O conceito de "raça" em Nietzsche

Autores

  • Rogério Lopes
  • Daniel Melo Soares

DOI:

https://doi.org/10.47456/en.v15i2.47885

Palavras-chave:

Nietzsche, raça, teorias racialistas, racismo, racialização, reforma conceitual, lamarckismo, etnias, castas

Resumo

O presente artigo visa reconstruir o conceito de “raça” na obra de Nietzsche, especialmente em seus escritos tardios. Procuramos testar a hipótese de que Nietzsche teria tentado uma reforma do conceito de raça, com o intuito de evitar as insuficiências descritivas e normativas da teoria racialista clássica, tornando a noção (a) descritivamente mais acurada e (b) mais adequada à sua agenda normativa. Tendo por objetivo situar a posição de Nietzsche em um espaço puramente abstrato de possibilidades conceituais, a primeira seção apresenta as linhas gerais de dois programas contemporâneos em filosofia da raça, a abordagem naturalista-eliminativista de Kwame Appiah e a construtivista de Sally Haslanger, nas suas versões inaugurais. As demais seções focam no tratamento que Nietzsche oferece do problema da raça e procuram inferir desse tratamento uma definição do conceito. Na sequência, avaliamos em que medida essa definição conserva certos traços da concepção clássica e em que medida ela corresponde a uma versão revisada do conceito. Nietzsche utiliza o termo “raça” de formas variadas, referindo-se ora a nações e grupos étnicos, ora a classes e estamentos sociais. Embora recuse diversos pressupostos da noção racialista (raças não são unidades biologicamente discretas), substituindo essa noção por uma noção protoconstrutivista (raças são feitas, não inatas), culturalista e historicista de raça, Nietzsche vê na tese lamarckista da herança dos caracteres adquiridos uma forma de manter as ambições explicativas do conceito sem seus pressupostos essencialistas. A parte final do artigo avalia o potencial e as limitações da definição revisada do conceito de raça, tanto de um ponto de vista explicativo quanto normativo, recorrendo a critérios tanto internos quanto externos ao projeto nietzschiano. Embora Nietzsche se oponha ao antissemitismo e ao racismo intrínseco, ele ainda faz generalizações racistas e propõe um projeto eugenista de cultivo de uma raça europeia (depurada), com fortes conotações imperialistas. No entanto, sua abordagem pode ser útil para outras finalidades políticas e explicativas, desde que separada dos aspectos mais problemáticos de sua agenda normativa.

Downloads

Referências

APPIAH, K. A. In my Father’s house: Africa in the philosophy. Oxford: OUP, 1992.

APPIAH, K; GUTTMAN, A. Color conscious: the political morality of race. Princeton, NJ: PUP, 1998.

CANCIK, H.; CANCIK-LINDEMAIER, H. Philolog und Kultfigur: Friedrich Nietzsche und seine Antike in Deutschland. Stuttgart; Weimar: Metzler, 1999.

CAPPELEN, H.; PLUNKETT, D. Introduction: A guided tour of Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. In: PLUNKETT, D.; CAPPELEN, H.; BURGESS, A. (Eds.). Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2020.

CHALMERS, D. What is conceptual engineering and what should it be? Inquiry, 2020. Disponível em: https://philpapers.org/rec/CHAWIC-3. Acesso em: 07 fev. 2025.

CLARK, M. Nietzsche Was no Lamarckian. In: The Journal of Nietzsche Studies, v. 44, n. 2, p. 282–296, 1 jul. 2013.

CONRAD, J. A. Nietzsche on Evolution and Progress. In: Nietzsche-Studien 53, p. 203–225, 2024.

CONWAY, D. Nietzsche’s Proto-Phenomenological Approach to the Theoretical Problem of Race. In: SCOTT, J.; TODD FRANKLIN, A. (Eds.). Critical affinities: Nietzsche and African American thought. Nova York: State University of New York Press, 2006.

CORNELL, S.; HARTMANN, D. Ethnicity and Race: Making Identities in a Changing World. Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press, 1998.

FREZZATTI JR., W. A. Nietzsche leitor da Biologia do século XIX: Dominação vs. Nutrição e Reprodução. Estudos Nietzsche, v. 9, n. 2, p. 25–42, 2018.

FREZZATTI JR., W. A. A construção da oposição entre Lamarck e Darwin e a vinculação de Nietzsche ao eugenismo. Scientiae Studia, v. 9, n. 4, p. 791-820, 2011.

HACKING, I. The social construction of what? Cambridge: Harvard University Press, 1999.

HACKING, I. Ontologia Histórica. Traduzido por Leila Mendes. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2009.

HACKING, I. The looping effects of human kinds. Causal Cognition, p. 351–394, jul. 1996.

HASLANGER, S. Gender and race: (What) are they? (What) do we want them to be? In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: OUP, 2012.

HASLANGER, S. A Social Constructionist Analysis of Race. In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: Oxford University Press, 2012a.

HASLANGER, S. Going On, Not in the Same Way. In: PLUNKETT, D.; CAPPELEN, H.; BURGESS, A. (Eds.). Conceptual Engineering and Conceptual Ethics. Oxford: OUP, 2020.

HASLANGER, S. What Good Are Our Intuitions? Philosophical Analysis and Social Kinds. In: Resisting Reality: Social construction and social critique. Oxford: Oxford University Press, 2012b.

LEITER, B. Nietzsche On morality. Londres/Nova York: Routledge, 2002.

LEITER, B. O naturalismo de Nietzsche reconsiderado. Cadernos Nietzsche, v. 1, n. 29, p. pp.77-126, 2011.

LOPES, R. (editor convidado). Cadernos Nietzsche. v. 1 e 2, n. 29, 2011. Disponível em https://gen-grupodeestudosnietzsche.net/portfolio/numero-29/

LOSURDO, D. Nietzsche, o rebelde aristocrata. Biografia intelectual e balanço crítico. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro. Editora Revan, 2009.

Machery, E.; Faucher, L. “The Folk Concept of Race”. In: Marques, T.; Wikforss, A. Shifting Concepts: The Philosophy and Psychology of Conceptual Variability. Oxford: OUP, 2020 (pp. 167-189).

NIETZSCHE, F. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. Colli & Montinari (15 volumes). Berlin/New York. Walter de Gruyter, 1988.

NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

NIETZSCHE, F. Anticristo: maldição ao cristianismo: ditirambos de Dionísio. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

NIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos: ou como se filosofa com o martelo. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

NIETZSCHE, F. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

NIETZSCHE, F. Gaia ciência. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano I: um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano II: um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

NIETZSCHE, F. Genealogia da moral: Uma polêmica. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

NIETZSCHE, F. Schopenhauer como Educador: Considerações extemporâneas III. Tradução de Clademir Luís Araldi. São Paulo: Martins Fontes, 2020.

RICHARDSON, J. Nietzsche's New Darwinism. Oxford: OUP, 2004.

QUELOZ, M. The practical origins of ideas: Genealogy as conceptual reverse-engineering. Oxford: Oxford University Press, 2021.

QUELOZ, M. Nietzsche’s conceptual ethics. Inquiry, p. 1–30, 3 jan. 2023.

QUELOZ, M. Choosing values? Williams contra Nietzsche. The Philosophical Quarterly, Vol. 71, n. 2, p.286-307, 20 maio 2020.

SCHACHT, R. Nietzsche and Lamarckism. The Journal of Nietzsche Studies, v. 44, n. 2, p. 264–281, 1 jul. 2013.

TAYLOR, P. Ecce Negro: How to Become a Race Theorist. In: Critical affinities: Nietzsche and African American thought. Nova York: State University of New York Press, 2006.

WINCHESTER, J. Nietzsche’s Racial Profiling. In: VALLS, A. (Ed.). Race and racism in modern philosophy. Ithaca e Londres: Cornell University Press, 2005.

Downloads

Publicado

19-03-2025

Edição

Seção

Dossiê Temático