Revista Gestão & Conexões

Management and Connections Journal

VITÓRIA (ES), VOL. 13, N. 3, AGO./NOV. 2024.

ISSN: 2317-5087

DOI: https://doi.org/10.47456/regec.2317-5087.2024.13.3.42847.157.181


O autoempreendedorismo num contexto de precarização do trabalho: uma análise dos fatores que influenciam os jovens a atuar na informalidade

Self-entrepreneurship in a context of precarious work: an analysis of the factors that influence young people to work informally


Darlane Amorim Vieira Universidade Federal de Sergipe darlane.uesb@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6549-4019

Rúbia Oliveira Corrêa Universidade Federal de Sergipe rubia.correa@academico.ufs.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5061-7071

Eude do Amor Cornélio Universidade Federal de Sergipe eude.economia@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7807-9834

Maralysa Correia de Souza Cavalcanti Universidade Federal de Sergipe maralysas@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0009-0008-7261-8244


RESUMO

Os altos níveis de desemprego e a desestruturação do mercado de trabalho foram propícios para o fortalecimento do empreendedorismo e da informalidade no país, como solução para o contingente de desempregados. Esse modo de inserção no mercado atrai principalmente os jovens que veem nessa alternativa uma forma de obtenção de renda. Nesse sentido, este artigo buscou verificar os fatores que influenciaram os jovens a autoempreender informalmente. A abordagem foi de natureza qualitativa, cuja estratégia de pesquisa utilizada foi o método biográfico, mediante análise da história de vida de cinco jovens da cidade de Aracaju-SE. Os resultados mostram que o autoempreendedorismo informal jovem ocorreu, em sua maioria, por necessidade, devido às condições socioeconômicas, como baixa escolaridade e desemprego, e também pelo desejo de autonomia e independência no trabalho.

Palavras-chave: autoempreendedorismo; mercado de trabalho; informalidade; jovens.



ABSTRACT

The high levels of unemployment and the disruption of the labor market were conducive to strengthening entrepreneurship and informality in the country, as a solution for the unemployed contingent. This way of entering the market mainly attracts young people who see this alternative as a way of obtaining income. In this sense, this article sought to verify the factors that influenced young people to be informally self-employed. The approach was qualitative, and whose research strategy used was the biographical method, through analysis of the life history of five young people from the city of Aracaju-SE. The results show that young informal self-entrepreneurship occurred mostly out of necessity, due to socioeconomic conditions, such as low education and unemployment, and also the desire for autonomy and independence at work.

Keywords: self-entrepreneurship; job market; informality; young people.



ARTIGO SUBMETIDO EM: 07.09.2023 ACEITO EM: 03.04.2024 PUBLICADO EM: 02.09.2024


Introdução

As transformações no mundo do trabalho, ocorridas principalmente a partir da década de 90 com a implantação da política neoliberal no Brasil, ocasionaram diversas consequências para os trabalhadores. O discurso da liberdade de mercado, da flexibilização produtiva do trabalho e da redução do Estado, desencadearam um ambiente laboral instável e incerto, marcado pelo desassalariamento, altos níveis de desemprego e desestruturação do mercado de trabalho. Esse cenário foi propício para o fortalecimento do empreendedorismo e da informalidade no país, como solução para o contingente de desempregados.

A atividade empreendedora, muitas vezes, pode representar o sucesso, o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida de um indivíduo. No entanto, em outros casos, representa fragilização dos vínculos constituídos na sociedade salarial, levando, com isso, a um fortalecimento do processo de precarização do trabalho. Dessa forma, algumas modalidades de empreendedorismo, na realidade, configuram-se em novas formas de precarização do trabalho e na atualização de antigas formas de exploração emergentes no contexto da globalização (Oliveira, Moita, & Aquino, 2016).

A busca por estratégias de sobrevivência, frente a um mercado de trabalho pouco favorável, fez surgir uma forma individual de inserção pelo trabalho, a qual Rosenfield (2015) denominou como autoempreendedorismo. Para a autora, é uma das formas emergentes de inserção pelo trabalho, que substitui a relação tradicional de emprego. O trabalho assalariado é substituído pelo trabalho autônomo e a relação empregado-empregador é substituída pelo trabalhador autônomo e o(os) demandante(s) do trabalho. A relação de independência e salário passa a ser de articulação ao invés de oposição. Fato que já era defendido por Machado da Silva (2002) ao se referir sobre a conexão entre a informalidade e o par empreendedorismo – empregabilidade.

No ano de 2008, com o aumento dos modelos de negócios individualistas (Fleming, 2017), o governo brasileiro criou políticas públicas de incentivo à formalização do autoempreendedorismo, a exemplo da regulamentação do Microempreendedor Individual (MEI) por meio da LC de 19/12/2008, com o intuito de incentivar a criação de novas empresas formais, bem como formalizar os empreendimentos informais. Para tanto, o governo reduziu encargos burocráticos e tributários, para tornar atrativos a formalização individual e o pagamento de tributos. Entretanto, de acordo com Rosenfield (2015), mesmo com tais incentivos, há um contingente muito grande no país de indivíduos que trabalham por conta própria na informalidade, os autoempreeendedores informais.

No Brasil há uma predominância do autoempreendedorismo, considerando que mais de 80% dos empreendedores iniciais e estabelecidos declaram não possuir empregados, o que representa uma forte característica do autoemprego no empreendedorismo brasileiro (GEM, 2018). Além disso, esse autoempreendedorismo é caracterizado pela informalidade e acomete principalmente os jovens (Sebrae, 2019). Do percentual de autoempreendores iniciais, 21,2% são representados pelos jovens (GEM, 2018). Num contexto de crise econômica, eles são os mais afetados pelo desemprego, precarização e informalidade, ampliando-se ainda mais a desigualdade no acesso à geração de renda e emprego (Silva & Costa, 2019; Santos & Kern, 2019).


O artigo ora apresentado faz parte de um estudo maior no qual buscou-se compreender como ocorre a inserção dos jovens no mercado de trabalho por meio do autoempreendedorismo informal. Nesta abordagem, são tratados os fatores que influenciaram os jovens a trabalharem por conta própria na informalidade, na perspectiva dos jovens da cidade de Aracaju-SE, com base nos seus relatos de vida. Desse modo, esta pesquisa visa responder a seguinte questão: Quais fatores influenciaram os jovens a autoempreender informalmente?

Este estudo justifica-se pela importância de se analisar as situações de inserção social de jovens pelo trabalho por meio do autoempreendedorismo informal, como alternativa para a crise social e econômica do país. O neoliberalismo incentiva o individualismo, omitindo cada vez mais o papel do Estado no seu papel de proteger o trabalhador (FLEMING, 2017). Sendo assim, considera-se relevante, no âmbito acadêmico, para a sociedade e trabalhadores, a discussão desse tema, contribuindo para reflexões e perspectivas de melhorias do atual cenário.

Do ponto de vista teórico, contribuiu-se com o estudo do autoempreendedorismo como uma forma emergente de inserção no trabalho (ROSENFIELD, 2015; 2018), com enfoque na informalidade, considerando o contingente de trabalhadores nessa situação (IBGE, 2021). Desse modo, esta pesquisa aborda essa temática com outras perspectivas na área da Administração, diferentes das hegemônicas e descritivas da literatura sobre empreendedorismo, considerando os aspectos históricos, sociais e políticos do contexto brasileiro, em oposição à ideologia dominante (COSTA; BARROS; CARVALHO, 2011).

Além desta introdução, este artigo consta com um referencial teórico que apresenta uma breve abordagem sobre o autoempreendedorismo e os fatores de influência no trabalho por conta própria. Em seguida, é apresentado o percurso metodológico da pesquisa empírica realizada. Na sequência são apresentados os dados e as discussões dos resultados obtidos em campo, e, finalmente, são feitas as considerações finais, apresentando as principais reflexões e contribuições geradas a partir deste estudo.

O Autoempreendedorismo

O empreendedorismo de modo individual é umas das diversas formas de trabalho dentro da crise do mundo do trabalho. Nessa realidade, o trabalhador contemporâneo, para sobreviver, necessita ser empreendedor. O discurso ideológico é pautado na perspectiva da individualização, que se apresenta, sobretudo, na ideia do empoderamento individual, ou seja, a atividade laborativa deve ser realizada por sujeitos criativos e corajosos que não se contentam com funções pouco desafiadoras, cujo sucesso depende do seu esforço e de sua “força de vontade”. Ele tudo pode, basta vontade e persistência, mesmo que essa denominação vá de um coletor de materiais recicláveis a um profissional autônomo de alta tecnologia (Oliveira, Moita, & Aquino, 2016).

Rosenfield (2015) denomina essas formas individuais de inserção pelo trabalho como autoempreendedorismo. Para a autora, é uma das formas emergentes de inserção pelo trabalho, que substitui uma relação de emprego. O trabalho assalariado


é substituído pelo trabalho autônomo e a relação empregado-empregador é substituída pela relação entre o trabalhador autônomo e o(os) demandantes do trabalho, muitas vezes de maneira informal e associado à cultura do desemprego, à individualização e à subjetivação (Machado da Silva, 2002; Lima, 2010). A relação de independência e salário passa a ser de articulação ao invés de oposição. O autoempreendedorismo também é referenciado na literatura como “empreendedor de si” (Kramer, 2017), “patrão de si” (Oliveira, Castro, & Santos, 2017), “autoempresário” (Levratto & Serverin, 2015), ou ainda, “autoempregado” (Simões, Crespo, & Moreira, 2016; GEM, 2018), o autoempreendedor é aquele que possui um trabalho mais flexível e tem maior liberdade de ação no que se refere ao seu cotidiano (Abílio, 2019).

Para Levratto e Severin (2015), o autoempreendedor nada mais é do que um empreendedor individual com atividade de baixo nível, cujo lucro obtido é modesto, colocando-o na categoria dos trabalhadores pobres. Já na concepção de Kramer (2017), o autoempreendedor é o trabalhador que se torna seu próprio capitalista, o “empreendedor de si”, que é totalmente responsável por suas escolhas conceituadas, como investimentos em educação, migração, saúde etc., com a consequência lógica de que a responsabilidade é puramente individual, ou seja, os que não obtêm sucesso, não tem a quem culpar, ademais, muitas vezes pode ser tido como o empreendedor por necesidade, que depende dos seus investimentos para sobreviver, da sua capacidade de inovação e da necessidade de trabalhar duro para obter sucesso (Lima, 2010).

O autoempreendedorismo é marcante na atual fase do capitalismo, representa a institucionalização do autoemprego e a autorresponsabilidade pela inserção no trabalho pelos próprios autores. O autoempreendedor é simultaneamente um trabalhador e um capitalista muito pequeno, que precisa administrar seus negócios e buscar seu lugar no mercado (Rosenfield, 2018).

A partir da década de 80, o Brasil ingressou em uma fase de estagnação da renda per capita e da desestruturação do mercado de trabalho, o que ocasionou a alta demanda de trabalhadores para escassos postos de trabalho (Pochmann, 2003), as consequências são sentidas também na atualidade com os altos índices de desemprego, e a cada dia ouve-se ainda mais “empreendedorismo por necessidade”.

Outro fator relacionado ao empreendedorismo brasileiro diz respeito à informalidade. Muitos dos trabalhadores buscam o empreendedorismo por necessidade e são informais (Oliveira et al., 2017), ou seja, não possuem vínculo de salário, nem direitos sociais e trabalhistas básicos – aposentadoria, FGTS, auxílio-doença, licença-maternidade –, além de não terem horário fixo para o trabalho e obterem uma renda baixa (Mattoso, 1999; Antunes, 2011). Como já abordado, viu-se que a informalidade no Brasil atingiu um percentual de 39,5%, atingindo mais de 34 milhões de brasileiros (IBGE, 2021). O conceito de informalidade é polêmico desde sua origem, ele remete à baixa produtividade, atividades comerciais ambulantes e capitalismo periférico, o trabalhador informal seria sinônimo de empreendedor por necessidade (Lima, 2010). O governo Brasileiro, em 2008 criou polítivcas públicas de incentivo ao autoempreendedorismo, a exemplo da Lei Complementar n. 128/2008, que é a lei do microempreendedor individual, buscando formalizar os empreendimentos informais existentes, incrementando a atividade econômica vivente (Rosenfield, 2015).


Diante dos problemas econômicos que o país vem enfrentando, as oportunidades de emprego estão cada vez mais escassas e para os jovens esse cenário é ainda mais complexo. Essas características socioeconômicas impedem que eles se dediquem especialmente à sua atividade de formação, tendo de buscar no mercado de trabalho alternativas para sua sobrevivência e de sua família. Num contexto de crise econômica, eles são os mais afetados pelo desemprego, precarização e informalidade, ampliando ainda mais a desigualdade no acesso à geração de renda e emprego (Bulgacov, Cunha, Camargo, & Meza, 2011; Silva & Costa, 2019; Santos & Kern, 2019). Frente a essa realidade, vê-se uma geração de jovens ingressando no mercado de trabalho empreendendo (Bulgacov et al., 2011).


Fatores de influência no trabalho por conta própria

Viver numa sociedade de trabalho significa que, quem não o tem, deixa de sentir que faz parte dela. Com isso, é atribuída ao indivíduo a responsabilidade de se manter em estado de empregabilidade, ou seja, com as competências desejáveis atualizadas, estando disponível para qualquer trabalho, a qualquer custo (Ribeiro; Correia & Caramelo, 2017). Tradicionalmente, a inclusão social pelo trabalho tem por referência o mercado de trabalho e o emprego regular assalariado como elemento primordial. No entanto, a partir dos anos 90, a criação de empregos regulares começou a se dissipar, com o aporte da política neoliberal, que propõe o incentivo ao individualismo e ao empreendedorismo (Sobrinho, 2018).

Nesse sentindo, o trabalho por conta própria é frequentemente defendido como uma saída potencial para o desemprego em geral, e o desemprego juvenil em particular. Sobre a iniciativa de trabalhar de forma independente, as pesquisas de Simões et al. (2016) e Dvouletý, Mühlböck e Kittel (2018), por meio de uma revisão de literatura, apresentam os fatores que influenciam a decisão de trabalhar por conta própria, cujos principais estão apresentados no Quadro 1.


Quadro 1 - Fatores que influenciam na decisão de trabalhar por conta própria.

FATORES PSICOLÓGICOS

Medo do fracasso

A segurança no emprego, embora também seja possível através do trabalho independente, é geralmente mais provável de ser alcançado através de emprego dependente;

Atribuir alto valor a um emprego seguro pode reduzir a probabilidade de procurar trabalho por conta própria;

As ambições de obter uma renda alta podem atuar como um fator de atração para se tornar autônomo;

Embora o empreendedorismo tenha benefícios não pecuniários significativos, a maioria dos trabalhadores por conta própria apresenta ganhos iniciais mais baixos e menor crescimento de ganhos do que os empregados (Hamilton, 2000).

Motivação

Relacionada às características empreendedoras e aos traços de personalidade (excesso de confiança, otimismo, necessidade de realização, necessidade de autonomia e gosto pela variedade).


CAPITAL HUMANO

Educação

Indivíduos com maior nível educacional: (1) têm melhores oportunidades de emprego no setor de salários; (2) são, em média, mais capazes de identificar oportunidades de trabalho; e (3) têm maior capacidade gerencial para ter sucesso em ocupações por conta própria (Lucas, 1978).

Experiência

Os indivíduos aprendem com experiências anteriores que impactam positivamente na entrada no trabalho por conta própria (Jovanovic, 1982).

CIRCUNSTÂNCIAS ECONÔMICAS

Percepções decondições econômicas

Os custos e benefícios de se tornar autônomo também são, em grande parte, determinados pelas condições econômicas;

Em tempos de prosperidade econômica (percebida), mais indivíduos podem tentar aproveitar a oportunidade de iniciar seu próprio negócio. Por outro lado, especialmente em tempos de crise econômica, o trabalho por conta própria, às vezes, percebido como a maneira mais fácil (ou mesmo única) de ganhar a vida para alguns indivíduos (Halicioglu & Yolac, 2015).

Fonte: Adaptado de Simões et al. (2016) e Dvouletý et al. (2018).


No contexto neoliberal, os indivíduos administram a si mesmo, incorporando a lógica do capital em suas próprias vidas. Os trabalhadores transformam-se em empresários autônomos, encarregados de seu próprio destino (Rosenfield, 2018). Assim, surgem formas emergentes de inserção pelo trabalho, denominada por Rosenfield (2015, 2018) de autoempreendedorismo e está relacionado à institucionalização do autoemprego e à responsabilidade pessoal pela inserção no trabalho.

O discurso neoliberal consiste em transformar desempregados e trabalhadores informais em prósperos empreendedores, cada um passando a ser o patrão de si mesmo (Sobrinho, 2018). Como resultado, o autoempreendedorismo e o empreendedorismo de pequeno porte podem significar formas dignas e criativas de inserção por meio do trabalho, bem como formas de flexibilização e precarização laboral (Rosenfield, 2015).

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa, quanto aos pressupostos ontológicos, se caracteriza como subjetiva (socialmente construída), cuja natureza é mutante, focada no significado, na tentativa de entender o que está acontecendo, visualizando a totalidade da situação (Remenyi, Williams, Moneu, & Swartz, 1998). Quanto à epistemologia, este estudo é interpretativista, por tentar compreender os fenômenos por meio dos significados que os atores sociais atribuem a eles. Esse posicionamento concentra- se na complexidade do ser humano e dos fenômenos sociais na busca do entendimento dentro de um determinado contexto (Pozzebon & Petrini, 2013).

Quanto aos fins, a pesquisa é do tipo exploratória, que visa proporcionar maior conhecimento do problema com vistas a torná-lo explícito (Vergara, 2005). Em relação à abordagem, o presente trabalho é classificado como de caráter qualitativo. Segundo Stake (2011), a pesquisa qualitativa oferece descrições ricas e bem fundamentadas, além de explicações sobre processos em contextos locais identificáveis.


Nesse sentido, este estudo se propôs a investigar a realidade dos jovens trabalhadores, denominados neste trabalho como autoempreendedores, que vivem da própria força do seu trabalho e atuam na informalidade na cidade de Aracaju, estado de Sergipe. A escolha por investigar a realidade desses indivíduos justifica-se justamente pela preocupação com o elo mais vulnerável de uma cadeia complexa de processos que, de acordo com o IBGE (2020), vem aumentado cada vez mais. São trabalhadores de pequeno porte que, sob o discurso neoliberal da individualidade e do esforço isolado, retratam uma realidade de vulnerabilidade e, portanto, se aproximam das características de trabalho precarizado.

Para o alcance dos objetivos desta pesquisa, foi adotado o método biográfico de História de Vida com o intuito de averiguar a percepção do jovem inserido no mercado de trabalho, por meio do autoempreendedorismo informal, a partir das narrativas pessoais dos trabalhadores investigados. A partir das histórias de vida, busca-se compreender a realidade socio-histórica na qual os sujeitos estão inseridos, com o objetivo de demonstrar como esses, ao mesmo tempo em que a modificam, são modificados por ela (Colomby, Peres, Lopes, & Costa, 2016).

Para maior entendimento dos fenômenos, no que diz respeito à seleção dos sujeitos que participarão da pesquisa, Craide (2011) alerta que devem ser definidos traços preponderantes que ligam as trajetórias de pessoas e que interessam ao objetivo da pesquisa e, então, decidir quem deve ser entrevistado. Desse modo, no que diz respeito aos critérios para escolha dos participantes, aqui foram definidos quatro, a saber:

Quanto à estratégia de seleção dos participantes, foi utilizada a técnica Bola de Neve (Snowball), na qual o sujeito pode ser alcançado por meio de conhecidos, ou por meio de contatos estabelecidos em trabalho de campo (Mallimaci & Béliveau, 2006). Assim, além da rede de contatos da pesquisadora, os próprios entrevistados também indicaram outros possíveis participantes da pesquisa. Trata-se de um processo de coleta de informações, que procura tirar proveito das redes sociais dos entrevistados identificados para fornecer ao pesquisador um conjunto cada vez mais de contatos potenciais (Vinuto, 2014).

Desse modo, no período de outubro a dezembro de 2020, por meio da técnica Bola de Neve, foram contatadas 35 pessoas, das quais cinco se enquadraram no perfil da pesquisa e se propuseram a participar.

Tão logo as pessoas manifestavam o interesse em participar da pesquisa, era agendada a entrevista presencial. Ficava a critério delas a escolha do dia, horário e local. Os pesquisadores demonstravam total flexibilidade para se adequar à


disponibilidade do entrevistado. Os contatos inicialmente foram feitos pelo aplicativo WhatsApp. Em seguida, foram realizadas as entrevistas presenciais que ocorreram no período de outubro a dezembro de 2020. Por conta da pandemia do Covid-19, no momento das entrevistas, foram seguidos todos os protocolos de segurança orientados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tais como o uso de máscara e álcool gel (pelos pesquisadores e entrevistados), bem como mantido o distanciamento social.

O recolhimento das histórias de vida foi realizado por meio de diferentes momentos, nos locais indicados pelos entrevistados. É importante se atentar à escolha do local onde são realizadas as entrevistas. Mallimaci e Béliveau (2006) ressaltam que deve ser negociado, tendo em vista que uma conversa pode, às vezes, assumir um caráter íntimo, na qual o entrevistado se sinta à vontade para falar sobre si mesmo. Foram realizados dois encontros com cada participante. De acordo com Paulilo (1999), a história de vida é, geralmente, extraída de uma ou mais entrevistas, denominadas entrevistas em profundidade, cuja interação entre pesquisador e pesquisado se dá de forma contínua. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas e analisadas pela entrevistadora.

Para fins de preservação da identidade de cada entrevistado, mesmo eles não se importando com a divulgação, seus nomes foram alterados, conforme ciência e concordância dos mesmos. Desse modo, eles serão apresentados neste estudo, respectivamente, pelos nomes de Lívia, Karine, Larissa, Pedro e Bianca, de acordo com a ordem da realização das entrevistas, conforme descrição dos entrevistados exposta no Quadro 2, a seguir:


Quadro 2 – Descrição dos entrevistados

Entrevistado

LÍVIA

KARINE

LARISSA

PEDRO

BIANCA

Idade

19

19

18

19

22

Sexo

Feminino

Feminino

Feminino

Masculino

Feminino

Cor (autodeclarada)

Parda

Parda

Negra

Negro

Branca


Escolaridade

Ensino médio incompleto

Superior incompleto

Ensino fundamental

incompleto

Ensino médio incompleto

Ensino médio

completo

Estado civil

Solteira

Solteira

Solteira

Solteiro

Solteira


Ramo de atividade


Doceria

Reforço escolar /

loja virtual de roupas

Trança / venda de produtos

eróticos


Barbeiro


Confeitaria

Tempo de atuação

2 anos e 6

meses

2 anos e 8 meses

2 anos e 7 meses

1 ano

11 meses


Local de trabalho


Doceria - Bairro Luzia

Em casa

- Bairro Aeroporto /

internet


Em domicílio / internet

Em casa - Bairro Santa Maria

Em casa

- Bairro Atalaia /

internet

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).


Fatores de influência do trabalho informal por conta própria

Nas últimas décadas, o trabalho independente tem sido considerado uma questão central em relação às opções do mercado de trabalho. O trabalho por conta própria não é apenas uma solução para indivíduos que têm poucas oportunidades no setor formal ou que ganham menos que outros com características observáveis semelhantes, mas também é uma oportunidade para indivíduos dinâmicos que buscam uma carreira diferente. As evidências revelam que essa opção é seguida por muitos trabalhadores (Simões et al., 2016).

Diante dessa realidade, vê-se uma geração de jovens ingressando no mercado de trabalho de forma independente (Bulgacov et al., 2011). As oportunidades de um emprego formal estão cada vez mais limitadas e o autoempreendedorismo representa uma alternativa para os jovens, como uma atividade geradora de renda. Vale salientar que, muitos desses jovens, tendem a se concentrar na informalidade e em postos sem proteção social (Bulgacov et al., 2011). Essa assertiva corrobora com as afirmações de Cantillon (1950), que já diferenciava o empreendedor do capitalista, onde um assume riscos e o outro fornece o capital. Na economia neoliberal não é possivel dissociar o empreendedorismo do capitalismo, pois ele é considerado uma estratégia do capitalismo. O que acontece na atualidade é que o Estado é limitado, é mínimo, hipertrofiado, e o mercado, a cada dia, torna-se maior, e o individualismo, próprio dos autoempreendedores é uma alternativa de rompimento de políticas sociais que não passam pela relação mercantil (Tavares, 2018).

Desse modo, nesta seção, serão analisados os fatores que influenciaram os jovens entrevistados na decisão de trabalhar por conta própria na informalidade, de acordo com as categorias mencionadas por Simões et al. (2016) e Dvouletý et al (2018). A primeira categoria refere-se aos fatores psicológicos associados à atividade autoempreendedora (características de personalidade). A segunda categoria está relacionada ao capital humano (educação, experiência). A terceira analisa às circunstâncias econômicas e de mercado de trabalho. E finalmente, a quarta categoria refere-se ao alcance das políticas públicas de formalização do trabalho independente.

Fatores psicológicos

Segundo Simões et al. (2016), o medo do fracasso afeta negativamente a escolha de trabalhar por conta própria. Entretanto, os autores fazem a ressalva que esse fato é válido apenas no caso de assalariados, enquanto para indivíduos que estavam anteriormente desempregados ou inativos essa variável não tem impacto. Neste estudo, os jovens aqui entrevistados, todos desempregados, quando decidiram empreender, revelaram temor ao risco, indo de encontro com os achados de Simões et al. (2016). Alguns relataram situações de medo, receio, desânimo:

Eu, assim, no começo eu fiquei com bastante medo, mas eu falei, olha: Deus só dá o fardo conforme a gente consegue carregar. (Lívia)

Tem um propósito, eu não me assusto mais, às vezes, fico um pouquinho assustada, mas enfim. (Karine)


Eu fico desanimada, fico pensando que não vai dar certo, fico pensando que não vou conseguir vender, que eu não vou conseguir ir adiante, essas coisas assim, tirando que, às vezes, dá aquela insegurança, né, de pensar caramba, o por que eu tô fazendo isso se eu posso tentar um trabalho normal? (Laísa)

Eu tenho, até hoje, medo de dar errado, entendeu? Mas hoje eu tenho uma motivação a mais, eu acordo quase todos os dias, não é sempre, mas eu acordo quase sempre com o objetivo de crescer, entendeu? (Pedro)

[...] eu não me interessava. Eu começava, parava, começava, parava. Aí foi quando eu comecei de novo, comecei a fazer bolo de novo em 2019. (Bianca)

Apesar do medo do insucesso relatado pelos entrevistados, eles não abriram mão da ideia de empreender. Nesse sentindo, Costa, Barros e Carvalho (2011) apontam que a exaltação do espírito empreendedor na atualidade surge num contexto de altos índices de desemprego, no qual a cultura do trabalho é promovida num ambiente de risco, insegurança e incerteza. Oliveira et al. (2016) acrescentam que a prática empreendedora é demasiadamente recomendada para os que buscam trabalho, sob o discurso da garantia do crescimento e desenvolvimento econômico. Diante dessa realidade, vê-se uma geração de jovens ingressando no mercado de trabalho via empreendedorismo (Bulgacov et al., 2011).

Além da atitude de risco, vários outros fatores psicológicos também podem influenciar criticamente na entrada no trabalho por conta própria. De acordo com Simões et al. (2016), a motivação está relacionada às características empreendedoras e aos traços de personalidade (excesso de confiança, otimismo, necessidade de realização, necessidade de autonomia e gosto pela variedade). Todos os entrevistados demonstraram motivação e entusiasmo com os seus negócios, alguns, por meio dos relatos, demonstraram características de personalidade específicas:

[...] mas comprava e não se arrependia não. Eu sempre tive aquela certeza, sabe? Que se você comprar, não vai se arrepender e ainda vai voltar e realmente era isso. [EXCESSO DE CONFIANÇA] (Lívia)

[...] pensar negativo é pior né? Então eu sempre penso muito positivo. Às vezes dá um desânimo, mas eu lembro que minha loja tem um propósito. [OTIMISMO] (Karine)

Na vida, como te falei, eu quero evoluir, assim, e crescer. Esse é meu fator que me dá forças para continuar. [NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO) (Pedro)

Quanto mais eu pensava, eu disse: “Meu Deus, se eu parar de trabalhar, vou ter que trabalhar para alguém, se eu parar de trabalhar vou ter que trabalhar para alguém” e quanto mais eu pensava nisso, mais eu ia pra frente. [NECESSIDADE DE AUTONOMIA) (Bianca)

Outro fator psicológico, de acordo com Dvouletý et al. (2018), que pode influenciar na decisão do trabalho por conta própria, diz respeito às cicatrizes que os jovens sofrem com o desemprego, que não apenas afetam negativamente as carreiras ocupacionais, mas também prejudicam a saúde mental e o bem-estar geral dos indivíduos. O trabalho dos autores mostrou que as experiências passadas de desemprego deixam “cicatrizes” porque assustam. Foi possível observar “cicatrizes”, derivadas de experiências negativas por parte de alguns dos entrevistados, diante das


suas experiências com o mercado de trabalho, não necessariamente relacionadas ao desemprego. A seguir, os relatos de Larissa e Pedro, autodeclarados negros, explicitaram suas frustações e indignações pelas situações de racismo pelas quais passaram no mercado de trabalho:

[...] faço um currículo, entrego num lugar, aí já é meio desvalorizado por eu ser negra, entendeu? Por eu ser negra, em alguns casos, não vou dizer todos. (Larissa)

Sobre essa situação, Larissa relatou um caso específico que ocorreu na tentativa de deixar um currículo numa loja do shopping, na qual ela havia obtido informação de que estavam contratando no momento:

Eu cheguei para entregar em uma, eu nem lembro qual foi, mas eu entreguei aí falei, conversei lá aí ela falou que não poderia pegar, aí eu perguntei o porquê, sendo que minha prima tinha dito que tava pegando, né? Jovens para trabalhar e daí ela continuou dizendo que não podia pegar, que não tava pegando para trabalhar, sendo que tava. E aí eu fiquei, tipo assim, na hora, eu percebi, entendeu? As pessoas ficam pensando assim que não, mas eu percebi na hora. (Larissa)

Paulo também, com a voz embargada, relatou um episódio do qual foi acusado de roubo injustamente e agredido por dois policiais visivelmente embriagados, enquanto trabalhava como flanelinha na feira livre:

Era muito cedo, a feira já tinha começado, tinha eu acho, no mínimo tinha umas 50 pessoas ao redor e ele tava me chamando de ladrão, aí quando eu fui perguntar por quê? Ele sacou uma arma e botou na minha cara. Ele tava bêbado porque tinha acabado de terminar um show lá perto. (Pedro)

Esse episódio marcou a sua vida profundamente, ele não gosta nem de recordar e foi o motivo pelo qual desistiu de trabalhar na feira.

Nessas duas situações, em que os jovens denominam como racismo, as suas falas demonstram a indignação:

Eu fiquei até tipo meio assim porque, em relação a isso, nunca tinha [...]. Tipo eu já sofri muito racismo, mas em escola, internet, agora chegar em um lugar formal e acontecer isso, entendeu? Aí eu fiquei sem reação, eu não consegui deixar, peguei e fui embora, depois daí não conseguir mais entregar currículo, não consegui, tipo, não que eu não conseguia, eu não queria mais entregar. (Larissa)

Fazia várias coisas, aí até que aconteceu uma coisa ruim que eu parei de ir para feira, pois eu não gosto nem de falar, mas tipo é o preço de ser preto no Brasil, sempre tem alguma coisa, entendeu? Sempre tem [...]. Demais, meio que me abala até hoje, não vou mentir. Às vezes eu paro assim e fico pensando qual motivo? Qual motivo? E nunca vem à minha cabeça. [...] Isso que me marca, eu vivo na favela desde sempre, me criei na favela, eu nunca fui assaltado, a única vez que eu fui assaltado foi a polícia, isso não faz o menor sentido. (Pedro)

Outra experiência anterior que foi negativa, injusta e frustrante ocorreu com Bianca. No período que trabalhou como doméstica numa casa de família, ela alegou excesso de trabalho e foi acusada injustamente de roubo:


Ela disse que eu tinha roubado duas colheres da filha dela, foi uma coisa totalmente absurda porque meu Deus, eu não tenho criança em casa, eu não tenho nada e ela me acusou de roubar duas colheres, foi quando eu fiquei desesperada, comecei a chorar, não sabia o que fazer, eu até aguentei, continuei trabalhando porque nossa meta era sair da casa da mãe dele, que a gente não queria mais ficar lá, aí eu continuei trabalhando, só que aí, quando foi em dezembro, ela me colocou pra fora sem me avisar nada. (Bianca)

Bianca não associou o fato ao racismo, até porque ela se autodeclarou branca na entrevista. Para ela, a injustiça foi cometida por preconceito social:

Não faço a menor ideia, não sei o que passa na cabeça dela, tipo, eu acredito muito nesse preconceito de classe, né? Então, sobra pra quem? Pra quem tem menos, né, e pra quem tá trabalhando lá, então ia sobrar pra mim de algum jeito. (Bianca)

Diante dos fatos relatados pelos jovens, percebe-se que as situações que passaram os marcaram de forma negativa e, certamente, tiveram influência no fato deles quererem trabalhar por conta própria, a partir do momento que Larissa desistiu de entregar currículos, Pedro desistiu de ir para a feira e Bianca logo em seguida iniciou as vendas de doces. Desse modo, infere-se que situações de racismo e preconceito social interferem na busca de emprego formal pelos jovens, devido às experiências negativas que passaram, que, assim como Dvouletý et al. (2018) fez referência à experiência do desemprego, podem ter deixado cicatrizes nos jovens.

Capital humano

No tocante ao capital humano, Fleming (2017) considera que existe um lado sombrio desse conceito. De acordo com o autor, os teóricos que defendem essa teoria sugerem que os indivíduos – seu estoque de habilidades, conhecimentos, educação e até atributos pessoais – também possam ser considerados como capital, assim como os equipamentos, patrimônios etc; e como as organizações e sociedades podem desenvolver habilidades, inovação e segurança econômica por meio dele. A teoria do capital humano teve grande influência nos formuladores de políticas, governos e outros poderosos tomadores de decisão, o que ajudou a crescente individualização do trabalho, tornando o capitalista humano individual inteiramente responsável por seu destino econômico.

Já na percepção de Costa (2009), o capital humano diz respeito às competências e aptidões do indivíduo, independentemente da classe social a que ele pertence. Segundo o autor, significa mais do que isso, esse mesmo indivíduo é induzido a entreter consigo e com os outros, numa relação na qual ele se reconhece e aos outros como microempresa. Nessa condição, vê-se como uma entidade que funciona sob a necessidade de fazer investimentos permanentes em si ou que retornem em seu benefício, para a produção de fluxo de renda.

Para Simões et al. (2016), a influência da educação no trabalho por conta própria está longe de ser conclusiva. Na esfera teórica, vários argumentos opostos podem ser chamados à discussão. Simões et al. (2016) defendem que indivíduos com maior nível educacional: (1) têm melhores oportunidades de emprego no setor de salários;


  1. são, em média, mais capazes de identificar oportunidades de trabalho autônomo; e

  2. pode ter maior capacidade gerencial, uma condição prévia crítica para ter sucesso em ocupações por conta própria.

No quesito educação, apenas Karine seguiu os estudos e faz faculdade, os demais desistiram dos estudos por diversos motivos. Karine sempre foi estudiosa e seus pais sempre lhe cobraram bons resultados nos estudos, com efeito, ela passou no vestibular de fisioterapia numa faculdade particular.

Assim, como eu disse, eu sempre estudei, sempre gostei de estudar, sempre fui focada, porque na minha família ninguém tem o ensino superior, mal tem o ensino médio. Então assim, eu sou a única da minha família que tem o ensino superior. Aí eu sempre quis isso e como meus pais se sacrificaram tanto por mim eles mereciam eu dar isso pra eles né? (Karine)

Lívia afirmou que desistiu de ir à escola depois de uma greve, para se dedicar integralmente ao trabalho. Como estava complicado conciliar estudos e trabalho, ela priorizou o trabalho porque, segundo ela, era mais vantajoso.

Quando deu greve, eu falei, colégio público, só da greve, nem venho mais. Aí pronto, comecei a focar só no meu trabalho. Parei de ir para o colégio no primeiro ano, já tava no final de ano. Foi, desistir mesmo, eu desisti! Foi loucura. Tem dois anos, foi no ano que eu comecei. [...] é isso que eu quero, eu quero empreender e sinceramente eu prefiro empreender, trabalhar pra mim do que estar estudando um tempão, nada contra quem estuda. (Lívia)

Já Larissa teve seus estudos comprometidos por conta de conflitos familiares. Seus pais disputavam a guarda dos filhos, ela passou a não ter residência fixa e isso interferiu na frequência dela na escola.

A gente começou a ir pra casa dele e ele dizia que a gente não ia mais voltar, que queria ele com a gente, a gente era a vida dele e que não queria se afastar, sem a gente ele não era nada, e daí a gente ficou anos sem estudar, a gente perdia, tipo, escola, porque ele não queria que a minha mãe fosse na escola buscar a gente, e ficou nessa, a gente ficou se mudando de casa toda hora. (Larissa)

Pedro, apesar de ter sido um aluno dedicado, desistiu de estudar no terceiro ano do ensino médio e se dedicou integralmente ao trabalho.

Cheguei no ensino médio, eu já ia terminar, terminar o ensino médio, no terceiro ano, até que tive uma infecção no rosto, assim no segundo mês de aula, nasceu um caroço no meu rosto, aí ficou muito inchado o rosto, aí começou a nascer outros, outros, meu rosto ficou cheio de caroço assim [...] eu não tinha nem autoestima para sair, de casa, imagine para ir para escola, aí fiquei sem ir para a escola. (Pedro)

No caso de Bianca, mesmo com todo o suporte dado pela tia, ela não gostava de estudar, motivo pelo qual reprovou por alguns anos e fez uma prova para concluir o ensino médio de forma acelerada.

[...] sempre odiei estudar, não vou mentir. Eu dei muito trabalho a minha tia, de verdade, muito trabalho, eu amava ficar na rua, não suportava estudar, minha tia pegava muito no meu pé para eu estudar, sempre pagou escola


particular só que como eu comecei a reprovar demais, ela parou de pagar escola particular pra mim. (Bianca)

Pelos relatos dos jovens, fica evidente que todos eles começaram a trabalhar por conta própria sem antes ter concluído um nível superior. Karine, única jovem que estuda, ainda concilia trabalho com a faculdade, outros sequer concluíram o ensino médio. Nesse sentido, Bulgacov et al. (2011) alertam que não se pode analisar o jovem empreendedor como um grupo homogêneo. Há pelo menos dois grupos de jovens que desenvolvem atividade empreendedora. De um lado, os que saem da escola antes de concluir o ensino médio e começam a trabalhar precocemente; e de outro, os jovens que terminam os cursos superiores e que buscam obter maior independência ou aumento da renda, por meio da atividade que mais se caracteriza como empreendedora.

Quando analisada a relação da educação com a informalidade, Temkin (2009) aponta que um número crescente de indivíduos é forçado, devido à baixa posição na estrutura socioeconômica e aos baixos níveis de capital humano, a assumir empregos informais de baixos salários. Bulgacov et al. (2011) acrescentam que muitos jovens abandonam os estudos para trabalhar e angariar renda para seu próprio sustento, às vezes, até o da família; para tanto, recorrem ao autoempreendedorismo por não conseguirem inserção no mercado de trabalho, devido à baixa escolaridade. Fato esse verificado nas histórias de Lívia, Larissa, Pedro e Bianca que tentaram a inserção no mercado de trabalho, mas não obtiveram sucesso.

Nesse aspecto, Bulgacov et al. (2011) ressaltam que o baixo nível de escolaridade dos jovens empreendedores reflete muito sobre a possibilidade de sucesso do empreendimento. Essa condição socioeconômica limita a possibilidade do jovem de crescimento pessoal e do seu negócio. Entretanto, apesar das oscilações, observa- se uma pequena tendência de melhoria na formação dos jovens empreendedores, especialmente em relação à educação superior. O jovem universitário, diante da escassez de trabalho formal, abre seu negócio em serviços especializados, tais como apoio jurídico, contabilidade, informática etc. (Bulgacov et al., 2011).

Quando questionados sobre suas habilidades de gestão dos seus negócios, a maioria relatou que tem dificuldades, principalmente relacionadas à questão financeira.

Eu não sou a melhor pessoa para administração. Sabe? Não sou melhor a pessoa para administração, mas assim, eu tô sempre anotando, entrada e saída. [...] eu sinto que eu tenho mais dificuldade nisso, de questão de planilhas, essas coisas, mas eu estudo para ver se eu melhoro, melhoro cada dia mais. (Lívia)

Eu sou péssima, é porque minha irmã me ajuda muito, eu sou muito ruim em matemática, então fico tipo, caramba velho, eu fico com a cabeça, aí minha mãe e minha irmã fica é assim, é assim. (Larissa)

Eu tenho dificuldade de administração assim, por isso que eu queria, por exemplo, fazer uma faculdade, acho que hoje eu faria de administração, entendeu? Para administrar a barbearia, para administrar meu tempo, entendeu? (Pedro)


Sobre esse relatado de despreparo pelos jovens, Furtado (2003) adverte que nem todo jovem desempregado é potencialmente um empreendedor. Para tanto, existem os programas de capacitação para jovens empreendedores que precisam considerar as condições da capacidade dos jovens que neles se inscrevem, tais como recursos financeiros para investimentos em capital fixo e de giro, bem como o mínimo de conhecimento de como funciona o mercado e as técnicas básicas de gestão de um empreendimento, caso contrário, está fadado ao fracasso.

Quanto ao capital humano relacionado à experiência, Simões et al. (2016) enfatizam que os indivíduos aprendem com experiências anteriores, tornando a experiência um componente crítico do capital humano. Os autores relatam que há consenso na literatura relativo ao impacto da experiência como fator na entrada no trabalho por conta própria. Esse fato pode ser observado nas histórias de Karine, que já tinha experiência do reforço e das vendas, quando auxiliava sua mãe; e na de Pedro, que cortava o cabelo dos irmãos antes de abrir sua barbearia.

Circunstâncias econômicas e de mercado de trabalho

O Brasil é um dos países que mais possui desigualdade de renda, onde grande parte das famílias possui baixa renda familiar, baixo nível de escolaridade e baixa capacidade de investimento. Diante dos problemas políticos e econômicos que o país vem enfrentando, as oportunidades de emprego estão cada vez mais escassas e, para os jovens, esse cenário é ainda mais complexo. Essas características socioeconômicas impedem que eles se dediquem especialmente à sua atividade de formação, tendo de buscar no mercado de trabalho alternativas para sua sobrevivência e de sua família. Num contexto de crise econômica, os jovens são os mais afetados pelo desemprego, precarização e informalidade, ampliando-se ainda mais a desigualdade no acesso à geração de renda e emprego (Bulgacov et al., 2011; Silva & Costa, 2019; Santos & Kern, 2019).

No que diz respeito à situação socioeconômica dos jovens entrevistados, todos demonstraram ser de classe social baixa, tanto pelos relatos de dificuldades financeiras, quanto pela observação dos pesquisadores em relação à moradia deles. Larissa e Pedro moram em casas simples no bairro Santa Maria, localizado na periferia de Aracaju. Bianca, apesar de morar no bairro Atalaia, considerado nobre na cidade, reside numa casa simples também. Quanto à Lívia, a pesquisadora não teve acesso à sua casa, porém, o seu ponto comercial, localizado no bairro Luzia, é pequeno e simples. Já Karine, que mora no bairro Aeroporto, reside numa casa um pouco maior e com mais estrutura. De qualquer modo, todos eles recorreram ao trabalho informal por conta própria como uma fonte de renda.

Como exceção de Karine, que não procurou emprego formal, os demais relataram suas experiências com o mercado de trabalho ou as tentativas de se ingressarem nele:

Aí quando eu fiz 16 anos certinho, eu comecei a entregar currículo loucamente. Entregava, entregava, entregava, uma ruma de currículo nos lugares para ver se alguém me admitia, e nada [...]. Nenhum lugar chamava! Aí fui chamada uma vez para uma entrevista de emprego num escritório de advocacia. Foi o dia mais feliz da minha vida, eu fiquei pulando, radiante [...] finalmente vou


trabalhar. [...] Aí fui para essa entrevista de emprego, quando eu cheguei lá eu me decepcionei muito, porque era muito difícil e eles queriam pessoas com experiência e tipo, eu já tinha a expectativa que eu ia ficar no emprego, né? Aí pronto, eu fiquei super triste. (Lívia)

Aí eu tinha duas opções: ou trabalhava no centro, ou trabalhava no reforço. Porque não tinha mais opções, né? Aí eu não queria trabalhar no centro porque eu não iria conseguir conciliar a faculdade com o trabalhar de manhã até a noite, né? (Karine)

Enquanto que eu não consigo um trabalho, não consigo algo fixo, eu vou fazendo o que eu posso. (Larissa)

Aí eu disse a ele: “olhe, eu realmente vou investir na confeitaria porque não tem condições da gente continuar assim, eu sem trabalho, você sem trabalho não é fácil conseguir trabalho e tá muito difícil pra gente”. (Bianca)

Diante dos relatos, percebe-se que o fator econômico influenciou a escolha dos jovens por empreender. Existiam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho formal e a necessidade de renda por parte desses entrevistados. Sobre esse aspecto, Dvouletý et al. (2018) observam que o empreendedorismo por necessidade é mais comum entre os que estavam anteriormente desempregados e que os fatores relacionados ao empreendedorismo por necessidade aumentam significativamente a probabilidade de alguém com experiência e desempregado recorrer ao trabalho por conta própria. Nesse sentido, o autor reforça que o empreendedorismo é frequentemente defendido como uma saída potencial para o desemprego, em geral, e o desemprego juvenil em particular.

Ainda cabe pontuar que a lógica neoliberal faz da criação de negócios uma solução diante da crise econômica, que apoia a figura do empreendedor de sua própria vida (Stevens, 2012). Como resultado, tem-se um indivíduo que se rende, cada vez mais reduzido, seja quando visto como portador de capital humano, que precisa ser resiliente para superar a pobreza; seja quando tomado como empreendedor de si mesmo para tornar-se rentável e competitivo no mercado de trabalho (Oliveira & Sampaio, 2018).

No ano de 2020, período em que foi iniciada a pesquisa, a pandemia do Coronavírus agravou ainda mais a situação econômica mundial, principalmente para os trabalhadores informais. O mundo do trabalho vem sendo duramente afetado, seja com a perda de emprego e renda, devido à necessidade do isolamento social; ou com a exposição a situações de risco de contágio. Trabalhadores de todo o planeta sofrem os efeitos da Covid-19, das políticas restritivas e da retração econômica (Silva, 2020).

Questionados sobre os efeitos da Covid-19 nos seus empreendimentos, todos relataram dificuldade no início, mas, em seguida, perceberam a oportunidade de explorarem outras formas de vender seus produtos, por meio das vendas online pela rede social Instagram e fazendo a entrega por meio do serviço de delivery.

E... aí quando entrou a pandemia, eu falei: o que que eu vou fazer agora? Não posso ir pra rua, eu tenho asma, então eu ficava com muito medo, né? Por conta do Covid, aí eu passei uma semana sem trabalhar, tipo na rua e só dependendo do meu marido. [...] Isso, depois da pandemia, porque eu não tinha tanta acessibilidade ao Instagram como eu tenho hoje. Eu não


aparecia nos stories, aparecia de vez em quando assim, sabe? Foi através do Instagram que eu aumentei minhas vendas. (Lívia)

Olha, a pandemia para a loja ela influenciou de forma positiva, porque eu digo direto que a pandemia foi o auge da minha loja, vendi bastante. Pra você ter noção, vendi bastante, como eu não precisava viajar pra mercadoria vir pra cá, eu não gastava tanto quanto eu iria gastar se eu tivesse que ir pra lá. Agora no reforço ela influenciou de forma negativa porque eu perdi os alunos, né, na pandemia. Então, prejudicou um pouco. (Karine)

A pandemia prejudicou, e depois de prejudicar, ela ajudou, porque quando começou, a gente teve que parar de vender na rua, porque como tudo fechou, não tinha mais como vender na rua, aí foi que eu tive realmente que começar a investir no Instagram, para minhas vendas serem por Instagram. Mas assim, as pessoas ficavam muito balançadas, porque tinham medo de infecção e tudo, e, além disso, eu tive que aprender a mostrar às pessoas a higiene, quer era, como ia, como ia embalado, ou como era feito, eu tive que fazer as pessoas verem aquilo. (Bianca)

Além do novo formato de vendas online, as entrevistadas que trabalham com comercialização de produtos tiveram também que se adaptar aos protocolos de combate ao Covid para passar segurança à clientela, como relatou Bianca. E no caso de Pedro, que trabalha com prestação de serviços, a retomada dos trabalhos demorou mais um pouco, mas também seguindo os protocolos e contando com a colaboração dos clientes:

Aí veio a pandemia pesada, aí já caiu, já desanimei, só que aí passou alguns meses, eu voltei para a barbearia, aí quando eu voltei para a barbearia começou a dar certo, porque as pessoas acho, foram educadas, com a pandemia, foram educadas de usar máscara, álcool em gel e tal, aí começaram a vir as pessoas e cada vez melhorando mais. (Pedro)

Numa situação de crise econômica como a provocada pela pandemia, os trabalhadores informais são os mais vulneráveis aos seus efeitos. Para Silva (2020), mesmo com a concessão pelo Governo Federal Brasileiro do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00, para os mais pobres, que se configura como um alento, ainda está longe de resolver o problema da redução súbita na renda dos trabalhadores.

Em relação ao auxílio emergencial, todos os jovens entrevistados tiveram direito ao recebimento e declararam que usaram o valor recebido para investir nos seus empreendimentos:

Aí gente aproveitou o auxílio para começar, vamos aproveitar o auxílio para começar, aí a gente começou. (Lívia)

Aí foi quando eu fui pegando, investindo um pouco, sabe? Comecei esse do auxílio, aí digamos, o dinheiro do auxílio, eu comecei a investir pegando roupa, aí pronto. (Karine)

Então, não tinha nem ideia né? Porque primeiro foi com o auxílio, só que eu não tinha ideia do que começar, eu sabia que eu tinha que começar, porque esse dinheiro uma hora ia acabar e eu não ia só viver de trança porque é desvalorizado, então, eu pensei, eu tenho que procurar algo que eu goste, algo que eu consiga vender. (Larissa)


Eu comprei algumas máquinas e deixei desse jeito aqui. Porque não tinha nada, era tudo branco, entendeu? Não tinha cadeira, não tinha nada. (Pedro)

É, eu acho que nos três primeiros meses eu só fui em coisa de confeitaria, comprei tudo o que eu precisava e depois disso eu parei de usar o dinheiro do auxílio e eu comecei a comprar coisa de dentro de casa, pagar contas dentro de casa também me ajudou bastante, mas no começo foi só pra coisa de confeitaria que me ajudou muito o dinheiro do auxílio pude investir em coisas que eu não tinha, foi muito importante. (Bianca)

Todos já tinham seus empreendimentos antes da pandemia, mas o que pode ser percebido é que houve um impulsionamento nos negócios por meio do auxílio emergencial. Nos casos de Karine e Larissa, elas até arriscaram investir num ramo novo com o valor que receberam.

Alcance das políticas públicas de formalização

Para Martins, Leone, El-Aouar, Castro and Anastácio (2020), em economias em desenvolvimento, uma parcela significativa de trabalhadores exerce suas atividades de maneira informal ou recebe salários por meios informais. Desse modo,

o empreendedorismo se fortalece como solução para os problemas sociais, tais como

o desemprego e a informalidade (Oliveira et al., 2017).

Diante dessa realidade, o Brasil, assim como muitos outros países, tem desenvolvido recentemente políticas públicas de incentivo ao autoempreendedorismo (Rosenfield, 2018). Em 2008, a Lei Complementar n. 128/2008 alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar n. 123/2006) e criou a figura do Microempreendedor Individual (MEI).

Ao serem questionados sobre trabalharem na informalidade e se tinham conhecimento sobre o MEI ou o Sebrae, entidade que objetiva a capacitação e a promoção do desenvolvimento econômico e competitividade de micro e pequenas empresas, estimulando o empreendedorismo no país, os jovens deram os seguintes relatos:

Penso mais lá na frente, mas MEI eu acho que é o suficiente no momento, entendeu? Tudo no seu tempo, acredito. (Lívia)

Ultimamente eu tenho tido interesse em tirar o CNPJ, né? [...] mas depois eu vou pesquisar sobre isso. Porque eu vi que quando você tem o CNPJ, né? Você acaba pegando coisas com desconto, né? (Karine)

Na verdade eu procurei saber, tipo assim, quando eu tava vendo um vídeo, que isso é mais quando é loja física, né? Loja física precisa de alguma coisa de governo. [...] Rapaz, eu fico meio assim né, eu tipo, não procuro muito isso, sabe? Que eu acho que eu ainda não fui adiante, não sei se vai, não sei se não vai, porque eu posso tá segura de mim que pode dar certo, mas pode dar errado, entendeu? Então por isso que eu não tô profissionalizando tudo. (Larissa)

Cara, eu acho bem amador, tenho o pensamento de mudar, com o tempo, entendeu? Depois dessa pandemia, talvez, começar a pagar o INSS e ver esses negócios de contratar pessoas, e carteira lá para o futuro, entendeu? Eu acho bem amador, sabe? (Pedro)


Então, isso não é um problema agora porque eu acho que assim, é complicado, porque se um dia eu precisar de alguma coisa, né? Tipo assim, se eu quiser ir mais acima eu tenho que ter algum documento, eu tenho que ter CNPJ né, eu acho e eu tenho que ter, principalmente se eu quiser ter uma loja de confeitaria. Agora isso não é problema pra mim, mas futuramente acho que viria a ser. (Bianca)

No geral, todos desconhecem as políticas de formalização do governo. Alguns já ouviram falar do MEI, mas não sabem ao certo como funciona. Nenhum deles procurou informações junto ao Sebrae e a maioria associa formalização com loja física. No atual momento, eles não demonstraram interesse em formalizar.

Essas informações reforçam os dados do Sebrae ao informar que, apesar das políticas públicas implementadas no Brasil para incentivo ao empreendedorismo e ao autoempreendedorismo na perspectiva de reverter o quadro da informalidade, ainda é alta a proporção de pequenos negócios sem registro formal, apesar da melhora dos últimos anos. Boa parte dos pequenos negócios nos país é informal, 71% dos donos dos negócios (empregadores e trabalhadores por conta própria) não estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e não contribuem para o sistema previdenciário, de acordo com os dados do Sebrae (2019).

Em Aracaju, foi instituída a Rede Nacional para Simplificação do registro e da Legalização de Empresas e Negócios (REDESIM), o Agiliza Sergipe, um portal de serviços em parceria com a prefeitura de Aracaju, Receita Federal e a Junta Comercial de Sergipe. Essas medidas, de acordo com Lima et al. (2020), trouxeram uma redução no excesso dos procedimentos burocráticos, quanto ao processo de abertura das micro e pequenas empresas e empresas. No entanto, os jovens entrevistados desconhecem esses serviços que são oferecidos. Tendo em vista os aspectos observados, percebe- se que as políticas públicas para formalização não alcançaram os jovens em questão, o que, segundo Oliveira et al. (2017), evidencia políticas públicas frágeis. Gondim, Rosa e Pimenta (2018) acrescentam que a legislação que institui a formalização do MEI não deve ser vista como suficiente, por si só, para resolver ou amenizar os problemas decorrentes da informalidade ou escassez de empregos formais e, sim, como uma política de longo prazo com a apresentação de instrumentos para fomentar o empreendedorismo, a desburocratização do processo de formalização, a promoção da inclusão social e econômica de pessoas e negócios.


Considerações Finais

O objetivo desta pesquisa foi verificar os fatores que influenciaram os jovens a empreender informalmente na cidade de Aracaju-SE. As narrativas analisadas possibilitaram a verificação dos fatores que influenciaram os jovens a empreenderem na informalidade. Os jovens entrevistados são de classe social baixa, a maioria órfã de pai e/ou mãe, que majoritariamente buscaram o autoempreendedorismo informal como fonte de renda, muitos por não terem conseguido colocação no mercado, o que representa o empreendedorismo por necessidade.

Um fato constatado nesta pesquisa foi que alguns jovens relataram experiências negativas no mercado de trabalho formal relacionadas ao preconceito social e racial,


que tiveram influência direta na busca pelo trabalho por conta própria. A maioria dos entrevistados não tinha experiência prévia, nem tiveram os pais como referência ou o apoio deles, não deram continuidade aos estudos e alguns declararam ter dificuldade na gestão dos empreendimentos, principalmente relacionada às finanças. O investimento inicial no empreendimento foi muito pouco, assim como o retorno financeiro também o é. Desse modo, infere-se que os jovens necessitam de capacitação relacionada à gestão de negócios antes de iniciarem a atividade empreendedora, para não correrem o risco de fracassarem por falta de conhecimento. Uma atenção maior das entidades governamentais poderia ser dada a essa questão, como o oferecimento de cursos gratuitos, bem como ampla divulgação dessas ações, para o alcance do maior número de beneficiados.

Mesmo com as dificuldades relatadas pelos jovens, eles demonstraram que fatores como motivação e não ter medo do fracasso são essenciais para a entrada e continuidade no trabalho autoempreendedor. Quanto ao trabalho na informalidade, eles desconhecem as políticas públicas de formalização, como o MEI, e demonstraram não se preocupar com essa questão no momento. O que indica a necessidade de um maior alcance das políticas públicas de formalização de pequenos negócios junto aos jovens de baixa renda.

A pesquisa foi desenvolvida num momento em que o mundo enfrenta a pandemia do Coronavírus que, apesar de ter afetado os trabalhadores informais drasticamente, com os jovens entrevistados ocorreu o contrário. Eles sentiram o impacto negativo no início, mas depois utilizaram o valor do auxílio emergencial concedido pelo governo para investirem nos seus negócios. Além disso, a pandemia alavancou os negócios realizados pela internet, o que foi uma grande oportunidade para os entrevistados.

Diante dos resultados encontrados, a resposta para a questão desta pesquisa (Quais fatores influenciaram a autoempreender informalmente?) revela que o autoempreendedorismo informal jovem ocorre por necessidade, devido às condições socioeconômicas, como baixa escolaridade e desemprego. No entanto, os jovens são destemidos, motivados, demonstram satisfação no trabalho autoempreendedor, mesmo com as características de precariedade e dificuldades relatadas, manifestando otimismo em relação ao futuro. Esse tipo de inserção no mercado revela que, apesar do autoempreendedorismo ser percebido pelo jovem como um elemento importante para sua autonomia e satisfação, nem sempre significa um fator positivo quanto à posição social, cultural e econômica desses trabalhadores.

Do ponto de vista teórico, os resultados contribuíram para o estudo do autoempreendedorismo como forma emergente de inserção no trabalho, com foco na informalidade, considerando o contingente de trabalhadores nessa condição. O presente trabalho permitiu identificar características do empreendedorismo juvenil, sob a perspectiva do próprio jovem, o que contribui para a literatura do empreendedorismo. Nesse aspecto, deve-se ressaltar que o método adotado nesta pesquisa permitiu conhecer a realidade do jovem sob o seu próprio ponto de vista, considerando os aspectos históricos, sociais e políticos do contexto vivenciados pelos entrevistados.

Quanto à contribuição social, compreendeu-se o fenômeno do autoempreen- dedorismo informal que vem atraindo mais pessoas, principalmente os jovens em


situação econômica e social desfavoráveis, que veem nesse tipo de trabalho uma oportunidade de obtenção de renda. Foi possível entender a complexidade e reali- dade desse trabalho desafiador. Desse modo, o estudo permitiu entender a vivência dos indivíduos ditos “empreendedores”, sob a perspectiva dos próprios sujeitos que se inserem no mundo do trabalho. Dito isso, este estudo contribui, na prática, para a sinalização da necessidade de políticas públicas voltadas para os empreendedores jovens. Pesquisas que possam contribuir para o entendimento da realidade desses trabalhadores e que busquem ações públicas voltadas para o fortalecimento e ma- nutenção dos seus negócios devem ser estimuladas.

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