Participação social no debate sobre aborto através da Plataforma Participa+

Autores

  • Ivana Sessak Puls Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
  • Juliana Aguilera Lobo Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
  • Marina Gasino Jacobs Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
  • Heloísa Bárbara Cunha Moizéis Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Resumo

As pautas em defesa de valores cristãos conservadores e da família como instituição de preservação moral ganharam prioridade durante o governo Bolsonaro no Brasil, sobretudo com a criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Somadas a um contexto de alinhamento entre políticas neoliberais e neoconservadorismo moral, medidas normativas do poder executivo limitaram a atuação da sociedade civil em instituições participativas na discussão de políticas públicas relacionadas aos direitos humanos.

Nesse contexto, em fevereiro de 2021, o Governo Federal criou a plataforma Participa+ Brasil com o propósito “de promover e qualificar o processo de participação social” (Brasil, 2021). O MMFDH submeteu à consulta pública na plataforma citada, um Projeto de Lei (PL) que visava instituir o Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. A consulta ficou aberta a contribuições de 06 de abril de 2021 até 05 de maio do mesmo ano. Após esse período, as contribuições foram aceitas ou não pelo Poder Executivo, que posteriormente apresentou o PL à Câmara dos Deputados.

O objetivo deste estudo foi examinar os diferentes argumentos evocados pela sociedade civil na consulta pública previamente mencionada e, descrevendo o uso da plataforma enquanto ferramenta de participação democrática, identificar a quais dos argumentos analisados o governo esteve permeável. Realizou-se uma pesquisa documental, descritiva e exploratória, com base nas contribuições de usuários na plataforma digital Participa+ Brasil.

Das 138 contribuições enviadas por 128 participantes, 95 foram aprovadas na plataforma e 43 foram recusadas. O conteúdo das contribuições foi extraído do Participa+ e examinado empregando o método de análise de similitude e co-ocorrência de palavras por meio do software Iramuteq. Na análise foi considerada a variável "status da contribuição": aprovada ou recusada. Ao examinar e classificar as temáticas mobilizadas nas contribuições, identificou-se que, de modo geral, as propostas aceitas se pautam na preservação de valores conservadores, morais, familiares, religiosos, além de reforçar os “direitos do nascituro” e a percepção da maternidade como um dever da pessoa que gesta. Por outro lado, a parcela de contribuições recusadas enfatiza, majoritariamente, valores progressistas como a defesa da autonomia e o direito da pessoa que gesta sobre seu corpo e suas escolhas, a falta de condições dignas para o exercício da maternidade e o acesso ao aborto como uma demanda de saúde pública.

A consulta pública apresentada não possibilitou a efetiva contribuição de cidadãos. A colaboração via plataforma Participa+ foi um meio remoto pelo qual o governo desconsiderou posições divergentes e sugestões que propunham complemento ao PL inicial, o que demonstra uma impermeabilidade à participação popular na construção de política pública. Ademais, não houve transparência nos critérios de aceite ou recusa de contribuições, e validação restrita a contribuições populares de pleno acordo com o conteúdo apresentado na proposta, recusando argumentações contrárias ou que, apesar de favoráveis, sugeriam alterações. Justamente porque a pauta do aborto sensibiliza entendimentos tão distintos, faz-se necessária uma abertura às manifestações divergentes, garantindo uma participação popular efetivamente democrática e sem as marcas de autoritarismo que caracterizaram a consulta pública aqui exposta.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Criação do Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. Participa + Brasil. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/criacao-do-dia-nacional-do-nascituro-e-de-conscientizacao-sobre-os-riscos-do-aborto. Acesso em: 08 Fev. 2023.

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Biografia do Autor

Ivana Sessak Puls, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)

Mestranda em Psicologia Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Juliana Aguilera Lobo, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Mestranda em Ciências Políticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Marina Gasino Jacobs, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Heloísa Bárbara Cunha Moizéis, Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Publicado

13-06-2023