Lógica capitalista na política de habitação
Resumo
O ensejo deste estudo é apresentar reflexões, a partir de levantamento bibliográfico na perspectiva histórico-crítica, sobre a construção dos espaços urbanos e as políticas habitacionais em território brasileiro, regida pela ordem capitalista e um de seus pilares, a propriedade privada. Sob uma perspectiva crítica, visa contribuir para o debate do planejamento e ocupação do espaço por parte da humanidade, que, em tempos de capitalismo global, expressa as desigualdades da construção socioespacial. A produção do espaço urbano, como pontuou Harvey (2008), sempre foi um fenômeno de classe, visto que desde seu início, as cidades emergem da concentração social e geográfica como um canal de absorção do capital excedente. Portanto, a cidade na forma com a qual nos deparamos nos dias atuais é uma construção histórica na qual as desigualdades estão impressas em seu espaço geográfico resultantes do modo de produção capitalista, o qual condiciona a urbanização à lógica de acúmulo de capital. A terra, por ser divisível e delimitável, permitiu ao capitalismo não apenas reforçar seu valor de uso, como propriedade privada, mas também a sua mercantilização seja em forma de aluguel, compra e venda incorporadas à lógica de lucro e acumulação capitalista. Neste contexto, o processo do valor da moradia também é ressignificado, sucumbindo-se à qualidade de mercadoria, submissa aos interesses de quem produz o espaço urbano. Diante desse processo, o Estado, caracterizado como espaço de correlações de forças e de contradições, diante de demandas populares e de trabalhadores institui sistemas de proteção social, de um lado e, de outro assegura a acumulação de capital aos detentores dos meios de produção - a iniciativa privada -, mostrando-se como regulador e defensor dos interesses do capital. A política de habitação brasileira tem se mostrado uma das áreas de atuação preferencial do capital, atraído por investimentos via fundo público com juros subsidiados, que permite a construção de unidades habitacionais e o subsequente repasse dos custos desses empreendimentos aos mutuários. A hegemonia burguesa da intervenção estatal na habitação, começa a ser difundida em 1920, período que o Estado passa a intervir tanto na esfera jurídica como econômica, para a afirmação e fomento do modelo da casa própria, não significando o desaparecimento das casas de aluguel e cortiços, estes continuam a existir em grande número. No entanto, a tendência que passa a ser dominante no setor de produção de habitação, tanto popular, quanto para a classe média, é a produção de unidades destinadas à apropriação com título de propriedade privada. Sua origem deve-se ao ideário burguês, da propriedade privada como sinônimo de segurança social e econômica. Em contrapartida, crescem os loteamentos ilegais e a autoconstrução, a exemplo das favelas, resultando numa forte expansão suburbana (VILLAÇA, 1986). A forma sistemática da ação estatal na produção e comercialização das habitações populares no Brasil inicia-se em 1940, assim, programas e planejamentos estatais promovem o modelo da casa própria, que em 1946 se consolida como Fundação da Casa Popular. Desde então, à exemplo do Sistema Nacional de Habitação de 1964, do Banco Nacional de Habitação do mesmo ano, e do programa Minha Casa Minha Vida de 2009, vemos a continuidade da Política de Habitação centralmente sob a ótica de uma cultura elitista, Esta referenda a obtenção do título individual/familiar como forma preponderante de promover o acesso e o direito à moradia, e por conseguinte, destinando um alto investimento público no grande mercado da construção civil.. Sob efeito da lógica capitalista, as unidades habitacionais construídas apresentam evidências que corroboram na acentuação dos contrastes socioespaciais. A baixa qualidade estrutural destas unidades habitacionais são provas do sucateamento e descaso com a equidade social, decorrentes do modus operandi do mercado capital. A sua habitabilidade também é um fator comprometido, visto sua implantação em territórios periféricos próximos a margem das cidades, com carência de infra-estrutura urbana, segregando e marginalizando populações e inviabilizando o “direito à moradia digna”. A carência de acessibilidade aos serviços básicos de saúde, educação e mobilidade, evidencia os aspectos de uma urbanização excludente. Diante desse cenário, nota-se a fragilidade do Estado em assegurar aos cidadãos e cidadãs, direitos fundamentais, como o direito à moradia e o direito à cidade, bandeiras defendidas por movimentos sociais em tantas manifestações e lutas. Apesar de conquistas populares consideráveis neste âmbito, a exemplo do Estatuto da Cidade, o modelo predatório e socialmente discriminatório é ainda uma realidade vigente, pois embora a atuação do Estado vise ofertar moradia à população das classes subalternas, não rompeu com o padrão periférico imposto a esta população (ROLNIK, 2015), corroborando na marginalização de uma classe que tem em seu marco histórico a força de trabalho e a expropriação das riquezas que produz.