Crise capitalista, degradação ambiental e lutas dos povos

originários na América Latina

 

Camilla dos Santos NOGUEIRA

   https://orcid.org/0000-0001-8243-5427

Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas,

Programa de Pós-Graduação em Política Social, Vitória, ES, Brasil

Bolsista Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES)

e-mail: camilladossantosnogueira@gmail.com

 

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 Revista Argumentum, reconhecida por seu papel de destaque na difusão de conhecimento científico, encerra este ano com uma edição especial que traz à tona uma questão de enorme relevância para os tempos atuais. A edição, intitulada Crise capitalista, degradação ambiental e lutas dos povos originários na América Latina é um tema particularmente urgente no contexto atual, marcado pela crescente crise ambiental global e recrudescimento da questão social.

 

Os impactos negativos sobre o meio ambiente, intensificados ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, não são uma novidade, embora, no cenário do capitalismo contemporâneo, a destruição ambiental seja uma tendência cada vez mais acentuada. O processo de degradação da natureza em níveis alarmantes é resultado da exploração predatória dos recursos naturais, que sustenta o sistema econômico global, portanto, intimamente relacionada ao modo de produção capitalista. Esse fenômeno, descrito por Karl Marx como “[...] ruptura metabólica [...]” (Marx, 2013), revela a insustentabilidade do modelo capitalista, fundamentado no uso intensivo e descontrolado dos recursos naturais.

 

Apesar dessa “ruptura metabólica”, o capitalismo busca incessantemente formas de ampliar sua reprodução. O crescimento da produção global se torna uma necessidade intrínseca para o aumento do mais-valor, o que está diretamente vinculado à valorização do capital e ao aumento dos lucros. No entanto, os sinais dessa destruição são cada vez mais evidentes: a escassez de recursos naturais, o aumento do aquecimento global, a poluição e destruição de ecossistemas e a produção excessiva de mercadorias descartáveis revelam uma crescente contradição entre a expansão da produção e as capacidades do planeta para sustentar esse crescimento.

 

Embora as consequências da destruição ambiental afetem o mundo todo, é necessário estabelecer duas distinções importantes. A primeira diz respeito aos impactos da questão ambiental nos países periféricos. Esses países, historicamente subordinados ao sistema capitalista mundial, enfrentam uma pressão ainda maior, devido à exploração de seus recursos naturais por grandes cadeias globais de valor, e à falta de mecanismos eficazes de proteção ambiental, e, portanto, são os mais impactados no contexto global de destruição ambiental.

 

Outra particularidade é o impacto devastador nas populações tradicionais que dependem diretamente desses recursos para sobrevivência. Exemplos disso são os indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, entre outros povos que estruturam seus modos de vida e formas de produção em harmonia com a natureza. No entanto, diante de desastres ambientais, esses povos são forçados a abandonar seus territórios, o que agrava as desigualdades sociais e cria uma espiral de expulsões (Sassen,2016) pobreza, degradação e racismo ambiental (Acselrad; Mello; Bezerra, 2009). Podemos afirmar que os grupos considerados mais pobres, especialmente as pessoas negras, indígenas e povos tradicionais, são atingidos com maior intensidade, mesmo quando o desastre ambiental, em princípio, parece afetar a todos. Um exemplo claro disso são as comunidades indígenas e quilombolas do Espírito Santo, que, além dos desafios já enfrentados, agora se veem expostas a riscos ainda maiores devido à contaminação do rio Doce e do mar, resultado do crime ambiental cometido pela mineradora Samarco, em 2015. Evento que, no próximo ano, completará 10 anos sem que tenha ocorrido a reparação integral das populações atingidas.

 

Embora haja um reconhecimento crescente da crise ambiental em nível mundial, as medidas para mitigar a degradação ainda são incipientes e frequentemente insuficientes. No caso brasileiro, tais medidas foram sistematicamente boicotadas pelo governo de Jair Bolsonaro e pela bancada ruralista consolidada na Câmara e Senado Federal. A maior parte das ações adotadas busca apenas mitigar os efeitos da degradação ambiental, em vez de enfrentá-la de maneira profunda e estrutural.

 

Entre as ações mais recorrentes para lidar com a crise ambiental, destacam-se os mercados de carbono, os esforços para promover a sustentabilidade e os investimentos socialmente responsáveis (SRI -Socially Responsible Investing), além de um foco crescente na governança ambiental, social e corporativa (ESG- Environmental, Social and Governance). No entanto, a maior parte dessas iniciativas não aborda de forma ampla e profunda os problemas ambientais. Frequentemente, elas acabam por integrar a crise ambiental ao modelo capitalista, sem questionar as bases estruturais desse sistema. É impossível alcançar a verdadeira sustentabilidade em um sistema fundamentado na acumulação desigual de riquezas, sustentada pela exploração intensiva da natureza e da força de trabalho. O capitalismo, por sua essência, não é sustentável!

 

Neste sentido, a presente edição da Revista Argumentum reúne artigos que analisam as interconexões entre a crise econômica capitalista, os impactos da degradação ambiental e as resistências dos povos originários latino-americanos.

 

Na Seção Temática, os artigos abordam debates teóricos sobre categorias essenciais para a compreensão da questão ambiental, além de examinarem os fenômenos dessa problemática à luz da relação entre o avanço do capitalismo, os desastres ambientais, as políticas conservadoras e os povos tradicionais. Neste sentido o artigo de Laan apresenta uma análise crítica de interpretações sobre as reflexões de Marx acerca da natureza. Em seguida, o artigo de Pinho aborda o crime socioambiental resultante da mineração de sal-gema em Maceió, Alagoas, um dos maiores desastres ambientais recentes no Brasil. Há também uma série de trabalhos que exploram os impactos sobre os povos indígenas, como o artigo de Miani e Akamatsu que discute a problemática da demarcação de terras indígenas no Brasil, analisando a produção cartográfica de Carlos Latuff; o trabalho de Dalmonego, Oliveira, Junior e Reis que investiga o fenômeno da Corrida do Ouro na Terra Indígena Yanomami, seus desdobramentos e as consequências para os povos indígenas; e o texto de Vieira, Silva e Nunes que analisa o avanço do agronegócio na reserva indígena Potiguara, na Paraíba, e sua relação com a desproteção social nos territórios indígenas e o desenvolvimento socioeconômico capitalista. Por fim, o artigo de Nunes e Pereira reflete sobre as intervenções do governo Bolsonaro na gestão ambiental, no contexto do aprofundamento da decadência ideológica burguesa.

 

A ecologia marxista oferece importantes ferramentas para entender como o capitalismo, em momentos de crise, pode levar a desastres ambientais de grandes proporções, e a presente edição conta, na Seção Debate, com texto singular do professor Eduardo Sá Barreto, expoente na elaboração teórica sobre Ecologia Marxista, e que discute como o colapso climático e a crise estrutural do capitalismo estão interligados, evidenciando a incapacidade do sistema capitalista em fornecer respostas aos riscos e impactos decorrentes. Em diálogo, contamos com a colaboração da professora Simone Raquel Batista Ferreira, cujo texto reflete sobre os “futuros possíveis” e uma mudança de paradigma, onde o desenvolvimento baseado na transformação da natureza em mercadoria seja substituído por novas formas de sociabilidade que vejam a natureza como sujeito. Finalmente, também na seção debate, contamos com o trabalho do professor Evaldo Gomes Junior, cuja reflexão aponta os elementos que compõem a disputa geopolítica, em torno das tecnologias de menor impacto ambiental, e destaca a urgência de alternativas ao modelo neoliberal, propondo um planejamento integrado que contemple tanto as questões ambientais quanto a justiça social, e processos de reorganização social que visam a construção de uma nova economia popular.

 

Na Seção de Temas Livres, esta edição apresenta artigos essenciais para compressão das diversas questões, econômicas, políticas e sociais, que conformam o cenário do capitalismo contemporâneo.

 

Com este arsenal teórico a edição da Revista Argumenta busca, além de discutir as consequências da exploração capitalista sobre o meio ambiente, dar visibilidade às formas de resistência dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que enfrentam, desde o período colonial, os impactos da destruição ambiental e as ameaças à sua sobrevivência cultural e territorial. Desta forma a Revista reafirma seu compromisso com o avanço do conhecimento científico, crítico, ampliando os horizontes do debate acadêmico e trazendo à tona questões urgentes para a construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente responsável.

 

Agradeço a oportunidade de ter colaborado como editora desta edição temática e espero que a leitura proporcione reflexões enriquecedoras.

 

Referências

 

Acselrad, H.; Mello, C. C. do A.; Bezerra, G. das N. O que é justiça ambiental? 1. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

 

Marx, K. O Capital: para a crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

 

Sassen, S. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

 

 

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