O conceito de "raça" em Nietzsche
DOI:
https://doi.org/10.47456/en.v15i2.47885Palavras-chave:
Nietzsche, raça, teorias racialistas, racismo, racialização, reforma conceitual, lamarckismo, etnias, castasResumo
O presente artigo visa reconstruir o conceito de “raça” na obra de Nietzsche, especialmente em seus escritos tardios. Procuramos testar a hipótese de que Nietzsche teria tentado uma reforma do conceito de raça, com o intuito de evitar as insuficiências descritivas e normativas da teoria racialista clássica, tornando a noção (a) descritivamente mais acurada e (b) mais adequada à sua agenda normativa. Tendo por objetivo situar a posição de Nietzsche em um espaço puramente abstrato de possibilidades conceituais, a primeira seção apresenta as linhas gerais de dois programas contemporâneos em filosofia da raça, a abordagem naturalista-eliminativista de Kwame Appiah e a construtivista de Sally Haslanger, nas suas versões inaugurais. As demais seções focam no tratamento que Nietzsche oferece do problema da raça e procuram inferir desse tratamento uma definição do conceito. Na sequência, avaliamos em que medida essa definição conserva certos traços da concepção clássica e em que medida ela corresponde a uma versão revisada do conceito. Nietzsche utiliza o termo “raça” de formas variadas, referindo-se ora a nações e grupos étnicos, ora a classes e estamentos sociais. Embora recuse diversos pressupostos da noção racialista (raças não são unidades biologicamente discretas), substituindo essa noção por uma noção protoconstrutivista (raças são feitas, não inatas), culturalista e historicista de raça, Nietzsche vê na tese lamarckista da herança dos caracteres adquiridos uma forma de manter as ambições explicativas do conceito sem seus pressupostos essencialistas. A parte final do artigo avalia o potencial e as limitações da definição revisada do conceito de raça, tanto de um ponto de vista explicativo quanto normativo, recorrendo a critérios tanto internos quanto externos ao projeto nietzschiano. Embora Nietzsche se oponha ao antissemitismo e ao racismo intrínseco, ele ainda faz generalizações racistas e propõe um projeto eugenista de cultivo de uma raça europeia (depurada), com fortes conotações imperialistas. No entanto, sua abordagem pode ser útil para outras finalidades políticas e explicativas, desde que separada dos aspectos mais problemáticos de sua agenda normativa.
Downloads
Referências
APPIAH, K. A. In my Father’s house: Africa in the philosophy. Oxford: OUP, 1992.
APPIAH, K; GUTTMAN, A. Color conscious: the political morality of race. Princeton, NJ: PUP, 1998.
CANCIK, H.; CANCIK-LINDEMAIER, H. Philolog und Kultfigur: Friedrich Nietzsche und seine Antike in Deutschland. Stuttgart; Weimar: Metzler, 1999.
CAPPELEN, H.; PLUNKETT, D. Introduction: A guided tour of Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. In: PLUNKETT, D.; CAPPELEN, H.; BURGESS, A. (Eds.). Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2020.
CHALMERS, D. What is conceptual engineering and what should it be? Inquiry, 2020. Disponível em: https://philpapers.org/rec/CHAWIC-3. Acesso em: 07 fev. 2025.
CLARK, M. Nietzsche Was no Lamarckian. In: The Journal of Nietzsche Studies, v. 44, n. 2, p. 282–296, 1 jul. 2013.
CONRAD, J. A. Nietzsche on Evolution and Progress. In: Nietzsche-Studien 53, p. 203–225, 2024.
CONWAY, D. Nietzsche’s Proto-Phenomenological Approach to the Theoretical Problem of Race. In: SCOTT, J.; TODD FRANKLIN, A. (Eds.). Critical affinities: Nietzsche and African American thought. Nova York: State University of New York Press, 2006.
CORNELL, S.; HARTMANN, D. Ethnicity and Race: Making Identities in a Changing World. Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press, 1998.
FREZZATTI JR., W. A. Nietzsche leitor da Biologia do século XIX: Dominação vs. Nutrição e Reprodução. Estudos Nietzsche, v. 9, n. 2, p. 25–42, 2018.
FREZZATTI JR., W. A. A construção da oposição entre Lamarck e Darwin e a vinculação de Nietzsche ao eugenismo. Scientiae Studia, v. 9, n. 4, p. 791-820, 2011.
HACKING, I. The social construction of what? Cambridge: Harvard University Press, 1999.
HACKING, I. Ontologia Histórica. Traduzido por Leila Mendes. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2009.
HACKING, I. The looping effects of human kinds. Causal Cognition, p. 351–394, jul. 1996.
HASLANGER, S. Gender and race: (What) are they? (What) do we want them to be? In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: OUP, 2012.
HASLANGER, S. A Social Constructionist Analysis of Race. In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: Oxford University Press, 2012a.
HASLANGER, S. Going On, Not in the Same Way. In: PLUNKETT, D.; CAPPELEN, H.; BURGESS, A. (Eds.). Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. Oxford: OUP, 2020.
HASLANGER, S. What Good Are Our Intuitions? Philosophical Analysis and Social Kinds. In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: Oxford University Press, 2012b.
LEITER, B. Nietzsche On morality. Londres/Nova York: Routledge, 2002.
LEITER, B. O naturalismo de Nietzsche reconsiderado. Cadernos Nietzsche, v. 1, n. 29, p. pp.77-126, 2011.
LOPES, R. (editor convidado). Cadernos Nietzsche. v. 1 e 2, n. 29, 2011. Disponível em https://gen-grupodeestudosnietzsche.net/portfolio/numero-29/
LOSURDO, D. Nietzsche, o rebelde aristocrata. Biografia intelectual e balanço crítico. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro. Editora Revan, 2009.
Machery, E.; Faucher, L. “The Folk Concept of Race”. In: Marques, T.; Wikforss, A. Shifting Concepts: The Philosophy and Psychology of Conceptual Variability. Oxford: OUP, 2020 (pp. 167-189).
NIETZSCHE, F. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. Colli & Montinari (15 volumes). Berlin/New York. Walter de Gruyter, 1988.
NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
NIETZSCHE, F. Anticristo: maldição ao cristianismo: ditirambos de Dionísio. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
NIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos: ou como se filosofa com o martelo. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
NIETZSCHE, F. Gaia ciência. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano I: um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano II: um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
NIETZSCHE, F. Genealogia da moral: Uma polêmica. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
NIETZSCHE, F. Schopenhauer como Educador: Considerações extemporâneas III. Tradução de Clademir Luís Araldi. São Paulo: Martins Fontes, 2020.
RICHARDSON, J. Nietzsche's New Darwinism. Oxford: OUP, 2004.
QUELOZ, M. The practical origins of ideas: Genealogy as conceptual reverse-engineering. Oxford: Oxford University Press, 2021.
QUELOZ, M. Nietzsche’s conceptual ethics. Inquiry, p. 1–30, 3 jan. 2023.
QUELOZ, M. Choosing values? Williams contra Nietzsche. The Philosophical Quarterly, Vol. 71, n. 2, p.286-307, 20 maio 2020.
SCHACHT, R. Nietzsche and Lamarckism. The Journal of Nietzsche Studies, v. 44, n. 2, p. 264–281, 1 jul. 2013.
TAYLOR, P. Ecce Negro: How to Become a Race Theorist. In: Critical affinities: Nietzsche and African American thought. Nova York: State University of New York Press, 2006.
WINCHESTER, J. Nietzsche’s Racial Profiling. In: VALLS, A. (Ed.). Race and racism in modern philosophy. Ithaca e Londres: Cornell University Press, 2005.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Rogério Lopes, Daniel Melo Soares

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Ao submeter o artigo, resenha ou tradução para a Estudos Nietzsche, o autor cede à revista o direito à primeira publicação do texto, mantendo, contudo, o direito de reutilizar o material publicado, por exemplo, em futuras coletâneas de sua obra.