Cr�tica radical e antirracismo: um debate urgente
para o Servi�o Social brasileiro
Radical
criticism and anti-racism: an urgent debate for Brazilian Social Services
Iara Vanessa Fraga de SANTANA*
Universidade Estadual
do Cear�, Curso de Servi�o Social, Centro de Estudos Sociais Aplicados,
Fortaleza, CE, Brasil.
E-mail: iara.santana@uece.br
https://orcid.org/0009-0001-3718-2739
Tales Willyan Fornazier MOREIRA
Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Curso de Servi�o Social,
Departamento de
Ci�ncias Humanas e Sociais, Te�filo Otoni, MG, Brasil.
e-mail: taleswf@live.com
https://orcid.org/0000-0002-9191-7820
Introdu��o
C |
onforme evidenciado por Souza (2024)[1], h� em curso no Brasil contempor�neo
uma intensa disputa pol�tica e te�rica em torno do debate das rela��es
�tnico-raciais e do antirracismo, em que comparecem tr�s principais tend�ncias
na disputa pela hegemonia do debate: i) a perspectiva
liberal, a-cr�tica ao capital, calcada no individualismo e reprodutora da
l�gica da sociedade de classes, que aponta como sa�da para o racismo o
empreendedorismo negro / afroempreendedorismo, a representatividade nos espa�os
de poder[2] e a constru��o de uma elite negra; ii)
a de vi�s culturalista, puramente
essencialista, que reivindica um afrocentrismo
apartado das determina��es estruturais de classe como forma de nega��o ao
eurocentrismo[3], clamando por uma �frica a-hist�rica e
id�lica[4] e; iii) a perspectiva cr�tica, que tem como caracter�stica central a rela��o
estrutural entre ra�a-etnia e classe, antirracismo e anticapitalismo.
Frente a esse cen�rio de disputas que
se coloca nesse campo, reafirmar o m�todo e a perspectiva indissoci�vel entre
classe e ra�a-etnia, antirracismo e anticapitalismo, � condi��o sine qua non para avan�armos na cr�tica
radical ao racismo e para a supera��o do capitalismo � com todas suas opress�es
e viol�ncias estruturais. Esta se refere a uma tarefa hist�rica que se coloca
para n�s de maneira central no tempo presente, cuja pr�pria din�mica da
realidade e o movimento da hist�ria nos convoca a realizarmos as necess�rias costuras da vida[5] e construirmos media��es no plano
te�rico e pol�tico que mirem para um horizonte estrat�gico revolucion�rio e
humanamente emancipado. Em outros termos, media��es que nos permitam construir
uma sociedade anticapitalista, livre de explora��o/opress�o e desracializada[6].
Nesse movimento, � urgente tamb�m
reconhecermos as trajet�rias dos povos ind�genas e comunidades tradicionais que
sobreviveram s�culos de coloniza��o-escravid�o. Suas hist�rias, mem�rias e
saberes historicamente expropriados e invisibilizados, podem tamb�m apontar
caminhos poss�veis para o enfrentamento ao racismo. � nos corpos-territ�rios
desses povos que a gan�ncia pelo lucro capitalista encontra a fonte de riquezas
desde o processo de acumula��o primitiva at� a atual fase de acumula��o. E esse
contexto gerador de diversas express�es da quest�o social, atravessa os
variados espa�os s�cio-ocupacionais do Servi�o Social, nos convidando,
portanto, a conhecer essa realidade para transform�-la.
As reflex�es seguintes est�o divididas
em dois t�picos que evidenciam a necessidade de o Servi�o Social realizar as
cr�ticas e autocr�ticas necess�rias para o real enfrentamento ao racismo. O
primeiro realiza aproxima��es iniciais sobre os territ�rios de povos ind�genas
e comunidades tradicionais, a partir da rela��o ra�a-etnia-territ�rio-luta de
classes, enfatizando a necessidade de avan�armos na constru��o de conhecimentos
para o exerc�cio profissional junto a esses territ�rios. O segundo trata do antirracismo
no Servi�o Social, registrando os importantes avan�os constru�dos pela
profiss�o, em especial nos �ltimos anos, mas tamb�m evidenciando os
significativos desafios que ainda comparecem nesse campo e que urge superarmos,
rumando a constru��o de uma sociedade sem racismo.
Di�logos desde os territ�rios de povos e comunidades
tradicionais
Na cad�ncia acelerada deste tempo em
que as rela��es sociais constitutivas de racismo alcan�aram reconhecimento,
ocupando desde as prateleiras das corpora��es mundiais at� as bibliotecas
comunit�rias, h� de se ter cautela.
Essas resultam dos s�culos de movimenta��o do povo negro e ind�gena, que
tem in�cio ainda nas expropria��es coloniais, seguida da travessia do
atl�ntico. As revoltas, insurg�ncias, aquilombamentos e greves fincaram as
ra�zes dos movimentos negro e ind�gena na constru��o do antirracismo. Mesmo com
a morte, o apagamento, o roubo e a apropria��o da ci�ncia produzida por esses
povos, conseguiram ecoar al�m-mar vest�gios que subsidiaram as an�lises em
torno da quest�o �tnico racial.
Essas se avolumaram nos marcos do
movimento negro e ind�gena na segunda metade do s�culo XX e possibilitaram
ramifica��es diversas que ora rompem, ora reproduzem as contradi��es da
sociedade classes. E talvez, ou inclusive por isso, � poss�vel encontrar nas
fra��es da classe trabalhadora, respostas para o enfrentamento ao racismo que
se conectam com a multiplicidade dos n�veis de aliena��o aos quais estamos
imersos(as). A t�tulo de exemplo, apesar de escassas, podemos observar
candidaturas de ind�genas alinhadas com a extrema direita que explicitamente
declaram guerra aos territ�rios origin�rios. Ou, ainda, publica��es e projetos
que enaltecem o poder de negros(as) � mesmo que sejam alguns(mas) poucos(as) �,
que venceram e chegaram ao topo, via empreendedorismo e for�a de vontade.
Nessa esteira, ocupamos o trecho
advindo dos ac�mulos do Servi�o Social renovado, cujo m�todo �[...] permanece
mudando ou muda permanecendo� (Bagli, 2006, p. 81). H� de se evidenciar que as
reprodu��es equivocadas de um marxismo ortodoxo no �mbito do Servi�o Social
brasileiro, retardaram a constru��o de uma pr�xis antirracista na profiss�o e
ainda � poss�vel encontrarmos nos
dias atuais an�lises sob essas sombras.
Nesse processo de cr�tica e autocr�tica
levantamos: quem de n�s durante a forma��o ouviu refer�ncia � primeira greve
geral urbana de trabalhadores(as), ocorrida no ano de 1857, liderada por
negros(as) de ganho? Ou, sobre a greve de jangadeiros em 1881, com a
fundamental mobiliza��o de mulheres, que paralisou o transporte de negros(as)
escravizados(as) dos navios negreiros para a terra? Ambas duraram semanas,
desestabilizaram a economia de transi��o do escravismo para o capitalismo, mas
n�o ganharam as folhas de leituras nas nossas gradua��es.
Por�m, como �[...] no caminho da luz
todo mundo � preto [...]�[7] e �[...] a viva contradi��o
apresenta-se no novo que se constr�i, no velho que se destr�i e, sobretudo,
naquilo que se reconstr�i, seja sobre novas ou antigas formas [...]� (Bagli,
2006, p. 81), alinhamos essas reflex�es a um exerc�cio coletivo de tessitura do
enfrentamento ao racismo numa perspectiva da cr�tica radical � sociabilidade
capitalista que, por sua vez, � tamb�m racista e patriarcal.
Ao girarmos as velas do barco,
escolhemos rumar para o di�logo com a realidade antiga e atual dos povos
ind�genas e comunidades tradicionais, buscando identificar contribui��es para a
luta antirracista, pois s�o esses grupos populacionais que permanecem sendo os
principais alvos da necessidade de lucratividade do capital.
No primeiro momento, de acumula��o
primitiva, as metr�poles europeias exploraram os bens da natureza que eram
cultivados, zelados e socializados pelos povos origin�rios na
latinoam�rica. � chamada de
primitiva �[...] porque constitui a pr�-hist�ria do capital e do modo de
produ��o que lhe corresponde� (Marx, 2013, p. 514).
A princ�pio, os cercamentos e a
expuls�o violenta das popula��es camponesas no hemisf�rio norte, depois o
exterm�nio e escraviza��o das popula��es origin�rias ao sul. Assim, os quase
quatrocentos anos de escravid�o indg�ena e negra banhou de sangue e suor a
hist�ria deste pa�s. Por essa raz�o, �[...] a transforma��o da �frica [e
Am�rica Latina � grifo nosso] numa reserva para a ca�a comercial de
peles-negras caracteriza a aurora da era da produ��o capitalista. Esses
processos id�licos constituem momentos fundamentais da acumula��o primitiva�
(Marx, 2013, p. 533).
Digamos que essa jun��o riquezas naturais x povos origin�rios
(sejam das Am�ricas ou da �frica), foi fundamental para a forma��o da economia
brasileira que vivemos hoje, reveladora da quest�o racial e agr�ria n�o
resolvidas. Prado Jr. (1961) rompe com os escritos sobre o Brasil feudal e nos auxilia a compreender esse lugar do pa�s
inserido na domina��o da burguesia europeia. Apesar dos seus estudos terem como
ponto de partida a chegada dos portugueses com suas estrat�gias de ocupa��o �
desconsiderando os povos que j� se encontravam aqui �, contribui para
entendermos esse lugar do Brasil dependente e subalternizado.
Cultiva-se a
cana como se extrai o ouro, como mais tarde se plantar� o algod�o ou caf�:
simples oportunidade do momento, com vistas para um mercado exterior long�nquo,
um com�rcio est�vel e prec�rio sempre. [...] a coloniza��o n�o se orienta no
sentido de constituir uma base econ�mica s�lida e org�nica, isto �, a
explora��o racional e coerente dos recursos do territ�rio para satisfa��o das
necessidades materiais da popula��o que nela habita (Prado Jr., 1961, p. 67).
O extrativismo, as grandes monoculturas
nos sistemas de sesmarias, alterando a diversidade de algumas biomas
brasileiros, bem como a minera��o, s�o express�es do capitalismo que recria
m�todos de coloniza��o (Souza, 2024). Ainda no que se refere as reflex�es aqui
tecidas sobre terra e territ�rios �tnicos, tamb�m cabe destacar que Prado Jr.
(1961) n�o reconhece a subalterniza��o das popula��es racializadas negras e
ind�genas como essencial para a realiza��o desse projeto capitalista e
patriarcal de exterm�nio. Ao contr�rio, defende em seus escritos a tese da
mesti�agem, sugerindo inclusive em algumas passagens a superioridade e evolu��o
dos colonos europeus em detrimentos daqueles(as).
A outra fun��o
do escravo, ou antes da mulher escrava, instrumento de satisfa��o das
necessidades sexuais de seus senhores e dominadores, n�o tem um efeito menos
elementar. N�o ultrapassar� tamb�m o n�vel prim�rio e puramente animal do
contato sexual, n�o se aproximando sen�o muito remotamente da esfera
propriamente humana do amor, em que o ato sexual se envolve de todo um complexo
de emo��es e sentimentos t�o amplos que chegam at� a fazer passar para o
segundo plano aquele ato que afinal lhe deu origem (Prado Jr., 1961, p. 115).
Em di�logo com esse autor, Gonzalez
(1984) tece profundas cr�ticas e nos convida a pensar um Brasil verdadeiramente
dos de baixo, a partir de uma
hist�ria que n�o nega o estatuto de
sujeito humano �s popula��es negras e ind�genas. �Tratados sempre como
objetos. At� mesmo como objeto de saber. � por a� que a gente compreende a
resist�ncia de certas an�lises que, ao insistirem na prioridade da luta de
classes, se negam a incorporar as categorias de ra�a e sexo. Ou seja, insistem
em esquec�-las� (Gonzalez, 1984, p. 232). Essa concep��o equivocada que trata
classe como mera abstra��o e desconsidera sua diversidade, � express�o daquele
marxismo ortodoxo, que tamb�m � racista e sexista.
Dito isso, � oportuno destacar as
expropria��es contempor�neas na certeza de que �[...] a viol�ncia � a parteira
de toda a sociedade velha que est� prenhe de uma sociedade nova� (Marx, 2013,
p. 821). Nesta fase do desenvolvimento veloz do capitalismo, em busca de
recomposi��o das taxas de lucratividade a fim de sair de mais uma crise, os
bens comuns da natureza t�m sido a principal estrat�gia. A chamada destrui��o criativa da terra e de outros
bens comuns como os min�rios, a �gua, o ar e at� o sol, vem sendo fundamental
para acumula��o de capitais, haja vista serem meios de produ��o doados pela natureza e n�o demandarem
grandes investimentos em capital constante (Harvey, 2011, p. 151).
Montanhas inteiras s�o cortadas ao meio � medida que minerais s�o extra�dos,
criando cicatrizes de pedreiras nas paisagens, com fluxos de res�duos em
c�rregos, rios e oceanos; a agricultura devasta o solo e, por centenas de
quil�metros quadrados, florestas e matos s�o erradicados acidentalmente como
resultado da a��o humana, enquanto a queima das florestas na Amaz�nia,
consequ�ncia da a��o voraz e ilegal de pecuaristas e produtores de soja, leva �
erosa�o da terra (Harvey, 2011, p.151).
Por estabelecerem uma rela��o
diferenciada daquela com a natureza, esses bens comuns se encontram melhor
mantidos nas terras e territ�rios dos povos e comunidades tradicionais e, por
isso, esses voltam a ser os principais alvos de acumula��o na contemporaneidade.
De acordo com o Decreto 6.040/2007 (BRASIL, 2007)[8],
essas popula��es s�o constitu�das por:
[...] grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
pr�prias de organiza��o social, que ocupam e usam territ�rios e recursos
naturais como condi��o para sua reprodu��o cultural, social, religiosa,
ancestral e econ�mica, utilizando conhecimentos, inova��es e pr�ticas gerados e
transmitidos pela tradi��o; II - Territ�rios Tradicionais: os espa�os
necess�rios a reprodu��o cultural, social e econ�mica dos povos e comunidades
tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou tempor�ria,
observado, no que diz respeito aos povos ind�genas e quilombolas,
respectivamente, o que disp�em os arts. 231 da Constitui��o e 68 do Ato das Disposi��es Constitucionais Transit�rias e demais regulamenta��es (Brasil, 2007,
n�o paginado).
No esteio dos processos de resist�ncia
desses povos e comunidades tradicionais, estes tamb�m conquistaram a cria��o do
Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), a partir do
Decreto n� 8.750, de 9 de maio de 2016 (BRASIL, 2016). Ocupam assento no CNPCT
povos ind�genas, quilombolas, ciganos, povos de terreiro de matriz africana,
pescadores(as) artesanais, extrativistas, extrativistas costeiros e marinhos,
cai�aras, faxinalenses, benzedeiros(as), raizeiros(as), geraizeiros(as), caatingueiros(as),
vazanteiros(as), veredeiros(as), apanhadores(as) de flores sempre vivas,
pantaneiros(as), ribeirinhos(as) e comunidades de fundos e fechos de pasto.
De acordo com o Relat�rio sobre os
Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Conselho Nacional dos Direitos
Humanos (CNDH) do ano de 2018, esses territ�rios vivenciam diversas viola��es
de direitos realizadas pelo capital com amparo do Estado. Resultante da
realiza��o de miss�es em alguns dos territ�rios distribu�dos em todo o pa�s, o
relat�rio ao passo que visibiliza as particularidades do modo de vida desses
povos e comunidades, a exemplo das pr�ticas de sa�de realizadas por parteiras,
benzedeiras e raizeiras, tamb�m denuncia a amea�a de continuidade de suas
hist�rias.
A experi�ncia
de povos e comunidades tradicionais com seus territ�rios implicam tamb�m em um
sentimento de pertencimento a um lugar, nutrido pela mem�ria do seu processo de
ocupa��o, incluindo eventos e pessoas de um passado comum; pelo apego �
paisagem em que nasceram e se criaram os membros da comunidade, ao longo de
gera��es; pela familiaridade adquirida com o lugar e cada um dos seus elementos
materiais e simb�licos (Brasil, 2018, p. 21).
H� uma tend�ncia de os processos de
expropria��o alcan�arem a vida em sua totalidade, al�m da terra e do territ�rio
(natureza fundi�ria), os bens de uso comum, a partir do trabalho e, por sua
vez, o conhecimento produzido[9]. Esses processos incidem tamb�m sobre
as rela��es culturais, tradi��es, sobre conquistas sociais como o direito �
sa�de e � educa��o, por exemplo, crescentemente privatizados (Fontes, 2010).
Kopenawa; Bruce (2015) nos faz recordar
que o ensino sobre a demarca��o das terras e dos territ�rios adveio do homem branco. Assim, �[...] a
demarca��o, divis�o de terra, tra�ar fronteira � costume de branco, n�o do
�ndio. Brasileiro ensinou a demarcar terra ind�gena, ent�o a gente passamos a
lutar por isso� (Kopenawa; Bruce, 2015, p. 36), destacando a jun��o quest�o
racial e agr�ria.
O Mapa de Conflitos: Injusti�a
Ambiental e Sa�de no Brasil da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado em
2024, identificou 297 conflitos no ano de 2010 e, at� o momento, somam-se 640
situa��es de injusti�a ambiental que envolvem, principalmente, a viol�ncia e
expropria��o dos megaprojetos do capital contra territ�rios de povos e
comunidades tradicionais, ou de periferias e ocupa��es urbanas. Tal realidade
reafirma a leitura de totalidade e n�o recortada da divis�o social e racial do
trabalho, uma vez que a luta de classes no Brasil � determinada tamb�m pela
origem �tnico-racial dos(das) trabalhadores(as) desde o in�cio. Portanto, s�o
aquelas popula��es com suas riquezas naturais[10]
que permanecem sendo exploradas, evidenciando o racismo ambiental.
O Relat�rio do Conselho Indigenista
Mission�rio (CIMI), lan�ado em julho de 2024 com dados de 2023, anuncia as consequ�ncias
de quatro anos de governo anti-ind�gena
e os poucos e lentos avan�os do atual governo que criou o Minist�rio dos Povos
Ind�genas. De acordo com o levantamento realizado, foi identificado a continuidade de altos �ndices de
viol�ncia contra ind�genas e a ocorr�ncia de muitos conflitos e invas�es aos
territ�rios tradicionais. As expropria��es realizadas nesses territ�rios,
tamb�m podem ser compreendidas a partir das contribui��es de Pankararu (2022).
Esse
cen�rio delet�rio n�o muda quando miramos os territ�rios quilombolas. Estudo
recente realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e a Coordena��o Nacional
das Comunidades Quilombolas (CONAQ) (Oviedo;
Lima; Sousa, 2024) afirma que 98% dos quilombos
reconhecidos (s�o 485) est�o amea�ados por obras de infraestrutura,
requerimentos miner�rios e por sobreposi��es de im�veis particulares. A
incid�ncia de obras de infraestrutura corresponde a 57,9% totalizando 286
territ�rios quilombolas, impactando 1.931.583,9 ha (Oviedo; Lima; Sousa, 2024).
Essa realidade se apresenta no
cotidiano do trabalho das(os) assistentes sociais de diversas formas e nos
variados espa�os s�cio-ocupacionais, o que nos imp�e conhecer para transformar,
necessariamente rompendo com pr�ticas racistas.
Os brancos nos
chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, � o
pensamento deles que se mostra curso e obscuro. N�o consegue se expandir e se
elevar, porque eles querem ignorar a morte. [...] � por isso que suas palavras
ficam t�o ruins e emaranhadas. N�o queremos mais ouvi-las. Para n�s, a pol�tica
� outra coisa. S�o as palavras de Omama e dos xapiri que ele nos deixou. S�o as
palavras que escutamos no tempo dos sonhos e que preferimos, pois s�o nossas
mesmo. Os brancos n�o sonham t�o longe quanto n�s. Dormem muito, mas s� sonham
consigo mesmos (Kopenawa; Bruce, 2015, p. 37).
Dialogar com o conhecimento produzido
ancestralmente por ind�genas, quilombolas, quebradeiras de c�co, comunidades de
fundo de pasto, de terreiro, pescadores(as) e tantas outras, pode ser uma das
estrat�gias indispens�veis para a constru��o de uma pr�xis radicalmente
antirracista, a qual pressup�e o enfrentamento ao capitalismo, considerando a
rela��o entre terra-ra�a/etnia-classe.
O antirracismo no Servi�o Social brasileiro: rupturas e
perman�ncias
No �mbito do Servi�o Social brasileiro,
o debate �tnico-racial e do antirracismo tamb�m tem se colocado como uma das
quest�es mais candentes nesta quadra hist�rica, haja vista todo o processo de
constru��o em torno desse debate, protagonizado h� d�cadas por assistentes
sociais negras e, em especial, pela centralidade que a discuss�o tem ganhado na
agenda pol�tica das entidades profissionais, ampliando expressivamente o debate
na categoria a partir dos meados da �ltima d�cada[11]
(Moreira, 2024).
Cabe mencionar, desse modo, que as
perspectivas te�rico-pol�ticas em disputa presentes no interior dos movimentos
antirracistas e da sociedade em geral, tamb�m encontram eco na profiss�o, sendo
necess�rio, portanto, apreender o Servi�o Social articulado ao movimento da
hist�ria (Iamamoto, 2019), uma vez que a din�mica do real incide diretamente
nos processos de forma��o e trabalho profissional, n�o sendo poss�vel
conceb�-lo a partir de uma perspectiva ensimesmada, como se fosse uma ilha isolada da sociedade.
Considerando que a profiss�o e seus
agentes s�o parte e express�o desse processo mais amplo, e que tamb�m comparece
no debate da categoria perspectivas pol�ticas e te�ricas diversas, esse cen�rio
nos exige ainda mais coer�ncia e radicalidade com o m�todo para a apreens�o da
realidade em uma perspectiva de totalidade hist�rica, recusando concep��es
liberais, conservadoras, antimarxistas, culturalistas, essencialistas e
pautadas na pol�tica identit�ria[12]. � imprescind�vel, portanto,
avan�armos nessa dire��o radical, sobremaneira, nesse momento estrat�gico de
amplia��o do debate na profiss�o, tendo em vista que:
Estamos em um
cen�rio decisivo em rela��o aos rumos do debate �tnico-racial e do antirracismo
na profiss�o, uma vez que a virada na
agenda pol�tica das entidades contribuiu para um avan�o expressivo da discuss�o
nos espa�os de forma��o e trabalho profissional, mas, ao mesmo tempo, comparece
nesse processo tanto movimentos de ades�o
formal, quanto de ades�o real ao
antirracismo. Exatamente por isso, compreendemos que nessa contradi��o tamb�m
residem as possibilidades hist�ricas de supera��o da ades�o formal ao
antirracismo, tendo como base os ac�mulos constru�dos pela profiss�o nesse
campo (Moreira, 2024, p. 50).
Esse processo em curso de enraizamento do antirracismo na profiss�o, permeado
de desafios e desencontros te�rico-pol�ticos, deve impulsionar coletivamente a categoria profissional a
avan�ar nesse debate, a partir dos seus fundamentos, at� mesmo porque, sendo o
racismo um elemento estrutural e ordenador da sociedade capitalista, ele n�o �
apenas uma express�o, mas determina��o que estrutura a pr�pria quest�o social,
portanto, condicionante de todas suas refra��es (Assis, 2022).
Deste modo, sendo a quest�o social a
raz�o de ser da profiss�o (Netto, 2001) e considerando a funcionalidade do
racismo para o sistema de explora��o/domina��o capitalista, este n�o se trata
de um debate tem�tico, reduzido ao campo culturalista e identit�rio ou, ainda, uma responsabilidade de
pesquisadores(as), estudantes e militantes negros(as), ind�genas e quilombolas,
ao contr�rio: avan�ar radicalmente nesse debate refere-se a um imperativo
compromisso �tico-pol�tico de todos(as) aqueles(as) que acreditam e se colocam
na defesa intransigente da dire��o emancipat�ria do projeto �tico-pol�tico.
Ao mesmo tempo que esse debate tem
ganhado expressiva amplitude na profiss�o, ele continua sendo um ponto de
tens�o, disputas e falsos antagonismos, como se houvesse oposi��o entre
ra�a-etnia e classe, antirracismo e anticapitalismo. Por isso, compreendemos
que �[...] ou a categoria profissional incorpora essa discuss�o, dando relevo
ao tema a partir de uma perspectiva te�rico-cr�tica, ou deixar� que esse debate
seja realizado de forma a-hist�rica e descolada das m�ltiplas determina��es
hist�ricas e materiais� (Rocha, 2014, p. 304).
Nesse �nterim, cabe ressaltar que se h�
in�meros equ�vocos te�rico-pol�ticos no que se refere �s tend�ncias presentes
no campo do antirracismo que disputam a hegemonia do debate �tnico-racial,
cujas sombras se alastram na profiss�o, na mesma medida, h� de se reconhecer
tamb�m os limites e desencontros hist�ricos em rela��o a leitura do racismo que
ocorreu no interior da esquerda marxista e que influenciou o Servi�o Social
brasileiro.
Portanto, para a efetiva supera��o
destes dilemas, tamb�m � necess�rio um permanente
movimento de autocr�tica por
parte da profiss�o, pois, sob a influ�ncia da esquerda marxista tradicional[13], o debate do racismo foi tratado por
d�cadas no Brasil (e reproduzido pelo Servi�o Social)[14] como algo de menor import�ncia,
meramente identit�rio, p�s-moderno ou, ainda, como um desvio burgu�s que
fragmenta a classe (Farias, 2017).
Desse modo, concordamos que:
Sem o mergulho
na forma��o social concreta, as an�lises de classes no Brasil imprimiram um
racismo epistemol�gico, ao ocultar uma realidade de luta dos/as negros/as feita
contra a explora��o capitalista e as suas resultantes. Mesmo as an�lises
marxistas e marxianas refor�aram o racismo epistemol�gico, por raramente
contribu�rem com an�lises que, fundadas nas particularidades e determina��es da
forma��o social brasileira, dessem conta do n�vel de explora��o a que estavam
submetidos/as os/as trabalhadores/as negros/as (Martins, 2017, p. 276).
Esta reflex�o � extremamente relevante
e tamb�m deve mobilizar setores marxistas, em especial a esquerda marxista
tradicional, a realizarem uma autocr�tica honesta acerca da leitura sobre as
rela��es �tnico-raciais no Brasil, tendo em vista que a leitura hegem�nica da
esquerda marxista no pa�s, sobremaneira durante o s�culo XX, foi influenciada
por uma vis�o economicista, etapista e alheia � pr�pria realidade brasileira,
relegando a luta contra o racismo � assim como outras lutas anti opress�es � a
segundo plano, como se fosse descolada da luta de classes (Moreira, 2024).
N�o sem motivos, que apenas muito
recentemente o Servi�o Social vem consolidando um entendimento coletivo de que a classe n�o � mera abstra��o, ao
contr�rio, ela � determinada e atravessada pela condi��o �tnico-racial, de
g�nero, sexualidade, territ�rio e gera��o. Em se tratando da particularidade
brasileira, a maioria da popula��o � negra, constitu�da de pretos(as) e
pardos(as)[15], sendo este tamb�m o contingente da
classe trabalhadora mais impactado pelo processo destrutivo do capital. Dessa
maneira,
Constata-se que
tal supera��o, passa necessariamente, pela compreens�o do movimento das
classes, uma vez que o servi�o social busca a perspectiva da totalidade
hist�rica. Assim, o debate da profiss�o engloba o enfrentamento das diferentes
formas de opress�es e explora��o de classe, n�o como fen�menos isolados ou
ocasionais, mas como parte inerente da
origem e reprodu��o da lei geral de acumula��o capitalista em seus diferentes
momentos e particularidades s�cio-hist�ricas, onde o racismo precisa ser
compreendido como elemento estrutural desta sociedade (Elpidio, 2020, p.
523, grifos nossos).
Sendo assim, urge avan�armos no debate �tnico-racial e do antirracismo numa
perspectiva radical, compreendendo que o racismo, enquanto desdobramento dos
processos de colonialismo e escravismo, historicamente, se coloca como pilar
essencial da explora��o e domina��o capitalista, desde os tempos de acumula��o
primitiva. Assim, � necess�rio compreendermos o racismo como elemento
determinante e constitutivo da sociedade capitalista, como este se dinamiza em
nossa particularidade s�cio-hist�rica e estrutura as rela��es de produ��o e
reprodu��o social.
Algumas considera��es
Os apontamentos que aqui fizemos
resultam de intensos di�logos, incid�ncias pol�ticas e trabalho profissional
com as popula��es negras perif�ricas, bem como com povos ind�genas e
comunidades tradicionais. As reflex�es ora apresentadas expressam tamb�m
an�lises tecidas coletivamente no ch�o do enfrentamento di�rio ao racismo no
�mbito do Servi�o Social, mas tamb�m fora dele. Essa caminhada, por vezes t�o
desafiadora e desanimadora, encontra firmeza, sentido e �nimo quando recordamos
do nosso compromisso hist�rico com nossos(as) ancestrais que j� miravam um
horizonte de justi�a e liberdade.
Nessa dire��o, precisamos combater, com
a mesma firmeza e radicalidade, tanto os setores liberais, conservadores,
antimarxistas, p�s-modernos e essencialistas presentes no interior das lutas
antirracistas, que negam as determina��es estruturais da sociedade capitalista
e a rela��o entre ra�a-etnia e
classe, antirracismo e anticapitalismo. Mas, tamb�m, os setores que reproduzem
a l�gica da esquerda marxista tradicional, que n�o s�o capazes de ultrapassar
uma mera revolu��o formal-abstrata, pois desconsideram a determina��o
�tnico-racial na composi��o da classe trabalhadora que, na realidade
brasileira, possui centralidade (Farias, 2017).
Portanto, registramos que nenhuma
dessas perspectivas nos serve para avan�armos na supera��o radical dessa
sociedade, estruturada pelo racismo, pelo sexismo e pela viol�ncia colonial,
que funciona como uma verdadeira m�quina de moer corpos negros, ind�genas e de
tantas outras comunidades que tradicionalmente mant�m sociabilidades
resistentes ao modelo capitalista secularmente imposto.
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Iara Vanessa Fraga de Santana
Assistente
Social (UECE). Doutora em Servi�o Social (UFPE). Mestra em Desenvolvimento
Territorial da Am�rica Latina e Caribe (ENFF/UNESP-S�o Paulo). Especialista em
Direitos Sociais do Campo/Resid�ncia Agr�ria (UFG) e em Gest�o de Pol�ticas
P�blicas em Ra�a e G�nero (UNB). Docente do curso de Servi�o Scoial da
Universidade Estadual do Cear� (UECE). Integrande do Laborat�rio de Pesquisas e
Estudos em Servi�o Social (LAPESS) e do Mestrado Acad�mico em Servi�o Social
(MASS/UECE). Comp�e a Diretoria Executiva do Instituto Terramar e a Articula��o
Antinuclear do Cear�.
Tales Willyan Fornazier Moreira
Assistente Social (UFTM). Doutor e
Mestre em Servi�o Social (PUC/SP). Docente do curso de Servi�o Social da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). L�der do
GEFEPSS UFVJM - Grupo de Estudo e Pesquisa: Fundamentos, Forma��o e Exerc�cio
Profissional em Servi�o Social (DGP-CNPq). Membro do N�cleo de Estudos
Afro-Brasileiros e Ind�genas (NEABI) da UFVJM. Membro da coordena��o colegiada
da Rede Mineira de Grupos de Estudos sobre os Fundamentos do Servi�o Social (ReMGEFSS).
Comp�e a Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo.
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� A(s) Autora(s)/O(s)
Autor(es). 2024. Acesso Aberto. Esta obra est� licenciada sob os termos da
Licen�a Creative Commons Atribui��o 4.0 Internacional
(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR), que permite
copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato, bem como
adaptar, transformar e criar a partir deste material para qualquer fim, mesmo
que comercial. O licenciante n�o
pode revogar estes direitos desde que voc� respeite os termos da licen�a
[1] Nos referimos ao primoroso texto da
autora Cristiane Luiza Sabino de Souza, intitulado A disputa em torno do debate racial no Brasil: teoria e m�todo para o
avan�o da perspectiva cr�tica, publicado nesta edi��o da Revista
Argumentum, n. 2 de 2024.
[2] Compreendemos que em uma sociedade
profundamente racista e desigual, a �representatividade� cumpre sim um papel de
significativa relev�ncia, quando aliada a um projeto pol�tico comprometido com
o fim do racismo e do capitalismo. Do contr�rio, a mera representatividade por
ela mesma, que refor�a a ideia de �negros/as ou ind�genas no topo� acaba t�o
somente sendo funcional ao capital, n�o se expressando em nenhuma mudan�a
concreta na vida das popula��es negras e ind�genas, pois n�o representa um
projeto coletivo, mas individual.
[3] Conforme aponta Souza (2024), esse
movimento � fundamental para a cr�tica ao colonialismo, contudo, n�o pode
ocorrer de maneira superficial, a-hist�rica, reduzida ao campo da cultura e das
�epistemologias� sem fazer a cr�tica radical ao capitalismo, e o que tem
prevalecido nesse campo � uma cr�tica esvaziada ao eurocentrismo.
[4] Souza (2024) tamb�m menciona que essa
perspectiva culturalista, ao apartar ra�a-etnia e classe � visto que negam toda
contribui��o do marxismo por �ser euroc�ntrico� e n�o apresentar nenhuma
contribui��o para este debate �, ao n�o apreender a complexidade dos desafios
vivenciados pelas popula��es negras (que vivem na sociedade de classes, cujo
sistema capitalista cria e recria suas estrat�gias coloniais de domina��o) e ao
se ater t�o somente � dimens�o cultural e epistemol�gica, n�o refletindo sobre
as contradi��es reais que os povos africanos vivenciam sob a �gide destrutiva
do neocolonialismo/imperialismo, acaba por reproduzir uma concep��o metaf�sica
de negritude, culminando tamb�m numa perspectiva a-hist�rica e romantizada de
�frica.
[5] Refer�ncia � m�sica Costura da Vida, de S�rgio Perer� (2019),
grande m�sico, artista mineiro e uma refer�ncia importante na resist�ncia
contra o racismo.
[6] Como afirma Almeida (2019), num
sentido revolucion�rio, a afirma��o da ra�a � feita t�o somente para que um dia
possamos super�-la. Deste modo, � fundamental termos n�tido que nossa luta,
numa dimens�o radical, deve se direcionar para a supera��o da no��o de ra�a,
visto que esta foi constru�da historicamente para justificar a explora��o, a
viol�ncia, a desumaniza��o, o genoc�dio e a barb�rie. Foi com base nesta
constru��o que as popula��es negras e ind�genas passaram a ser tratadas como outros, isto �, como sub-humanos e
inferiores.
[7] Refer�ncia ao trecho da m�sica
Principia (2029), do rapper e compositor brasileiro, Emicida.
[8] Esse decreto
institui a Pol�tica Nacional de Desenvolvimento Sustent�vel dos Povos e
Comunidades Tradicionais.
[9] Sobre isso encontramos a relevante
afirmativa no Relat�rio do CNDH (Brasil, 2018): �Povos e comunidades
tradicionais t�m sistemas pr�prios de conhecimento sobre a realidade, que
refletem suas experi�ncias hist�ricas e territoriais e contribuem para o manejo
da vida em todas as suas dimens�es materiais e simb�licas, que incluem o sagrado.
Os sistemas de conhecimentos tradicionais indicam outras formas de estar no
mundo, com potencial para renovar o pensamento e ampliar os repert�rios de
saberes e fazeres na constru��o de solu��es para os novos desafios da
contemporaneidade, sejam os desafios socioambientais ou aqueles relativos �
conviv�ncia com respeito � diferen�a e valoriza��o da diversidade� (Brasil,
2018, p. 21).
[10] Comumente a literatura nomeia de recursos naturais, ou riquezas naturais, o que muitos povos ind�genas e comunidades tradicionais chamam de m�e terra, pachamama. As �guas, as florestas e os demais bens comuns da natureza s�o considerados organismos vivos e sacralizados para muitos desses povos. Em raz�o disso fazemos este destaque, pois os significados e sentidos da natureza s�o radicalmente diferenciados.
[11] Destacamos
aqui algumas das mais importantes e emblem�ticas constru��es deste per�odo
recente: a Campanha de gest�o do Conjunto CFESS-CRESS (tri�nio 2017-2020) Assistentes
Sociais no Combate ao Racismo; a constru��o dos Subs�dios para o debate
sobre a Quest�o �tnico-Racial na Forma��o em Servi�o Social e do documento As
cotas na p�sgradua��o: orienta��es da ABEPSS para o avan�o do debate, ambos
pela ABEPSS (bi�nio 2017-2018); a constru��o da Plataforma Antirracista no site
da ABEPSS e a realiza��o da pesquisa A inser��o da educa��o para as rela��es
�tnico-raciais no �mbito da p�s-gradua��o na �rea de Servi�o Social nos �ltimos
cinco anos (2017-2022), tamb�m realizadas pela ABEPSS (bi�nio 2021-2022); o
espraiamento dos Comit�s Antirracistas nos CRESS e a constru��o do Comit�
Antirracista do CFESS, em 2023, bem como a publica��o da Resolu��o CFESS n.
1.054/2023, de 14 de novembro de 2023, que estabelece normas vedando condutas
de discrimina��o e/ou preconceito �tnico-racial no exerc�cio profissional do/a
assistente social. Al�m desses marcos no �mbito das entidades representativas,
destacamos a cria��o da Frente Nacional de Assistentes Sociais no combate ao
racismo (2020) e da Articula��o Brasileira de Servi�o Social e Povos Ind�genas
(2021).
[12] Para maior aprofundamento sobre a
�pol�tica identit�ria�, sugerimos a leitura de Haider (2019).
[13] Nos referimos aqui ao debate realizado
por Farias (2017). Em linhas gerais, trata-se de uma esquerda que, sob a
influ�ncia stalinista, j� nasceu degenerada no Brasil, contaminando e
hegemonizando o pensamento da esquerda brasileira at� a d�cada de 1960.
[14] Nessa dire��o, � importante mencionar
a discuss�o realizada por Matilde Ribeiro (2004), quando a autora destaca que
mesmo com todos avan�os conquistados no processo de renova��o profissional, as
rela��es �tnico-raciais acabaram sendo invisibilizadas no contexto das an�lises
de classe. Se, de um lado, temos o VI Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais (CBAS) de 1989 como um marco hist�rico central para o debate das
rela��es raciais na profiss�o � e registros de assistentes sociais negras(os)
que desde a d�cada de 1940 participavam dos movimentos raciais e feministas e
estavam nas trincheiras de den�ncia ao racismo �, isso n�o foi suficiente para
que esse debate fosse incorporado coletivamente
no processo de renova��o do Servi�o Social. Ao evidenciar isso, n�o estamos
querendo fornecer a �muni��o ao inimigo(a)� para fortalecer perspectivas
a-hist�ricas e/ou que recusam todas as imprescind�veis conquistas do Servi�o
Social renovado, ao contr�rio, nossa inten��o � sinalizar que os desafios,
disputas e desencontros te�rico-pol�ticos em rela��o a esse debate s�o
hist�ricos na profiss�o (a princ�pio, pela influ�ncia da esquerda marxista
tradicional que reproduzia uma concep��o de que a luta contra o racismo
enfraqueceria a luta contra o capitalismo, como se fossem lutas opostas e, no
tempo presente, perspectivas que negam a sociedade de classes e as
contribui��es do marxismo), mas se acirram de maneira significativa nesta
quadra hist�rica, tendo em vista o movimento de enraizamento desta discuss�o no
Servi�o Social brasileiro, de maneira ininterrupta, h� quase uma d�cada
(Moreira, 2024).
[15] De acordo com o IBGE (2022), a
popula��o negra representa 55,9% da popula��o brasileira. Mais informa��es
dispon�veis em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6408.