Nietzsche e Fanon

Sobre a política do cultivo de raça e classe como castas

Autores

  • Donovan Miyasaki

DOI:

https://doi.org/10.47456/en.v15i2.47897

Palavras-chave:

Nietzsche, Frantz Fanon, raça, racialização, classe, casta, colonialismo

Resumo

A Genealogia da Moral de Nietzsche sugere que aristocracias produzem um contratipo escravo perigoso de agência moral fundamentada em ressentimento, que exibe uma moralidade de resignação. No decorrer do texto, ele mescla os registros biológico e político ao falar de tipos humanos como “espécies” (die Spezies) e de classes como “raças” (die Rassen), implicando com isso que todos os tipos humanos são socialmente construídos e que sua causa primária é a organização política. É neste sentido que Nietzsche é um “aristocrata radical”. Contra a visão conservadora de que a hierarquia social reflete uma ordem fixa na natureza, ele reconhece que hierarquias criam os tipos que buscam preservar, precisamente contra a contingência natural. Isto coloca um dilema prático para as aristocracias: como manter uma subclasse sem suscitar uma psicologia e uma moral escravas que [inevitavelmente] enfraquecem os valores aristocráticos? Em outros textos, Nietzsche responde com sua interpretação da lei Hindu de Manu. Cada aristocracia deve criar a ilusão de que classes são castas naturais em vez de construções políticas. Sistemas de castas são instituições culturais e ideológicas feitas para proteger sistemas de classes, por darem aparência de “espécies” fixas às identidades de classe: formas profundamente internalizadas de psicologia e agência moral, que reforçam posições de classe por serem mais rigidamente definidas e facilmente reconhecidas socialmente. Em Os Condenados da Terra, Frantz Fanon, de forma subversiva, redireciona essa teoria para longe das metas reacionárias de Nietzsche, na direção de outras revolucionárias, aplicando a lógica de Nietzsche à hierarquia racializada da colonização. Fanon também torna turva a linha entre social e biológico, referindo-se a colonizador e colonizado como “espécies” diferentes (espéces) e sugere que uma posição social faz com que indivíduos agrupados em classe desenvolvam as profundas identidades psicológicas e morais características de castas. Para Fanon, a raça é o meio primário de sociedades colonizadas darem suporte material à ideologia de casta. Apesar de socialmente determinados, conceitos de raça são ancorados em diferenças visíveis, conferindo à posição de classe do colonizado a falsa aparência de naturalidade. No entanto, contra Nietzsche, que culpa o oprimido pela moralidade do escravo, Fanon insiste que “o colonizador cria o colonizado.” A psicologia escrava se origina da classe dominante que, para salvar sua boa consciência, reinterpreta o privilégio como mérito, adotando uma visão maniqueísta de que os colonizados são essencialmente maus, o que leva ao bem assentado ódio contra eles como casta racializada. A psicologia primária do ressentimento dos colonizadores produz uma psicologia secundária do ressentimento entre os colonizados, dando forma a ambos como “espécies” opostas, identidades fundamentadas na exclusão um do outro, empurrando os colonizados não (como Nietzsche pensa) na direção de uma revolta moral, mas na direção de uma revolução política. A reconstrução crítica de Fanon da teoria de castas de Nietzsche tem três consequências importantes. Primeiro, a análise de Nietzsche implica, contra suas próprias esperanças, que aristocracias necessariamente produzem sua própria queda. Segundo, se a raça é politicamente construída como uma forma dissimulada de classe, o racismo não pode ser superado sem a superação das estruturas de classe cuja dissimulação motivou sua criação. Contudo, terceiro, se o sistema de castas produz não somente atitudes racistas, práticas e estruturas sociais, mas também o racista como espécie de identidade psicológica fundamentada no ressentimento, então enquanto classes políticas podem esclarecer as origens históricas do racismo, isto não evitará a continuidade do racismo dentre os membros existentes daquele tipo. Por consequência, políticas antirracistas não podem ser reduzidas a problemas de classe ou raça isoladamente.

Downloads

Referências

ACAMPORA, Christa Davis. Unlikely Illuminations: Nietzsche and Frederick Douglass on Power, Struggle, and the Aisthesis of Freedom. In: SCOTT, Jacqueline; FRANKLIN, Todd A. Critical Affinities: Nietzsche and African American Thought. Albany, NY: The State University of New York Press, 2006. p. 175-202.

AL-SAJI, Alia. Hesitation as Philosophical Method — Travel Bans, Colonial Durations, and the Affective Weight of the Past. Journal of Speculative Philosophy v. 32, n. 3, p. 331–59. 2018.

ANDERSON, Lanier R. On the Nobility of Nietzsche’s Priests. In: MAY, Simon. Nietzsche’s “On the Genealogy of Morality”: A Critical Guide. Cambridge, MA: Cambridge University Press, 2011. p. 24-25.

APPIAH, Kwame Anthony. The Uncompleted Argument: DuBois and the Illusion of Race. In; BELL, Linda A; BLUMENFELD, David. Overcoming Racism and Sexism. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 1995. p. 59-77.

BEAUVOIR, Simone. The Ethics of Ambiguity. New York: Citadel Press, [1947] 1996.

BERNASCONI, Robert. Nietzsche as a Philosopher of Racialized Breeding. In: ZACK, Naomi. The Oxford Handbook of Philosophy and Race. Oxford: Oxford University Press, 2017. p. 54-64.

CHURCH, Jeffrey. Nietzsche’s Early Perfectionism: A Cultural Reading of “The Greek State.” Journal of Nietzsche Studies, v. 46, n. 2, p. 248-260. 2015.

CICCARIELLO-MAHER, George (2017). Decolonizing Dialectics. Duke University Press, 2017.

CONANT, James. Nietzsche’s Perfectionism: A Reading of Schopenhauer as Educator. In: SCHACHT, Richard. Nietzsche’s Postmoralism. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 181-256.

CONWAY, Daniel. Nietzsche and the Political. New York: Routledge, 1996.

DAVIS, Angela Y. Lectures on Liberation. In: DOUGLASS, Frederick. Narrative of the Life of Frederick Douglass, An American Slave. San Francisco: City Lights Books, [1970] 2010. p. 41-84.

DOHM, Hedwig. Become Who You Are! Translated by Elizabeth G. Ametsbichler. Albany, NY: The State University of New York Press, [1894] 2006.

DOHM, Hedwig. “Nietzsche and Women.” In: NASSAR, Dalia; GJESDAL, Kristin. Women Philosophers in the Long Nineteenth Century: The German Tradition. Oxford: Oxford University Press, [1898] 2021. p. 128–138.

DOUGLASS, Frederick. Narrative of the Life of Frederick Douglass, an American Slave. San Francisco: City Lights Books. [1845] 2010.

DU BOIS, W. E. B. The Souls of Black Folk. New York: W. W. Norton, 1999.

FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. Translated by Richard Philcox. New York: Grove Press, [1952] 2008.

FANON, Frantz. Peau noire, masques blancs. Villeneuve-d’Ascq: Éditions Points, [1952] 2014.

FANON, Frantz. “Why We Use Violence.” KHALFA, Jean; YOUNG, ROBERT J. C. Alienation and Freedom. Translated by Steven Corcoran. London: Bloomsbury Academic, [1960] 2018. p. 653-659.

FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. Translated by Richard Philcox. New York: Grove Press, [1962] 2004.

FANON, Frantz. Les damnés de la terre. Paris: Éditions La Découverte, [1962] 2002.

FANON, Frantz. “Racism and Culture.” In: MASPERO, François. Toward the African Revolution: Political Essays. Translated by Haakan Chevalier. New York: Grove Press, [1955] 1964.

FASHINA, Oladipo. Frantz Fanon and the Ethical Justification of Anti-Colonial Violence. Social Theory and Practice v. 15, n. 2, p.179-212. 1989.

GIBSON, Nigel. Fanon and Marx Revisited. Journal of the British Society for Phenomenology v. 51, p. 320-336.

GORDON, Lewis R. Bad Faith and Antiblack Racism. Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press, 1995.

GORDON, Lewis R. What Fanon Said. New York: Fordham University Press, 2015.

HARDIMON, Michael O. Minimalist Biological Race. In: ZACK, Naomi. The Oxford Handbook of Philosophy and Race. Oxford: Oxford University Press, 2017. p. 150-159.

HARO, José A. Colonialism and Ressentiment. Philosophy in the Contemporary World v. 25, no. 1, p. 27-34. 2019.

HOLLINGDALE, R. J. Nietzsche: The Man and His Philosophy. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1965.

HURKA, Thomas. “Nietzsche: Perfectionist.” In: LEITER, Brian; SINHABABU, Neil. Nietzsche and Morality. New York: Oxford University Press, 2007.

KATSAFANAS, Paul. Agency and the Foundations of Ethics: Nietzschean Constitutivism. Oxford: Oxford University Press, 2013.

KING, Martin Luther, Jr. Where Do We Go from Here: Chaos or Community? Boston, MA: Beacon Press, 1968.

LEMM, Vanessa. Is Nietzsche a Perfectionist? Rawls, Cavell, and the Politics of Culture in Nietzsche’s “Schopenhauer as Educator.” Journal of Nietzsche Studies v. 34, p. 5-27. 2007.

LOEB, Paul S. The Priestly Slave Revolt in Morality. Nietzsche-Studien v. 47, n. 1, p. 100-139. 2018.

MACLEOD, Elyse. Frantz Fanon's Decolonized Dialectics: The Primacy of the Affective Weight of the Past. Ergo: An Open Access Journal of Philosophy v. 9, no. 42. 2022.

MILLS, Charles W. Blackness Visible. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1998.

MIYASAKI, Donovan. Nietzsche’s Naturalist Morality of Breeding. In: LEMM, Vanessa. Nietzsche and the Becoming of Life. New York: Fordham University Press, 2014. p. 194-213.

MIYASAKI, Donovan. Nietzsche’s Immoralism: Politics as First Philosophy. Cham: Palgrave Macmillan, 2022a.

MIYASAKI, Donovan. Politics After Morality: Toward a Nietzschean Left. Cham: Palgrave Macmillan, 2022b.

NEWTON, Huey P. “Black Capitalism Re-Analyzed I.” In: HILLIARD, David; WEISE, Donald. The Huey P. Newton Reader. New York: Seven Stories Press, 2002. p. 227-233.

NEWTON, Huey P. Revolutionary Suicide. London: Penguin Books, [1973] 2009.

NIETZSCHE, Friedrich. The Anti-Christ, Ecce Homo, Twilight of the Idols and Other Writings. Edited by Aaron Ridley and Judith Norman. Translated by Judith Norman, Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

NIETZSCHE, Friedrich. Beyond Good and Evil: Prelude to a Philosophy of the Future. Edited by Rolf-Peter Horstmann and Judith Norman. Translated by Judith Norman, Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

NIETZSCHE, Friedrich. Kritische Studienausgabe. Edited by Giorgio Colli and Mazzino Montinari, Berlin: Walter de Gruyter, 1967–.

NIETZSCHE, Friedrich. On the Genealogy of Morality. Edited by Keith-Ansell Pearson. Translated by Carol Diethe. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

NIETZSCHE, Friedrich. The Will to Power. Edited by Walter Kaufmann. Translated by Walter Kaufman and R. J. Hollingdale. New York: Vintage Books, 1968.

OUTLAW, Lucius. On Race and Philosophy. New York: Routledge, 1996.

RATNER-ROSENHAGEN, Jennifer. Black Nietzsche, or, Speaking Relative Truth to Power. Raritan v. 34, n. 4, p. 63-81. 2015.

REGINSTER, Bernard. The Psychology of Christian Morality: Will to Power as Will to Nothingness. In GEMES, Ken; RICHARDSON, John. The Oxford Handbook of Nietzsche. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 701-726.

SCHANK, Gerd. Race and Breeding in Nietzsche’s Philosophy. In: MARTIN, Nicholas. Nietzsche and the German Tradition. Bern: Peter Lang, 2003. p. 237-244.

SCOTT, Jacqueline. On the Use and Abuse of Race in Philosophy: Nietzsche, Jews, and Race. In: BERNASCONI, Robert; COOK, Sybol. Race and Racism in Continental Philosophy. Bloomington, IN: Indiana University Press, 2003. p. 53-73.

SCOTT, Jacqueline. The Price of the Ticket: A Genealogy and Revaluation of Race. In: SCOTT, Jacqueline; FRANKLIN, Todd A. Critical Affinities: Nietzsche and African American Thought. Albany, NY: The State University of New York Press, 2006. p. 149-171.

SNELSON, Avery. The History, Origin, and Meaning of Nietzsche’s Slave Revolt in Morality. Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy v. 60, n. 1-2, 2017. p. 1-30.

WINCHESTER, James. Nietzsche’s Racial Profiling. In: VALLS, Andrew. Race and Racism in Modern Philosophy. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2005. p. 255-276.

ZACK, Naomi. Life After Race. In: ZACK, Naomi. American Mixed Race: The Culture of Microdiversity. Boston: Rowman & Littlefield, 1995. p. 297-307.

Downloads

Publicado

19-03-2025

Edição

Seção

Dossiê Temático