essência
eminentemente dialética da dicotomia: grupos diferenciados e específicos.
Ela somente existe (pelo menos com o sentido de rejeição de um dos grupos) em
uma sociedade de classes e como unidade contraditória de uma realidade
conflitante. Isso é o que explica por que os negros e mestiços no Brasil -
englobados genericamente pelas classes dominantes com negros - continuam se organizando em grupos específicos para
resistirem às forças desintegrativas que atuam contra
eles (MOURA, 2019, p. 152).
Já na segunda parte do livro, Clóvis
Moura vai apresentar uma
interpretação na qual os fundamentos dos tensionamentos entre as classes
sociais no Brasil partem da relação antagônica entre senhores de escravos e
negras/os escravizados, que compõe a dinâmica universal do desenvolvimento do
capitalismo e sua sanha por superexploração da força de trabalho e acumulação
de capital na particularidade do nosso país.
Moura
coloca no centro de sua análise o papel ativo e rebelde da população negra num
estado permanente de tensão e resistência ao sistema escravista, como por
exemplo, a experiência da República de Palmares. Ainda que não se tenha um
vasto registro sobre esse importante fato da luta e organização negra no
Brasil, Clóvis Moura, demonstra que Palmares foi:
[...] uma alternativa
surpreendente progressista para a economia e os sistemas de ordenação social da
época. Um embrião de nação que foi destruído para o seu exemplo não
determinasse uma economia que transcendesse os padrões económicos e políticos
do sistema escravista (MOURA, 2019, p. 220).
A
partir de dois momentos Moura vai explicar o nascimento, apogeu, decadência e decomposição do
escravismo no Brasil. São eles: escravismo pleno (1550 até 1850) e
escravismo tardio (1851 a 1888).
A
fase do escravismo pleno é marcada pelo crescimento da escravização, rebeliões
dos negros escravizados até a promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que
extinguiu o tráfico internacional dos negros africanos escravizados. E é nesse
longo período que esse modo de produção vai impulsionar as estruturas da
sociedade brasileira e determinar a relação entre duas classes fundamentais:
senhores de escravos e negros.
É
nesse contexto que teremos de um lado: a superexploração da força de trabalho
escravizada como fundamental para a acumulação primitiva de capital ao
capitalismo europeu, em sua fase mercantil, determinando a subordinação da
economia interna à dominação externa. Por outro lado: as rebeliões das senzalas que demonstraram a capacidade do negro
escravizado de se rebelar contra o sistema escravista, cumprindo o papel
essencial de tensionar as relações de escravização que sustentavam esse
sistema.
A
última fase do escravismo colonial, o escravismo tardio, demarca o período de
proibição formal do tráfico internacional de escravos a lei Áurea, que
fundamentalmente é a transição do trabalho escravo ao trabalho livre,
consolidando nossa relação de dependência. É derrocada final do escravismo
colonial e a consolidação da transição à uma sociedade
competitiva de capitalismo dependente, articulado ao imperialismo inglês, que
exigiu da elite escravista, do governo e dos políticos e intelectuais, a
organização de um processo de transição política e econômica que deixasse
intacto o poder, a riqueza e o prestígio do bloco de poder escravista.
136
anos após a farsa da abolição do Brasil, Sociologia do Negro Brasileiro,
sem sombra de dúvidas são daquelas obras necessárias para interpretação da
realidade brasileira, mas não só. É uma frutífera arma de combate ao racismo.
[...] não quero que
exista uma sociologia negra no Brasil, mas que os cientistas sociais
tenham uma visão que enfoque os problemas étnicos do Brasil a partir do negro
pois, até agora, com poucas exceções, que se vê é uma ciência social que
procura abordar o problema através de uma pseudo-imparcialidade
cientifica que significa, apenas, um desprezo olímpio pelos valores humanos
imbricados na problemática estudada por eles. Não observam, dessa maneira, que
seus conceitos teoricamente corretos (dentro da estrutura conceitual da
sociologia acadêmica) coloca-os “de fora” do problema, e, portanto, não
penetram na sua essência, são anódinos, inúteis, desnecessários à solução da
questão social e racial do negro e, por isso mesmo, sãs frutos de uma ciência
sem práxis e que se esgota na ressonância que o autor desses trabalhos obtém no
circuito acadêmico do qual faz parte (MOURA, 2019, p. 33).
Referências
MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2019.
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Joao Paulo da Silva VALDO
Assistente
Social (UFES), Mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Regional
(UFF/Niterói) e Doutorando em Serviço Social (UFRJ). Pesquisador do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Questão Racial e Serviço Social (GEPEQSS) -
UFF/Niterói, do INTERFACES - Grupo de Estudo Fundamentos da teoria social
crítica, Serviço Social e Política Social - UFES e do Grupo de Estudos sobre o
Pensamento Social de Clóvis Moura - UFES/UFF. Desenvolve estudos e pesquisas na
área de Serviço Social, com ênfase nos seguintes temas: Capitalismo Dependente,
Educação Superior, Questão Racial e Fundamentos do Serviço Social. Possui
experiência profissional com assessoria parlamentar, docência no ensino
superior e pesquisa.
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* © A(s) Autora(s)/O(s)
Autor(es). 2024. Acesso Aberto.
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