Participação social no debate sobre aborto através da Plataforma Participa+
Resumo
As pautas em defesa de valores cristãos conservadores e da família como instituição de preservação moral ganharam prioridade durante o governo Bolsonaro no Brasil, sobretudo com a criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Somadas a um contexto de alinhamento entre políticas neoliberais e neoconservadorismo moral, medidas normativas do poder executivo limitaram a atuação da sociedade civil em instituições participativas na discussão de políticas públicas relacionadas aos direitos humanos.
Nesse contexto, em fevereiro de 2021, o Governo Federal criou a plataforma Participa+ Brasil com o propósito “de promover e qualificar o processo de participação social” (Brasil, 2021). O MMFDH submeteu à consulta pública na plataforma citada, um Projeto de Lei (PL) que visava instituir o Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. A consulta ficou aberta a contribuições de 06 de abril de 2021 até 05 de maio do mesmo ano. Após esse período, as contribuições foram aceitas ou não pelo Poder Executivo, que posteriormente apresentou o PL à Câmara dos Deputados.
O objetivo deste estudo foi examinar os diferentes argumentos evocados pela sociedade civil na consulta pública previamente mencionada e, descrevendo o uso da plataforma enquanto ferramenta de participação democrática, identificar a quais dos argumentos analisados o governo esteve permeável. Realizou-se uma pesquisa documental, descritiva e exploratória, com base nas contribuições de usuários na plataforma digital Participa+ Brasil.
Das 138 contribuições enviadas por 128 participantes, 95 foram aprovadas na plataforma e 43 foram recusadas. O conteúdo das contribuições foi extraído do Participa+ e examinado empregando o método de análise de similitude e co-ocorrência de palavras por meio do software Iramuteq. Na análise foi considerada a variável "status da contribuição": aprovada ou recusada. Ao examinar e classificar as temáticas mobilizadas nas contribuições, identificou-se que, de modo geral, as propostas aceitas se pautam na preservação de valores conservadores, morais, familiares, religiosos, além de reforçar os “direitos do nascituro” e a percepção da maternidade como um dever da pessoa que gesta. Por outro lado, a parcela de contribuições recusadas enfatiza, majoritariamente, valores progressistas como a defesa da autonomia e o direito da pessoa que gesta sobre seu corpo e suas escolhas, a falta de condições dignas para o exercício da maternidade e o acesso ao aborto como uma demanda de saúde pública.
A consulta pública apresentada não possibilitou a efetiva contribuição de cidadãos. A colaboração via plataforma Participa+ foi um meio remoto pelo qual o governo desconsiderou posições divergentes e sugestões que propunham complemento ao PL inicial, o que demonstra uma impermeabilidade à participação popular na construção de política pública. Ademais, não houve transparência nos critérios de aceite ou recusa de contribuições, e validação restrita a contribuições populares de pleno acordo com o conteúdo apresentado na proposta, recusando argumentações contrárias ou que, apesar de favoráveis, sugeriam alterações. Justamente porque a pauta do aborto sensibiliza entendimentos tão distintos, faz-se necessária uma abertura às manifestações divergentes, garantindo uma participação popular efetivamente democrática e sem as marcas de autoritarismo que caracterizaram a consulta pública aqui exposta.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Criação do Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. Participa + Brasil. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/criacao-do-dia-nacional-do-nascituro-e-de-conscientizacao-sobre-os-riscos-do-aborto. Acesso em: 08 Fev. 2023.