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A nova matriz de financiamento público federal do esporte no Brasil pós-Jogos Rio 2016

The new federal public financing matrix for sport in Brazil post the Rio 2016 Games

Fernando Henrique Silva CARNEIRO

https://orcid.org/0000-0002-2800-1895

Instituto Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

E-mail: fernandohenriquesc@gmail.com

Pedro Fernando Avalone de ATHAYDE

https://orcid.org/0000-0001-7219-3444

Universidade de Brasília, Faculdade de Educação Física, Brasília, DF, Brasil.

E-mail: pedroavalone@gmail.com

Jonathas Carvalho de SOUZA

https://orcid.org/0000-0002-5085-9468

Rede Pública de Ensino do Estado do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.

E-mail: thas.cs@hotmail.com

Fernando MASCARENHAS

https://orcid.org/0000-0003-0265-502X

Universidade de Brasília, Faculdade de Educação Física, Brasília, DF, Brasil.

E-mail: fernandom@unb.br

Resumo: Esta pesquisa objetivou a análise da matriz de financiamento público federal do esporte no Brasil ao longo de 2017 a 2022, tendo por base a de 2003 a 2016. A investigação se caracteriza como uma pesquisa descritiva de cunho quanti-qualitativa. A base da pesquisa é documental, tendo sido coletados dados no Portal da Legislação do Governo Federal e no Portal Transparência no Esporte, analisados a partir do indicador fonte de financiamento. O estudo demonstrou que houve mudanças significativas na matriz de financiamento público federal do esporte entre o período de 2003 a 2016 e de 2017 a 2022: no primeiro, a fonte mais volumosa era a orçamentária, com participação importante das fontes extraorçamentária e de gasto tributário; já no segundo, a maior representatividade passou a ser dessas duas últimas, e houve um papel marginal da fonte orçamentária.

Palavras-chave: Governo federal; Fundo público; Financiamento do esporte; Políticas esportivas; Grandes eventos esportivos.

Abstract: This research analyses the federal public funding matrix for sport in Brazil from 2017 to 2022, based on an analysis from 2003 to 2016. The research is a combination of descriptive quantitative and qualitative research based on documentary research using data collected from the Portal da Legislação do Governo Federal and the Portal Transparência no Esporte, and analyses the sources of financing. The study demonstrates that there were significant changes in the federal public financing matrix for sport between the periods 2003 - 2016 and 2017 - 2022: in the first, the largest source was the federal budget, with important inputs from extra-budgetary and tax expenditure; in the second, the greater proportion was from these last two sources with only a marginal role for the federal budget.

Keywords: Federal government; Public funds; Sports financing; Sports policies; Major sporting events.

1 Introdução

Para materializar suas múltiplas funções, o Estado necessita do fundo público, cuja constituição se dá a partir de recursos captados da sociedade por meio da punção compulsória de impostos, contribuições e taxas (Behring, 2010). O fundo público tem papel relevante, tanto para a manutenção do capitalismo na esfera econômica quanto para a garantia do contrato social, via políticas sociais (Salvador, 2012). É por meio dele que o Estado concretiza as diferentes políticas públicas, dentre as quais, a esportiva.

O esporte está previsto na Constituição Federal de 1988 como um direito, sendo determinado o aporte de recursos públicos por parte do Estado (Brasil, 1988). Como em outros setores de políticas sociais, o debate sobre o financiamento público do esporte tem priorizado, sobretudo, o direcionamento do gasto público, implicando em carência de estudos sobre a origem dos recursos (Pereira et al., 2020).

No tocante à análise das fontes de financiamento público federal do esporte, há o estudo pioneiro de Veronez (2005). Castro e Mezzadri (2019) apontaram que as principais fontes de financiamento são o orçamento público, o patrocínio das estatais, a Lei Agnelo/Piva e a Lei de Incentivo ao Esporte. Contudo, Mascarenhas (2016) foi o primeiro a sistematizar quais são as fontes de financiamento do esporte em sua totalidade.

Os estudos de Carneiro (2018) e Carneiro et al. (2019) avançaram em relação às pesquisas supracitadas, visto que, ao apresentarem as diferentes fontes de financiamento público federal do esporte no período de 2004 a 2015, produziram uma análise em profundidade sobre a totalidade dos gastos vinculados ao setor esportivo, identificando as seguintes fontes para o seu financiamento: orçamentária, extraorçamentária e gasto tributário. Há pesquisas mais recentes dedicando-se à análise do financiamento federal das políticas esportivas, destacando-se Athayde, Araújo e Pereira Filho (2021), Matias (2021) e Marques et al. (2021).

As análises realizadas por Carneiro (2018) e Carneiro et al. (2019) estão fortemente marcadas pelas ações dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), do Partido dos Trabalhadores (PT). Há diferentes interpretações sobre esses governos, identificados como pós-neoliberais (Sader, 2013), mas também como desenvolvimentistas (Boito Júnior, 2012; Singer, 2015).

No que tange às políticas esportivas, o governo Lula criou em 2003, pela primeira vez, o Ministério do Esporte (ME), ação que teria sido responsável por fortalecer a fonte orçamentária (Carneiro, 2018). Em um primeiro momento, seu governo priorizou os programas sociais esportivos. Todavia, com a realização dos Jogos Pan e Parapan-Americanos de 2007, o esporte de alto rendimento e os grandes eventos esportivos passaram a ter a centralidade da política e do financiamento do esporte (Carneiro, 2018); com os grandes eventos, em compasso com a perspectiva desenvolvimentista, constituindo o princípio organizador da agenda das políticas esportivas no Brasil (Mascarenhas et al., 2013).

Esse processo impactou diretamente o financiamento público federal do setor, com a ampliação dos recursos para o esporte de alto rendimento através do Plano Brasil Medalhas em 2016 (Carneiro; Mascarenhas, 2018). Isso foi possível porque, ao longo dos governos Lula e Dilma, foram criadas novas fontes de financiamento para o esporte, como loterias e gastos tributários (Carneiro et al., 2019), além do reforço às já existentes, como o orçamento público e o patrocínio das estatais federais (Carneiro, 2018).

O fim do ciclo de grandes eventos no Brasil, e desse ciclo de bonanças, se deu com a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 e com a subsequente interrupção, descontinuidade e fragilização da agenda esportiva (Athayde; Araujo; Pereira, 2021). Vale lembrar que isso ocorre justamente quando se instaura um processo de retrocesso social, político e econômico, alavancado pelo Golpe de Estado contra a presidenta Dilma, que contou com a articulação entre os poderes constituídos, além do apoio da burguesia brasileira, da grande mídia e de setores da classe média (Fagnani, 2017).

Esse processo alçou Michel Temer à presidência do país (2016-2018), do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), articulando setores conservadores e implementando medidas ultraneoliberais, como a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 e a aprovação da contrarreforma trabalhista, as quais se desdobraram na superexploração da força de trabalho e na espoliação do fundo público (Cassin, 2023). Como consequência, num contexto em que as redes sociais e as fake news ganharam força, o discurso da antipolítica e a falta de uma candidatura viável que representasse os interesses da burguesia contribuíram para que Jair Messias Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), se tornasse presidente (2019-2022) (Matias, 2021). Esse último governo radicalizou as políticas neoliberais e o combate aos ideais democráticos (Behring et al., 2021).

Os governos Temer e Bolsonaro acabaram impactando significativamente a política esportiva nacional, tanto que aprovaram legislações esportivas que diminuíram os recursos para a pasta esportiva federal e as Secretarias estaduais de esporte (Marques et al., 2021). Além disso, no governo Bolsonaro, o ME foi extinto após 16 anos de existência, sendo transformado na Secretaria Especial de Esporte, vinculada ao Ministério da Cidadania.

Este trabalho procura contribuir com a ainda incipiente análise sobre as mudanças no financiamento público federal do esporte no Brasil entre os períodos de 2003 a 2016 e 2017 a 2022, em um contexto de transição de um modelo de centralidade no orçamento público para a crescente influência de fontes extraorçamentárias e de gastos tributários. Nesse sentido, o estudo também destaca como a implementação de políticas ultraneoliberais, adotadas durante os governos de Temer e Bolsonaro, refletiu um processo de desmonte do Estado, com a redução dos recursos destinados ao esporte e a diminuição da centralidade do Estado na formulação e execução de políticas públicas.

Esse modelo ultraliberal, inicialmente não escolhido diretamente nas urnas, impôs uma lógica de competição por recursos que, ao priorizar o capital privado, desviou o foco de necessidades coletivas e sociais para interesses específicos de suas frações representativas. Como resultado, as políticas sociais em geral e as esportivas em particular passaram a ser constrangidas pelas dinâmicas de mercado, distanciando-se da promoção da equidade, consolidando um cenário no qual os maiores beneficiados não são necessariamente os mais necessitados.

Nesse sentido, a pesquisa busca contribuir para entender como essa mudança de foco no financiamento público, em um ambiente marcado pela ascensão de grupos privados e pela fragilização e desresponsabilização do papel estatal, institui um novo arranjo onde a lógica de mercado e a competição por recursos, típica do neoliberalismo, transformam o esporte em um campo em que as oportunidades e os benefícios são cada vez mais concentrados nas mãos de poucos, em detrimento das camadas mais vulneráveis da sociedade.

Face ao exposto, o objetivo desta pesquisa foi analisar a matriz de financiamento público federal do esporte no Brasil pós-ciclo de grandes eventos e pós-golpe, focando-se na análise das diferentes fontes e subfontes de financiamento ao longo de 2017 a 2022, tendo como parâmetro comparativo a matriz de financiamento do esporte de 2003 a 2016.

2 Metodologia

O estudo realizado se caracteriza como uma pesquisa descritiva de cunho quanti-qualitativo, realizada a partir de documentos. O recorte temporal da pesquisa é de 2003 a 2022, segmentado em: Período 1 - 2003 a 2016; e Período 2 - 2017 a 2022. O primeiro está marcado pelos governos Lula e Dilma e pela organização e realização dos grandes eventos esportivos; o segundo, pelos governos Temer e Bolsonaro, que foram usufrutuários do processo de golpe e a política esportiva foi marcada pelo fim do ciclo de grandes eventos.

O levantamento de dados foi realizado em dois locais distintos: a) Portal da Legislação do Governo Federal – nesse portal foram pesquisadas as diferentes legislações que deram base ao financiamento público federal do esporte (Brasil, 2024); e b) Portal Transparência no Esporte – esse portal foi utilizado para coletar os dados das fontes e subfontes de financiamento público federal do esporte (Transparência no Esporte, 2024).

A análise dos dados foi realizada com base na proposta metodológica de análise crítica do financiamento esportivo desenvolvida por Carneiro e Mascarenhas (2018). Nesta pesquisa, foi utilizado, especificamente, o indicador fonte de financiamento, com o objetivo de demonstrar a origem dos recursos que financiam a política esportiva federal. Os dados financeiros foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, a partir da Calculadora do Cidadão, com preços de dezembro de 2022.

3 Apresentação e discussão dos dados

As primeiras legislações promulgadas pelo Estado brasileiro sobre o esporte remontam a década de 1940, o que marca o início do financiamento público do setor (Carneiro, 2018). Todavia, o reconhecimento do esporte como um direito se deu apenas na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). Não obstante, como desdobramento do processo social, econômico e político decorrente das contrarreformas dos anos 1990 no Brasil, o neoliberalismo é implementado no país de modo contundente (Behring; Boschetti, 2011).

Quadro 1: Fontes e subfontes da matriz de financiamento público federal do esporte e respectivas legislações por período de criação

Fontes Subfontes Legislação por período de criação
Criada até 2002 Criada de 2003 a 2016 Criada de 2017 a 2022
Orçamento Recursos ordinários para a função “Desporto e Lazer” Lei nº 4.320/1964; Portaria MPOG nº 42/1999 Vigente Vigente
Contribuições sobre concursos de prognóstico e loterias função “Desporto e Lazer” Lei nº 4.320/1964; Portaria MPOG nº 42/1999; Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé Lei nº 11.345/2006 – Lei da Timemania; Lei nº 13.155/2015 – LOTEX Lei nº 13.756/2018 altera as Leis nº 9.615/1998, nº 11.345/2006 e nº 13.155/2015; Lei nº 14.073/2020 altera a Lei nº 13.756/2018
Outros recursos orçamentários para a função “Desporto e Lazer” Lei nº 4.320/1964; Portaria MPOG nº 42/1999 Vigente Vigente
Recursos ordinários e de outras fontes de recursos do orçamento federal de distintas funções para as subfunções vinculadas ao exporte Lei nº 4.320/1964; Portaria MPOG nº 42/1999 Vigente Vigente
Extraorçamento Repasses sobre concursos de prognóstico para entidades esportivas Lei nº 9.615/1998 alterada pela Lei nº 10.264/2001 – Lei Agnelo/Piva

Lei nº 11.345/2006;

Leis nº 12.395/2011, nº 13.146/2015 e nº 13.155/2015 alteram a Lei nº 9.615/1998; Decreto nº 7.984/2013

Lei nº 13.756/2018 altera as Leis nº 9.615/1998, nº 11.345/2006 e nº 13.155/2015; Lei nº 14.073/2020 altera a Lei nº 13.756/2018
Patrocínios sem incentivo fiscal das estatais federais Decreto nº 4.799/2003; Decreto nº 6.555/2008 altera o Decreto nº 4.799/2003; Decreto nº 7.379/2010 altera o Decreto nº 6.555/2008 Decreto nº 9.950/2019 altera o Decreto nº 6.555/2008
Contribuição sobre salários e transferências de atletas profissionais pagos pelas entidades de prática esportiva para a assistência social e educacional da categoria Lei nº 9.615/1998 alterada pela Lei nº 9.981/2000 Lei nº 12.395/2011 altera a Lei nº 9.615/1998 Lei nº 14.117/2021 revoga elementos das Leis nº 9.615/1998 e nº 12.395/2011
Gasto tributário Desoneração das entidades recreativas sem fins lucrativos Constituição Federal 1988; Lei nº 9.532/1997; Medida Provisória 2.158-35/2001 Vigente Vigente
Isenção fiscal de patrocínios e doações de pessoas físicas e jurídicas no apoio direto ao esporte - Lei nº 11.438/2006 – Lei de Incentivo ao Esporte, alterada pelas Leis nº 11.472/2007 e nº 13.155/2015 Lei nº 11.439/2022 altera a Lei nº 11.438/2006
Isenção de impostos na fabricação nacional e importação de equipamentos e materiais esportivos Lei nº 10.451/2002 Leis nº 11.116/2005, nº 11.827/2008 e nº 12.649/2012 alteraram a Lei nº 10.451/2002 Não vigente
Isenção de tributos nas importações de bens recebidos como premiação em evento esportivo realizado no exterior e de bens e materiais consumidos, distribuídos ou utilizados em evento esportivo no Brasil - Lei nº 11.488/2007; Decreto nº 6.759/2009 alterado pelos Decretos nº 7.044/2009 e nº 7.213/2010 Vigente
Desonerações tributárias voltadas à realização dos grandes eventos esportivos - Lei nº 12.350/2010 alterada pelos Decretos nº 7.578/2011 e nº 8.010/2013; Lei nº 12.663/2012 – Lei Geral da Copa; Lei nº 12.780/2013 alterada pelas Leis 13.161/2015, nº 13.322/2016 e nº 13.265/2016 Vigência até 2017
Desoneração da Sociedade Anônima do Futebol - - Lei nº 14.193/2021

Fonte: Portal da Legislação do Governo Federal (Brasil, 2024). Elaboração própria.

Influenciado por esse contexto, foram instituídas legislações que tiveram um impacto significativo na política esportiva e em seu financiamento, com destaque para a Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico) e a Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Essas legislações deram margem a um processo de mudança que colocou em disputa interesses liberalizantes e conservadores do esporte. Esse confronto resultou em um processo de modernização conservadora no esporte, implementando autonomia para a organização do setor, mas, ao mesmo tempo, reforçando a posição de mando dos dirigentes das entidades de administração esportiva sem romper com a lógica do Estado como financiador dessas entidades (Athayde, 2014).

No Quadro 1, é apresentado um panorama das legislações que deram base às diferentes fontes de financiamento público federal do esporte. Pode ser identificado que a maior parte delas foi instituída a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Pelé.

Tabela 1: A matriz de financiamento público federal do esporte por fonte de 2003-2016 e 2017-2022

Período 1 - 2003-2016 Período 2 - 2017-2022
Fonte Valor (R$) Média (R$) % Valor (R$) Média (R$) %
Orçamento 17.052,41 1.218,03 37,37 1.975,76 329,29 13,46
Extraorçamento 14.498,45 1.035,60 31,78 6.582,25 1.097,04 44,83
Gasto tributário 14.076,93 1.005,50 30,85 6.124,97 1.020,83 41,71
Total 45.627,79 3.259,13 100,00 14.682,98 2.447,16 100,00

Fonte: Transparência no Esporte (2024). Elaboração própria.

Obs.: Valores em milhões de R$ deflacionados pelo IGP-DI a preços de dezembro de 2022.

Conforme pode ser observado na Tabela 1, a matriz de financiamento público federal do esporte mudou significativamente entre o período de 2003 a 2016 e de 2017 a 2022. No primeiro, a principal fonte era o orçamento público federal, com uma diferença não muito expressiva em relação às fontes extraorçamentária e de gasto tributário. Já no segundo, verifica-se uma centralidade da fonte extraorçamentária e de gasto tributário, enquanto a fonte orçamentária desempenha um papel marginal. Essa alteração do financiamento público federal do esporte no Brasil foi fruto de legislações criadas antes de 2017 e a partir deste ano, conforme disposto no Quadro 1. Esse cenário foi resultado de um processo atravessado por diferentes interesses políticos e econômicos, mas hegemonizado pelas entidades de administração esportiva e pelos clubes de futebol (Carneiro et al., 2020).

Com base nesse cenário, procede-se à análise mais profunda das alterações na matriz de financiamento público federal do esporte, partindo da análise das diferentes subfontes de financiamento do setor. Para isso, utiliza-se como ponto de partida a Tabela 2, que apresenta a matriz de financiamento público federal do esporte por fonte e subfonte, com a comparação entre os períodos de 2003 a 2016 e de 2017 a 2022.

Tabela 2: A matriz de financiamento público federal do esporte por subfonte de 2003-2016 e 2017-2022

Fonte Subfonte Período 1 - 2003-2016 Período 2 - 2017-2022
Valor (R$) % Média (R$) Valor (R$) % Média (R$)
Orçamento Recursos ordinários para a Função Desporto e Lazer 12.487,07 27,37 891,93 1.065,78 7,26 177,63
Contribuições sobre concursos de prognóstico para Função Desporto e Lazer 2.209,33 4,84 157,81 825,22 5,62 137,54
Outros recursos orçamentários para a Função Desporto e Lazer 1,64 0,00 0,12 44,05 0,30 7,34
Recursos ordinários e de outras fontes de recursos do orçamento federal de distintas funções para as subfunções vinculadas ao esporte 2.354,37 5,16 168,17 40,71 0,28 6,78
Extraorçamento Repasse sobre concursos de prognóstico para entidades esportivas 7.319,58 16,04 522,83 5.291,34 36,04 881,89
Patrocínios das estatais federais sem incentivo fiscal 7.024,94 15,40 540,38 1.266,56 8,63 211,09
Contribuição sobre salário e transferência de atletas profissionais pagos pelas entidades de prática esportiva para a assistência social e educacional da categoria 153,92 0,34 11,84 24,36 0,17 4,87
Gasto tributário* Desoneração das entidades recreativas sem fins lucrativas 6.131,48 13,44 437,96 3.436,79 23,41 572,80
Isenção de IRPF e IRPJ para patrocínios e doações 4.218,21 9,24 421,82 2.623,50 17,87 437,25
Isenção de equipamentos e materiais esportivos 3.669,80 8,04 733,96 35,50 0,24 35,50
Isenção para eventos esportivos 56,91 0,12 4,06 0,00 0,00 0,00
Desoneração para realização dos grandes eventos esportivos 0,55 0,00 0,05 5,01 0,03 0,84
Desoneração da Sociedade Anônima do Futebol - 0,00 - 24,17 0,16 12,09
Total 45.627,79 100,00 3.259,13 14.682,98 100,00 2.447,16

Fonte: Transparência no Esporte (2024). Elaboração própria.

Obs.: Valores em milhões de R$ deflacionados pelo IGP-DI a preços de dezembro de 2022.

3.1 Orçamento

A base legal do orçamento público é a Lei nº 4.320/1964, complementada pela Portaria MPOG nº 42/1999. Esta última estabelece a organização do orçamento por meio da linguagem funcional-programática. No âmbito do esporte, destaca-se a Função Desporto e Lazer (FDL) e suas subfunções: Desporto de Rendimento; Desporto Comunitário; e Lazer. Na fonte orçamentária, identificam-se três subfontes com recursos alocados na FDL: recursos ordinários, contribuições sobre concursos de prognóstico e outros recursos orçamentários.

Os recursos ordinários são provenientes de Imposto de Renda, de Imposto sobre Produtos Industrializados e de recursos desvinculados das Contribuições Sociais (Salvador, 2012). Por sua natureza, podem ser aplicados livremente em qualquer função. No entanto, conforme demonstrado na Tabela 2, houve uma redução importante desta subfonte entre os períodos analisados (2003-2016 e 2017-2022), tanto na participação da matriz de financiamento quanto da média alocada. Esse declínio reflete o impacto da transformação do ME em Secretaria, o que limitou sua capacidade de disputar recursos ordinários com outros setores.

As contribuições sobre concursos de prognóstico constituem recurso vinculado ao esporte por exigência legal, sendo parte destinada ao orçamento da pasta esportiva federal e a outra parte é extraorçamentária diretamente repassada a entidades esportivas. Como pode ser observado no Quadro 1, essa contribuição social foi estabelecida na Lei Pelé, tendo sido posteriormente constituídos novos concursos de prognóstico, a Timemania e a LOTEX. Posteriormente, essas legislações foram alteradas pela Lei nº 13.756/2018 e Lei nº 14.073/2020.

A Tabela 2 evidencia uma redução percentual na matriz de financiamento e na média de gasto dos recursos provenientes de contribuições de concurso de prognóstico para FDL no período 2, decorrente de legislações que reduziram os percentuais de repasse para o Governo Federal. Essa diminuição foi impulsionada pela pressão das entidades esportivas e atuação dos governos Temer e Bolsonaro (Marques et al., 2021).

Além das duas subfontes, outros recursos orçamentários também foram alocados na FDL. No período 1 (2003-2016), destacam-se recursos de outras contribuições sociais, contribuição social sobre lucro das pessoas jurídicas e de remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional. No período 2 (2017-2022), surgem no setor recursos de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional e de recursos de concessões e permissões, além da continuidade dos recursos de remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional (Carneiro; Mascarenhas, 2023).

Ademais, identificam-se recursos alocados nas subfunções – Desporto de Rendimento, Desporto Comunitário e Lazer – por outras funções que não a FDL. Como pode ser visto na Tabela 2, a subfonte de recursos ordinários e de outras fontes de recursos do orçamento federal de distintas funções para as subfunções vinculadas ao esporte tiveram uma redução de participação na matriz de financiamento e na média entre os períodos analisados.

No período 1, funções como Educação (Ministério da Educação), Cultura (Ministério da Cultura) e Defesa Nacional (Ministério da Defesa) contribuíram para o financiamento esportivo. No período 2, entretanto, apenas a função Defesa Nacional destinou recursos às subfunções. Assim, nos governos Lula e Dilma houve uma diversidade maior de pastas alocando recursos no esporte. Todavia, a partir de 2017, o movimento reflete a concentração orçamentária na Função Defesa Nacional, favorecida pelo apoio de setores militares aos governos Temer e Bolsonaro, particularmente nesse último (Behring et al., 2021).

Estudos como os de Mascarenhas (2016) e Carneiro (2018) demonstram que, nos governos Lula e Dilma, o orçamento do esporte foi impactado por políticas de austeridade fiscal, aprofundadas pela aprovação da Emenda Constitucional n° 95. Silva e Teixeira (2022) apontam que houve mecanismos de flexibilização dessa emenda, impulsionados pelo aumento dos custos de governabilidade inerentes ao crescimento da dispersão partidária dentro de um modelo pautado pelo presidencialismo de coalizão (Abranches, 1988). Essa dinâmica resultou na captura do orçamento pelo legislativo, por meio de emendas parlamentares, que passaram a servir para ampliação do apoio eleitoral das bases dos parlamentares e moeda de troca com o Executivo (Silva; Teixeira, 2022). Isso desarticulou as políticas públicas esportivas e aumentou a dependência do orçamento esportivo em relação às emendas.

A perspectiva ultraneoliberal dos governos Temer e Bolsonaro contribuiu para o esvaziamento do orçamento e o desmonte das políticas públicas, incluindo as esportivas (Silva; Teixeira, 2022). A extinção do Ministério do Esporte em 2019 ilustra esse contexto, expressando a “[...] a secundarização da importância do Esporte como um direito social constitucionalmente garantido e [...] o enxugamento do Estado para benefício da iniciativa privada como promotora do Esporte” (Frizzo, 2019, p. 3).

Além disso, o fim do ciclo de grandes eventos no Brasil, marcado pela realização dos Jogos Rio 2016, contribuiu para a reconfiguração do orçamento esportivo. Segundo Carneiro e Mascarenhas (2023), o governo Lula 2 (2007-2010) e Dilma concentraram os principais gastos esportivos com grandes eventos, enquanto a partir de 2017 não houve mais recurso do orçamento para essa ação.

3.2 Extraorçamento

A fonte extraorçamentária é composta por recursos que não impactam diretamente o orçamento público, incluindo repasses sobre concursos de prognóstico para entidades esportivas, patrocínios sem incentivo fiscal das estatais federais e contribuição sobre salário e transferência de atletas profissionais pagos pelas entidades de prática esportiva para a assistência social e educacional da categoria.

O repasse sobre concursos de prognóstico para entidades esportivas se refere aos recursos arrecadados via contribuição social e repassados pela Caixa Econômica Federal às entidades de administração e prática esportiva, conforme legislação apresentada no Quadro 1. Destacam-se, nesse contexto, a Lei Pelé e a Lei Agnelo/Piva, que garantiram recursos a essas entidades, incrementados pela criação de novas loterias (Timemania e LOTEX). Embora a Lei nº 13.756/2018 e a Lei nº 14.073/2020 tenham alterado tais legislações, os percentuais de repasse recursos às entidades esportivas permaneceram praticamente inalterados (Marques et al., 2021).

Como pode ser visto na Tabela 2, houve um aumento expressivo nos recursos alocados nesta subfonte entre o período 1 e o período 2, resultando na sua consolidação como a principal subfonte de financiamento no período de 2017 a 2022. Esse cenário reflete a força política das entidades de administração esportiva e clubes, reconhecidos como agentes mais conservadores e influentes do setor, que historicamente orbitam o poder estatal em busca da ampliação de recursos públicos (Carneiro et al., 2020). A inação Governo Federal no esporte contribuiu com a transferência de responsabilidade a essas entidades (Marques et al., 2021).

A subfonte de patrocínios sem incentivo fiscal das estatais federais se refere a recursos das estatais destinados ao patrocínio esportivo. A base legal foi definida no Decreto nº 4.799/2003, substituído pelo Decreto nº 6.555/2008, que sofreu alterações ao longo do tempo - conforme detalhado no Quadro 1. Essas mudanças atribuíram à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República a responsabilidade pelas ações de patrocínio dos órgãos federais. As principais estatais que participaram dessa subfonte foram a Caixa Econômica Federal, a Petrobras, os Correios e a Eletrobras (Transparência no Esporte, 2024).

Como pode ser visto na Tabela 2, os recursos de patrocínio das estatais tiveram uma grande redução entre os dois períodos analisados. Pereira (2017), Carneiro (2018) e Castro e Mezzadri (2019) demonstram que, durante o governo Dilma, os recursos desta subfonte foram direcionados principalmente para o esporte de alto rendimento, com destaque para o Programa Brasil Medalhas 2016, que impulsionou o pico de gasto com patrocínios estatais entre 2013 a 2016 (Transparência no Esporte, 2024). Por outro lado, os governos Temer e Bolsonaro colocaram em questão o papel das estatais e incentivaram movimentos em direção à sua privatização, impactando diretamente o patrocínio esportivo.

A subfonte de contribuição sobre salário e transferência de atletas profissionais foi estabelecida pela Lei Pelé, prevendo repasses à Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP). Posteriormente, as Leis nº 9.981/2000 e nº 12.395/2011 incluíram a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF) como destinatária do recurso. Porém, essa subfonte foi extinta com a revogação das legislações pela Lei nº 14.117/2021. Como evidenciado na Tabela 2, houve redução significativa de sua participação na matriz de financiamento e na média entre os períodos 1 e 2, reflexo tanto da revogação quanto da dificuldade de apuração destes recursos em anos mais recentes (Transparência no Esporte, 2024).

No período 1, a fonte extraorçamentária ocupava a segunda posição em volume de recursos na matriz de financiamento, ascendendo à primeira posição no período 2. Entre 2017 a 2022 ampliou sua participação na matriz com o aumento dos repasses sobre concursos de prognóstico compensando a redução dos recursos de patrocínios sem incentivo fiscal das estatais federais. Este cenário reforça o desmonte das políticas esportivas a partir do golpe de 2016, que alterou o papel do Estado de protagonista para mero financiador. Nos governos Lula e Dilma, a primazia estatal foi marcado pelo papel das estatais federais, enquanto nos governos Temer e Bolsonaro o Estado aprofundou sua posição de repassador de recursos, sobretudo de entidades esportivas que frequentemente gerem recursos públicos como se fossem privados (Carneiro, 2018).

3.3 Gastos tributários

A fonte de gasto tributário no esporte se refere a um conjunto de desonerações e isenções fiscais vinculadas à FDL. Esses gastos, classificados como indiretos, são definidos como: “[...] visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte” (Brasil, 2020, p. 7). Em outras palavras, tratam-se de mecanismos legais de financiamento não orçamentário das políticas públicas (Salvador, 2015), incluindo as esportivas.

A subfonte de desoneração das entidades recreativas sem fins lucrativos, mais longeva no âmbito do esporte, teve como base legal em todo o período da análise a Constituição Federal 1988, a Lei nº 9.532/1997 e a Medida Provisória 2.158-35/2001. Como observado na Tabela 2, nos períodos 1 e 2, obteve mais recursos e participação crescente na matriz de financiamento e na média de recursos entre o período 1 e o período 2. As entidades recreativas sem fins lucrativos, embora heterogêneas, usufruem tanto de isenções fiscais quanto de outros recursos, como loterias federais, patrocínios das estatais e repasses do Ministério do Esporte (Carneiro, 2018).

Instituída em 2006, a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) foi prorrogada para 2022 (Lei nº 13.155/2015) e posteriormente para 2027 (Lei nº 11.439/2022). Inicialmente, permitia dedução de até 4% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), depois passou a ser de 1% (Lei nº 11.472/2007) e, atualmente, é de 2% (Lei nº 11.439/2022), enquanto a dedução do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) passou de 6% para 7% (Lei nº 11.439/2022).

Como demonstrado na Tabela 2, a participação da LIE na matriz de financiamento e a média de recursos aumentaram entre os períodos analisados, passando a ser uma das principais subfontes de financiamento, incluindo a incorporação do patrocínio de algumas estatais. Estudos indicam que os recursos da LIE, majoritariamente compostos por IRPJ, são direcionados principalmente para o esporte de alto rendimento, para a região Sudeste e poucas modalidades, havendo incongruência entre o objetivo legislativo e a aplicação prática (Matias et al., 2021; Carneiro, 2018).

A subfonte de isenção de impostos na fabricação nacional e importação de equipamentos e materiais esportivos foi instituída pela Lei nº 10.451/2002, prorrogada até 2015 pela Lei 12.649/2012, tendo uma participação pequena na matriz de financiamento no período 1 e tendo ocorrido sua extinção no período 2.

A subfonte de isenção de tributos nas importações de bens recebidos como premiação em evento esportivo realizado no exterior e de bens e materiais consumidos, distribuídos ou utilizados em evento esportivo no Brasil possui base legal na Lei nº 11.488/2007 e no Decreto nº 6.759/2009. Embora tenha pequena participação na matriz de financiamento, sua relevância aumentou entre os períodos 1 e 2.

O arcabouço jurídico para realização dos grandes eventos esportivos no Brasil incluiu as Leis nº 12.350/2010 (Copa da Confederações FIFA 2013 e Copa do Mundo FIFA 2014) e nº 12.663/2012 (Jogos Rio 2016). Essas desonerações, com vigências até 2017, tiveram impacto significativo no período 1, mas representaram apenas recursos residuais no período 2. Salvador (2015) destaca que o esporte foi um dos setores que teve um dos maiores aumentos de gasto tributário de 2010 a 2014, devido à realização desses grandes eventos. Segundo Vainer (2011), o Estado de exceção instituído para organização dos grandes eventos também resultou em exceção do regime de tributação.

A mais recente subfonte de gasto tributário foi a desoneração das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), criada a partir da Lei nº 14.193/2021, estabelecendo o regime de tributação específica do futebol. Os recursos dessa subfonte passaram a ser contabilizados somente em 2022. Matias e Mascarenhas (2017) demonstram que as legislações voltadas ao apoio financeiro dos clubes de futebol são de longa data, resultando em novas fontes de financiamento e refinanciamento de dívidas.

Entre 2003 a 2016, a fonte de gasto tributário tinha a menor participação na matriz de financiamento, passando a ser a segunda maior no período de 2017 a 2022 (Tabela 1). Esse aumento relativo se deu, em parte, pelo esvaziamento de recursos do orçamento esportivo, embora o crescimento absoluto dos gastos tributários tenha sido moderado. Apesar da extinção de subfontes como a isenção de equipamentos e materiais esportivos e da vigência residual da desoneração relacionada aos grandes eventos esportivos, outras subfontes, como a LIE e as SAFs, ampliaram sua relevância.

A ampliação do gasto tributário no esporte tem o efeito colateral de recursos direcionados ao orçamento público, sendo que os principais tributos desonerados foram o IRPJ e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (CONFIS) (Carneiro et al., 2019). Nesse contexto, é controverso que setores amplamente beneficiados por recursos públicos, como os clubes de futebol, sejam contemplados com novas desonerações, a exemplo das SAFs, enquanto outras áreas esportivas permanecem subfinanciadas.

4 Considerações finais

Desde a Constituição Federal de 1988, foram produzidas diferentes legislações acerca do financiamento público federal do esporte. O entendimento desse processo possibilitou a sistematização da matriz de financiamento público federal do esporte. Fica claro que a conjuntura econômica, política e social impacta e é impactada pela atuação do Estado, elemento que reverbera sobre o financiamento público, refletindo também no esporte.

Assim, a análise empreendida permitiu demonstrar que houve mudanças significativas na matriz de financiamento público federal do esporte entre o período de 2003 a 2016 e de 2017 a 2022. No primeiro, a centralidade estava na fonte orçamentária. No segundo, a centralidade passa a ser da fonte extraorçamentária e de gasto tributário, tendo ocorrido participação marginal da fonte orçamentária.

Essa mudança na matriz de financiamento público federal do esporte tem relação direta com a perspectiva implementada pelos governos Temer e Bolsonaro, alçados ao governo federal a partir do golpe. Ao implementarem políticas ultraneoliberais, promoveram um processo de desmonte do Estado e subfinanciamento dos direitos sociais, com reflexos sobre as políticas esportivas e seu financiamento. Contribuiu para essa diminuição dos recursos orçamentários o fim da agenda dos grandes eventos esportivos, com a realização dos Jogos Rio 2016.

Esse cenário de enfraquecimento do papel do Estado na atuação sobre as políticas esportivas fez com que grupos privados, que, ao longo das últimas décadas, orbitam o poder legislativo e executivo, como as entidades de administração esportiva e os clubes de futebol, passassem a fortalecer seu poder de influência. Esse processo produziu, por exemplo, uma estranha situação: embora a pasta federal responsável pelo esporte tenha diminuído seus recursos de concurso de prognóstico no período 2017 a 2022, as entidades de administração esporte e os clubes de futebol ampliaram esse tipo de recurso neste período. Outra expressão desse movimento foi a criação da desoneração da SAF, em que o Estado fomenta a entrada do capital financeiro no futebol brasileiro, com o fim do associativismo e a mudança na estrutura de propriedade dos clubes, patrimônio da cultura brasileira.

Dessa forma, a matriz de financiamento público federal do esporte passou a ser ainda mais hegemonizada por interesses privados, tendo o Estado aprofundado seu papel de mero financiador das políticas esportivas, em detrimento do seu planejamento e execução. Agora, diante de um novo cenário político, com a volta de Lula e do PT ao governo federal em 2023, é importante acompanhar os desdobramentos do cenário econômico, político e social e os impactos que isso terá sobre as políticas esportivas e sua matriz de financiamento.

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Fernando Henrique Silva CARNEIRO Trabalhou na concepção e delineamento da pesquisa, na análise e interpretação dos dados, na redação do artigo e na aprovação da versão a ser publicada

Doutor em Educação Física pela Universidade de Brasília, professor no Instituto Federal de Goiás câmpus Inhumas.

Pedro Fernando Avalone de ATHAYDE Trabalharam na redação e revisão crítica do artigo

Doutor em Política Social pela Universidade de Brasília, professor na Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília.

Jonathas Carvalho de SOUZA Trabalhou na revisão crítica do artigo

Mestre em Educação Física pela Universidade de Brasília, Professor da Rede Pública de Ensino do Estado do Maranhão.

Fernando MASCARENHAS Trabalharam na redação e revisão crítica do artigo

Doutor em Educação Física pela Universidade de Campinas, professor na Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília

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Editoras responsáveis

Ana Targina Rodrigues Ferraz – Editora-chefe

Maria Lúcia Teixeira Garcia – Editora

Submetido em: 29/6/2024. Revisto em: 28/1/2025. Aceito em: 16/2/2025.

Agência financiadora

Publicação resultante de pesquisa financiada a partir da Chamada CNPq/MCTI Nº 10/2023 – UNIVERSAL - Processo 402124/2023-5.

Creative Common - by 4.0 Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.

Argum., Vitória, v. 17, p. 1-17, e-45043, 2025.  ISSN 2176-9575