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EXTRAPOLAÇÕES DA METÁFORA RAIZ DE STEPHEN C. PEPPER E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

EXTRAPOLATIONS OF STEPHEN C. PEPPER´S ROOT METAPHOR AND SCIENTIFIC KNOWLEDGE

 

Vinicius Siqueira

0000-0001-8288-7108

vinicius.r.siqueira@hotmail.com  

Centro Universitário de Cascavel – UNIVEL

 

Douglas Antonio Bassani

0000-0002-9650-2181

douglasbassani@uol.com.br   

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

 

Recebido: 15/02/2023

Received: 15/02/2023

 

Aprovado: 02/05/2023

Approved: 02/05/2023

 

Publicado: 04/05/2023

Published: 04/05/2023

 

RESUMO

Esta pesquisa procura investigar o conceito de metáfora raiz na concepção de Stephen C. Pepper a partir de sua obra World Hypotheses (1942) e de artigos relacionados. Além disso, extrapolar o conceito de metáfora raiz a partir de uma possível interlocução com o trabalho filosófico do conhecimento científico de George Lakoff e Mark Johnson, particularmente em Metaphors we live by (1980) e artigos relacionados. Considerando estes objetivos, foi abordado sobre o conceito de metáfora em Stephen C. Pepper, George Lakoff e Mark Johnson, procurando observar como ocorre o processo de formação do conhecimento científico a partir destas visões filosóficas que podem ser consideradas relacionadas.

Palavras-chave: Stephen C. Pepper. George Lakoff. Mark Johnson. Metáfora. Conhecimento Científico.

 

ABSTRACT

This research seeks to investigate the concept of root metaphor in the conception of Stephen C. Pepper from his work World Hypotheses (1942) and related articles. In addition, extrapolate the concept of root metaphor from a possible interlocution with the philosophical work of scientific knowledge by George Lakoff and Mark Johnson, particularly in Metaphors we live by (1980) and related articles. Considering these objectives, the concept of metaphor in Stephen C. Pepper, George Lakoff and Mark Johnson was approached, trying to observe how the process of formation of scientific knowledge occurs from these philosophical views that can be considered related.

Keywords: Stephen C. Pepper. George Lakoff. Mark Johnson. Metaphor. Scientific Knowledge.

 

INTRODUÇÃO

Avaliamos ser relevante discutir a concepção filosófica do conhecimento científico de Stephen C. Pepper, senão por outras razões, por entendermos que seu trabalho pode ter sido “eclipsado” por volta de 1940, após a publicação de sua principal obra. Historicamente, consideramos que o pragmatismo norte americano estava “perdendo terreno” neste período, particularmente para o empirismo lógico, desde o começo da migração de importantes pensadores do empirismo lógico Europeu para os Estados Unidos no início do século XX (Siqueira, 2019). Com efeito, isso direcionou parte das pesquisas filosóficas naquele país, como sobre os fundamentos da ciência; a busca pela correspondência empírica entre teoria e experiência; a análise do significado de conceitos e afirmações; etc.

O pragmatismo norte americano do século XX herdava elementos fundamentais das ideias de Charles S. Pierce do final do século XIX, seja em relação ao conhecimento, a filosofia da ciência, a filosofia da linguagem, a metafísica etc., impactando nas ideias de Pepper, como em sua compreensão do conceito de “metáfora”, e, mais diretamente, na análise de Pepper da linguagem (em relação à defesa do contexto linguístico e ao significado de conceitos e afirmações da linguagem). Apesar de tal aproximação, deve-se esclarecer que Pepper, em sua biografia, não se reconhece enquanto um pragmatista, discorrendo sobre tal visão de mundo somente como uma entre outras posições filosóficas, declarando-se também preocupado em lidar com hipóteses e evidências “mais confiáveis” – um método que invariavelmente se aproxima daquele proposto por pensadores pragmatistas.

De maneira geral, a concepção de Pepper, em sua principal obra de 1942, destaca a importância das visões de mundo, categorizando-as, identificando metáforas raiz em cada uma delas, e tornando-as responsáveis pela formação das hipóteses de mundo, de construção do conhecimento e da linguagem. Considera as hipóteses de mundo como estruturas que filtram o mundo (enquanto fenômeno), bem como formas de interpretação dos elementos da experiência e formadores de conceitos (nem sempre com significados totalmente explícitos, admite Pepper). Com efeito, são admitidos também conhecimentos implícitos, no sentido de que há pressupostos que frequentemente não podem ser explicitados nas práticas correntes da linguagem, como aqueles derivados de leis lógicas ou de algum tipo de empiria. Desta forma, Pepper está identificando também definições implícitas enquanto formadoras e definidoras de conceitos e significados. Concepções filosóficas interessantes, já no início do século XX, eram propostas como alternativas a formas de definições explícitas na ciência, como as análises de Ludwick Fleck, e mais tarde, por Karl Polanyi etc., influenciando filosofias da ciência importantes da metade do século XX em diante, particularmente a filosofia de Thomas Kuhn, seja em relação ao conceito de paradigma, ciência normal, incomensurabilidade etc., apenas para citar alguns casos.

Nossa análise segue uma exposição do pensamento de Pepper e posteriormente extrapolações e conexões com o trabalho de Lakoff e Johnson publicado algumas décadas depois de World Hypotheses de Pepper.

O PENSAMENTO DE STEPHEN C. PEPPER

Em sua obra World Hypotheses (1942) Pepper defendeu que as hipóteses de mundo podem ser compreendidas como interpretações (do sujeito) que buscam unificar/filtrar/organizar/analisar a experiência empírica a partir de “analogias vivenciais”, as quais Pepper denominou como “metáforas raiz”. Estas são consideradas esquemas cognitivos advindos da experiência sensível do observador em sua relação mais “básica” com o universo fenomênico, característico das visões de mundo do cientista.

De forma categórica, o esquema defendido por Pepper foi identificar quatro visões de mundo (hipóteses de mundo) que o autor considerou como aceitáveis, a saber: o formismo, o mecanicismo, o organicismo e o contextualismo, além de outras duas visões de mundo “problemáticas”: o animismo e o misticismo, sendo que cada uma delas contém sua metáfora raiz. Descreveremos aqui as quatro visões de mundo aceitáveis para Pepper.

A metáfora raiz do formismo baseia-se na similaridade entre os fenômenos, na tentativa de estabelecer semelhanças e/ou diferenças entre os objetos da experiência, nominando-os e/ou descrevendo suas formas. De acordo com Pepper, filosofias que apresentam características desta metáfora raiz em suas descrições do mundo são encontradas nas filosofias de Platão, dos escolásticos etc., (por exemplo). O autor reconhece também uma certa dificuldade em apresentar uma exemplificação precisa das metáforas raiz a partir de estruturas filosóficas, uma vez que nem sempre estas características podem ser identificadas.

O mecanicismo tem como sua metáfora raiz a identificação de relações de causa e efeito nos fenômenos, na tentativa de estabelecer regularidades, leis etc. As filosofias tomadas como exemplos de apresentar características dessa metáfora raiz seriam as de Demócrito, Lucrécio, Galileu, Descartes, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume, Reinchenbach etc., segundo Pepper. Elas teriam como característica a busca pela compreensão de estruturas integradas gerais que são observadas no mundo e descritas (alcançadas) pela linguagem.

O organicismo tem como metáfora raiz a identificação da coerência para o estabelecimento de uma estrutura orgânica. Exemplificando, esta metáfora raiz apareceria em filosofias como o idealismo de Schelling e Hegel, de acordo com Pepper, cujas filosofias procurariam fazer sentido, a partir de fragmentos de informações, com teorias “mais completas”, evitando contradições e construindo um “todo” orgânico.

Já o contextualismo tem como metáfora raiz a identificação de relações e padrões a partir da perspectiva e do contexto do observador. Esta identificação utiliza a linguagem como ferramenta, mediada pelo contexto da ação, concebendo-a não enquanto uma ferramenta apenas descritiva, isto é, que retrata ou espelha em palavras a “realidade”, mas como um instrumento ativo, que se adapta ao contexto de determinadas ações e transforma a interpretação do sujeito. Esta característica é frequente em correntes filosóficas como o pragmatismo, particularmente na filosofia da linguagem de Charles S. Peirce, por exemplo, admite Pepper. Salienta também que os eventos empíricos são intrinsecamente complexos e compostos de diversos padrões, bem como por atividades inter-relacionadas que continuamente mudam e que, portanto, devem ser reconhecidas como um “ato” que só faz sentido dentro de sua “trama” - contexto.

De maneira geral, podemos dizer que a teoria de Pepper pode vir a fomentar um quadro de possíveis reflexões relevantes à filosofia da ciência, ao se atentar às fundamentações, muitas vezes implícitas (e influenciadas por vieses subjetivos) dos teóricos, notando como algumas divergências (ou até mesmo a não aceitação de certos argumentos) entre alguns estudiosos podem estar relacionadas à falta de clareza sobre suas visões de mundo.

Além de caracterizar as visões de mundo aceitáveis e problemáticas, na obra de 1942, Pepper buscou também combater certas perspectivas de mundo que considerou inadequadas, a saber, o dogmatismo, ecletismo e ceticismo. Em particular, em relação ao dogmatismo e ao ecletismo, o autor considera que as perspectivas inadequadas são aquelas que se fecham a um possível diálogo (dogmatismo) ou transformam o diálogo em algo confuso (ecletismo). Sobre o ceticismo, defendeu que “o ceticismo total leva ao dogmatismo, e o dogmatismo leva ao ceticismo total” (PEPPER, 1942, p. 16). De maneira geral, a “metáfora raiz” em Pepper tem como objetivo oferecer uma versão diferente e crítica em relação às perspectivas mencionadas, ao valorizar o estudo e reconhecimento do mediador do conhecimento, uma vez que a interpretação de um fato pode ser diferente, dependendo das categorias fundamentais de percepção entre os sujeitos do conhecimento. A proposta de metáforas raiz busca discriminar o ponto de separação entre fato e hipótese, pois “o que são fatos puros para uma teoria, são evidências altamente interpretadas por outra” (PEPPER, 1942, p. 100). Desta forma, Pepper destaca a metáfora raiz enquanto um instrumento mediador de comunicação entre visões de mundo diferentes, sustentando que a separação entre fato e interpretação, realizada pelas hipóteses de mundo, não é feita de forma arbitrária, mas que cada hipótese de mundo busca se substanciar por meio da corroboração de dados. De outra forma, a metáfora raiz apresenta os pressupostos ontológicos, todavia implícitos, que um pesquisador possui a respeito da experiência, levantando a discussão sobre tais pressupostos, numa tentativa de construir um diálogo entre diversas visões de mundo.

Em seu livro, Pepper faz uma analogia interessante entre jogos e visões de mundo, ao declarar que um jogador de baseball não poderia criticar um jogador de tênis por sua falta de home runs, o que demonstra, assim, a ilegitimidade de forçar um grupo de regras de um contexto/visão em cima de outro “jogo”. Ao apresentar esta analogia, Pepper busca demonstrar que cada visão de mundo é autônoma e cria seu próprio campo de estudo, apontando que tentativas de avaliar e analisar uma visão de mundo contra outra é ilegítima e inútil, pois cada uma parte de bases diferentes e possui critérios de validação diferentes. Assim, cada visão de mundo, conforme descrito anteriormente, busca ser o mais abrangente (isto é, responder ao maior número de informações/dados) e mais precisa (isto é, que oferece uma interpretação mais exitosa para uma pluralidade de dados) quanto possível, notando, no entanto, que estas duas características são inversamente proporcionais – quanto mais abrangente e geral uma teoria, menor é sua capacidade para especificar eventos singulares e vice-versa.

A proposta de Pepper não se volta ao processo de “encontrar” as metáforas raiz na experiência, mas de observar o valor cognitivo das metáforas raiz, enquanto analogias relativas à construção do conhecimento humano, e as “pegadas” que podem ser encontradas de tal processo, desde os primeiros passos na relação de uma nova informação com o senso comum, até se tornar, posteriormente, em conhecimento criticável e reconhecido como científico. Para Pepper:

[…] hipóteses de mundo começam como uma hipótese de um homem comum, emoldurado para resolver um problema prático intrigante. O homem olha para trás, sobre sua experiência passada para alguma ação análoga que possa ser aplicável ao seu problema atual. Da mesma forma, um filósofo, intrigado com a natureza do universo, olha para alguma experiência grávida que parece ser uma boa amostra da natureza das coisas. Esta é a sua metáfora raiz. Ele analisa sua amostra, seleciona seus elementos estruturais e os generaliza como conceitos orientadores para uma hipótese mundial de alcance ilimitado. Este conjunto de conceitos torna-se o conjunto de categorias de sua hipótese de mundo (PEPPER, 1982, p. 199).

Pepper defende que o desenvolvimento final de um dado conhecimento não deve ser julgado por sua origem (dando o exemplo da química, que teve suas origens na alquimia), mas ao apontar as limitações demasiadamente humanas relativas à construção do conhecimento, através das “visões de mundo” singulares que os pesquisadores possuem ao analisar e interpretar um dado fenômeno, que em diversas circunstâncias pode levar a debates infrutíferos sobre qual perspectiva é a “correta”. O autor critica posições filosóficas que negam o processo cognitivo de construção do conhecimento, ao não levarem em consideração as “imperfeições” e vieses cognitivos do sujeito do conhecimento.

Seguindo a argumentação de Pepper, é possível observar uma semelhança entre as hipóteses de mundo que o autor selecionou, e uma teoria científica, expondo que:

No máximo, há apenas a diferença de escopo, e mesmo isso não acontece, já que os cientistas de hoje sempre ajudaram no desenvolvimento de teorias estruturais do mundo e muitas vezes acreditaram ardentemente nelas (PEPPER, 1942, p. 82).

Pepper justifica as hipóteses de mundo ao destacar a “força” delas à capacidade de relacionar, com grande proximidade, fatos e interpretações, a ponto das duas se unirem em uma só – em um esquema simbólico arquitetado de modo a organizar os dados.

As hipóteses de mundo, de acordo com Pepper, nascem do tratamento de dados com base na construção de afirmações cognitivas refinadas, substanciadas pelos referidos dados corroborativos, vindo a existir:

[...] dois tipos de corroboração e, consequentemente, dois tipos de evidências críticas. Há corroboração do homem com o homem e corroboração de fato com fato. Vamos chamar à primeira "corroboração multiplicativa" e a segunda “corroboração estrutural” (PEPPER, 1942, p. 47-48).

A metáfora raiz seria a tentativa do autor de desenvolver uma interpretação unificadora de vários fatos e experiências organizadas a partir de uma única “pista” experiencial/vivencial radical e intuitiva. Esta “pista” se remeteria à maneira pela qual estudiosos, ao perceberem um fato, buscam compreendê-lo a partir de certas categorias básicas. A fim de sumarizar o conceito de metáfora raiz, Pepper descreve que:

Um homem desejando compreender o mundo olha aproximadamente para um indício da sua compreensão. Ele arremessa em cima de alguma área o senso comum e tenta entender outras áreas em termos deste. Esta área original transforma-se em sua analogia básica ou metáfora raiz. Ele descreve o melhor que pode as características desta área, ou, se você quiser, discrimina sua estrutura. Uma lista de suas características estruturais transforma-se em seus conceitos básicos da explanação e da descrição. Chamamos-lhes um conjunto de categorias. Em termos destas categorias, ele prossegue para estudar todas as outras áreas do fato, seja anteriormente criticado ou não. Ele se compromete a interpretar todos os fatos em termos dessas categorias. Como resultado do impacto desses outros fatos sobre suas categorias, ele pode qualificar ou reajustar as categorias, de modo que um conjunto de categorias comumente muda e se desenvolve. Uma vez que a analogia básica ou a metáfora raiz normalmente (e provavelmente, pelo menos, em parte necessariamente) emerge fora do senso comum, é necessário muito desenvolvimento e refinamento de um conjunto de categorias, para elas se mostrarem adequadas para uma hipótese de escopo ilimitado. Algumas metáforas raízes provam ser mais férteis do que outras, tendo maiores poderes de expansão e de ajuste. Estas sobrevivem em comparação com as outras e geram as teorias do mundo relativamente adequadas (PEPPER, 1942, p. 91-92).

Após esta breve exposição da teoria de Pepper, serão abordadas na sequência, algumas ideias de Lakoff e Johnson, a fim de orientar um diálogo com Pepper.

SOBRE O CONCEITO DE METÁFORA EM LAKOFF E JOHNSON

Os filósofos e linguistas norte-americanos George Lakoff e Mark Johnson defenderam a natureza conceitual da metáfora, por exemplo, em Lakoff e Johnson, 1980; Lakoff e Johnson, 1980(a); Lakoff e Johnson, 1999; e Lakoff e Johnson, 2002. Por “natureza conceitual” da metáfora, Lakoff e Johnson a concebem como um mecanismo utilizado pelo ser humano para compreender conceitos abstratos, bem como para desenvolver raciocínios abstratos, além de lidar com situações e conceitos desestruturados. Para eles:

[...] o significado está fundamentado em nossa experiência sensório-motora e que esse significado corporificado é estendido, por meio de mecanismos imaginativos como metáfora conceitual, metonímia, categorias radiais e várias formas de combinação conceitual, para moldar a conceituação abstrata e o raciocínio (JOHNSON e LAKOFF, 2002, p. 245).

A metáfora, entendida por eles, é considerada como “molde” para a conceituação abstrata e o raciocínio. Além disso, consideram que a metáfora é uma ferramenta cognitiva conceitual que parte de experiências físicas para compreender conceitos abstratos, bem como a possibilidade de que tais processos possam estar envolvidos no desenvolvimento de inferências relacionadas a entidades e a conceitos abstratos em campos como a física, psicologia, matemática, economia, filosofia, entre outros (Lakoff e Johnson, 1999).

De acordo com Lakoff e Johnson (1980), a metáfora transpassa o cotidiano do homem, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação, estruturando a percepção do mundo (fenomênico) e a forma de se relacionar com outras pessoas. Todavia, devido ao fato das metáforas formarem um sistema conceitual de forma “inconsciente”, isto é, de forma automática e implícita, estes autores buscaram dar suporte à sua argumentação ao analisar algumas metáforas, por exemplo, na discussão a respeito da metáfora “teorias são edifícios” entre outros; também ao perceber como tais metáforas (estes constructos cognitivos íntimos e não declarados) influenciam a prática e a interação humana, no sentido de construir um conhecimento baseado em outros dados que servem de “alicerce” para as argumentações.

Lakoff e Johnson se colocam a favor de uma posição pragmatista em relação ao processo de formação da linguagem e ao significado dos conceitos, se preocupando em “como os seres humanos lidam com um conceito, como eles compreendem e funcionam em termos disso” (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 117), considerando a compreensão cognitiva como uma experiência que trata de domínios mais gerais, em vez de conceitos isolados e/ou específicos. Os autores, ainda na linha pragmatista em relação a linguagem, não aceitam somente significados objetivos, explícitos etc., aos conceitos, uma vez que acreditam que nossas experiências diferem de cultura para cultura e podem depender de nossa compreensão, bem como ser assimiladas e interpretadas em relação a outras experiências consideradas mais “básicas”. As metáforas são assim utilizadas como ferramentas cognitivas que relacionam parcelas da experiência a partir de características e propriedades similares, que são então conceituadas, isto é, compreendidas relacionalmente a partir de um sistema cognitivo interacional – do indivíduo com o mundo (que, continuamente, se transforma) – construindo as relações de similaridade através de experiências (experiências gestálticas, as quais consideram os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas, indivisíveis e articuladas, ou em outras palavras, como configurações cognitivas da experiência como um todo) e não de forma totalmente objetiva e explícita.

Lakoff e Johnson argumentam que a metáfora revela as limitações do “mito” da objetividade, isto é, de que “o mundo é feito de distintos objetos, com propriedades distintas e relações fixas entre eles a qualquer instante” (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 211), posicionando-se, conforme já mencionado, a partir de uma postura pragmatista da linguagem, ao declarar que “vemos questões relacionadas ao significado em linguagem de forma natural [...] em vez de questões de pressupostos e argumentações filosóficas a priori” (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 211). Consequentemente, estes autores defendem a importância da metáfora ao notar que tal artifício penetra “não meramente em nossa linguagem, mas em nosso sistema conceitual” (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 211), ou seja, em como nós compreendemos nossas experiências, justificando, dessa maneira, a importância do estudo da metáfora ao se lidar com temas como “significado”, “linguagem” e “conhecimento”. A alternativa sugerida por Lakoff e Johnson para tratar sobre estas questões não é assumir uma posição subjetivista/relativista, mas sim, uma posição experimentalista, ou seja, uma posição de que eles (“significado”, “linguagem” e “conhecimento”) são resultados de nosso processo de percepção e interação com o mundo (fenomênico), o qual não é arbitrário e/ou irrestrito, mas sim, origina-se de uma experiência vivida (logo, experimentalista) dos fenômenos, que é diretamente afetada por nossas capacidades e “caminhos” cognitivos – apontando a metáfora como um desses “caminhos”.

Segundo Lakoff e Johnson, com base nos instrumentos cognitivos, como a metáfora, a experiência pode ser compreendida pelo indivíduo (ligando através da linguagem - a experiência à rede de conhecimentos - tornando-os coerentes e inteligíveis), bem como ela (a metáfora) possibilita a expressão de tal experiência a outras pessoas através da linguagem, mesmo que ainda não seja uma conexão perfeita entre “conhecimento-linguagem-experiência”. Além disso, a concepção de Lakoff e Johnson estabelece que o corpo do homem faz parte de seu ambiente, modificando o foco de questões externas (objetivistas) ou internas (subjetivistas), para uma posição interacionista do indivíduo com seus pares – e deste com seu ambiente. Tal perspectiva pressupõe uma contínua transformação de significados, dada a sua contínua interlocução entre os indivíduos e o mundo, colocando assim, o homem enquanto um ser ativo que transforma e é transformado pelo ambiente físico, social e cultural.

A partir do exposto sobre a metáfora em Lakoff e Johnson, será apresentada, a seguir, as possíveis interlocuções com Pepper.

PEPPER E SUAS POSSÍVEIS INTERLOCUÇÕES

A partir do que foi apresentado anteriormente, é possível observar que ideias, hoje desenvolvidas e defendidas por Lakoff e Johnson, as quais destacaram a importância das metáforas no processo cognitivo referente ao entendimento e à produção de conhecimento, não fazem menção à filosofia de Pepper, apesar deste tratar, através de uma linguagem e ênfase diferentes, pontos muitos semelhantes, especificamente sobre o fato de que o homem busca fazer sentido sobre as informações acumuladas (dubitanda e posteriormente datum), procurando relações com hipóteses ou visões de mundo primordiais, as quais se baseiam em metáforas raiz.

A partir do exposto, segundo Pepper, o processo (ideal) de construção do conhecimento científico segue o caminho de, primeiramente dubitanda, que se adequaria a datum, e finalmente faria sentido a partir de dandum. Deve ser notado que dandum serviria como um filtro que refina o datum, a fim de ser compreendido dentro de uma adequada hipótese de mundo. Seguindo os passos descritos anteriormente (idealmente utilizados), Pepper acredita que haveria “rastros” de dubitanda no resultado final do conhecimento científico e o princípio da metáfora raiz é instrumental na busca por elucidar este processo, apontando que na busca de compreensão do mundo o homem inicialmente busca “pistas” para seu entendimento, utilizando-se de suas experiências primárias e corporais (senso comum) a fim de compreendê-lo. Através de sua argumentação sobre metáforas raiz, Pepper se assemelha a proposta de Lakoff e Johnson ao discutir que através do conhecimento científico, o ser humano busca perceber o mundo (fenomênico), mas somente alcança contato com experiências gestálticas que fazem “sentido” com suas “visões de mundo”.

Pepper destaca (podendo sua hipótese ser relacionada à teoria de Lakoff e Johnson) que o homem constrói um conhecimento sobre o mundo (fenomênico) de uma forma quase “automática”, falseando a ideia de um pensador poder interagir com o mundo sem criar e/ou fazer relações entre os fenômenos, “pois todos nós temos e usamos hipóteses de mundo, [...] temos percepções, e nos movemos dentro de relações geométricas” (PEPPER, 1942, p. 2), pontos estes (hipóteses, percepções e relações geométricas) também mencionados pela teoria de Lakoff e Johnson (1980), os quais observaram em sua pesquisa que o homem busca fazer sentido do mundo utilizando-se de experiências primárias, como as metáforas, para a compreensão do mundo.

É interessante notar que Pepper em 1942 indicou que o motivo para o não estudo, até então, pela filosofia do conhecimento, sobre as hipóteses de mundo e suas metáforas raiz, deve-se ao fato de tal processo ser tão íntimo ao homem que se torna difícil se afastar e olhá-las com certa distância e objetividade. Além disso, menciona que uma posição de questionar o automático e o íntimo é uma atitude difícil, porém, esclarecedora e positiva em direção à compreensão dos processos que levam a construção do conhecimento. Indicamos através deste texto, ao apresentar o trabalho de Pepper e, posteriormente, o trabalho de Lakoff e Johnson, que uma compreensão do mundo fenomênico é produto da formação de um sistema conceitual que utilizamos para interagir com ele. Também, de forma semelhante ao processo metafórico, a busca pela compreensão dos eventos passa pela análise e comparação de informações mais simples e claras (como as metáforas raiz de Pepper), a fim de organizar o processo cognitivo que envolve a produção do conhecimento científico.

Como vimos, Pepper considera que o conhecimento científico se dá através de um processo de questionamento crítico que se inicia a partir do “senso comum”, o qual pode ser interpretado como o resultado da interação normal, diária e irreflexiva que o indivíduo desenvolve em sua relação com o mundo. Lakoff e Johnson defendem que a “formação” deste “senso comum” é transpassado pelo uso de metáforas, da mesma forma que Pepper sugere que as visões de mundo têm suas raízes em metáforas experienciais. Podemos tomar como exemplo a explicitação de Lakoff e Johnson (1980a) a respeito da metáfora, uma vez que a metáfora estrutura nossas experiências na forma de Gestalt multidimensionais, tornando tais experiências coerentes ao se observar correspondências com certos elementos de uma outra Gestalt (também de nossa experiência), possibilitando sua compreensão. No exemplo da discussão sobre as características da metáfora “argumento enquanto guerra” na atividade do diálogo, ele nos permite organizar nossa conversação de modo a alcançar os objetivos propostos pela discussão sem a necessidade de “destruir” ou “acabar” com o diálogo. Conforme exposto por Lakoff e Johnson:

Conceitos metafóricos são necessários para entender a maior parte do que acontece em nosso mundo. Uma teoria científica tenta fornecer uma compreensão de alguma classe de fenômenos através da elaboração consistente de algum conjunto de conceitos metafóricos. Quando as metáforas básicas de uma teoria científica são extensões de metáforas básicas em nosso sistema conceitual cotidiano, então sentimos que tal teoria é "intuitiva" ou “natural” (LAKOFF e JOHNSON, 1980a, p. 207).

Ao analisar a perspectiva de Pepper e a expressão de uma experiência (pessoal ou científica), observa-se que esta depende de vários fatores, por exemplo, da cultura, do conhecimento, de valores, de pressupostos etc., tornando a comunicação um processo de negociação de significados. A imaginação metafórica, a partir do que foi exposto, pode servir como um instrumento promissor a fim de superar “visões de mundo diferentes” (conforme observado por Pepper), ao relacionar experiências básicas compartilhadas por diferentes pessoas, possibilitando a criação de um espaço de comunicação e compreensão comum. A condição acima mencionada é notadamente reconhecida uma vez que a metáfora é muitas vezes utilizada na comunicação entre áreas de conhecimento distintas, onde a imaginação metafórica pode possibilitar a relação de aspectos que outro indivíduo pode compreender a partir de experiências básicas (de ambas as áreas) que podem ser compartilhadas.

Ao discutir sobre a comunicação entre áreas (com “visões de mundo” diferentes) é interessante nos voltarmos para a perspectiva de Lakoff e Johnson (1980), ao argumentar que deveríamos abandonar uma perspectiva totalmente objetivista da linguagem, e, por conseguinte, adotar as metáforas da linguagem, uma vez que através de tal tomada de perspectiva poderíamos construir perspectivas (e conhecimentos) diversos e produtivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre a questão das “metáforas raiz”, “visões de mundo” (“hipóteses de mundo”), implicações para a linguagem e formação de conceitos etc., revela que são temas que além de destacar os detalhes interessantes sobre o processo de formação do conhecimento em geral, desperta também interesse especial em relação às novidades sobre a formação do conhecimento científico e a sua estruturação.

Além disso, temos nesta filosofia do conhecimento um posicionamento contrário às tendências da época em relação ao empirismo na ciência, ou ao destaque excessivo do empirismo nos fundamentos da ciência, especialmente presentes nas filosofias do conhecimento do final do século XIX e início do século XX em áreas como as ciências da natureza.

Da mesma forma, expõe também as qualidades negligenciadas da experiência metafórica, ao argumentar que tais qualidades não devem ser tomadas como simples “sentimentos subjetivos”, mas, percebidas como instrumentos construtores do conhecimento. Uma virtude que pode ser levantada ao se posicionar, como Pepper fez, em tentar explicitar as metáforas raiz, advém de sua capacidade de prover um quadro filosófico do conhecimento mais amplo a fim de apreciar e criticar as suposições e resultados das discussões envolvendo um dado tema – a metáfora – no contexto científico de aquisição do conhecimento. No entanto, ao se discutir aberta e claramente as visões de mundo e suas possíveis metáforas raiz, deve-se assumir uma posição falibilista, aberta a discussão crítica, onde novas visões de mundo podem ser concebidas, novas metáforas raiz também são possíveis, ou até mesmo a eliminação de elementos considerados por Pepper em um primeiro momento como interessantes.

Pepper, Lakoff e Johnson compartilham uma valorização das metáforas, ao concebê-las enquanto ferramentas organizadoras e formadoras do pensamento humano, e um dos benefícios de discutirmos tal processo é podermos também construir um espaço de diálogo entre diferentes formas de perceber (visões de mundo), ao traçar os passos de construção do conhecimento, e assim conceber (ou pelo menos aceitar) quadros de referência alternativos e diversos da realidade, que podem enriquecer nossas discussões.

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STROUD, S.R. Pragmatism, Pluralism, and World Hypotheses: Stephen Pepper and the Metaphysics of Criticism. Philosophy & Rhetoric, v. 48, n. 3, p. 266-291, 2015.

 

 

Vinicius Siqueira

Possui bacharelado e licenciatura em Psicologia pela Universidade Paranaense (2004), segunda licenciatura em Filosofia pela Universidade Paranaense (2020), Especialização em Terapia Analítico Comportamental pela Universidade Paranaense (2005), Especialização em Docência do Ensino Superior pela UNIPAN/FACIAP (2011), Master of Science by Research in Psychology - University Of Wollongong - Australia (2011), Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea pela UNIOESTE (2018). Atualmente trabalha como psicólogo na Secretaria de Saúde da cidade de Cascavel/PR, atuando principalmente nos seguintes temas: terapia de aceitação e compromisso, psicoterapia comportamental, ensino, pragmatismo, história e filosofia das ciências.

 

Douglas Antonio Bassani

Graduação em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas-UCPEL. Mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP (2003-2008). Professor de Filosofia da Graduação e do Mestrado em Filosofia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE-Campus de Toledo-PR. Publicou artigos e livro sobre sua pesquisa na área de Filosofia da Ciência e História da Ciência.

 

 

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