Travessia: Viver Enquanto se Morre - Construções e Ressignificações Durante o Câncer

Autores

  • Keila Cristina de Souza Soares UFMG

DOI:

https://doi.org/10.47456/cadecs.v12i1.47266

Resumo

Este artigo reflete sobre a experiência pessoal de acompanhar o adoecimento do meu esposo, manifestado com câncer metastático, e a maneira como a morte se tornou uma presença constante em nosso cotidiano. A partir dessa vivência íntima, investigo como a sociedade contemporânea ocidental lida com a morte e o processo de ressignificação da vida frente à iminência do fim. O diagnóstico trouxe à tona microviolências e isolamentos, exacerbados pelas restrições da pandemia de COVID-19, destacando como o câncer, enquanto doença cercada por estigmas, afetando não só o paciente, mas também seus familiares. A reflexão parte das hipóteses de que, embora os autores descrevam a morte como um tabu no Ocidente, essa perspectiva pode ser mais complexa, envolvendo tanto a negação quanto a exposição da morte. A análise recorreu a autores como  Susan Sontag e Norbert Elias, que destacam o medo e a solidão ligada à morte e ao câncer,  assim como  Annemarie Mol ao exploram o papel da hegemonia biomédica, que, ao privilegiar intervenções tecnológicas e farmacológicas, muitas vezes desumaniza o paciente e ignora o impacto emocional e social da doença. O artigo explora a experiência da liminaridade em doenças terminais, especialmente o câncer, à luz da teoria dos ritos de passagem de Victor Turner. Na liminaridade, o indivíduo se encontra entre categorias sociais, sem estar completamente em uma ou fora, o que provoca uma reflexão profunda sobre o próprio papel na sociedade e os valores da vida. Nas doenças terminais, essa transição se intensifica, colocando o paciente e seus cuidadores em um estado de “viver-morrer”, onde a vida e a morte coexistem em tensão.  Por fim o artigo aponta para o entendimento de que a morte não é o fim abrupto da vida, mas uma transição que nos obriga a revisitar nossos valores, nossas relações e nossos significados mais profundos.

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Biografia do Autor

Keila Cristina de Souza Soares, UFMG

Keila Cristina de Souza Soares, é mestra em Antropologia Social, pelo Programa de Pós
Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerias, licenciada em Ciências
Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo e especialista em Projetos Culturais pela Puc-
Minas.
Atualmente é professora concursada de Sociologia no Colégio Tiradentes da Polícia Militar de
Minas Gerias, Unidade Vespasiano.
Suas pesquisas concentram-se na Antropologia da Morte, Antropologia do Cuidado e
Antropologia das Emoçoes, com interesse nas temáticas dos processos de lutos, adoecimentos,
suicídio e relaçoes de cuidado e gênero.
É autora do livro Chorar o Corpo Chorar o Rio - o luto pelos corpos desaparecidos em
Brumadinho e o luto pelas águas do Rio Paraopeba.

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Publicado

21-01-2025