Os conceitos nietzschianos de espontaneidade e soberania e a filosofia kantiana
Resumo
Este artigo reconstrói o contexto polêmico que confere sentido ao uso nietzschiano dos conceitos de espontaneidade e soberania. A primeira seção desse artigo trata do lugar especial que a psicologia ocupa na rejeição da concepção kantiana de espontaneidade pelos primeiros autores neokantianos. Lido contra esse pano de fundo histórico, não é surpreendente que Nietzsche tenha rejeitado a ideia de uma espontaneidade “absoluta” ou “livre” da vontade. Em 1880, contudo, uma nova concepção de vida como “atividade espontânea” aflora em seus manuscritos. Essa visão naturalista, que Nietzsche conheceu através de Baumann, remete à teoria dos “começos da vontade” de Alexander Bain e difere significativamente da espontaneidade absoluta da representação, de origem kantiana (seção 2). Esta concepção naturalista de “atividade espontânea”, que Nietzsche adota antes de Aurora, ainda desempenha papel importante na Genealogia da Moral, mas tende a desaparecer nas últimas obras (seção 3). Na seção seguinte (seção 4) apresento a evolução da crítica de Nietzsche à noção kantiana de “mal radical” em associação com a concepção de “atividade espontânea”. Ao analisar o uso de expressões kantianas na Genealogia, mostro que sua crítica à liberdade da vontade é compatível com a descrição do “indivíduo soberano” como “responsável”, “autônomo” e “livre”. Mostro que essa famosa passagem deve ser lida como uma polêmica dirigida a Eduard von Hartmann, contra o qual Nietzsche emprega uma estratégia textual específica, que consiste em tomar as expressões kantianas em um sentido “antikantiano” e cultivar sistematicamente a arte de usar “uma fórmula moral em um sentido supramoral”. A autoatribuição da liberdade absoluta do agente pertence essencialmente ao conceito kantiano de agência moral, assim como a autoatribuição da “liberdade” pertence ao conceito nietzschiano de individualidade soberana. Mas a “liberdade” que o indivíduo soberano atribui a si mesmo e aos seus pares não é uma espontaneidade absoluta, que para Nietzsche é um conceito autocontraditório; além disso, essa autoatribuição de uma rara liberdade não tem a mesma função que Kant atribui ao postulado da liberdade absoluta em sua filosofia prática. Em Nietzsche essa autoatribuição é antes o modo pelo qual o “pathos da distância” do indivíduo soberano se expressa, sendo, portanto, uma forma de autoafirmação (seção 5).
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