Filosofia sincrítica e poesia em Friedrich von Hardenberg (Novalis)
Syncritic philosophy and poetry in Friedrich von Hardenberg (Novalis)
Prof. Dr. Gabriel Almeida Assumpção
Bolsista de Pós-doutorado Júnior do CNPq – Processo: 162879/2020-2. Instituição de Execução: Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
E-mail: gabrielchou@gmail.com
RESUMO
Investigamos, no pensamento de Friedrich von Hardenberg (Novalis), como a poesia e filosofia se nutrem uma da outra, sendo a filosofia fonte de conceitos que permitem investigar o dinamismo do mundo natural e integrar os diversos saberes na enciclopédia e a poesia, a capacidade de atingir saberes intuitivos, superando os limites da filosofia. A poesia como capacidade de superar a oposição sujeito-objeto se desdobra na possibilidade de uma concepção não-dualista, neoplatônica de Deus, e na integração entre idealismo e realismo, via filosofia sincrítica, isto é, uma filosofia que aprendeu com a poesia. Também essa forma de arte se nutre da filosofia, para ser completa. Destacamos como Novalis já apresenta muitas intuições que serão encontradas no idealismo alemão: a importância da filosofia da natureza; a identidade entre sujeito e objeto; Deus como razão, ou absoluto; a superioridade da arte em relação à filosofia (como faz Schelling no Sistema do idealismo transcendental); a crítica à filosofia como sistema do Schelling tardio.
PALAVRAS-CHAVE: Deus; filosofia; natureza; poesia; sincriticismo.
ABSTRACT
We investigate, in Friedrich von Hardenberg’s thought, how Philosophy and poetry nourish one another. Philosophy is a source of concepts that enable the investigation of the natural world and its dynamic character, integrating many sources of knowledge in the encyclopedia. Poetry, on the other hand, reaches intuitive forms of knowledge, inaccessible to Philosophy alone. Poetry as a capacity of overcoming the subject-object opposition unfolds in the possibility of a non-dualistic, Neoplatonic conception of God, and also in the integration between idealism and realism, by means of the syncritic Philosophy, i.e., a philosophy that has learnt from poetry. Poetry, on the other hand, can only become complete by means of philosophy. We emphasize how Novalis presents many insights that will be met in German Idealism: the importance of the philosophy of nature; the identity between subject and object; God as reason; art conceived as superior to philosophy (Schelling in the System of Transcendental Idealism); late Schelling’ criticism of philosophy as a system.
KEYWORDS: God; philosophy; nature; poetry; syncriticism.
1. PENSAR HARDENBERG EM SUA ORIGINALIDADE
Propomos investigar o pensamento de Friedrich von Hardenberg (1772-1801), vulgo Novalis, a partir de sua filosofia da natureza e de seu ideal enciclopédico, sendo a poesia uma mediação entre a filosofia e o mundo natural, enriquecendo a capacidade do pensador, que se torna sincrítico. O sincriticismo é a síntese entre duas formas opostas de filosofia, o idealismo e o realismo, preenchendo a lacuna das anteriores, o que nos permite ver em Novalis não apenas um seguidor de Fichte e de Kant, filósofos da subjetividade, mas um pensador original com intuições próprias sobre a natureza, arte e Deus. Com isso, oferecemos uma leitura de Hardenberg mais alinhada a tendências atuais, embora ainda não comuns no Brasil, onde o pensador ainda é lido com base em clássicos como Hegel, ou em teóricos dos anos 1960-70. Essa leitura se propõe diferente não apenas por estar em dia com literatura secundária mais recente, mas com base nas próprias obras do filósofo-poeta, buscando fazer justiça à complexidade e ao caráter multifacetado de seu pensamento, também reconhecendo o mérito de interpretações mais antigas.
A atenção a Novalis e a sua importância no idealismo alemão é algo tardio (BEISER, 2002, p. 408), tendo as obras de Manfred Frank e de Frederick Beiser auxiliado a mostrar o legado e a relevância contemporânea de Hardenberg, ao que se somou o surgimento de uma edição crítica das obras de Novalis (1960-1975) (NASSAR, 2014, p. 8). Nicolai Hartmann, especialista em idealismo alemão, é ciente da dificuldade dos escritos teóricos novalisianos e reconhece sua originalidade: “Em termos de conteúdo, abarcam uma profusão de fragmentos de pensamento dispersos, que fornecem ao leitor atento o material de uma visão de mundo singular e absolutamente cerrada”[1] (HARTMANN, 1960, p. 189).
A tendência interpretativa já presente em clássicos como Novalis als Philosoph, de Egon Friedell (1904), mas só retomada no final do século XX, defende que Novalis não deve ser lido meramente com chave epistemológica ou estética, pois isso perde de vista filosofia da natureza no pensamento de Novalis (NASSAR, 2014, p. 16), a qual é o fundamento das outras dimensões de seu filosofar. Essa tendência, à qual nos filiamos, defende a relevância filosófica de Novalis e nota que teses centrais no idealismo alemão estão em Novalis: Deus como razão; a identidade entre sujeito e objeto; a concepção da arte como capaz de aproximar a mente do absoluto (BEISER, 2002, p. 407s). Essas noções apontam a referida síntese entre idealismo e realismo, ou seja, um idealismo objetivo ou, nos termos de Novalis, sincriticismo.
No caso específico do Brasil, destaca-se o trabalho de Fadel (2010), no campo da análise literária de Hardenberg, indicando a influência de Schiller em sua obra[2]. A leitura de Novalis no país geralmente se conduziu nas linhas de Frank, tal como feito por Seligmann-Silva (2006). Essa leitura frisa a influência de Fichte e de Kant, inclusive como objeto de crítica dos românticos.
Corôa (2019, p. 54), seguindo essa vertente, adota um tom kantiano, expondo a Crítica da faculdade de julgar de Kant como ponto de partida para o primeiro romantismo e para o idealismo alemão e indicando Novalis como continuador do projeto crítico. De fato, nota-se trechos em que Hardenberg aponta a filosofia como ciência da razão, mas em sentido regulador, ou seja, formulando hipóteses sobre a realidade, não se preocupando em um discurso sobre a essência do mundo (II, 463, 219)[3]. Todavia, esse ideal é abandonado rapidamente por Novalis, e ele se torna um grande metafísico, como no seguinte trecho dos Fragmentos de Teplitz: “Psicologia do mundo. O organismo não pode ser explicado sem pressuposição de uma alma do mundo, assim como o plano do mundo não pode ser explicado sem se pressupor um ser racional global”[4] (III, 1229, 135). A passagem citada mostra que Hardenberg aceita a teleologia, a ideia de uma meta, na natureza e na história, como em Kant, mas não de forma reguladora, e sim constitutiva, afirmando-se um ser racional global (ou seja, o absoluto) e, além disso, a existência real da alma do mundo, noção neoplatônica[5], o que torna difícil sustentar leituras de Novalis como um pensador crítico.
Um raro estudo sobre filosofia da natureza em Novalis, de Lemos (2019, p. 69-73) trata da relevância de J. Brown para Novalis e para as filosofias da natureza alemãs do fim do século XVIII e início do século XIX, como Schelling. Recentemente, Losso (2020) trabalhou a tensão entre mística e ciência no pensamento de Novalis, reconhecendo a dívida deste para com a tradição neoplatônica.
Outro foco, ao se tratar de Hardenberg no Brasil, foi no fragmento romântico enquanto gênero filosófico, como trabalhado por Souza (2008) e por Schell (2010). As vantagens do fragmento para Novalis e para o primeiro romantismo alemão são a liberdade expressiva e temática; a ruptura com modelos clássicos e a intenção antissistemática, permitindo evitar formas pré-concebidas. Cada fragmento é seu próprio universo, uma espécie de mônada, portando o mundo em si mesmo (Schell, 2010, pp. 66-67). Não adotaremos como foco o fragmento em si como gênero literário-filosófico, mas estamos cientes de que nossa pesquisa, baseada exclusivamente em fragmentos de Novalis, envolve a dificuldade de se pesquisar um autor cuja obra, em grande parte, é escrita em fragmentos – intencionalmente, ao contrário dos fragmentos dos pré-socráticos, fruto do tempo e da perda de partes das obras.
Estamos cientes, também, de que reconstruir argumentos e pressupostos filosóficos a partir de fragmentos foge à intenção do autor, mas encontramos amparo para fazê-lo na própria obra de Novalis: “O verdadeiro leitor deve ser o autor expandido”[6] (II, 109a, 44), ou seja, o leitor elabora e desdobra o que já foi elaborado para o pensador, continuando a tarefa do pensamento, eventualmente se tornando, também, autor. Julgamos necessário um estudo brasileiro sobre Novalis em que se explicite a integração entre filosofia da natureza e poesia como alternativa do dualismo, de modo a inserir o pensador na tradição filosófica como uma mente original. Uma contribuição de nossa pesquisa é frisar que o dualismo não é superado em Novalis, mas se torna uma alternativa ao panenteísmo, com ele coexistindo.
2. ENTRE O DUALISMO E O PANENTEÍSMO
Em um de seus primeiros textos publicados em vida, o fragmento inicial transmite uma das grandes inquietações de Hardenberg: “Nós procuramos o incondicionado aos quatro ventos e encontramos, sempre, apenas coisas”[7] (II, 1, 10). A filosofia busca a totalidade e o princípio das coisas (o incondicionado), mas só se depara com os particulares, com o empírico. Inicialmente, isso é visto com certa angústia e um viés dualista. Posteriormente em sua obra, todavia, o panenteísmo e a poesia serão formas de se resolver essa aporia entre o incondicionado e a experiência concreta. Panenteísmo é uma concepção filosófica segundo a qual há um princípio da realidade que a engloba, porém a transcende, não se confundindo totalmente com o mundo. Difere, portanto, do panteísmo, em que o mundo é um sistema fechado, não havendo transcendência alguma. O caso mais conhecido é a teoria da emanação de Plotino, segundo a qual as hipóstases do intelecto e da alma, dois níveis superiores da realidade, são “transbordamentos”, ou “emanações”, do princípio, do Um, havendo perda hierárquica no intelecto e um declínio ainda maior na alma. Beiser (2002, p. 410) defende que, na trajetória filosófica de Novalis, há uma tendência ao abandono do absoluto transcendente nos cadernos iniciais rumo a uma concepção neoplatônica de Deus, ainda que essa visão da transcendência não seja inteiramente abandonada, com o que concordamos, vendo que a ideia de um Deus transcendente aparece mesmo em textos de 1798-1799.
O viés dualista de Novalis se apresenta, especialmente, nos Estudos sobre Fichte e em Pólen, marcado por (a) uma ânsia pela morte, apontada simultaneamente como início e fim (II, 14, 12), (b) por oposições radicais entre espírito e matéria, intelecto e natureza (II, 109, 44), Deus e mundo (II, 209, 98; 439, 207), e (c) por uma visão, bem inspirada em Kant, do “Deus moral”, enfatizando-se a primazia da ética (II, 340, 170). Para Kant, não é possível afirmarmos teoricamente nem que Deus existe, nem que ele não existe. No entanto, ele elabora em várias obras, mas sobretudo na Crítica da razão prática, a visão de que, mesmo que eu não possa conhecer Deus, eu posso crer em Deus como um ser justo e benevolente, de modo a encontrar sentido na existência humana. Esse Deus seria, para Kant (1968, 223-241), capaz de atribuir felicidade proporcionalmente à conduta moral de cada um, tornando a doutrina cristã compatível com sua filosofia. Essa ideia de Deus é chamada, pejorativamente, “Deus moral” por pensadores da época de Novalis, como Schelling[8]. Esse aspecto dualista é o mais duradouro na obra de Novalis, e a ideia de um Deus moral coexiste com a noção panenteísta de Deus, mesmo no Esboço geral de 1798-1799.
Segundo o viés dualista, para Hardenberg, a natureza é eterna e mantém a si mesma (III, 1382, 192), progredindo gradativamente a uma ordem moral, deixando eventualmente de ser natureza e se tornando um mundo espiritual (Geisterwelt) (III, 1404, 196). Assim como em Kant, a moralização da natureza acarreta uma filosofia da história, acrescentando Novalis que o amor é o fim último (Endzweck) da história mundial (III, 1510, 220; 1528, 225; 1834, 302). No idealismo alemão, há forte esforço de integrar a escatologia cristã em uma filosofia da história, o que corrobora para seu caráter acentuadamente teleológico.
A natureza sob o ponto de vista dualista é vista como força hostil, que destrói, com base em leis rígidas, todos os corpos, em uma perda que, todavia, conduz a um nível superior (II, 13, 12), ao mundo espiritual. É fundamental salientar que o dualismo, em Hardenberg, nunca é inteiramente abandonado, tratando-se de um pensamento plural, no qual coexistem posições filosóficas bem distintas umas das outras. Em grande parte, isso é possível pela escrita em fragmentos. De acordo com Schell:
Novalis e Schlegel recriam, a partir da leitura sistemática das grandes obras fragmentárias da Antiguidade clássica, do aforismo filosófico, das máximas, anedotas e pensamentos dos moralistas franceses, o fragmento textual e lhe ampliam suas potencialidades latentes, fazendo surgir o fragmento literário, uma forma diversa de escritura crítica, um novo modo de desenvolver o pensamento teórico sobre o ato de criação. O fragmento literário cria sua própria filosofia da linguagem e seu próprio conceitual crítico (Schell, 2010, p. 17).
O fragmento filosófico permite que se exponha diversas posturas filosóficas, muitas vezes contraditórias, sem que isso seja um problema em termos sistemáticos, justamente por não ser o propósito construir um sistema. O caráter multifacetado das diversas formas possíveis de se filosofar é algo que o fragmento partilha com os diálogos filosóficos e também será encontrado em textos idealistas posteriores, como o Sistema do idealismo transcendental (1800) de Schelling e a Fenomenologia do Espírito (1807) de Hegel. No caso de Novalis, embora prevaleça o dualismo – tanto antropológico quanto ontológico – nos Estudos sobre Fichte, já surgem posturas panenteístas nesses cadernos: “O fundamento é a propriedade do mundo e o mundo é a propriedade do fundamento. Deus significa fundamento e mundo ao mesmo tempo”[9] (II, 406, 193s.). Percebemos dualismo mesmo na fase tardia, afirmando-se uma doutrina de “mundos diferentes”, pertencente à cosmologia (IV, 2083, 55). Não obstante, a tendência panenteísta se torna gradativamente mais forte, especialmente nos Estudos de Freiberg e no Esboço geral, ambos de 1798-1799, após Novalis ter lido intensamente Plotino (BEISER, 2003, p. 72; UERLINGS, 1991, p. 131s)[10] e estudado ciências naturais mais a fundo (NASSAR, 2014, p. 52). Um exemplo de afastamento de Fichte em detrimento de Plotino está no Esboço geral: “Fichte não compreende as hipóstases, por isso lhe falta a outra metade do espírito criador”[11] (IV, 2528, 186). Em outras palavras, Fichte não possui uma filosofia completa por não aderir ao neoplatonismo, e por confundir o Um, o princípio das coisas, com o intelecto.
A concepção não-dual da realidade, de cunho panenteísta, indica uma tarefa do pensador: “A filosofia mais elevada investiga o casamento entre natureza e espírito”[12] (III, 1509, 220). Os resultados desse empreendimento, por Hardenberg, apresentam-se (a) na forma supracitada de alma do mundo (III, 1229, 135), (b) na integração de matéria e espírito (II, 474, 221; III, 1229, 135), sendo o espírito força criadora da própria natureza (II, 588, 263s). Além disso, (c) existe uma dimensão ecológica da natureza, sendo a paixão pela natureza um dever importante de uma nação (III, 1422, 198)[13]. A physis é tida por (d) absoluta, específica, viva e livre (III, 1266, 153s) e, como é comum no romantismo alemão, (e) dotada de inteligência própria e de capacidade matemática: “A natureza adiciona, subtrai, multiplica, potencia, etc. incessantemente. As ciências matemáticas aplicadas nos indicam a natureza como uma matemática”[14] (III, 1268, 155).
Segundo Hartmann (1960, p. 189), a filosofia da natureza de Schelling é a mais próxima da novalisiana, tendo os dois filósofos românticos se conhecido em 1797. Inicialmente, Hardenberg foi entusiasta de suas ideias, mas, posteriormente, adotou um tom crítico (BEISER, 2002, p. 428s; UERLINGS, 1991, p. 153), aproximando-se mais do panenteísmo do que do panteísmo de Schelling[15], ou seja: para Novalis, a natureza é, enquanto alma do mundo, emanação do divino (II, 453, 643), portanto algo inferior a ele – como resultado, não se confunde com o divino (BEISER, 2002, p. 429).
De acordo com o viés panenteísta de seu pensamento, para Novalis, cada organismo é um microcosmos (III, 807, 22; 1091, 101; 1256, 151; IV, 2301, 133), contendo a imagem do mundo em si mesmo. O filósofo-poeta subverte essa noção, complementando-a com um aspecto antropocêntrico: o organismo é um microcosmos, mas o mundo é um “macroantropo” (Makroanthropos), um grande humano (III, 1834, 302). Deus é considerado tese e síntese ao mesmo tempo, e natureza como “imagem do pintor de si mesmo”[16] (II, 609, 267), imagem do próprio Deus.
Plotino, grande fonte de inspiração para Hardenberg, é idealista e realista crítico (ou, na linguagem do filósofo, um sincrítico), diferente de Kant e de Fichte, cujos métodos são vistos por Novalis como incompletos e insuficientes em suas apresentações, uma vez que eles não souberam experimentar com a leveza e com a multiplicidade, devido à rigidez de seus pensamentos, desprovidos de poesia. Plotino, dotado de linguagem mais mística e poética, nos serve de exemplo de uma arte de experimentar (Experimentierkunst), por meio da qual é possível melhorar e ampliar o “método de geração livre da verdade” (freie Generationsmethode der Wahrheit) (IV, 2093, 57). O filósofo autêntico possui, a exemplo de Plotino, um método sincrítico, tanto idealismo quanto realismo, fortalecendo e expandindo ambos os procedimentos e evitando a unilateralidade (IV, 2104, 65; 2300, 133; 2303, 134).
3. POÉTICA E FILOSOFIA SINCRÍTICA
Como se nota no parágrafo acima, a poesia é importante para o filósofo se tornar sincrítico. Assim como em Schelling, a filosofia da natureza é crucial para se compreender a valorização romântica da arte (AUTOR, 2017, p. 61-68; BEISER, 2003, p. 82-87). No caso de Hardenberg, pode-se afirmar o mesmo – notando-se, inclusive, que muitas que suas articulações são anteriores ao Sistema do idealismo transcendental de Schelling, obra de 1800 –, ilustrado na visão segundo a qual “A natureza deve se tornar arte e a arte deve se tornar segunda natureza”[17] (III, 1242, 139).
Além das fontes já mencionadas (Plotino, Schelling), destaca-se Goethe (NASSAR, 2014, p. 53-55), elogiado por seus estudos sobre luz, plantas e insetos, e considerado por Hardenberg o “primeiro físico de seu tempo” (“der erster Physiker seiner Zeit”) (III, 1221, 131s). Também merecem destaque Benjamin Franklin e John Brown (III, 1521, 223), e a teoria dinâmica da matéria exposta por Kant nos Princípios metafísicos da ciência natural, de 1786 (II, 249-250, 105; 254, 254-276)[18].
A matemática terá um papel central para Novalis, inclusive como grande diferencial em relação a Schelling (FRIEDELL, 1904, p. 43ss), cujo viés antinewtoniano mais acentuado tende a conferir pouco peso a matemática. A filosofia e a matemática são concebidas como teoria das ideias ou do infinito (III, 1084, 100), sendo as duas ciências as mais elevadas (III, 1232, 136), capazes de integrar diversos campos do saber (física, história, economia) (III, 1272, 155; IV, 2477, 179).
O ideal enciclopédico, norteado pela filosofia, pela matemática e pela poesia, é algo incipiente já nos cadernos de estudo de Novalis, em que consta ser o melhor nas ciências seu ingrediente filosófico, como a vida no organismo (II, 62, 23), ou no fragmento 62: “Ao se desfilosofar a ciência: o que sobra? Terra, ar e água”[19] (II, 62, 23). A comunidade de todos os conhecimentos é a meta mais elevada do erudito, uma “república científica” (szientifische Republik) (II, 85, 32).
Nos Fragmentos logológicos (1798), vemos uma das raras passagens em que se explicita uma visão antinewtoniana da ciência, sendo o pensamento de Newton considerado mecânico, discursivo e atomista, oposto ao pensamento intuitivo e dinâmico, próprio de Goethe, de sua filosofia da natureza e de sua poesia (III, 789, 13). O pensador discursivo constrói o universo a partir de átomos lógicos e que aniquila a natureza orgânica, substituindo-a por proezas do pensamento, sendo sua meta um autômato sem fim (III, 792, 14). Seu oposto é o poeta intuitivo, um místico que odeia regras e formas rígidas (III, 792, 14). Essa oposição entre mecanicismo e vitalismo é outro traço típico do primeiro romantismo alemão, assim como a intenção de integrar ciências naturais, filosofia e poesia.
O Esboço geral (1789-1799) possui marcante intenção enciclopédica, ainda que o título de “esboço” e o formato de fragmento contrastem com essa meta, sendo notável que a ideia de fragmento denuncia a intenção antissistemática, e também a precariedade do saber humano. Nessa obra, é recorrente a hierarquia de saberes, já presente nos Fragmentos logológicos: a poesia é superior à filosofia e a matemática, as quais, por sua vez, são superiores às demais ciências (IV, 2348, 151; 2555, 190). No entanto, todos esses saberes são válidos e auxiliam na compreensão do mundo, a filosofia e a matemática articulando os saberes, as ciências fornecendo dados empíricos e a poesia permitindo a intuição do todo.
A poesia nos aproxima intuitivamente do absoluto, ao passo que a filosofia nos permite uma elaboração discursiva a partir dessa intuição, em tarefa mediadora entre poesia e natureza. “A poesia é a heroína da filosofia. A filosofia elabora a poesia à condição de princípio. Ela nos ensina a conhecer o valor da poesia. Filosofia é a teoria da poesia. Ela nos indica o que é a poesia, que ela é um e todos”[20] (III, 1056, 96). Nessa subversão da tradição filosófica, Hardenberg situa a arte, especialmente a poesia, acima desse saber. A própria filosofia se torna uma arte, pela qual se produz uma ideia absoluta e se elabora um sistema do mundo a partir do espírito (III, 1020-1022, 86). Embora a poesia seja superior à filosofia, a poesia só é completa com auxílio desse saber: “Sem filosofia, poetas incompletos” (“Ohne Philosophie, unvollkommener Dichter) (III, 806, 22).
A centralidade da poesia em seu pensamento encontra reflexo também no fragmento 1247: “A poesia é o autêntico absolutamente real. Esse é o cerne de minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro”[21] (III, 1247, 141). A centralidade da poesia, possui um aspecto místico, remetendo novamente à filosofia de Plotino, um pensamento profundamente espiritual, figurando o conceito novalisiano de êxtase (Ekstase), sem o qual a filosofia não consegue ir longe (IV, 2528, 186).
O caráter místico do pensamento de Hardenberg é chamado por ele mesmo “idealismo mágico”, (III, 1286, 161; 1752, 227), vinculando o poeta e o filósofo às imagens do profeta, do feiticeiro, do mago (III, 1062, 97). O poeta autêntico é um microcosmos e é onisciente (III, 1072, 98), pois conhecendo a si mesmo, conhece o mundo como um todo. O idealista mágico é quem entende a natureza, como se fosse a linguagem de Deus (BEISER, 2002, p. 431). E mágico também é o alcance do amor de Deus, que se torna progressivamente maior ao longo da história humana. A poesia e o idealismo mágico, longe de conduzirem ao irracionalismo ou ao ceticismo diante da filosofia, servem-lhe de apoio na busca da unidade entre subjetivo e objetivo, realizando a via do sincriticismo, uma síntese entre idealismo e realismo.
Devido ao caráter místico de muitas de suas especulações, e também em função da escrita em fragmentos, somado à tendência poética, muitas vezes Novalis foi acusado de irracionalismo, o que é uma acusação injusta, como pudemos constatar com base em sua valorização da razão, do absoluto, da unidade entre sujeito e objeto e do estudo de ciências naturais. Aqueles elementos apontam para uma tendência contra o sistema e o cânone, mas não contra a ideia de uma razão absoluta, que é pensada em devir, de modo que Novalis é bem sensível às tendências antissistemáticas que viriam a se fortalecer do século XIX até hoje, mas nunca abandonou totalmente o horizonte da razão. Ao contrário, ele reconheceu seus limites e a importância de se abrir à intuição intelectual, à mística e à poesia. Já antes de Schelling e de Hegel, Hardenberg percebeu a importância de se superar o dualismo presente nos idealismos subjetivos de Kant e de Fichte, sendo um pensador original cujo estudo é de grande valor não só para se compreender o idealismo alemão, mas para se pensar novas formas de relação entre ser humano, natureza e Deus.
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UERLINGS, H. Friedrich von Hardenberg, genannt Novalis. Werk und Forschung. Stuttgart: J. B. Metzler, 1991.
[1] “Inhaltlich umfassen sie als eine Füller hingeworfener Gedankensplitter, die dem aufmerksam Leser das Material eine eigenartigen, durchaus geschlossen Weltanschauung darbieten”. Todas as traduções são de nossa responsabilidade.
[2] No cenário internacional, Nassar (2014, p. 48-51) também investiga obras literárias de Novalis, abordagem mais rara entre comentadores da obra filosófica.
[3] Citaremos Novalis segundo a Gesamellte Werke (GW), na ordem: volume indicado por algarismo romano, seguido do número do aforismo em algarismo árabe, e número de página em algarismo árabe.
[4] “Weltpsychologie. Den Organism wird man nicht ohne Voraussetzung einer Weltseele, wie den Weltplann nicht ohne Voraussetzung eines Weltvernunftswesens erklären können”. Na GW, o texto chamava-se Novas anotações (Neue Notizen).
[5] Para o neoplatonismo, a realidade possui três hipóstases, ou níveis principais: o Um, princípio das coisas; o intelecto, sede dos princípios, ideias e números; a alma, que é tanto as almas individuais quanto a alma universal, ou alma do mundo, aquilo que dá vida aos planetas e lhes permite se mover. Uma hipóstase secundária seria a natureza, que emana da alma. Cf. BEIERWALTES (2001); O’BRIEN (1996) e PLOTINO (1966-1988). Novalis chega a apresentar, bem esquematicamente, uma doutrina emanacionista, adotando como hipóstases Deus; espírito; alma; força; matéria (III, 802, 21).
[6] “Das Wahre Leser muss der erweiterte Autor sein ”.
[7] “Wir suchen überall das Unbedingte und findem immer nur Dinge”.
[8] Note-se que, em um raro momento no qual Novalis se mostra crítico da ideia de um Deus moral, ele afirma ela ser considerada um nada e uma contradição (II, 558, 254).
[9] “Die Grund ist die Eigenschaft der Welt und die Welt die Eigenschaft des Grundes. Gott heisst Grund und Welt”.
[10] No entanto, há indícios de que Novalis já possuía ao menos conhecimento superficial de neoplatonismo entre 1794 e 1795: “Cada indivíduo é o ponto médio de um sistema de emanação” (“Jedes Individuum ist der Mittelpunkt eines Emannationssystems”) (II, 102, 41).
[11] “Die Hypostase[n] versteht Fichte nicht, darum fehlt ihm die andre Hälfte des schaffenden Geistes”.
[12] “Die hohere Philophie behandelt die Ehe von Natur und Geist ”.
[13] Essa dimensão ecológica também é reforçada pela tendência não-dualista de Novalis, uma vez que uma filosofia monista tende a reconhecer o ser humano como parte da natureza, e não como um eu externo à natureza, pensada como não eu (como em Fichte). Geralmente, os pensadores alemães que valorizavam a física dos antigos possuíam uma concepção mais amigável de relação entre ser humano e natureza, como se nota em Leibniz, Schelling e Hegel. Ao contrário, os filósofos alemães detidos na filosofia da subjetividade e com pouco conhecimento da física antiga tinham um pensamento dualista, muitas vezes envolvendo dominação da natureza. Cf. AUTOR, VELIQ, 2019; HÖSLE, 1991, pp. 55-60.
[14] “Die Natur addiert, subtrahiert, multipliziert, potenziert etc. Unaufhorlich. Die angewandten mathematischen Wissenschaften zeigen uns die Natur als Mathematiker”. A noção da natureza como geômetra se encontra em Schelling (2001, p. 29), na Introdução ao primeiro projeto (1799) e em August Schlegel (1884, p. 136s.), na Doutrina da Arte (1801-1803). A concepção da natureza como inteligente e contemplativa é próxima tanto destes dois pensadores quanto de Plotino (1966-1988, III, 8, 1). Sobre a filosofia da natureza de Schelling, Cf. AUTOR, 2015, 2017; BEISER, 2002, p. 483-550; 2003, p. 82-87; FRIEDELL, 1904, p. 39s; GONÇALVES, 2005; HARTMANN, 1960, p. 112-121.
[15] Em relação ao panteísmo de Schelling, é interessante notar que, no Sistema de toda a filosofia de 1804, Schelling passa a adotar, de maneira intercambiável, os termos “razão” e “Deus” para o absoluto. A razão se funda em si mesma e é idêntica a si própria, não precisando de um fundamento externo a ela, caso contrário, não seria absoluta (SCHELLING, 1859a, § 3, 12). Deus não funda tudo, mas é tudo (SCHELLING, 1958b, § 27, 177; 1960, § 77, 157), sendo desnecessário o filósofo se perguntar pelo fundamento da realidade, uma vez que já a assume como equivalente ao absoluto, e não por ele ou nele, pois cada coisa é percebida como diferente aspecto, ou potência do todo. Note a diferença entre essas ideias de Schelling e a citação já aludida de Novalis, que não consegue dispensar a ideia de um fundamento do real: “O fundamento é a propriedade do mundo e o mundo é a propriedade do fundamento. Deus significa fundamento e mundo ao mesmo tempo” (II, 406, 193s.).
[16] “(...) ein Bild des Mahlers von sich selbst”.
[17] “Natur soll Kunst und Kunst zweiter Natur werden”.
[18] Sobre as influências científicas para a filosofia da natureza de Schelling e do primeiro romantismo alemão, Cf. AUTOR, 2015; DURNER et al, 1994; GONÇALVES, 2005; LEMOS, 2019; UERLINGS, 1991.
[19] “Man dephilosophiere die Wissenschaften: was bleibt übrig? Erde, Luft und Wasser”.
[20] “Die Poesie ist der held der Philosophie. Die Philosophie arbeitet die Poesie zum Grundsatz. Sie lehrt uns den Wert der Poesie kennen. Philosophie ist der Theorie der Poesie. Sei zeigt uns, was die Poesie sei, dass sie eins und alles sie”. A integração entre subjetivo e objetivo já era considerada possível por uma via estética, a do “princípio da beleza” (Prinzip der Schönheit) bem cedo por Novalis, nos Estudos sobre Fichte (II, 297, 137), ainda que ele não tenha desenvolvido tais ideias em detalhe antes de 1798.
[21] “Die Poesie ist das echte absolut Reele. Dies ist der Kern meiner Philosphie. Je poetischer, je wahrer”.