Movimento
indígena e quilombola: lutas sociais e políticas públicas no rural amazônico
Indigenous and quilombola
movement: social struggles and public policies in the rural Amazon
Patrício
Azevedo RIBEIRO
https://orcid.org/0000-0002-8922-1752
Universidade
Federal do Amazonas, Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia,
Curso
de Serviço Social, Parintins, AM, Brasil
e-mail: patricioribeiro@ufam.edu.br
Maria
Antonia Cardoso NASCIMENTO
https://orcid.org/0000-0002-2931-1967
Universidade Federal
do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas,
Faculdade de Serviço
Social, Belém, PA, Brasil
e-mail: mariaant@ufpa.br
Resumo: O artigo trata do movimento social de
indígenas e quilombolas em relação à defesa e ao acesso a direitos,
particularmente no âmbito das políticas públicas no meio rural amazônico, com
destaque para a Assistência Social. A referência de campo é a realidade dos Sateré-Mawé e dos quilombolas
territorializados na extensão do Rio Andirá, área rural do município de
Barreirinha, na sub-região do Baixo Amazonas. No diálogo com lideranças
constatou-se que no Rio Andirá permanecem as reivindicações pela terra e pelo
território como pautas centrais, atrelando-se a esta outras lutas voltadas às
políticas públicas na direção da questão étnico-racial. No caso da Assistência
Social ainda vige um hiato entre o legal
e o real, por isso reivindica-se uma
Política que considere concretamente o fator
amazônico, pautado nas relações e condições sociais dos povos, o que
certamente exigirá mais participação popular.
Palavras-chave:
Movimento Indígena. Movimento
Quilombola. Lutas Sociais. Amazônia.
Abstract: This
article addresses the social movement of indigenous people and quilombolas in relation to the defence of and access to
rights, particularly within the scope of public policies in rural Amazonian
areas, with an emphasis on Social Assistance. The field of reference is the
region of the Sateré-Mawé and the quilombola
land along the extent of the Andirá River, a rural
area in the municipality of Barreirinha, in the Lower
Amazon sub-region. In dialogue with leaders, it was found that along the Andirá River, demands for land and territory remain central
issues, linked to other struggles focused on public policies regarding the
ethnic-racial issue. In the case of Social Assistance, there is still a gap
between the “legal” and the “real”, which is why a policy that concretely
considers the “Amazonian factor” is being called for, based on the
relationships and social conditions of the people, which will certainly require
more public participation
Keywords: Indigenous Movement. Quilombola
Movement. Social struggles. Amazon.
Introdução
E |
ste texto é uma parte dos resultados de
uma tese de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social (PPGSS) da Universidade Federal do Pará (UFPA), em que se realizou um
estudo com lideranças dos movimentos indígena e quilombola, ambos
territorializados no meio rural amazônico.[1]
A persistência no tema, dentre outras justificativas, diz respeito à tímida
elaboração de estudos e pesquisas sobre a questão indígena e quilombola por
pesquisadores assistentes sociais.
A despeito da visibilidade do tema
pelas entidades representativas da categoria profissional, sobretudo nos
últimos dez anos, a produção de conhecimento que privilegia a temática indígena
ainda é incipiente. Desse modo, no momento em que se constroi forças de combate e
enfrentamento ao racismo estrutural, é salutar que assistentes sociais estejam
articuladas/os, organizadas/os e mobilizadas/os para contribuir nas lutas e
resistências dos movimentos sociais, afinal, trata-se de um compromisso ético e
político.
Os movimentos indígena e quilombola são
aqui entendidos, cada um, como uma forma de movimento social com abrangências próprias (Bicalho, 2010),
mas guardam singularidades se partirmos da análise histórica, das relações
étnico-raciais e da luta social, principalmente quando se trata da defesa das
políticas públicas, do território e da demarcação/titularidade de terras no
Brasil e na Amazônia. Bem como, se considerarmos as dimensões da cultura e das
diferenças; as relações de vida, de trabalho e com a natureza no meio rural da
Amazônia.
Chama-se
atenção para a particularidade de formação das comunidades rurais amazônicas, a
exemplo dos quilombos do município de Barreirinha, na sub-região do Baixo
Amazonas, os quais, conforme Ranciaro (2016), iniciam-se no fim do século XIX e
início do século XX por um ex-escravizado angolano que, ao aportar em terras às
margens do Rio Andirá, conheceu uma indígena Sateré-Mawé e com ela se casou
após ser liberto da escravização. A
presença desse povo indígena na região vai impactar na configuração das novas
famílias que serão, sobremaneira, resultantes dos “[...] entrecruzamentos dos
mundos indígenas do povo Sateré-Mawé e negros africanos e afro-brasileiros” (Rocha,
2019, p. 172).
Assim, o
artigo objetiva analisar os processos de organização e lutas sociais dos
movimentos protagonizados por indígenas e quilombolas, no que tange ao acesso
às políticas públicas no meio rural amazônico, em especial à Política de
Assistência Social (PAS). A referência de campo diz respeito à realidade do
povo Sateré-Mawé e das cinco comunidades quilombolas
(Ituquara, Boa Fé, Santa Tereza do Matupiri, São Pedro e Trindade), territorializadas às margens do Rio
Andirá, área rural do município de Barreirinha, na sub-região do Baixo
Amazonas.
A pesquisa, pautada no método diáletico
e na abordagem qualitativa, ocorreu em três etapas sequenciais e complementares
entre si, no período de 2019 a 2022.
A primeira compreendeu o levantamento bibliográfico e documental; a segunda o
ingresso propriamente no campo por meio de aproximações exploratórias; e a
terceira com a realização de entrevistas junto a seis lideranças indígenas e
nove lideranças quilombolas do Rio Andirá, que foram selecionadas a partir da
amostragem não probabilística
intencional. Desse modo, a exposição do artigo está organizada em três seções, além da introdução e conclusão.
1 A Amazônia e os
processos de lutas e organização dos movimentos sociais
A década
de 1990 é emblemática no que concerne à realidade dos povos da Amazônia. O
acúmulo de intervenção ditatorial e conservadora dos anos 1960 a 1980 por parte
do Estado, em suas alianças com a burguesia nacional e internacional,
desembocaram em 1990 com uma força de retrocessos em relação ao que se tinha
conquistado com a Constituição Federal (CF) de 1988 (Teixeira, 1998; Loureiro,
2009). De acordo Behring e Boschetti (2007), esse fato ocorreu devido a
efervescência do neoliberalismo na década de 1990 que caminhava na contramão da
universalidade, da igualdade e gratuidade dos serviços, privilegiando o
trinônio privatização, focalização/seletividade e descentralização no interior
das políticas sociais.
Como
território singular do Brasil, a Amazônia sofreu diretamente as intervenções
estatais de ordem neoliberal. A ampliação dos grandes projetos e/ou a
implantação de novos, sob a autorização do Governo Federal e governos
estaduais, propôs a privatização dos serviços públicos e focalizou as políticas
sociais, o que implicou na agudização da pobreza social e econômica de povos
indígenas e comunidades tradicionais do meio rural (Teixeira, 1998; Loureiro,
2009; Marques, 2019).
Assim,
ao tratar de que Amazônia falava-se naquele contexto histórico, Teixeira (1998)
defendeu a tese da heterogeneidade que fundamenta este território, isto é, a
diversidade étnica, racial, cultural e ambiental; pensamento esse reafirmado
por Porto-Gonçalves (2011, p. 10), de que “[....] há várias Amazônias na
Amazônia, muitas delas contraditórias entre si [...]”, mas que devem guardar um
elemento em comum: a não dissociação da relação homem-natureza com a justiça
social e a cidadania.
A
realidade da(s) Amazônia(as) da década de 1990, em muito, persiste nessas três
primeiras décadas do século XXI, conforme se pode identificar em Loureiro
(2009) e Marques (2019), além das inúmeras reportagens e publicações que
revelam a situação, por um lado, da degradação que tem permeado o território
amazônico e, por outro, das frentes de lutas e resistências dos movimentos
sociais que, por sua vez, “[...] expressam a
reação popular contra as políticas e ações que os governos têm colocado em
prática, de maneira desastrada, na tentativa de integrar a região ao mercado e
ao espaço nacionais” (Loureiro, 2009, p. 33).
Bem
observado por Porto-Gonçalves (2011), “[...] são movimentos de r-existência,
posto que não só lutam para resistir
contra os que matam e desmatam, mas por uma determinada forma de existência, um determinado modo de vida
e de produção, por modos diferenciados de sentir, agir e pensar”
(Porto-Gonçalves, 2011, p. 130). Essa conjuntura, em que se acirra o modo de
produção do capital, gera vários conflitos
vivenciados pelos povos amazônicos e, com isso, há uma ampliação do
conhecimento por parte da sociedade como um todo sobre o destino desse enorme
patrimônio (Amazônia) que, cada vez mais, tem sido visto como um patrimônio não
só ecológico, mas também cultural e teórico-político, haja vista as questões
que os grupos/classes sociais habitantes da região levantam e interpelam (Porto-Gonçalves, 2018).
Para
Almeida (2011), os grupos que delineiam os movimentos sociais na Amazônia são
diversos e, sobretudo no meio rural, mobilizam-se em núcleos com lideranças
autodenominadas de agentes sociais, cuja expressão visa dar
uma direção de sujeitos da ação em contraponto às formas de exploração dos
recursos naturais e minerais no contexto do modo de produção do capital.
Nessa
direção, o avanço do capitalismo na Amazônia tem
desconsiderado a apreensão da singularidade do rural amazônico e de atuação de
seus povos. Isso porque, desde as três últimas décadas do século XX, as terras
no meio rural vêm sendo percebidas como uma mercadoria, capaz de gerar por meio
do trabalho outras mercadorias. Ou seja, as formas de expansão do capitalismo
transformaram a terra em negócio, uma mercadoria a serviço do capital, em que a
produção privilegia o valor de troca com intuito de obter mais lucro; daí a afirmação
de Almeida (2004) quanto aos conflitos agrários entre os povos que vivem nas
áreas rurais e as grandes empresas capitalistas. Vale dizer que a terra para os
povos e comunidades tradicionais tem apenas valor de uso no âmbito do trabalho
comunitário, e a produção visa responder às próprias necessidades sociais.
Marx (2017, p. 113) já alertara: “[...]
a mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de
suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer”. Nesse
sentido, a terra na Amazônia embora não seja trabalho materializado, visto que
é um bem natural, torna-se mercadoria no capitalismo, pois é a base onde ocorre
a produção visando à acumulação do capital. Assim, os povos indígenas e
comunidades tradicionais se veem privados dos seus meios de produção tanto pelo
Estado quanto pelas grandes empresas, restando-lhes tão somente a força de
trabalho. Em função disso, há a expulsão e/ou “[...] deslocamentos
compulsórios/forçados [...]” (Hazeu; Costa, 2022), implicando no aumento da
pobreza e da desigualdade social. Tal fato resulta no aprofundamento das
expressões da questão social na Região (Nascimento, 2006; Marques, 2019).
Como enfatizado por Iamamoto (2008), a
questão social é um conjunto de expressões das desigualdades sociais geradas no
âmago das relações estabelecidas pelo modo de produção capitalista. Tais
expressões manifestam-se nas problemáticas de gênero, raça/etnia, meio
ambiente, violências, entre outras.
Nessa perspectiva, Nascimento (2006)
endossa que o agravamento da questão social no território amazônico está
condicionado pela maneira de como ocorre o desenvolvimento do capitalismo sobre
as fronteiras da região. À vista disso, não se resume tal categoria somente à
desigualdade, injustiça e individualismos, pois “[...] ela também é feita de
resistência e de rebeldia” (Teixeira, 2008, p. 150).
Durante
a pesquisa de campo[2],
as lideranças Sateré-Mawé revelaram preocupações sobre a Amazônia do século
XXI. Os relatos dos entrevistados apontam que:
Se
não preservarmos a terra com suas florestas, águas e vidas, a sociedade tende a
ter cada vez mais problemas sociais e que vão se agravando e daí dificilmente
se terá controle das coisas. Nossa concepção de Estado se diferencia dessa
compreensão que se tem hoje. Nós somos uma sociedade, nós temos o nosso próprio
governo. O Tuxaua é o governo nas aldeias. A forma como estamos nos organizando
é uma forma de governo, mas não é esse modelo que eles falam para conflitar.
Nós queremos apenas ter o direito de exercermos o papel da nossa cultura, do
bem-estar social, do território, dos recursos naturais [...].[3]
Se a gente faz uma
análise da fala do Presidente do Brasil na Cúpula do Clima [em 2021] é
totalmente diferente da realidade que estamos vivendo, principalmente porque
estamos diante da devastação da Amazônia, da ação dos garimpeiros, grileiros
que cada vez mais avançam em nossos territórios com aval de muitos empresários.
Nada contra o desenvolvimento, mas, eu penso assim, conforme já falamos, se não
for dialogado tudo fica mais difícil, e já sabemos
quem é a classe que sai perdendo.[4]
O
conteúdo em análise coaduna com os dados do Conselho Indigenista Missionário
(2024, p. 19): “As invasões possessórias na Amazônia foram uma constante
durante todo o período de 2023. As invasões de madeireiros e garimpeiros
compuseram o cenário dramático no dia a dia dos territórios”.
Em
relação às variáveis de violência praticadas contra indígenas em 2023, o Conselho
Indigenista Missionário (2024) também aponta que os três estados com maior
incidência foram o Amazonas, o Mato Grosso e Roraima. Ou seja, a maior
concentração de todo o país está na Região Norte.
Gráfico
1 – Dados sobre violências contra indígenas (2023)
Fonte: Organizado pelos autores do artigo com base no Relatório
do Conselho Indigenista
Missionário
(2024).
De
acorco com o Conselho Indigenista Missionário (2024), as maiores violências no
Amazonas e em Roraima foram com indígenas Yanomami. Além das variáveis do
Gráfico 1, identificam-se outras: ataques armados, violência sexual,
aliciamento de indígenas para o garimpo ilegal e o fomento a conflitos internos,
reforçando as falas dos entrevistados na pesquisa de campo.
Esse
contexto expressa a necessidade de enfrentamento dos povos contra a ação
predatória do capital. Para Loureiro (2009) e Marques (2019), os movimentos
indígenas, quilombolas, sem-terras, ambientalistas e de pequenos agricultores,
nunca deixaram de se mostrar presentes nos processos de lutas e resistências em
defesa da Amazônia. Por isso, arremata Marques (2019, p. 280), “[...] estamos
diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas e construir um
projeto alternativo que atribua ao desenvolvimento um sentido social e
diametralmente oposto ao que foi presenciado até aqui. Isso pressupõe lutar
contra a dominação do capital”.
Na realidade do Rio Andirá, como reprodução social
do meio rural amazônico, o movimento dos Sateré-Mawé e dos quilombolas tem sido
fundamental para a manutenção dos territórios e para o acesso às políticas
públicas em nível local, regional e nacional.
2 Movimento indígena e quilombola
do Rio Andirá
Sobre a definição teórica de movimentos
sociais, nos interessa, a priori, a
explicação de Gohn (2000): definir um movimento social requer levar em
consideração a análise histórica das experiências socioculturais e políticas
dos sujeitos que o formam, isso porque os movimentos sociais não devem ser
confundidos com simples organizações de grupos ou, ainda, com qualquer
mobilização fora da esfera não institucional. Um movimento social refere-se à
ação dos homens na história, que envolve um pensar e um fazer. Assim sendo, é
uma práxis.
Gohn (1995, 2000) referencia os
movimentos sociais como ações coletivas envolvendo sujeitos de diferentes
classes sociais, mas com interesses em comum. Essas ações viabilizam formas
distintas de a população se organizar e expressar suas demandas e necessidades,
bem como criam um campo político de força na sociedade civil. Em termos
concretos, essas formas podem adotar diferentes estratégias de luta, incluindo
denúncias, mobilizações, marchas, concentrações e negociações. Para a autora, o
princípio que funda um movimento social é o da solidariedade, construído sob
uma base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelos
sujeitos do grupo.
Durante a pesquisa de campo, interessou-nos apreender o que
representa o movimento social para os Sateré-Mawé e os quilombolas do Rio
Andirá. Em
seus relatos, fizeram referência a categorias e/ou conceitos, como, por
exemplo, união, ação coletiva, unificação das lutas, necessidades em comum dos
povos, mobilizações, redes e relações de gênero. Acreditam que o movimento
social, como expressão de um coletivo, revela muito sobre os direitos, os
caminhos de acesso às políticas públicas e a solidariedade de classe entre
indígenas com os demais parentes, e quilombolas com seus semelhantes. Entendem
que as lutas sociais foi o que possibilitou a visibilidade e o reconhecimento
estatal nos dispositivos jurídicos, mas que precisam avançar nas alianças
políticas com a finalidade de conquistar mais espaços e fazer o enfrentamento
às opressões capitalistas, principalmente ao racismo estrutural e às diversas
expressões de violência.
Do ponto de vista histórico, a formação
organizacional dos movimentos indígena e quilombola do Rio Andirá acompanhou a
sistematização do movimento nacional, sobretudo a partir das décadas de 1970 e
1980. Por oportuno, apresentamos um panorama imagético de onde estão
localizadas as aldeias e os quilombos, que foram o lócus da pesquisa de
campo.
Figura 1 – Delimitação do território indígena
e quilombola na sub-região Baixo Amazonas
Fonte:
Organização dos autores com base no Google Maps, 2022.
As lideranças Sateré-Mawé estavam em contato direto
com as representações regionais e nacionais do Movimento
Indígena Brasileiro (MIB),
especialmente na década de 1980, em razão da elaboração do texto
constitucional de 1988 (Brasil, 1988). Kapi João Sateré, de 64 anos, uma das
lideranças Sateré-Mawé, estava presente em Brasília (DF) no ato de aprovação da
CF de 88. Seu relato trata da importância da presença Sateré-Mawé naquele
período histórico, conforme consta na dissertação de Souza (2019):
Ver deputados e senadores votando. Como
posso dizer, foi uma vitória. Os artigos 231 e 322 da Constituição nos davam
condições de organização, liberdade de mobilização e de gritar para o mundo o
que os povos indígenas sentiam e precisavam. Depois, foi possível a criação de
associações indígenas [...] (Souza, 2019, p. 99).
Um registro emblemático da participação
dos povos indígenas na CF de 1988 foi a presença de Ailton Krenak na Assembleia
Constitucional de 1º de fevereiro de 1987. Na ocasião, ao fazer uso do púlpito,
o indígena utilizou tinta de jenipapo para pintar seu rosto como forma de
protesto e para chamar a atenção dos parlamentares. Segundo Krenak (2012), tal
fato foi uma estratégia bem-sucedida, pois, a partir daquele momento, um “[...]
monte de senadores e deputados saíram de onde estava e vieram para mais próximo
de onde eu estava, no púlpito, e escutaram o que eu estava falando com eles”
(Krenak, 2012, p. 124).
Na mesma linha de debate, as
comunidades negras rurais também foram fundamentais no processo decisório do
texto constitucional de 1988:
[...]
o processo social de afirmação étnica e de
territorialização, referido aos chamados quilombolas, não se desencadeia
necessariamente a partir da Constituição
de 1988 uma vez que ela própria é resultante de intensas mobilizações,
acirrados conflitos e lutas sociais que impuseram as denominadas terras de
preto, mocambos, lugar de preto e outras designações que consolidaram de certo
modo diferentes modalidades de territorialização das comunidades remanescentes
de quilombos. Neste sentido a Constituição consiste mais no resultado de um
processo de conquistas de direitos e é sob este prisma que se pode asseverar
que a Constituição de 1988 estabelece uma clivagem na história dos movimentos
sociais, sobretudo daqueles baseados em fatores étnicos (Almeida, 2011, p. 113,
grifos nossos).
Rocha (2019) explica que a ênfase
organizativa do movimento quilombola do Rio Andirá apareceu com mais força nos
anos 2000, visto que, com a aprovação do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), em especial o Art. nº 68, no qual consta que “Aos remanescentes
das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos [...]”
(Brasil, 1988, não paginado), as lideranças locais começaram a se organizar a
fim de reivindicar os direitos territoriais e a identidade quilombola que,
embora estivesse em suas ancestralidades, não se concretizava formalmente.
Em 2009 foi criada a Federação das Organizações Quilombolas
do Município de Barreirinha (FOQMB), expressando o primeiro grande resultado do
movimento que começara a se apresentar de maneira mais sistematizada, tendo na
figura de Maria Cremilda Rodrigues a primeira presidenta da FOQMB, gestão
2009-2012. É importante registrar que as primeiras gestões da FOQMB foram
comandadas por mulheres, as quais permanecem ativas, a exemplo de Maria Amélia
Castro, que faz parte do movimento nacional.
Durante a
pesquisa, os relatos indígenas convergiram ao evidenciarem o movimento social como
uma ferramenta de enfrentamento ao que denominaram de Governo anti-indígena. A
referida expressão fora utilizada em função do contexto pandêmico da COVID-19.
Em 2020, um dos entrevistados publicou um texto no qual fez críticas à atuação
de Jair Bolsonaro frente à realidade dos povos indígenas do Amazonas e o chamou
de Governo anti-indígena. Para Sateré
e Albuquerque (2020), a COVID-19 escancarou uma “[...] política neoliberal de
austeridade, de cortes na saúde, e nos principais setores do país, que deixa a
população sem alternativas e longe de ter suas demandas atendidas” (Sateré;
Albuquerque, 2020, p. 44). Sinalizaram que a atuação do Estado não privilegiava
a diversidade de povos da/na Amazônia.
A questão territorial foi uma expressão
que apareceu várias vezes na pesquisa. Trata-se de um elo que une os movimentos
sociais no meio rural amazônico. Todavia, a luta pela terra e pela permanência
dos povos em seus territórios requer solidificar estratégias contemporâneas, ou
nas palavras de Jecinaldo Sateré, durante nossa pesquisa de campo, renovar os caminhos. Esse dado
interliga-se à discussão nacional no interior dos movimentos indígenas pelas
regiões brasileiras. Nesse sentido, Silva (2020) afirma que:
O direito à terra, à demarcação das terras indígenas frente
às ameaças da apropriação capitalista do campo representa a garantia do
desenvolvimento da singularidade indígena e sua interlocução com o complexo
social total: o indígena como um ser
social. Significa proteger a relação vital e simbólica da terra indígena como patrimônio cultural da
humanidade que precisa ser garantido, vivo e habitado. É a garantia da
produção e reprodução do território, das relações entre meio ambiente, humanos
e suas múltiplas relações de parentesco, de produção real e imaginária da vida
(Silva, 2020, p. 29, grifos nossos).
Essa afirmativa também aparece como a
principal pauta reivindicada pelos movimentos no Rio Andirá: “Precisamos da terra,
do nosso território para poder lutar por outras necessidades”[5].
É uma questão que atravessa as pautas nacionais das lideranças indígenas e
quilombolas, sobretudo a partir de janeiro de 2023, com a reorganização da
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), do Ministério da Igualdade
Racial e a criação do Ministério dos Povos Indígenas.
Chama atenção, outrossim, o relato de
Marta Sateré ao referenciar a pauta do “direito das mulheres”: “A gente luta
por um direito duplo, que é o direito das mulheres em geral, e o direito das
mulheres indígenas, pois, muito daquilo que reivindicamos são questões que só
dizem respeito a nós indígenas”[6].
Fundamental esse dado, pois a literatura crítica tem apontado que as lutas e as
reivindicações das mulheres indígenas no Brasil têm conquistado visibilidade no
contexto das lutas sociais. Inclusive, já se pode notar a presença dessas lutas
na política, na mídia, na ciência e em outros espaços.
A fala de
Maria Amélia Castro retrata a presença do capital no território quilombola. “A
gente observa que estão tirando nossas terras, tirando madeira, tirando pedra,
estão fazendo pescaria dentro do quilombo [...]. Para isso tiveram que derrubar
árvore de copaibeira, castanheira e outras que são ‘madeira de lei’”[7].
A entrada ilegal do capital no mundo rural amazônico sempre gerou conflitos
sociais. Assim, o modelo adotado pelo projeto capitalista entra “[...] em
choque com as populações naturais da região ao destruir a sua cultura, a sua
forma de vida, o seu ambiente natural e a sua identidade cultural, quando as
desenraiza física ou culturalmente, empurrando-as como marginalizadas para as
periferias das cidades” (Loureiro, 2009, p. 107).
Ademais,
destaca-se a narrativa de Josias Sateré, ao afirmar que: “[...] a gente tem que
ocupar os espaços na esfera estadual, municipal, federal, para que tenhamos voz
e representatividade”[8].
Uma de nossas intenções no estudo foi salientar a participação de indígenas e
quilombolas nos espaços de representatividade política como fundamental para a
luta social em prol de direitos étnicos, territoriais e jurídicos. Contudo, Santos
(2014) observa que a participação deve levar em consideração o nível de
conhecimento que as lideranças têm acerca daquilo que se reivindica. Ou seja, a
participação deve ser precedida de conhecimentos no que tange à questão
política e sobre os equipamentos onde se operacionalizam serviços, programas e
projetos sociais, o que parece ficar claro nas manifestações das lideranças
participantes da pesquisa, principalmente quando se referiram à educação e à
saúde.
3 Participação de lideranças indígenas e quilombolas do Rio
Andirá nas políticas públicas
Raichelis (2011) e Almeida e Tatagiba
(2012) explicam que as conferências são, por excelência, espaços de controle
social, com vistas a criar estratégias que possam qualificar uma determinada
política pública a médio e longo prazos. Nesse ponto, reside nossa compreensão
sobre a importância de usuárias/os indígenas e quilombolas em se fazer presente
nas conferências em nível municipal, inclusive forjar a escolha de delegados
para participação em nível estadual e nacional.
Vale lembrar que a marca definidora de
uma política pública é o fato de ser pública, e não do Estado ou de grupos particulares (Pereira, 2009). Assim, as políticas públicas em geral,
principalmente as do segmento social, visam concretizar direitos sociais
conquistados pela sociedade e incorporados em leis. Operacionalizam-se, nesse
sentido, por meio de programas, projetos, serviços e benefícios.
No período do estudo em questão,
tivemos a oportunidade de participar de sete Conferências Municipais de
Assistência Social em municípios do estado do Amazonas nos anos de 2021 e 2023,
a saber: Parintins, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, São Sebastião do Uatumã,
Itapiranga, Nhamundá e Silves.[9]
Nessas conferências registramos elementos que convergiam ou divergiam na
operacionalização da PAS, bem como, o processo de participação dos movimentos
sociais, visto que tal fato implica em como a PAS responde às necessidades de
suas/seus usuárias/os, considerando a regionalidade amazônica.
Os diálogos e debates entre os
participantes, bem como as dificuldades em elaborar propostas que pudessem
chegar à Conferência Estadual e, depois, à Nacional, nos fizeram questionar:
afinal, de que Política de Assistência Social está se falando? É aquela que se
faz presente nos textos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), da
Política Nacional de Assistência Social (PNAS), da Norma Operacional Básica do
Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), da Norma Operacional Básica de
Recursos Humanos (NOB/RH), ou existe por parte das/os participantes outra
direção/formação de Política?
Essas indagações nos fizeram voltar a
alguns textos, como de Teixeira (1998, 2008), Silva (2012), Almeida (2021) e Nascimento,
Cruz e Pontes (2019), porque muitos discursos das/os usuárias/os e de alguns
trabalhadores/as do SUAS no decorrer das conferências remetiam ao conteúdo
disposto nas produções desses/as pesquisadores/as amazônidas.
Teixeira (1998), na década de 1990,
questionou qual Assistência Social estava se operacionalizando na Amazônia: uma
política retórica como dever do Estado, que deveria responder à promoção da
justiça? Ou uma política a ser construída na luta cotidiana, exigindo organização
e estratégia de suas/seus usuárias/os para concretizá-la? Em 2008, após a
conquista da PNAS (Brasil, 2004), da NOB/SUAS (Conselho Nacional de Assistência
Social, 2005, 2012), da NOB/RH (Conselho Nacional de Assistência Social, 2006)
etc., Teixeira (2008) voltou a questionar como estava a concepção da PAS ou
como esta se fazia presente na diversidade urbana e rural da Amazônia.
Nesses termos, estava claro que a PAS
na Amazônia é aquela que deveria/deve ser construída no cotidiano do trabalho,
envolvendo todas/os as/os atores/atrizes que a concretizam: usuárias/os,
profissionais da Equipe Técnica de Referência e demais trabalhadores/as do
SUAS; tendo a contribuição de estudos e pesquisas de pesquisadores regionais
como forma de reiterar a dimensão de Política que se vislumbra para a realidade
amazônica, mas mantendo conexão com a totalidade brasileira. Somente assim o
Estado poderia/á assumir a Assistência Social como prioridade nas agendas
governamentais.
As maiores possibilidades de mudanças
da Assistência Social voltadas para a realidade amazônica concentram-se a
partir de 2010, quando a produção de conhecimento sobre as políticas sociais na
Amazônia começou a se tornar mais publicizadas, e os movimentos sociais
passaram a problematizar e reivindicar a lógica de cima para baixo no que concerne aos serviços, programas,
projetos, benefícios e ações da PAS.
Nesse contexto, o aparecimento da
NOB/SUAS, em 2012, é visualizado como sine
qua non, pois traz consigo a perspectiva da regionalidade amazônica como
elemento a ser considerado na organização do orçamento para dar conta dos
recursos humanos, financeiros e materiais. Ou seja, a NOB/SUAS, aprovada pela
Resolução CNAS nº 33, de dezembro de 2012, reconhece o fator amazônico como singularidade da particularidade de municípios
da Amazônia brasileira. Isso porque, em seu Art. 62, diz que:
O cofinanciamento dos serviços socioassistenciais de
proteção social básica e especial deverá considerar fatores que elevam o custo
dos serviços na Região Amazônica,
além de outras situações e especificidades regionais e locais pactuadas na CIT
e deliberados pelo CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social, 2012, p. 35).
Todavia, embora o disposto ideal esteja
presente em um documento legal da PAS, a realidade concreta tem revelado que os
fatores que elevam o custo dos serviços
na Região Amazônica ainda não foram considerados em totalidade (Nascimento;
Cruz; Pontes, 2019; Almeida, 2021). Esse contexto remete ao fato de que o
discurso é o de reconhecimento da diversidade étnico-racial na PAS, “[...] mas
na prática é da desigualdade, numa demonstração de que na regulamentação a
diversidade pode ser acionada como prática discursiva sem prejuízo da
manutenção da desigualdade” (Nascimento; Cruz; Pontes, 2019, p. 91).
Questionamos como ocorria (ou não) a
presença das lideranças indígenas e quilombolas nas conferências municipais de
Barreirinha:
A Assistência Social
deveria se preocupar mais com a nossa realidade. Eu vejo que faltam mais ações
nas comunidades pra explicar melhor o que é realmente a Assistência Social, o
que ela pode fazer pela gente, né! E claro, como podemos ter mais acesso como
direito nosso. Nas comunidades rurais o povo precisa muito. Há muita carência
dos nossos direitos [...]. Quanto às Conferências, somos convidados apenas pra
ouvir. E já estamos cansados disso. Quero ter mais espaços pra fala, pra dizer
da nossa realidade. Porque se não, só os outros pensam pela gente, mas somos
nós que sabemos o que realmente precisamos.[10]
Já fomos convidados
para participar da Conferência Municipal de Assistência Social, porém, na
condição de ouvintes, nunca fomos chamados para ter uma fala à mesa, que é o
nosso lugar de fala, né? Geralmente essas conferências já vêm com seus
delegados... tipo, quem organiza acaba exercendo uma certa influência na
escolha de delegados quando se trata de representação estatal. Nós, indígenas,
também pouco conhecemos sobre o que é Conferência de Assistência Social, então,
fica difícil termos um delegado que nos represente como indígena. Já na área da
educação é diferente, porque na educação nós conhecemos, tanto que tem
indígenas que vão pra cima, querem ser delegados, querem sugerir propostas.
Mesma coisa Conferência de saúde, Conferência Indigenista, quer dizer, lá eles
entendem, sabem dos seus direitos. Na área de Assistência Social ainda
conhecemos pouco [...].[11]
[...] Às vezes essas
conferências são para oficializar algo que já foi decidido em outras
instâncias. Daí vem aqui, faz conferência pra cumprir protocolo. Mas assim,
justamente por não ser bem organizada, a participação
é mínima, sem contar que quando somos convidados é para ouvir, mas aí pergunto:
em que momento vamos ser chamados para falar da nossa realidade e necessidade
como indígena? Penso que as pautas, o tempo, o período em que acontece precisa ser
revisto e, nós como indígenas, precisamos fortalecer mais a luta visando maior
participação. O que acontece às vezes é que sempre tem uma minuta, e por mais
que eles queiram facilitar o trabalho deles, o diálogo já vai fragilizado
porque até chegar a um entendimento... ou seja, nós não participamos do processo
desde o início [...].[12]
Observamos uma inexpressiva
participação dos/as indígenas e quilombolas nas conferências municipais de
Assistência Social e, quando estão presentes, são tratadas/os como ouvintes, por isso reivindicam mais espaços pra fala, pra dizer da nossa
realidade, ou ainda, nunca fomos
chamados para ter uma fala à mesa, que é o nosso lugar de fala, né? Ou
seja, a direção é dada pelo Estado, colocando em questão a perspectiva
democrática para as quais foram criadas.
Essas posturas possibilitam aferir que
a gestão local não tem construído estratégias de esclarecimento e convencimento
acerca da necessidade da participação efetiva dos Sateré-Mawé e comunidades
tradicionais nas Conferências da PAS. Vale dizer que a crítica ao tratamento
dado pelas/os gestoras/es da referida Política não inclui a gestão das
políticas de saúde e educação, já que nessas duas últimas há mais participação
e direito à fala e poder deliberativo.
Além disso, a pesquisa revelou a
inexistência de orçamento que garanta infraestrutura e recursos humanos
específicos no atendimento das demandas dos povos indígenas e comunidades
tradicionais. Conforme foi relatado recorrentemente pelas/os entrevistadas/os,
elas/es não aceitam mais ser tratadas/os como “pobres coitados”, ou seja,
recusam o lugar de plateia e reivindicam “participação e abertura maior para
todos, por exemplo, povos ribeirinhos, indígenas, quilombolas. Então penso que
a política pode tomar novos rumos e assim dar mais certo”[13].
Conclusão
O Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstra que a população
indígena cresceu consideravelmente nos últimos dez anos. Em todo o Brasil, o
Censo aponta 1.693.535 indígenas correspondentes a 305 etnias, o que representa
0,83% do total de habitantes do país. A maior expressividade está na Região
Norte, com um percentual aproximado de 45% (Dados [...], 2023).
O IBGE também revelou que a população
quilombola, pela primeira vez registrada em um Censo, é de 1,3 milhão de pessoas,
isto é, 0,65% do total de habitantes do Brasil. O maior número está na Região
Nordeste, com 68,19%, seguida do Sudeste (13,73%), Norte (12,51%), Centro-Oeste
(3,39%) e Sul (2,19%) (População [...], 2023).
Isso significa dizer que as políticas
públicas, a exemplo da Assistência Social, cada vez mais precisam atualizar
suas estratégias de alcance dos/as usuários/as sob a ótica da diversidade
étnico-racial, ou, nas palavras de Costa (2017), fazer uma abordagem densa e
profícua. São povos que lutam e reivindicam por igualdade no acesso aos seus
direitos a partir do princípio da diferença. Daí que a Assistência Social
precisa acompanhar as pautas atuais dos movimentos indígenas e quilombolas.
Diante disso, o estudo realizado nos
permite fazer algumas reflexões. A primeira, diz respeito à desatenção com a
singularidade do meio rural amazônico. Há necessidades sociais e
características muito próprias do/no mundo rural, sobretudo quanto às relações
dos povos com a natureza e nas mediações do trabalho. Os processos que demarcam
a acumulação do capital na Amazônia nos séculos XX e XXI afetam diretamente a
vida de povos originários e comunidades tradicionais. Ao mesmo tempo, há uma
organização e mobilização coletiva como forma de enfrentamento às imposições do
capital internacional e nacional sob o aceite da burguesia local em busca de
riqueza e poder. Essa realidade imprime no âmbito dos movimentos sociais a
presença de um Estado que materializa seu discurso democrático atendendo as
demandas dos povos em suas condições socioeconômicas e culturais na
perspectiva, por exemplo, da ancestralidade.
A segunda remete à concepção do que é o
direito para os movimentos. Os indígenas e quilombolas do Rio Andirá, ao
criticarem o direito positivista/jurídico e reivindicarem o direito
original/territorial/ancestral, indicaram que sua reivindicação tem como ponto
de partida a emancipação política, mas não de qualquer forma e, sim, aquela que
se faz pela oferta de condições para valorização e garantia de seus territórios
para trabalharem e, ao mesmo tempo, preservarem o que nele existe. Ou seja, a
concepção do movimento quanto à relação entre natureza e sociedade se coloca em
defesa da humanidade e não de interesses específicos e de destruição. Nesse
sentido, seu ponto de chegada é a emancipação humana. Um projeto societário que
respeite a vida humana na sua diversidade, bem como das florestas e dos
animais.
Por fim, os participantes do estudo
indicaram possibilidades de políticas públicas que tomem como referência o chão
rural amazônico, distanciando-se de uma hierarquização de cima para baixo que ainda persiste no processo operacional, a
exemplo da Assistência Social, expresso pelas/os interlocutoras/es quando se
referiram à natureza de suas participações nas conferências municipais e
estaduais comparadas as de Educação e Saúde; essas duas concebidas como mais
inclusivas do ponto de vista do reconhecimento e de dar voz aos indígenas e
quilombolas nos processos decisórios.
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________________________________________________________________________________________________
Patrício Azevedo RIBEIRO Trabalhou na concepção, análise, interpretação dos
dados, na redação do texto e na sua revisão crítica.
Doutor em
Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor do Curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no Instituto de
Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ), Campus Parintins. Membro da
Diretoria Regional Norte da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social (ABEPSS) (Gestão 2023-2024 e 2025-2026).
Maria Antonia Cardoso NASCIMENTO Trabalhou na análise, interpretação dos dados e na
revisão crítica do texto.
Doutora
em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professora da Faculdade de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa Trabalho, Estado e Sociedade na Amazônia.
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Editores responsáveis
Ana Targina Ferraz – Editora-chefe
Maria Lúcia Teixeira – Comissão Editorial
Submetido em: 16/6/2024. Revisado em:
24 ago. e 10/9/2024. Aceito em: 16/11/2024.
Este é um artigo publicado em acesso
aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons
Attribution, que permite uso, distribuição e
reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original
seja corretamente citado. |
[1] A ênfase ao rural na Amazônia brasileira,
principalmente nos municípios da Região Norte, parte da premissa de que há
diferenças do que podemos entender como rural em outras regiões do Brasil.
Trata-se de um rural geográfico, cultural e territorialmente diverso, onde a
vida social é regida dialeticamente com as águas, as florestas e as terras.
Predomina nesse ambiente os ecossistemas de terra firme e várzea, com períodos
específicos de enchente/cheia e vazante/seca. O acesso às comunidades rurais
tradicionais ocorre por meio de médias e/ou pequenas embarcações fluviais, bem
como por estradas que atravessam as matas e os limites territoriais das
comunidades. Os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores,
extrativistas outros que vivem nas comunidades rurais, mantêm uma relação
orgânica com a natureza e dentro de suas possibilidades buscam assegurar a
sustentabilidade desta, pois, como argumenta Marx (2008, p. 84), “[...] o homem
vive da natureza [...]”, e isso significa dizer que a natureza “[...] é o seu
corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer”
(Marx, 2008, p. 84).
[2]
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pelo
CONEP, conforme CAAE: 42342421.2.0000.0018. No TCLE consta a autorização dos
participantes sobre o uso fonográfico e fotográfico.
[3] Informação concedida por Jecinaldo Sateré,
liderança Sateré-Mawé, em 25 de abril de 2021.
[4] Informação concedida por Geter Sateré,
liderança Sateré-Mawé, em 25 abril de 2021.
[5] Informação concedida por Tarciara Raquel
Castro, quilombola, em 6 de abril de 2021.
[6] Informação concedida por Marta Sateré,
indígena, em 18 de agosto de 2021.
[7] Informação concedida por Maria Amélia
Castro, quilombola, em 06 de abril de 2021.
[8]Informação concedida por Josias Sateré,
indígena, em 16 de abril de 2021.
[9]
As viagens para estar nesses municípios são permeadas de desafios. Ocorreram em
pequenas embarcações (lanchas e voadeiras) e, certamente, foram bem cansativas,
pois aconteciam ao amanhecer e ao anoitecer.
[10] Informação concedida por Tarciara Raquel
Castro, quilombola, em 06 de abril de 2021.
[11] Informação concedida por Josias Sateré,
indígena, em 16 de abril de 2021.
[12] Informação concedida por Geter Sateré,
indígena, em 25 de abril de 2021.
[13] Informação concedida por Geter Sateré,
indígena, em 25 de abril de 2021.