Reflexões sobre a prática profissional dos/as assistentes sociais no sistema prisional feminino
Abstract
A presente pesquisa aborda o sistema carcerário brasileiro como um reflexo do sistema de justiça e das políticas de proteção social. Assim é produto de uma estrutura social desigual, que historicamente vincula condições sociais, perfis raciais e de gênero à criminalização. Ou seja, é um reflexo da seletividade desses sistemas punitivos. Conforme coloca Foucault:
[...] em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa ‘economia política’ do corpo: ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão. (FOUCAULT, 1998, p.25)
No Brasil, o conceito de pena-prisão surgiu no Código Criminal de 1830, que incidiu na Constituição Federal de 1824, implementada pelo Dom Pedro I. O Código reduziu os delitos que eram apenados com morte e penas cruéis, como também, surgiu a pena de privação da liberdade, sendo restrita aos homens. Somente no século XX com o avanço da participação civil das mulheres, que deixaram os ambientes da vida particular, o estado começou a intervir na execução da pena para as transgressões cometidas por essa população. Com a atualização do código penal de 1940, ficou estabelecido a divisão de gênero dentro dos presídios e, quando não fosse possível, seria necessário a instituição de presídios exclusivamente femininos. Conforme cita Borges (2019):
A força deixa de ser o elemento estratégico de punição e outros são os elementos para o castigo e a penalização. Passam a ser defendidas ideias que retiram o corpo da esfera de espelho da punição física para uma penalização mais abstrata e de consciência. A justiça vai se distanciando da violência como parte constitutiva de si e relegando a vigilância e a punição a um conjunto maior de aparatos articulados e interligados, porém com funcionamento mais autônomo. A liberdade do indivíduo, que passa a ser vista como bem e direito, é que ganha a esfera da restrição e toma contornos de pena. (p. 42)
Dados oficiais acerca do encarceramento feminino apontam um aumento de 656% de mulheres presas no intervalo de tempo de 2000 a 2016, existindo um padrão nesse cárcere, em massa, sendo a maioria mulheres negras, jovens, de baixa renda, mães solo e de baixa escolaridade (INFOPEN Mulheres, 2016). O que demonstra um projeto político de criminalização da população preta e pobre no Brasil. Conforme consta também no último relatório sintético divulgado pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Mulheres (INFOPEN Mulheres) de 2017, esse perfil se manteve em evidência. Dados mais atualizados permanecem reafirmando o perfil das mulheres presas na atualidade, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) de 2021, a população carcerária permanece sendo composta majoritariamente por mulheres pardas e negras. As 72 unidades penitenciárias femininas (CNMP, 2019) reforçam a escala de atuação do profissional de serviço social, dando relevância ao tema de pesquisa. Isso sem mencionar que essa categoria profissional deveria atuar junto às famílias das encarceradas, na perspectiva da manutenção e fortalecimento de vínculos.
Conforme aponta Juliana Borges (2019):
O sistema de justiça criminal tem profunda conexão com o racismo, sendo o funcionamento de suas engrenagens mais do que perpassados por essa estrutura de opressão, mas o aparato reordenado para garantir a manutenção do racismo e, portanto, das desigualdades baseadas na hierarquização racial. [...]. Essa é uma das instituições mais fundamentais no processo de genocídio contra a população negra em curso no país.” (p. 21)
Dessa forma, a análise dos dados foi realizada em uma perspectiva interseccional, na tentativa de fugir do silenciamento e da invisibilidade que pauta, principalmente, a temática das mulheres negras presas e as opressões singulares sofridas por esse grupo, quando combinado o fato de serem mulheres, negras e em sua maioria pobres.
Diante do cenário apresentado, a escolha do tema de pesquisa foi motivada pela questão de gênero, onde vemos a necessidade de colocar em pauta a importância da defesa dos direitos das mulheres encarceradas. Além disso, verificamos uma grande invisibilidade no assunto, sendo pouco discutido entre a categoria profissional do Serviço Social e tendo um número inexpressivo de assistentes sociais produzindo teoria científica ou abordando o tema em suas produções acadêmicas.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 20 Ed. Petrópolis: Editora Vozes. 1999.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral, Vol. I. 4 Ed. São
Paulo: Método, 2011.
INFOPEN Mulheres. 2ed./ organização: Thandara Santos; colaboração Marlene Inês da Rosa. [et al] - Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2017.
INFOPEN Mulheres. 5ed./ organização: Marcos Silva [et al] - Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2019.