http://10.47456/argumentum.v17.2025.45540
As Comunidades Terapêuticas na V Conferência Nacional de Saúde
Mental
Therapeutic Communities at the 5th National Mental Health Conference
Pedro Henrique Antunes da COSTA
https://orcid.org/0000-0003-2404-8888
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica, Brasília (DF), Brasil
e-mail: phantunes.costa@gmail.com
Kíssila Teixeira MENDES
https://orcid.org/0000-0002-7817-599X
Universidade do Distrito Federal, Brasília (DF), Brasil
Universidade Católica de Brasília, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Brasília (DF), Brasil
e-mail: kissilamm@hotmail.com
Resumo: Analisamos as deliberações da V Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) sobre as Comunidades Terapêuticas (CTs), apreendendo como elas são entendidas e quais são as proposições da V CNSM em relação a elas. É uma pesquisa documental, com abordagem qualitativa, na qual as CTs são entendidas como serviços asilares-manicomiais, indo na contramão das evidências científicas e da laicidade do Estado, não sendo instituições de cuidado, mas de violência(s). São, ainda, um importante mecanismo de privatização e mercantilização das políticas na saúde mental, álcool e outras drogas, se opondo à Redução de Danos, à Reforma Psiquiátrica e ao Sistema Único de Saúde. O conjunto de deliberações referentes às CTs na V CNSM aponta na direção de retirá-las das políticas, acabar com o financiamento público a elas e fechá-las. Resta questionar se o Governo Federal, diante disso, irá respeitar e cumprir as deliberações da V CNSM.
Palavras-chave: Saúde Mental, álcool e outras drogas. Reforma Psiquiátrica. Contrarreforma Psiquiátrica. Comunidades Terapêuticas. Participação social.
Abstract: The article analyses the deliberations around Therapeutic Communities (CTs) at the 5th National Conference on Mental Health (CNSM). It identifies how CTs are understood, and the proposals made at the conference. It employs documentary research with a qualitative approach. CTs are understood as an asylum service. They act contrary to scientific evidence and the State’s non-religious nature. They are not institutions of care, but rather of violence. They are an important mechanism in the privatisation and commercialisation of mental health, alcohol and other drugs policies, and oppose the concepts of Harm Reduction, Psychiatric Reform and the Unified Health System. The deliberations around CTs at the 5th CNSM were toward the removal of CTs from public policy, ending public funding for them, and closing them. The question remains whether the federal government will respect and comply with the deliberations of the 5th CNSM.
Keywords: Mental health, alcohol and other drugs. Psychiatric Reform. Psychiatric Counter-Reform. Therapeutic Communities. Social participation.
INTRODUÇÃO
No presente estudo, analisamos como as chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs) se fazem presentes em propostas e moções aprovadas na V Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) Domingos Sávio. Buscamos, com isso, apreender o que os atores, grupos e movimentos sociais que compuseram um dos principais espaços de participação e controle sociais do campo da saúde mental, álcool e outras drogas avaliam das CTs e o que propõem em relação a elas.
Segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), “[...] as Conferências Nacionais de Saúde Mental são formas de revisar e atualizar as Políticas Públicas de Estado e, especialmente, para o campo da saúde mental e atenção psicossocial, álcool e outras drogas” (Conselho Nacional de Saúde, 2023, p. 1). No caso da V CNSM, ela foi convocada pela Resolução do CNS nº 652, de 14 de dezembro de 2020, para ser realizada entre os dias 17 e 20 de maio de 2020. Contudo, após sucessivas prorrogações, a sua realização se deu apenas entre 11 e 14 de dezembro de 2023. Até chegar à etapa nacional, em Brasília, foram realizadas conferências municipais e estaduais, e várias Conferências Livres, com pautas fundamentais à saúde mental. Neste processo, foram eleitas pessoas delegadas, com 1.675 participando da V CNSM, para debater 657 propostas (Conselho Nacional de Saúde, 2024).
Para além das prorrogações na realização da V CNSM, cabe ressaltar que a IV CNSM foi realizada em 2010, computando, portanto, mais de uma década sem nenhuma conferência nacional de saúde mental. Isso, em si, já denota lacunas na saúde mental, álcool e outras drogas e a não priorização da construção participativa das políticas que constituem o campo.
Para além da relevância de se compreender as deliberações da V CNSM, que devem pautar a formulação e implementação de políticas, o presente estudo também se justifica pelo fato de que as CTs têm sido a principal instituição a materializar os retrocessos que configuram a Contrarreforma Psiquiátrica brasileira, mormente os processos de remanicomialização e privatização/mercantilização das políticas, aliado ao ascenso conservador e fundamentalista na saúde mental, álcool e outras drogas (Costa, 2023; Costa; Mendes, 2023; Passos; Gomes; Araujo; Moreira, 2023; Prudencio; Theodoro; Baqueiro, 2023). Cabe ressaltar que as CTs no Brasil não são nem comunidades nem terapêuticas, indo na contramão da sua gênese histórica; isto é, da comunidade terapêutica enquanto modelo assistencial crítico e alternativo ao manicômio (Costa, 2020). Contudo, este é o nome (por isso utilizamos maiúsculas) com o qual se popularizaram, de modo que o utilizamos aqui de maneira crítica.
As CTs são instituições privadas, pautadas na/pela abstinência como única possibilidade de (não) relação com as drogas e em modelos moralistas. Elas têm sido uma síntese de manicômios, prisões, igrejas e senzalas, ao serem majoritariamente religiosas – e cometerem violência religiosa – e se pautarem na chamada laborterapia. Essa, concretamente, é sinônimo de trabalho forçado, não-pago, quando não análogo à escravidão contra internos que são, usualmente, homens negros e pobres (Mendes; Costa, 2022). Vale salientar que a institucionalização das CTs nas políticas públicas se deu nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), como, por exemplo, a sua inclusão na Portaria 3.088/2011, que instituiu a RAPS, no nível residencial de caráter transitório (Brasil, 2011a). Após o golpe de 2016, nos governos Temer e Bolsonaro, a Contrarreforma Psiquiátrica se consolidou, em grande parte, através da ampliação da relevância das CTs nas políticas e do financiamento público a elas.
No governo Lula III (2023-), os retrocessos referentes ao fomento das CTs pelo Governo Federal não só não estão sendo contidos, como têm sido recrudescidos em algumas searas. Por exemplo, apesar de o Ministério da Saúde ter retomado o processo de desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, fortalecendo o Sistema Único de Saúde (SUS) – e, nele, os serviços substitutivos da rede de Atenção Psicossocial (RAPS) –, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em vez de fortalecer os serviços públicos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criou um departamento só para as CTs, aumentando a fatia do fundo público direcionada a elas, publicando uma série de normativas favoráveis e criando inúmeros instrumentos de proteção.
A título ilustrativo, citamos o Edital de Credenciamento 08/2023 do MDS, pelo qual foram habilitadas e qualificadas para receberem financiamento 585 CTs. Não bastando o expressivo número destas instituições cadastradas, muito menos o aumento nos valores dos repasses por vagas, a prioridade do referido Edital foi a “[...] contratação de entidades que acolhem mães nutrizes e pessoas do gênero feminino” (Brasil, 2023, não paginado, grifos nossos). O MDS busca, assim, ampliar a clientela das CTs para mulheres (negras e pobres) e seus bebês lactantes – que, provavelmente, também serão na maioria negros e pobres.
A título de comparação, no início de 2023, tínhamos somente 443 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPSad) no país, sendo este o principal serviço especializado no cuidado a pessoas com necessidades associadas ao consumo de drogas. Destes, apenas 121 eram CAPSad tipo III, funcionando 24h, em fins de semana e feriados e com leitos para acolhimento noturno. No mesmo nível de atenção das CTs na RAPS, tínhamos só setenta Unidades de Acolhimento (UAs) em todo o país, sendo 45 para adultos e 25 para crianças e adolescentes (Brasil, 2022). Somando os CAPSad e UAs, tínhamos 513 serviços, um número ainda menor que o de CTs (585) habilitadas pelo MDS.
Grosso modo, diante disso, constata-se que alguns dos principais ataques à Reforma Psiquiátrica brasileira têm sido desferidos via fomento às CTs, pelo Estado – ou, no mínimo, sendo chancelados por ele. Logo, é fundamental analisar como o principal lócus de participação e controle sociais do campo avalia as CTs, qual a sua posição frente a tais instituições e suas proposições para o Estado quanto a elas.
MÉTODO
O presente estudo é uma pesquisa documental, com abordagem qualitativa. O documento analisado foi a Resolução do CNS nº 739, de 22 de fevereiro de 2024, que contém as propostas e moções aprovadas na V CNSM (Conselho Nacional de Saúde, 2024). O documento foi lido na íntegra e analisado por meio da Análise de Conteúdo temática (Gomes, 2011). A despeito de focarmos nas CTs e como elas constam nas propostas e moções da V CNSM, isto é, como a V CNSM compreende as CTs e o que propõe em relação a elas, ao ler a Resolução na íntegra, evitamos a dissociação do nosso objeto daquilo que o constitui e é conformado por ele.
O percurso analítico foi realizado pelas seguintes etapas: (a) pré-análise, com familiarização com o material por leitura flutuante; (b) fase exploratória, com definição das unidades de análise (a saber, os temas enquanto unidades de sentidos expressos no conteúdo do documento); e (c) a interpretação dos resultados, expandindo e significando a síntese elaborada pela categorização, considerando a conjuntura e seus rebatimentos no objeto aqui tratado. O referencial teórico para a análise do material está em consonância com as perspectivas antimanicomiais e antiproibicionistas na saúde mental, álcool e outras drogas, fundamentadas principalmente na tradição marxista.
Cabe ressaltar que o documento, por mais que apresente uma síntese fidedigna do que foi aprovado na Conferência, não capta e expressa a dinâmica e a correlação de forças da V CNSM – inclusive, com a presença de representantes de CTs –, que resultaram na aprovação (ou não) de propostas e moções. Muito menos, manifesta a exata correlação de forças na saúde mental, álcool e outras drogas, mesmo que seja um documento oriundo do principal espaço deliberativo, de participação e controle sociais do campo. Dessa forma, embora tenhamos contextualizado o conteúdo do documento e o que ele exprime, é provável que tenhamos desconsiderado ou minimizado importantes mediações e determinações que vão além do conteúdo explícito, do que está publicado no documento, por mais que faça parte dele, seja ele.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aspectos Gerais
Após leitura e análise, constata-se que, ao todo, foram 57 menções às CTs. Estas se deram em 43 propostas e duas moções – uma de apelo e outra de repúdio. Todas foram não só críticas, mas contrárias a tais instituições. Ou seja, não houve nenhuma menção positiva ou elogiosa às CTs.
No geral, das 618 propostas aprovadas, 7% versaram diretamente sobre as CTs. Sabemos que este número não compreende a totalidade das críticas a elas no relatório, afinal, em boa parte das propostas foram criticados aspectos que constituem as CTs, como o seu caráter manicomial, privado, violento (exploratório e opressivo), sem necessariamente mencioná-las.
Na Tabela 1, apresentamos uma síntese das propostas que versam diretamente sobre as CTs, mencionando-as. É importante ressaltar que as críticas e contrariedades às CTs transversalizaram os eixos e subeixos de debates, não ficando restritas aos específicos sobre álcool e outras drogas. Por exemplo, com base na Tabela 1, podemos citar: a relevância do fechamento das CTs, enquanto proposta de desinstitucionalização e cuidado em liberdade; o fim do financiamento público às CTs, como estratégia fundamental na gestão da saúde mental, álcool e outras drogas e do SUS; a contraposição das CTs e seu modelo de (suposto) tratamento pautado na abstinência à Redução de Danos (RD) e a necessidade do fortalecimento da RD nos processos de cuidado; e o fechamento das CTs, como cerne do avanço e fortalecimento da Reforma Psiquiátrica e do SUS.
Tabela 1 – Menções às CTs no relatório da V CNSM (quantidade e propostas)
Eixos e subeixos | Nº de menções às CTs (n=49) |
Propostas contrárias às CTs | Nº de propostas contrárias às CTs (n=43) |
---|---|---|---|
Eixo 1 – Cuidado em liberdade como garantia de direito à cidadania | 19 | 3, 5, 7, 8, 20, 23, 28, 41, 42, 44, 62, 67, 73, 76, 77, 78, 79 | 17 |
Subeixo A – Desinstitucionalização: Residências terapêuticas, fechamento de hospitais psiquiátricos e ampliação do Programa de Volta para Casa | 11 | 3, 5, 7, 8, 20, 23, 28, 41, 42, 44 | 10 |
Subeixo B – Redução de danos e atenção às pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas | 8 | 62, 67, 73, 76, 77, 78, 79 | 7 |
Eixo 2 – Gestão, financiamento, formação e participação social na garantia de serviços de saúde mental | 22 | 154, 160, 165, 197, 205, 277, 280, 282, 283, 284, 290, 295, 316, 320, 321, 328, 343, 350 | 19 |
Subeixo A – Garantia de financiamento público para a manutenção e ampliação da política pública de saúde mental | 3 | 154, 160, 165 | 3 |
Subeixo C – Controle social e participação social na formulação e na avaliação da Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas | 2 | 197, 205 | 2 |
Subeixo D – Educação continuada e permanente para os(as) trabalhadores(as) de saúde mental | 1 | 250 | 1 |
Subeixo F – Financiamento e responsabilidades nas três esferas de gestão (federal, estadual/distrital e municipal) na implementação da política de saúde mental | 9 | 277, 280, 282, 283, 284, 290, 295 | 7 |
Subeixo G – Acompanhamento da gestão, planejamento e monitoramento das ações de saúde mental | 7 | 316, 320, 321, 328, 343, 350 | 6 |
Eixo 3 – Políticas de saúde mental e os princípios do SUS: universalidade, integralidade e equidade | 8 | 422, 507, 508, 510, 512, 514, 593 | 7 |
Subeixo B – Equidade, diversidade e interseccionalidade na política de saúde mental | 1 | 422 | 1 |
Subeixo D – Reforma psiquiátrica, reforma sanitária e o SUS | 6 | 507, 508, 510, 512, 514 | 5 |
Subeixo C – Saúde do(a) trabalhador(a) de saúde e adoecimento decorrente da precarização das condições de trabalho durante e após a emergência sanitária | 1 | 593 | 1 |
Fonte: Elaboração própria (2024).
Com objetivo comparativo, identificamos oito menções às CTs no Relatório da IV CNSM (Conselho Nacional de Saúde, 2010). Destas, duas versavam sobre a necessidade de se fortalecer auditorias e mecanismos de controle, fiscalização e avaliação das CTs, garantindo notificação compulsória nos casos de situações de violação de direitos e violência. Outras duas iam na mesma direção, mas não foram apreciadas na plenária final. Uma moção de repúdio à política estadual de álcool e outras drogas de Alagoas destacou como o investimento nas CTs significava a terceirização dos serviços, favorecendo o desmonte do SUS. Outra moção repudiava o Conselho Estadual de Saúde do Espírito Santo, por não custear a participação de um delegado representante das CTs. Salientamos, por fim, a proposta 268 da IV CNSM, referente à garantia dos avanços das Reformas Sanitária e Psiquiátrica: “Manter a decisão do Ministério da Saúde de não remunerar Comunidades Terapêuticas, ECT (eletroconvulsoterapia), psicocirurgia e qualquer outra intervenção invasiva” (Conselho Nacional de Saúde, 2010, p. 58).
Assim, podemos concluir que as propostas de aprimoramento e fortalecimento da fiscalização e do controle das CTs não foram atendidas. Pior, os governos tiveram posições contrárias à não remuneração das CTs deliberada na IV CNSM, com o financiamento público a elas tendo crescido desde então (Costa, 2023; Costa; Mendes, 2023; Weber, 2021). Resumindo, as deliberações da IV CNSM quanto às CTs foram desrespeitadas.
A quantidade e o conteúdo de críticas e oposições às CTs na V CNSM, e o salto quantitativo – e qualitativo –, quando comparamos à IV CNSM, acabam por reforçar como elas tiveram um ganho de força significativo nos últimos anos. Eis mais uma comprovação da centralidade das CTs nos retrocessos no campo da saúde mental, álcool e outras.
No entanto, os achados também reiteram uma maior ciência e apropriação desta realidade pelos atores que constituem – e são – a participação social e o controle social no SUS, mais especificamente na saúde mental, álcool e outras drogas, bem como a sua postura vigilante e crítica quanto à condução das políticas do campo. Essa constatação é relevante por se saber que o tema de álcool e outras drogas foi historicamente desconsiderado ou marginalizado na saúde mental e, por conseguinte, pela práxis e militância no campo (Vasconcelos, 2012), de tal forma que as principais brechas para a reinstitucionalização da lógica asilar-manicomial (e privatista) têm se dado via álcool e outras drogas, se configurando como o carro-chefe da Contrarreforma Psiquiátrica – as CTs são exemplos disso (Costa, 2020).
As menções às CTs nas duas moções vão na mesma direção das propostas, ressaltando seu caráter privatista e violento, sobretudo com grupos populacionais e indivíduos em situação de precariedade e vulnerabilidade. Ambas também repudiam a criação do Departamento para e das CTs, no âmbito do MDS, exigindo a sua extinção.
A crítica às CTs no relatório se deu de maneira tão expressiva e consensual, que uma menção a tais instituições, para além das propostas e moções, foi feita no texto introdutório, na síntese das principais proposições. Assim, demarca-se, mais uma vez, a centralidade da crítica às CTs no campo da saúde mental, álcool e outras drogas:
Os debates e deliberações durante a Conferência trouxeram como ênfase a necessidade de retomada do investimento na rede substitutiva, de cuidado de base comunitária e territorial, e o fechamento e inviabilização do financiamento de instituições de caráter asilar – como hospitais psiquiátricos, hospitais psiquiátricos de custódia e comunidades terapêuticas (Conselho Nacional de Saúde, 2024, p. 5, grifos nossos).
Retirar das políticas, parar de financiar e fechar. O conteúdo das deliberações da V CNSM sobre as CTs
Na Tabela 2, apresentamos os eixos temáticos e as categorias extraídos do processo de organização e análise do relatório. Os cinco eixos temáticos, que sintetizam e expressam os sentidos das deliberações referentes às CTs na V CNSM, referendam a literatura científica não só quanto ao caráter violento das CTs, mas, por isso mesmo, quanto às prementes mudanças nas políticas da saúde mental, álcool e outras drogas, na direção contrária do fomento a tais instituições (Costa, 2020; 2023; Costa; Mendes, 2023; Passos; Gomes; Araujo; Moreira, 2023; Prudencio; Theodoro; Baqueiro, 2023; Weber, 2021).
Tabela 2 – Eixos temáticos e categorias analíticos
Eixos Temáticos | Categorias |
---|---|
1) Características das CTs | - Serviço asilar-manicomial; - Caráter segregatório; - Mecanismo de privatização e mercantilização das políticas; - Contrárias ao SUS e à Reforma Psiquiátrica; - Contrárias à RD (exigência da abstinência); - Violências: violação dos direitos humanos, restrição de liberdade, encarceramento compulsório, violência religiosa, tortura psicológica, sequestro, cárcere, patologização, sobretudo a grupos já vulnerabilizados; - Anticiência; - Fundamentalismo religioso e quebra de laicidade; - Ausência de cuidado e tratamento. |
2) Criar e/ou fortalecer os mecanismos de fiscalização e auditoria sobre as CTs, com participação social | |
3) Retirada das CTs das políticas | - Extinção do Departamento das CTs no Ministério do Desenvolvimento Social; - Alteração da Portaria 3.088/2011 da RAPS, com exclusão das CTs; - Revogação de todas as normativas que consideram as CTs como possibilidade de cuidado; - Proibição de inscrição das CTs em editais públicos; - Proibição de emendas parlamentares para projetos de financiamento vinculados às CTs. |
4) Suspensão do financiamento público às CTs e repasse aos serviços substitutivos da RAPS | |
5) Extinção das CTs |
Fonte: Elaboração própria (2024).
Sobre as características das CTs, as propostas e as moções aprovadas na V CNSM explicitam que são instituições asilares-manicomiais, pautadas no isolamento e na segregação. Além disso, seu fomento e financiamento pelo Estado faz parte de um projeto privatista e mercantil das políticas, como o SUS, o SUAS etc., tendo como corolário o desfinanciamento e o desmonte de iniciativas e serviços públicos, resultando na precarização das condições de trabalho, de oferta assistencial e, por conseguinte, da saúde da população. Dessa forma, a V CNSM reitera como a lógica asilar-manicomial anda de mãos dadas com a privatização e mercantilização da vida, propiciando não só o desmonte das políticas públicas, como também toda uma dinâmica altamente lucrativa (Costa, 2020; Passos; Gomes; Araujo; Moreira, 2023). Por meio das CTs, estamos vendo a reatualização do que ficou conhecido, por meio dos manicômios tradicionais, como indústria ou comércio da loucura.
A partir do exposto, fica evidenciado como as CTs são contrárias ao SUS – seu caráter público, seus princípios e horizontes –, tendo se tornado um importante mecanismo de ataque a ele. A questão é que esse ataque ao SUS, à Reforma Psiquiátrica, tem se dado sobremaneira por fora do SUS, ao constatarmos que o grosso do financiamento público às CTs tem se dado pelo MDS – e, acrescentamos, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Fundo Nacional Antidrogas, o FUNAD (Costa; Mendes, 2023).
Na mesma medida, este ataque se orienta a negar os avanços nos processos de cuidado a pessoas com necessidades decorrentes do consumo de drogas, pautados e orientados na/pela RD. Por sua vez, isso também reitera a relevância da RD e como ela pode ser pensada e fortalecida não só como um conjunto de técnicas e práticas a reduzir danos e riscos associados ao consumo de drogas dado como problemático ou abusivo, por mais que só isso já seja relevante. Em consonância com Matos (2023), cabe conceber e potencializar a RD como uma práxis circunscrita a um projeto ético-político antiproibicionista, antimanicomial e, por isso, orientado a outro projeto societário, sendo, portanto, anticapitalista, antirracista e contra quaisquer formas de exploração e opressão.
Toda essa dinâmica contrária ao SUS, à Reforma Psiquiátrica e à RD tem sido desenvolvida de forma bastante engenhosa. Por um lado, as CTs escapam do SUS, por mais que estejam na RAPS, conseguindo se desviar, em parte, de seus mecanismos de controle e participação sociais e mecanismos regulatórios. Soma-se a isso a insuficiência de instrumentos e meios de regulamentação, fiscalização e controle das CTs no SUS, algo que é proposital. Por outro lado, mesmo sendo financiada pelo MDS, elas não são formalmente instituições do SUAS, estando em um limbo institucional, ocupando um não-lugar formal, o que contribui para a sua presença cada vez maior em muitas políticas e lugares.
Acerca disso, alguém pode argumentar que o grosso das proposições, ao não serem orientadas ao MS, já que o financiamento das CTs tem se dado por outros ministérios, perdem sua razão de ser, afinal, se trata de uma Conferência formalmente circunscrita ao MS. Contudo, esse argumento não se sustenta, já que, como mencionado, as CTs estão formalmente dentro da RAPS (Brasil, 2011a), sendo igualmente regidas – mesmo que de maneira muito lacunar – por normativas da saúde, como a RDC 29/2011 (Brasil, 2011b). Isso, contudo, não é uma justificativa para que elas continuem sob responsabilidade do MS, ou de qualquer ministério. Pelo contrário, as deliberações da V CNSM requerem a sua retirada de quaisquer políticas.
Ainda, mencionamos as novas-velhas Política Nacional sobre Drogas (Antidrogas), que é o Decreto nº 9.761 (Brasil, 2019a) e a Lei de Drogas (Antidrogas), a Lei nº 13.840 (Brasil, 2019b), ambas sancionadas no governo Bolsonaro, e que representam dois grandes retrocessos no âmbito legal-normativo. Nas duas, as CTs são entendidas como instituições de tratamento – o que a V CNSM reiterou não serem –, de modo que este tratamento é responsabilidade de redes de atenção à saúde, ou seja, do SUS, mesmo que não negue a participação de outras políticas setoriais. A menção a tais normativas também não significa, em hipótese alguma, nenhum tipo de concordância com elas. Contudo, mesmo elas, e o que representam (e são) em termos de retrocessos, chancelam a relevância e a validez das propostas oriundas da V CNSM.
Ademais, quanto ao SUAS, mencionamos a Resolução nº 151, de 23 de abril de 2024, do Conselho Nacional de Assistência Social, o CNAS, que dispôs sobre o “não reconhecimento das comunidades terapêuticas [...] como entidades e organizações de assistência social e sua não vinculação ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS)” (Conselho Nacional de Assistência Social, 2024, não paginada). Ou seja, temos, no âmbito do SUAS, o CNAS, que é a instância máxima de participação e controle social – junto da Conferência Nacional de Assistência Social –, indo na contramão do financiamento público das CTs, neste caso pelo MDS. Podemos afirmar, então, que a continuidade do financiamento das CTs pelo Governo Federal vai na contramão das principais entidades e mecanismos de controle e participação sociais do SUAS e do SUS – e, nele, da saúde mental, álcool e outras drogas.
Nessa direção, também mencionamos a Resolução nº 249, de 10 de julho de 2024, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre a proibição do acolhimento de crianças e adolescentes nas CTs (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2024), e a Resolução nº 10, de 19 de julho de 2024, do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), que suspende a eficácia da Resolução CONAD nº 3, de 24 de julho de 2020, de modo a interromper internações de adolescentes em CTs (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, 2024). Logo, para além do CNS, do CNAS e da V CNSM, temos mais dois conselhos gestores e de direito, o CONAD e o CONANDA, que são órgãos máximos de participação e controle social quanto às políticas sobre drogas e sobre crianças e adolescentes, se opondo às CTs e à internação de crianças e adolescentes nelas.
A partir do exposto, é importante problematizar os limites e as contradições próprias da participação e do controle sociais no contexto da Nova República brasileira. A despeito de sua relevância, são inúmeros os obstáculos para que os conselhos e as conferências cumpram o papel que a eles é postulado. Citamos, como exemplos: a hegemonia tecnocrata em tais espaços; o domínio de setores de mercado, associações corporativistas e categorias profissionais com forte poder econômico (e político); a burocratização; e o controle do Estado, por meio de tais mecanismos, frente a demandas e necessidades da classe trabalhadora (Paiva; Stralen; Costa, 2014). Há, portanto, uma distância entre o formal e o concreto típica do ordenamento político da sociabilidade burguesa, isto é, entre o que é declarado e postulado nas leis e demais normativas sobre os conselhos e as conferências e o que acontece na realidade. Na mesma medida, há que se problematizar – sem incorrer em deslegitimação – os fundamentos dessas formas institucionalizadas de participação, como a sua concepção de democracia que assenta estas estratégias, desconsiderando o caráter antagônico e desigual da sociabilidade capitalista (Duriguetto, 2007).
Chegamos ao extremo de os conselhos gestores e de direitos e as conferências serem utilizados como forma de controle social às avessas, ou seja, para controle do Estado e de setores das classes dominantes sobre a classe trabalhadora. Isso não só institucionaliza e restringe outras formas de mobilização e participação políticas, populares, como traz um verniz democrático a estes processos. Costa (2023) relata o exemplo do Conselho de Políticas sobre Drogas do Distrito Federal (CONEN-DF), que tem sido um conselho gestor das CTs; um conselho das e para as CTs, inclusive, repassando a totalidade do fundo público sobre drogas que gerencia às CTs desde, pelo menos, 2012. A partir do CONEN-DF, temos, logo, um controle das CTs sobre as políticas de drogas. No âmbito nacional, o mencionado CONAD é um exemplo evidente disso. Durante os governos Temer e Bolsonaro, sobretudo no segundo, foi completamente aparelhado e descaracterizado, com expulsão de representantes da chamada sociedade civil, sendo mais um órgão de governo, para consolidar as políticas antidrogas defendidas pelos governos de então (Costa; Mendes, 2023).
Mais uma vez, estas constatações e críticas não são à V CNSM, aos conselhos gestores e de direitos per se, muito menos aos atores que dela e deles participaram e participam. O que se pretende, mais do que criar espaços, é fortalecê-los e articulá-los com as lutas sociais diversas e outras formas políticas organizativas (partidos, sindicatos, movimentos sociais e populares), superando os distanciamentos e as fragmentações, mas, igualmente, não desconsiderando singularidades e características de cada forma organizativa, sem incorrer em cooptação destas pelas formas institucionais. Tudo isso numa perspectiva classista, conscientemente racializada (e antirracista), gendrada (e antissexista, antiLGBTQIA+fóbica), antimanicomial, antiproibicionista e contra quaisquer formas de exploração e opressão, tendo como horizonte a superação do modo de produção capitalista, que produz a lógica asilar-manicomial, proibicionista, expressa nela/por ela, e que, por fim, é ela própria.
Não sendo suficiente, as deliberações da V CNSM também ressaltaram as inúmeras violências cometidas pelas CTs, a saber: violação dos direitos humanos, restrição de liberdade, encarceramento compulsório, violência religiosa, tortura psicológica, sequestro, cárcere, patologização, violência a grupos vulnerabilizados (jovens, população negra e periférica, mulheres, população LGBTQIA+, crianças e adolescentes e população indígena). Tudo isso reitera o que não só a literatura aponta sobre as CTs em nosso país, mas que já é consenso no âmbito crítico na saúde mental – que instituições asilares-manicomiais são instituições violentas. A violência das e nas CTs não é algo pontual, um desvio ou uma anomalia, mas o seu normal. Logo, não são violentas apenas as situações e os casos mais extremados, que a literatura tem reportado e cujas denúncias, a despeito de toda a proteção às CTs, também têm se avolumado (Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Ministério Público Federal, 2018; Costa, 2023; Costa; Mendes, 2023; Mendes; Costa, 2022; Prudencio; Theodoro; Baqueiro, 2023).
Uma dessas violências cometidas pelas CTs é a religiosa, já que a maior parte das comunidades é religiosa (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2017). Não se trata, aqui, simplesmente de abordar a espiritualidade como um componente que pode ser importante no processo de cuidado – desde que oriundo da singularidade da pessoa assistida e de suas necessidades assistenciais. O que as CTs fazem é obrigar as pessoas internadas a realizarem práticas da religião da própria CT; a professarem a religião dela como componente supostamente de cuidado. Nisso, quem não comunga da religião da CT – ou de qualquer religião – acaba se vendo em meio a práticas compulsórias, sendo violentado. Soma-se a isso o caráter laico do Estado brasileiro, tornando ainda mais inaceitável a inclusão das CTs nas políticas públicas e o seu financiamento pelo fundo público, ao passo que denota que a lógica asilar-manicomial tem andado de mãos dadas não só com a privatização e mercantilização das políticas, mas também com a ofensiva conservadora e fundamentalista (Costa, 2020).
Tudo isso nos leva a constatar que as CTs não são instituições de cuidado e que o chancelamento estatal às CTs se dá negando as evidências científicas, acadêmicas, além da própria realidade. Ademais, todos estes elementos desmantelam a construção retórica de que as CTs não fazem internação, mas acolhimento; de que são CTs acolhedoras (Brasil, 2019b). Elas, pelo contrário, fazem internação asilar, manicomial, pautada em trabalho forçado, não-pago, em violência religiosa, entre outras violências – como vimos. Mais uma vez, em consonância com Mendes e Costa (2022), as CTs têm sido uma síntese de manicômios, prisões, igrejas e senzalas. Nisso, se as CTs são instituições da violência, o Estado, ao fomentá-las, é responsável por essa violência, que passa a também ser sua. Se as CTs carecem de evidências que corroborem sua existência e permanência, o financiamento e a chancela estatal a elas configuram práticas negacionistas; logo, o negacionismo não é só das CTs, mas também do Estado brasileiro.
Sobre a caracterização (crítica) das CTs, no âmbito das deliberações da V CNSM, esta se deu circunscrita às propostas contrárias a elas. Na verdade, a análise e a caracterização das CTs, dialeticamente, carregam a sua negação; aquilo que, não sendo ela, pode (e deve) ser afirmado, em outro estágio qualitativo, num movimento de superação. Concordando com Marx (2008, p. 48), “[...] a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. A afirmação das CTs (enquanto problema) traz consigo a sua negação – processo este evidenciado pelas análises e proposições oriundas da V CNSM. Contudo, essa negação deve ser materializada, efetivada concretamente, sendo não somente uma negação, muito menos algo retórico, mas uma superação, com alguns dos caminhos igualmente sendo formulados e propostos no bojo da V CNSM, mas cuja materialização não depende dela; pelo contrário, está para além dela.
De modo geral, como é possível de se observar na Tabela 1, o grosso das propostas foi: retirada das CTs de todas as políticas públicas; fim do financiamento público às CTs; e o fechamento de todas as CTs. Para que isso ocorra, foram muitas as propostas que apontam para a urgência de se criar ou modificar, no sentido de fortalecer, os mecanismos de fiscalização, avaliação e auditoria das CTs, com participação social dos atores que compõem e são o campo da saúde mental, álcool e outras drogas, com destaque a usuários e trabalhadores.
Como saídas mais imediatas, servindo como mediações táticas para estes horizontes, sobretudo no que se refere à retirada as CTs das políticas públicas, destacamos as seguintes proposições: a) extinção do Departamento das CTs no MDS; b) alteração da Portaria nº 3.088/2011 da RAPS, com exclusão das CTs; c) revogação de todas as normativas que consideram as CTs como possibilidades de cuidado, sejam elas do MS, do MDS, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, entre outros órgãos ministeriais e conselhos gestores e de direitos, assim como do Congresso e da Presidência da República; d) proibição de as CTs se inscreverem em editais públicos; e e) proibição de emendas parlamentares para projetos de financiamento vinculados às CTs.
Com relação à suspensão do financiamento público às CTs, foram apontados como alternativas o fundo público ser integralmente repassado aos serviços públicos e não manicomiais, mormente os da RAPS no SUS, mas também outras políticas setoriais, como o SUAS, garantindo melhores condições de trabalho, formação e educação permanente em saúde e de oferta assistencial. Tudo isso pode contribuir para dirimir alguns dos prejuízos do contingenciamento de verbas às políticas sociais oriundos de políticas econômicas de austeridade fiscal e das contrarreformas, que devem ser combatidas, afinal, concretizam a ofensiva do capital contra a classe trabalhadora – sendo a Contrarreforma Psiquiátrica uma delas (Costa; Mendes, 2022; Passos; Gomes; Araujo; Moreira, 2023).
Por fim, todo esse processo deve se orientar ao fechamento das CTs pelo Estado, e de qualquer instituição asilar-manicomial. Isso passa pela ampliação e o fortalecimento dos serviços substitutivos da RAPS, em especial dos CAPSad, das UAs, leitos e enfermarias em hospitais gerais, consultórios na rua, Serviços Residenciais Terapêuticos e Programa de Volta para Casa. Se manicômio bom é manicômio fechado, CT boa é CT fechada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo, analisamos as deliberações da V CNSM, de modo a apreender como ela avalia as CTs e o que propõe em relação a elas. O relatório da V CNSM é uma expressão do posicionamento do campo e suas tensões, no que diz respeito à temática das CTs. Podemos resumir o conjunto de propostas referentes às CTs na V CNSM da seguinte forma: retirá-las das políticas, acabar com o financiamento público a elas e fechá-las. Dessa forma, o documento deve subsidiar o atual governo e o CNS para produzir avanços na Reforma Psiquiátrica brasileira, o que demanda a permanente pressão dos movimentos sociais.
Uma das diferenças significativas do atual governo, em comparação aos de Temer e Bolsonaro, reside na ampliação das instâncias democráticas e na sua porosidade às demandas populares. Entretanto, a conduta do atual governo, e dos anteriores, tem ido na contramão das reivindicações oriundas dos mecanismos e processos de participação social.
Considerando o histórico recente das políticas em saúde mental, álcool e outras drogas, a despeito das diferenças entre os governos – sem incorrer em falsas equivalências –, podemos afirmar que o endosso às CTs tem sido uma política de Estado, não apenas de governo. Ao mesmo tempo que isso exprime as disputas sobre o fundo público e a relação com as políticas, também reitera a importância da recuperação e do fortalecimento das lutas sociais que voltam a se organizar no âmbito do controle social para refrear o uso do financiamento público às CTs.
REFERÊNCIAS
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Pedro Henrique Antunes da Costa Trabalhou na concepção e desenvolvimento da pesquisa, bem como na escrita e revisão do artigo.
Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia. Professor no Departamento de Psicologia Clínica e Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura na Universidade de Brasília
Kíssila Teixeira Mendes Trabalhou na concepção e desenvolvimento da pesquisa, bem como na escrita e revisão do artigo.
Cientista social e psicóloga, mestra e doutora em Psicologia. Professora da Universidade do Distrito Federal e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília.
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Editoras responsáveis
Ana Targina Ferraz – Editora-chefe
Maria Lúcia Teixeira Garcia – Editora
Submetido em: 21/8/2024. Aceito em: 15/10/2024.
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Argum., Vitória, v. 17, p. 1-14, e-45540, 2025. ISSN 2176-9575