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Educação antirracista e ações afirmativas contra o crime perfeito

 

Anti-racist education and affirmative action against the perfect crime

 

Arilson dos Santos GOMES*

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Acarape, CE, Brasil.

Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em História, Fortaleza, CE, Brasil.

e-mail: arilsondsg@yahoo.com.br

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0003-0214-2312

 

Matilde RIBEIRO

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Acarape, CE, Brasil.

e-mail: mribeiro@unilab.edu.br

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-5161-5924

 

Tiago Morais de FREITAS

Prefeitura de Fortaleza, Secretaria de Educação, Fortaleza, CE, Brasil.

e-mail: tiago.morais@educacao.fortaleza.ce.gov.br

Descrição: Ícone

Descrição gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0001-9950-7167

 

Resumo: No auge das discussões sobre a política de cotas raciais, no Brasil, o antropólogo Kabengele Munanga (2010) disse: “Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo”. Portanto, como consolidar direitos e combater o racismo sem racistas? Diante disso, este texto, por meio do uso de revisão de literatura narrativa e embasado em análises de um arcabouço legislativo, procura evidenciar: quais seriam as ferramentas para tensionar o racismo brasileiro? O estudo conclui que uma das armas contra o crime perfeito, além do Ministério Público e de movimentos sociais atuantes, seja que os sujeitos beneficiários das Ações Afirmativas, por meio das cotas raciais, estejam comprometidos com a atualização de normas e regras de currículos hegemônicos e atentos aos editais de seleção, que sejam conscientes da atuação histórica do Movimento Negro para a mudança de paradigmas sociais e raciais, que possibilitam transformações estruturais da sociedade ainda impregnadas pela ideologia do racismo.

Palavras-chave: Movimento Negro. Direitos. Educação antirracista. Ações Afirmativas.

 

Abstract: At the height of discussions around the policy of racial quotas in Brazil, anthropologist Kabengele Munanga (2010) said: “Our racism is a perfect crime, because the victim himself is responsible for his racism”. How can we, therefore, consolidate rights and combat racism without racists? Through a review of the narrative literature, and based on analysis of the legislative framework, this text highlights the tools required to put pressure on Brazilian racism? It concludes that, in addition to the Public Prosecutor’s Office and active social movements, one of the weapons against the perfect crime is that those benefiting from Affirmative Actions through racial quotas are committed to updating the norms and rules of hegemonic curricula, are aware of the selection criteria, and are aware of the historical role of the Black Movement in changing the social and racial paradigms which enables the structural transformation of a society still permeated by the ideology of racism.

Keywords: Black movement. Rights. Anti-racist education. Affirmative actions.

 

Submetido em: 16/6/2024. Revisado em: 24/6/2024; 1/7/2024. Aceito em: 1/7/2024.

 

INTRODUÇÃO

 

A

 educação, como fonte de cidadania, foi negada à população negra, e distorcida quando se trata da população indígena. Aprofundando essa reflexão, Petrônio Domingues (2009) assegura que a “[...] educação é considerada um instrumento de importância capital para enfrentar o racismo e garantir a integração e prosperidade do afro-brasileiro na sociedade” (Domingues, 2009, p. 963).

 

O Brasil está longe da vivência de um processo efetivo de democracia, justiça e igualdade. Mário Theodoro caracteriza essa condição pela existência de uma profunda e persistente “[...] desigualdade que se sustenta não apenas na questão econômica e social, mas também no acesso diferenciado aos serviços públicos e principalmente à segurança e à justiça” (Theodoro, 2022, p. 17). Ou seja, “[...] racismo, preconceito e discriminação devem ser enfrentados com outro conjunto de políticas e ações” (Theodoro, 2008, p. 174).

 

Para Matilde Ribeiro (2022), esse conjunto de políticas são as Ações Afirmativas, que podemos compreender, por meio do programa de cotas, bonificações, políticas de acessibilidade, programas de assistência financeira, cursos preparatórios, entre outros, como fios condutores para a Promoção de Igualdade Racial. Theodoro (2022) enfatiza a urgente necessidade da relação entre as Políticas Universais e as Ações Afirmativas, fortalecendo o posicionamento em defesa das cotas sociais e raciais.

 

Kabengele Munanga, em entrevista à Fundação Perseu Abramo (2010), no auge das discussões sobre cotas raciais no Brasil, disse:

 

Quando a Folha de S. Paulo fez aquela pesquisa de opinião em 1995, perguntaram para muitos brasileiros se existe racismo no Brasil. Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas: ‘você já discriminou alguém?’. A maioria disse que não. Significa que há racismo, mas sem racistas. Ele está no ar… Como você vai combater isso? Muitas vezes o brasileiro chega a dizer ao negro que reage: ‘você que é complexado, o problema está na sua cabeça’. Ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo, quem comentou não tem nenhum problema (Munanga, 2010, não paginado).

 

O racismo encontra-se nas doutrinas, nas concepções do mundo e nas crenças (Gomes, 2005). É uma reprodução ideológica de que um grupo, em virtude de suas características físicas, culturais, regionais e morais seja superior a outro, como uma hierarquia a serviço dos privilégios de alguns e da subalternização de outros.

 

Desde a década de 1980, o racismo se torna crime inafiançável e imprescritível. A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Brasil, 1989). Recentemente, a Lei nº 14.532/2023 equipara a injúria racial ao crime de racismo (Brasil, 2023).

 

Se existe um conjunto de leis que reprimem o racismo, como, então, ele pode ser um crime perfeito? Destarte, ele somente pode ser perfeito com a anuência de quem se beneficia com a sua reprodução.

 

Uma análise sobre a realidade brasileira feita pelo líder e escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos (2015), conhecido como Nego Bispo, alertou sobre as constantes estratégias de apagamento de parte da história do povo negro no Brasil (é importante ressaltar que isso se volta a 56,1% da população e persiste na historiografia brasileira em relação aos quilombos). Segundo o autor, “[...] O termo quilombo que antes era imposto como uma denominação de uma organização criminosa reaparece agora como uma organização de direito, reivindicada pelos próprios sujeitos quilombolas” (Santos, 2015, p. 50).

 

Portanto, como consolidar direitos e combater o racismo sem racistas? É nessa linha que as palavras de Munanga dialogam com as ferramentas que possibilitam o enfrentamento dessa assertiva. Pois, as armas contra o crime são as letras do direito conquistado por meio das Ações Afirmativas, na modalidade de cotas, e de uma educação antirracista reivindicadas pelos movimentos sociais em torno do reconhecimento e da reparação das consequências desse crime praticado contra os grupos historicamente racializados: indígenas, quilombolas, mulheres negras e populações negras em geral.

 

Sistematizado em três partes, o texto, em caráter interdisciplinar e com a utilização de revisão de literatura narrativa, problematiza se as ações afirmativas, consubstanciadas por uma educação antirracista, efetivamente conseguem combater o crime perfeito tal como apontado por Munanga. Na primeira parte, desenvolvemos uma discussão histórica e da luta antirracista preconizada pelos movimentos sociais. Após, refletimos sobre as leis que amparam uma educação antirracista. Na terceira parte, examinamos como as cotas étnico-raciais, no emprego público para docente e no ensino superior, evidenciam as tensões para o combate ao crime perfeito.

 

A desigualdade histórica e A luta por educação antirracista

 

Antes e durante o século XX, as ciências, o ensino e os materiais didáticos reproduziram uma história que fixou os sujeitos negros a estereótipos que remetiam essas populações a um passado da escravidão que se mantinha presente (Gomes, 2023). Era praticamente impossível compreender a trajetória do continente africano e das populações negras sem a fantasmagoria a que fomos projetados pela racionalidade hegemônica ocidental (Mbembe, 2014). No Brasil, nas populações negras e indígenas eram reproduzidas as mesmas situações.

 

África, negros/as e seus descendentes eram experenciados como algo reduzido, acabado e postulado a permanecer imutável. Civilizações, tecnologias, descobertas, invenções, criações, artes, linguagem e inovações não eram relacionadas a esses. Diante disso, desenhou-se no ensino desigualdades que se refletiam no cotidiano, pois, como valorizar corpos negros se foram descendentes de escravizados e os legados de seu continente original inexistiam? (Gomes, 2023).

 

Essas distorções acompanhavam, além das disciplinas ensinadas nas escolas, a construção das identidades dos/as estudantes negros/as que, não raras vezes, aprendiam que, para serem aceitos, era preciso negar-se (Gomes, 2005). Pois quem, em sala de aula, gostaria de ser associado ao que era considerado inferior? Ao acontecer isso, as distorções mais evidentes reportam a falta de autoestima, de sonhos e do querer ser, já que essas situações desencadeiam uma sucessão de acontecimentos conhecidos: ausência de referências, reprovação e evasão são as tônicas que se materializam na falta de oportunidades e, assim, as desigualdades se tornam comuns às estatísticas dos institutos de pesquisas que evidenciam as más condições legadas historicamente às populações negras e indígenas de norte a sul do País.

 

Por outro lado, o mito da percepção do universal e do humano, respaldado no eurocentrismo e no ocidentalismo, e a branquitude se tornaram referências concretas à luz da matéria ensinada. Resultado, a educação básica, com a máscara do universalismo, estava a serviço de uma inegável reprodução sistemática de discriminações e da manutenção de privilégios sociais em que a tônica racial sempre esteve presente (Almeida, 2018).

 

Portanto, como, historicamente, a comunidade negra livre reivindicou suas necessidades? A educação e a produção de conhecimento foram as principais ferramentas para a integração das populações negras (Gomes, 2017). Ademais:

 

Os movimentos negros se constituíram, enquanto atores coletivos, no mesmo espaço/tempo em que se consolidava, no país, a estrutura social de classes, em conformidade à ordem social competitiva, dando à luz as primeiras formas associativas de luta, específica dos trabalhadores urbanos [...] (Gonçalves, 1998, p. 33). Nos anos 20, evocam a raça, nos anos 40, a tradição afro-brasileira e, finalmente, nos anos 70, a cultura negra (Gonçalves, 1998, p. 35).

 

As pressões organizadas pelos movimentos sociais influenciaram diretamente nas legislações municipais, estaduais e federais brasileiras. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), o artigo 68 reconheceu o direito das terras aos remanescentes de quilombos. Nesse mesmo ano, é fundada a primeira instituição pública voltada para a promoção e a preservação da arte e da cultura afro-brasileira: a Fundação Cultural Palmares (FCP), entidade vinculada ao Ministério da Cultura (Gomes, 2017). Contudo, historicamente, seguem os desafios para uma sociedade de fato antirracista e inclusiva.

 

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022), 69% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos e 29,5% por pretos e pardos. Em relação ao impacto da pandemia no Exame Nacional do Ensino Médio, por exemplo, realizado em 2021, os brancos mantiveram uma taxa de comparecimento maior do que os demais grupos ao longo do período analisado. Pretos e pardos tiveram mais dificuldades do que os brancos para comparecer ao exame (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022).

 

Para transformar esse quadro, têm-se as políticas públicas específicas, como forma de reconhecimento e de acesso às populações historicamente marginalizadas. Nesse sentido, os movimentos sociais foram fundamentais para as afirmações das identidades na busca de direitos. As reivindicações organizadas e a educação historicamente praticada pelo Movimento Negro Educador (Gomes, 2012), ressignificaram a identidade, o conceito de raça e as próprias políticas de Estado. A criação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) (Brasil, 2010)[1] trouxe para os nossos cotidianos ferramentas fundamentais para o combate ao racismo.

 

Diante do protagonismo político dos movimentos sociais, as estruturas do Estado são tencionadas, pois, no campo jurídico e legislativo, passam a existir marcos que permitem o combate ao racismo estrutural e institucional (Gomes, 2022). Para Silvio Almeida (2018), o racismo se torna estrutural quando é produzido e reproduz os sujeitos, a economia, a política, a sociedade e as subjetividades. Outra forma de racismo é o institucional:

 

As instituições são homogeneizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos que serve para manter a hegemonia do grupo racial no poder, já que depende da existência de regras e padrões que dificultam a ascensão de negros, naturalizando assim o domínio do grupo formado por homens brancos (Almeida, 2018, p. 28).

 

A reprodução do racismo no âmbito das instituições, mesmo com uma legislação considerável, dificulta a execução de um ensino antirracista e, consequentemente, a elaboração de aprendizados e saberes necessários para se combater o crime perfeito.

 

Leis que amparam a educação antirracista: Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, e as transformaçÕes curriculares

 

Convém recordar que a Lei do Império “[...] referente a reforma do ensino primário e secundário da Côrte” (Brasil, 1854) não permitia que os escravizados frequentassem a escola. De acordo com o Decreto nº 1.331-A: “Art. 69. Não serão admitidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas: § 1º Os meninos que padecerem moléstias contagiosas. § 2º Os que não tiverem sido vacinados. § 3º Os escravos” (Brasil, 1854, grifos nossos).[2]

 

Embora o Brasil não tivesse um regime segregacionista institucionalizado aos olhos do mundo ocidental, o País, à sua maneira, construiu políticas racistas que impossibilitavam acessos, como observado anteriormente em relação aos escravizados. Mesmo com a abolição, na condição de libertos, além de não possibilitar dias melhores, aniquilou a construção de uma identidade positiva.

 

A eles foi negada a possibilidade de aprender a ler, ou se lhes permitia, era com o intuito de incutir lhes representações negativas de si próprios e convencê-los de que deveriam ocupar lugares subalternos na sociedade. Ser negro era visto como enorme desvantagem, utilizava-se a educação para despertar e incentivar o desejo de ser branco. Além de cor da pele [...] tratava-se também de lugar a ocupar na sociedade, de poder (Silva, 2007, p. 495).

 

Corroborando o pensamento de Fanon, afirmamos que “[...] A civilização branca, a cultura europeia, impuseram ao negro um desvio existencial [...]” (Fanon, 2008, p. 30). Nessa construção racista, seria necessária a elaboração de outras linguagens, novas epistemologias.

 

Eis que, nessa disputa, surge, no Brasil, o Movimento Negro. Uma das características do Movimento Negro é “[...] trazer o debate sobre o racismo para a cena pública, indagar as políticas públicas e ressignificar e politizar a raça, dando-lhe um trato emancipatório e não inferiorizante” (Gomes, 2012, p. 733).

 

As organizações negras espalhadas pelo País evidenciam historicamente as iniciativas dessas populações em suas estratégias educativas de combate ao racismo, valorização da autoestima e busca por elevação e reconhecimento social (Silva, 2007; Gomes, 2017; Domingues, 2009) contra os epistemicídios.

 

Segundo Sueli Carneiro (2005), o epistemicídio é um fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da autoestima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar a partir da negação, aos negros, da sua condição de sujeitos do conhecimento, o que se dá por meio de desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do continente africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade pela imposição do embranquecimento.

 

Na educação, a Lei Federal nº 10.639, de 2003, que estabeleceu, no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira (Brasil, 2003), completou 20 anos desde sua promulgação. Fato é que, aos poucos, temos avançado na inclusão de conteúdos voltados à temática da Educação para as Relações Étnico-Raciais (Erer), sobretudo na Educação Básica. Mas, pouco temos feito no que tange à formação inicial e continuada de professores/as, e consideramos que os currículos de formação em licenciatura ainda precisam efetivar tal lei no Ensino Superior.

 

A Lei surge mediante a luta política construída pelo Movimento Negro brasileiro, desde 1970, visando à reparação histórica às populações negras de toda a violência instituída pela estrutura social (Gomes, 2017), que nega suas existências mediante o racismo estrutural (Almeida, 2018) desde a colonização e está moldada pela colonialidade do poder, do saber e do ser (Mignolo, 2019).

 

A princípio, essa legislação, no campo da educação, ao alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 (Brasil, 1996), incluiu os artigos 26-A e 79-B, que tratam, respectivamente, da obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da institucionalização, no calendário escolar, do 20 de novembro alusivo ao Dia Nacional da Consciência Negra.

 

Nesse contexto, na efervescência do debate, apenas a abrangência da dimensão da lei não era suficiente. Em 10 de março de 2004, foram aprovadas as “[...] Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Dcnerer)” (Brasil, 2004). Por isso, os sistemas de ensino público e privado, por força de lei, deveriam aderir a tais princípios legais, com a finalidade de efetivar a Educação para as Erer nas escolas de Educação Básica. Porém, após 20 anos, não é o que temos observado apesar dos inúmeros avanços na área.

 

Dito isso, conforme discute Gomes (2017), não há dúvidas da importância das sucessivas lutas do Movimento Negro no final do século XX para a construção das políticas de igualdade racial que, hoje, ainda caminham com embates para sua plena efetivação. Devemos, assim, reconhecer que a inclusão dos conteúdos voltados para o ensino da cultura negra, na educação, ainda enfrenta diversos tensionamentos, dentre eles, talvez o maior seja a continuidade dessa lei como uma política de Estado, e não como uma política de Governo.

 

Por outro lado, no conjunto de reivindicações dos movimentos sociais, em 2008, mais uma vez, alterou-se a LDBEN (Brasil, 1996) através da Lei nº 11.645/2008, que tornou obrigatório, nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio (sistemas públicos e privados), o estudo de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena (Brasil, 2008), como um marco importante para o reconhecimento da diversidade cultural dos povos originários e suas contribuições sociais, econômicas e políticas na história do País.

 

As Leis nº 10.639/2003 (Brasil, 2003) e nº 11.645/2008 (Brasil, 2008) consideram a necessidade de combater as discriminações historicamente legitimadas contra as populações negras e indígenas na sociedade brasileira e na educação. É importante combater tanto o racismo antinegro como o anti-indígena, pois ambos os grupos sociais foram e são constituintes de nossa identidade nacional e histórica.

 

Vivenciamos um sistema de organização social resultante da colonização ocidental sob o resto do mundo, principalmente reproduzindo, ainda, a inferiorização do Continente Africano. Nessa estrutura, o poder é tido como o principal elemento para manutenção dos ideais políticos, culturais, econômicos e pedagógicos gestados na ideia de inferioridade e do padrão de dominação/subordinação dos/as indígenas e dos/as negros/as, além da supervalorização da cultura europeia.

 

Assim, a educação, enquanto um fenômeno social, é atravessada por todos esses elementos que compõem a base do sistema de dominação. Romper com essa lógica levará bastante tempo, até que consigamos minimamente fraturar os complexos tentáculos da colonialidade (Mignolo, 2019), visto que seu projeto se mantém ativo mesmo após o doloroso e longínquo processo de colonização, reproduzido, principalmente, pelo capitalismo racial e o discurso do mérito.

 

Bento (2022), fundamentada em Charles W. Mills, explica que: “[...] uma sociedade que se alimenta do lucro e do preconceito de raça vendido como liberalismo meritocrático, na verdade, está impondo o capitalismo racial” (Bento, 2022, p.40).

 

O capitalismo racial funciona:

 

[...] por meio de uma lógica da exploração do trabalho assalariado, ao mesmo tempo em que se baseia em lógicas de raça, etnia e de gênero para expropriação, que vão desde a tomada de terras indígenas e quilombolas até o que chamamos de trabalho escravo ou o trabalho reprodutivo de gênero etc. (Bento, 2022, p. 41).

 

Contudo, fora dos muros acadêmicos, o Movimento Negro vem desenvolvendo processos educativos contra o pensamento hegemônico. Destacamos a literatura que passa a ser reconhecida pela academia, sobretudo a partir das cotas, com a entrada de estudantes e docentes negros, indígenas e quilombolas no Ensino Superior. Grupos também representados em programas de pós-graduação (estudantes e futuros docentes) com visões pós-coloniais, decoloniais, contra-coloniais ou antirracistas também chegaram às escolas para transformar mentalidades ultrapassadas ou conservadoras diante de um mundo com saberes legítimos pluriversal.

 

O reconhecimento da diversidade cultural é também uma questão de direitos humanos: de ter direito a ter direitos. Pois, como mundo globalizado, e em decorrência das desigualdades raciais, de gênero e de classe, há o lugar de cada pertencimento dentro da pirâmide social que classifica quem é quem, em um direito formalista, como aponta Lélia González, em que se “[...] reproduz e se perpetua os valores do ocidente branco como verdadeiros universais” (González, 1988, p. 73).

 

Nesse amálgama social, a educação tem um papel fundamental para demonstrar a relevância das diferentes culturas e como essas, em suas similitudes e conflitos, moldam o mundo e constituem as identidades subjetivas de cada grupo cultural a nível planetário. Ademais, é rota de fuga para combater preconceitos, xenofobias, discriminações e intolerâncias religiosas contra a cultura negra e as demais culturas racializadas. Sem isso, o caminho inverso é concordar com a estrutura universalista posta e, assim sendo, caminhando lado a lado das armadilhas da colonialidade, mesmo quando dizem que nossa educação é democrática e para todos.[3]

 

Mesmo com a instauração das cotas para ingresso no ensino superior e nos concursos públicos (Brasil, 2012; Brasil, 2014a), os desafios para as efetivações dessas legislações permanecem. A falta de controle administrativo e a falta de aplicação correta das vagas destinadas para as pessoas negras, no emprego público, evidenciam os problemas para combater o racismo nas instituições.

 

As Leis nº 12.711/12 (atualizada pela Lei nº 14.723/2023), nº 12.990/14 e seus reflexos na formação superior

 

Como desdobramento do combate ao racismo, refletido neste texto enquanto um crime perfeito, tem-se a discussão da educação, o acesso às universidades como mais um tema candente para o debate, espaços que, em suas práticas científicas e culturais, foram determinantes à colonização material e à reprodução da colonialidade e do racismo.

 

Por isso, delimitamos as análises nas políticas de Ações Afirmativas em seu programa de cotas “[...] no ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio” (Brasil, 2012) ― Lei nº 12.711/2012 (Brasil, 2012), atual Lei nº 14.723/2023 (Brasil, 2023b) ― e a lei que trata da “Reserva aos negros de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal” (Brasil, 2014a) ― Lei nº 12.290/2014 (Brasil, 2014) ― com ênfase nas vagas ofertadas para docentes no Ensino Superior Federal.

 

De acordo com o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ):

 

[...] ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente [...] aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural (GEMA/ UERJ).

 

Portanto, as cotas raciais são uma das vertentes dessas políticas. Para versar sobre uma política fundamental na transformação do ensino e da educação, na última década, faz-se importante retornar no tempo, já que o protagonismo do movimento negro, mais uma vez, faz-se presente.

 

Em meados da década de 1990, a raça teve destaque na sociedade brasileira e nas políticas de Estado. A ressignificação emancipatória possibilitada pelo Movimento Negro chega às instituições. Em 1995, após a realização da “Marcha Nacional Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida [...]” (Gomes, 2012, p. 739), em Brasília, “[...] no dia 20 de novembro foi entregue ao presidente da República da época o Programa para a superação do racismo e da desigualdade étnico-racial. Neste documento a demanda por Ações Afirmativas já se fazia presente como proposição para a educação superior e o mercado de trabalho” (Gomes, 2012, p. 739). Políticas de reparações apontadas no documento elaborado na África do Sul por ocasião da Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (Declaração de Durban, 2001) promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU).

 

Como enfatizamos, as cotas constituem importantes mecanismos de inclusão e de combate às desigualdades sociais e raciais (Madeira, 2017; Ribeiro, 2022). Porém, são programas de políticas que devem estar associadas a outras iniciativas.

 

Para Zelma Madeira:

 

[...] a adoção de políticas de ações afirmativas, crescimento econômico com redistribuição de riqueza e renda e medidas de superação da discriminação em áreas estratégicas como no mercado de trabalho, acesso às políticas de geração de emprego e renda, da assistência social, acesso à justiça, educação e saúde, de modo geral denunciando o racismo presente no interior das instituições sociais (Madeira, 2017, p. 29).

 

A Lei nº 12.711, conhecida como Lei de Cotas na Educação, foi promulgada em 29 de agosto de 2012 (Brasil, 2012). Ela determina que 50% das vagas, nas Universidades e nos Institutos Federais, sejam destinadas a alunos oriundos do ensino público. Das vagas totais, pelo menos 50% são destinados a pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência (artigo 3º da Lei nº 12.711/2012). Além disso, 50% (cinquenta por cento) das vagas totais, deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita (Brasil, 2012).

 

Contudo, mesmo com os avanços possibilitados pela Lei de Cotas, na Educação, alguns desafios se fazem presentes. De acordo com o relatório elaborado por meio do acordo de cooperação técnico-científica entre a Defensoria Pública da União (DPU) e a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), firmado em 2021, com a finalidade de desenvolverem atividades em conjunto para a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos da população negra e o enfrentamento do racismo, há um longo caminho para aperfeiçoamentos.

 

Conforme o relatório, destacamos alguns apontamentos apresentado como resultado dessa cooperação técnica: a) que todas as 59 universidades federais passaram a adotar a política de cotas raciais com o início da vigência da Lei nº 12.711/2012 (Brasil, 2012),[4] demonstrando o papel universalizante desta legislação; b) que, entre as instituições respondentes (ao relatório), denota-se uma falta de monitoramento interno da política afirmativa, problema que, somado às distintas metodologias adotadas pelas universidades federais, na compilação dos dados repassados, revelaram diversas dificuldades na composição de um retrato amplo do perfil racial de estudantes em nível superior e da execução da política pública; e um terceiro apontamento, c) que a defasagem identificada no número de evasão de ingressantes cotistas raciais ameaça a eficácia da política e reforça a importância do monitoramento permanente, expondo a necessidade de atenção e ações voltadas à permanência dos(as) estudantes nas universidades, uma vez que “[...] são visíveis as disparidades que marcam as dificuldades de acesso e permanência dos jovens brasileiros, particularmente dos negros e oriundos de famílias de baixa renda” (Relatório Técnico DPU e ABPN, 2022, p. 58-59), sobre a implementação da política de cotas raciais nas universidades federais.

 

Diante das situações evidenciadas, efetivamente se constata que as cotas transformaram o perfil de ingressantes na universidade pública, sobretudo em relação à pluralidade dos sujeitos identificados com distintos pertencimentos. Negros, indígenas, classes sociais menos abastadas, assim como as pessoas com deficiência, passaram a compor, em maior quantidade, os bancos acadêmicos. Um fator preocupante, retratado no relatório, corresponde ao pouco ou nenhum monitoramento efetuado pelas gestões universitárias que possam gerar um diagnóstico aprimorado sobre o perfil dos estudantes cotistas quanto ao seu pertencimento racial, situação que prejudica a avaliação dos dados do impacto da Lei. Sobre a questão da defasagem e evasão, a falta de políticas de permanência continua a prejudicar a efetividade da lei quanto ao sucesso dos alunos negros e das alunas negras.

 

A Lei de Cotas na Educação foi revisada e aprimorada em 2023, votada e aprovada pelo Congresso Nacional com alguns avanços importantes na discussão apresentada pela DPU e pela ABPN. Dos quais destacamos: a) a inclusão dos grupos quilombolas, b) ampliação da política afirmativa de reserva de vagas para os cursos de pós-graduação, c) os alunos optantes pela reserva de vagas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social serão priorizados no recebimento de auxílio estudantil e d) a renda igual ou inferior a um salário-mínimo. A Lei de Cotas na Educação foi sancionada em novembro de 2023, sob égide da Lei nº 14.723/2023, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicando aprimoramentos (Brasil, 2023b).

 

A Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, aprovada pelo Congresso Nacional a partir de iniciativa da Presidenta Dilma Rousseff, reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União (Brasil, 2014).

 

Contudo, passado o prazo de execução da Lei Federal, ainda há um longo processo para sua efetivação. A exemplo do constatado no número de vagas oferecidas nos concursos para a carreira no Magistério Superior Federal; até o momento, o total de 20% das vagas para negros, estipuladas na Lei de Cotas, sequer foram aplicadas (Rios; Mello, 2019).

 

Conforme os dados apresentados pelos autores, nenhuma região efetivamente aplicou os 20% de vagas para negros, como apregoa a Lei nº 12.990/2014 (Brasil, 2014a). As universidades do Sul foram as que mais aplicaram: 11,3% das vagas; as universidades do Nordeste foram as que menos ofertaram: apenas 2,6% das vagas.

Flávia Rios e Luiz Mello destacam a importância das universidades nas Ações Afirmativas, sobretudo em relação ao ingresso de discentes possibilitado pela Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 (Brasil, 2012). Para os autores:

 

[...] é preciso dar um passo a mais: combater as desigualdades raciais da base ao topo. Intelectuais, pesquisadoras/es, docentes e gestoras/es públicas/os terão mais legitimidade para combater as desigualdades sociais e raciais no Brasil se antes fizerem seu dever de casa. Afinal, o corpo docente das instituições de ensino superior no Brasil, incluídas as públicas e as privadas [...] é formado por maioria branca (52,9%), seguida de pardas/os (14,4%) e, por fim, pretas/os (2%), amarelas/os (1%) e indígenas (0,1%), com destaque para uma elevadíssima taxa de “não declaração” de cor/raça (29,4%) (Rios; Mello, 2019, grifos nossos).

 

Evidencia-se um “[...] processo em que condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas” (Almeida, 2018, p. 24). Ademais, como pontua Cida Bento (2022), “[...] os pactos narcísicos, exigem a cumplicidade silenciosa do conjunto dos membros do grupo racial dominante” (Bento, 2022, p. 121). Inclusive ao acesso às instituições, por indicação a cargos e na oferta de vagas para concursos públicos para docência superior na esfera federal; o que é observado pelas indicações ou pelas vagas ofertadas à ampla concorrência, tendo como a maior beneficiária a branquitude (Gomes, 2024).

 

A presença de professores negros e negras, com acréscimo de indígenas e quilombolas, na docência superior, potencializa o ensino, pois permite um impacto, a partir das experiências desses sujeitos e de suas culturas, para além da presença de seus corpos, nas transformações dos currículos e na atualização das referências bibliográficas, situação que contribui sobremaneira para um ensino plural, antirracista e diverso. A Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 (Brasil, 2014a), será pautada na Câmara Federal em 2024, período em que será discutida a sua possível prorrogação e a necessidade de continuidade para sua efetividade.

 

Conclusão

 

Após séculos de exclusão e pouco mais de duas décadas da assunção das políticas de Erer, de Ações Afirmativas e dos programas de cotas raciais, tem-se a constatação de que os avanços ainda são insuficientes para extirpar o crime. Esse, aliás, só se torna perfeito porque alguns, cientes do pacto da branquitude, se beneficiam, pois “[...] mesmo brancos progressistas nem sempre estão desejosos a admitir em alguma instância que são beneficiárias do racismo” (Bento, 2002, p. 148). Ou seja: igualmente ganham com a sua negação ou com a culpabilidade da vítima. Essa situação faz com que os movimentos sociais estejam sempre atentos. Pois, contra o racismo, não basta boa vontade ou reconhecimento de sua existência; se assim o fosse, o crime não seria perfeito.

 

A meta 8 do Plano Nacional de Educação de Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Brasil, 2014b), ainda é uma meta ao invés de realidade. Por isso, o Movimento Negro e a Organização das Mulheres Negras cobram, em 2024, um Plano Nacional de Educação efetivo na promoção da equidade racial (Por um PNE que busque a promoção da equidade racial, 2024).

 

Portanto, temos que cuidar para que não sejam forjados novos fenômenos, como o combate ao racismo sem distribuição de recursos, a inclusão de sujeitos nas universidades sem atualização de currículos que atendam às novas demandas, sem garantia da permanência a cotistas. Ou seja, atentar para não ofertar vagas às cotas em concursos sem fazer com que os sujeitos beneficiários sejam realmente os ocupantes dos cargos destinados e proferir discursos de pluralidade sem mexer com posições de privilégio. Assim sendo:

 

Carecemos de ações de mobilização e sensibilização da sociedade civil e do Estado pela via de processos de inclusão social, em que possam garantir o reconhecimento identitários e heranças culturais dos grupos étnicos discriminados, do respeito à diversidade e sua ancestralidade para que possam usufruir da riqueza produzida, pela via da redistribuição, de políticas públicas que garantam a igualdade racial, para além de uma igualdade abstrata formal, mas que possam trazer à tona a contradição dessa formação social, na produção e reprodução da vida para patamares de qualidade, de respeito às especificidades da população negra (Madeira, 2017, p. 29, grifos nosso).

 

Sinalizamos, pois, a emergência da construção de um programa de monitoramento das leis antirracistas, que em regime de colaboração entre o Ministério da Igualdade Racial (MIR), Ministério da Educação (MEC) em articulação com os representantes dos Movimentos Negros e do Ministério Público, para que possam atuar para fiscalizar o cumprimento das leis. E, igualmente, com a presença de sujeitos vinculados a saberes antirracistas, nas escolas, trazer propostas pedagógicas originais condizentes com os saberes advindos das cosmo-percepções negras, principalmente nas escolas públicas. Inclusive, criando políticas de bonificação e valorização dos trabalhos dos/as professores/as que desenvolvem as temáticas étnico-raciais para além do livro didático. Visto que, as escolas, secretarias de educação e gestões escolares têm reproduzido o racismo institucional, ou seja: ainda seguem realizando o tratamento diferenciado entre raças e saberes culturais produzidos pelos diferentes grupos sociais, hierarquizando estéticas e conhecimentos a partir da hegemonia ocidental.

 

Em complemento a isso, é importante que os sujeitos beneficiários das Ações Afirmativas, por meio das cotas raciais, estejam comprometidos com a atualização de normas e regras de currículos hegemônicos e atentos aos editais de seleção, que sejam conscientes da atuação histórica do Movimento Negro para a mudança de paradigmas sociais e raciais, que possibilitem transformações estruturais da sociedade, ainda impregnadas pela ideologia do racismo institucional.

 

Quanto às vagas destinadas à reserva de cotas em concursos públicos federais, igualmente se faz necessária uma ampla fiscalização, envolvendo a sociedade civil e o Ministério Público a fim de evitar estratégias nefastas identificadas no âmbito das Instituições de Ensino Superior ao ofertar as vagas para docentes de maneira “fatiada” por áreas, para evitar a destinação do percentual mínimo dos 20% das vagas para ocupação de pessoas negras. Outro fator importante é o fortalecimento das Comissões de Heteroidentificação (Gomes, 2024).

 

Após 20 anos da Lei nº 10.639/2003, e mais de 10 anos da promulgação das políticas cotas raciais no serviço público, o que temos observado é uma descontinuidade de suas implementações, pois ainda existem muitas resistências institucionais para a execução das legislações:

 

Significa reconhecer que alguns dos sistemas existentes hoje foram construídos para manter negros e negras em condição de inferioridade; significa refletir sobre o que os desmantelamentos desses sistemas fará com a vida das pessoas que dele vêm se beneficiando (Bento, 2022, p.123-124).

 

Convenhamos que, para que o combate ao crime perfeito se efetive, é preciso ter, nos diferentes níveis e espaços sociais, a subversão da lógica do racismo à brasileira e do “[...] capitalismo racial [...]” (Bento, 2022, p. 37), colocando-os em xeque por meio das práticas que permitam a todos, para o bem comum, combatê-los. E, para isso, a consolidação das ações afirmativas na modalidade de cotas para ingresso discente e docente no Ensino Superior ou em concursos e seleções nas esferas estaduais e municipais poderá resultar em transformações mais efetivas.

 

Por fim, a presença de pessoas negras, indígenas e quilombolas, em espaços de poder historicamente ocupados por brancos e pelos valores da branquitude e em que a reprodução das cosmovisões ocidentais são a tônica, permite ― se articulada ao senso crítico com a produção de conhecimento qualificado ― a reunião de cidadãos conscientes da real pluralidade. O que, em grande medida, motiva a resistência necessária contra a continuidade da reprodução de um crime ― talvez, hoje, não tão perfeito ― reforçado por setores extremistas radicais que preferem assumir posições públicas, em redes sociais virtuais e nas praças, de sua crença à branquitude acrítica (Cardoso, 2010) e ao capitalismo. Ao que parece, sentem-se encurralados diante das resistências cotidianas, também cada vez mais públicas, dos indivíduos e dos coletivos negros respaldados pela institucionalização, ainda com riscos, das políticas de reconhecimento.

 

REFERÊNCIAS

 

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Arilson dos Santos GOMES Trabalhou na concepção, delineamento, interpretação e revisão crítica do artigo e na versão final a ser publicada.

Doutor em História realizando Estágio Pós-Doutoral no ProfHistória da UFC. Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Professor do Mestrado   Interdisciplinar em Humanidades (MIH/UNILAB).  Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará (PPGH/UFC). Pesquisador do Programa Cientista Chefe da Cultura -FUNCAP/SECULT/Ceará.

 

Matilde RIBEIRO Trabalhou na concepção, revisão crítica e redação do artigo.

Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do ABC. Doutora em Serviço Social realizando Estágio Pós-Doutoral na UFABC, Mestre em Psicologia Social e Graduada em Serviço Social (1983) pela PUC/SP. Desde 2014, é professora na UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) tendo sido lotada cinco anos na unidade Malês/BA, e, desde 2019, atua no curso de Pedagogia em Redenção-Ceará

 

Tiago Moraes de FREITAS Trabalhou na redação do artigo.

Professor substituto na Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), anos iniciais do Ensino Fundamental. Mestre em Educação (2022 - 2024) pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (PPGE/UECE). Graduado como Bacharel em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB e Pedagogo pela mesma universidade.

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*  © A(s) Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo que comercial.  O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.

[1] O Estatuto da Igualdade Racial, conforme o primeiro artigo de sua Lei é destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (Lei nº 12.288/2010) (Brasil, 2010).

 

[3] Devemos compreender que “[...] a construção e a manutenção das desigualdades raciais e de gênero, entre outras, nas instituições e no sistema político e econômico em que estamos mergulhados [...]” Bento, 2022, p. 42), incluindo a educação, é resultado do “[...] supremacismo branco (que) é a expressão da antidemocracia [...]” e “[...] da reprodução da herança branca” (Bento, 2022, p. 42).

[4] Atualmente, existem 63 universidades federais no Brasil, conforme os dados do Ministério da Educação.