Emoções e construção social: ainda há lugar para o socioconstrutivismo na filosofia das emoções?

Emotions and social construction: is there still a place for socioconstructivism in the philosophy of emotions?

 

 

Felipe Nogueira de Carvalho

0000-0002-0584-3424

felipencarvalho@gmail.com

UFLA – Universidade Federal de Lavras

 

Sabrina Balthazar R. Ferreira

0000-0001-6992-3215

sabrinabrf@hotmail.com

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

 

Recebido: 23/10/2023

Received: 23/10/2023

Aprovado: 25/11/2023

Approved: 25/11/2023

Publicado: 29/12/2023

Published: 29/12/2023

Resumo

Na década de 1980, um programa de pesquisa se popularizou no campo da filosofia e psicologia das emoções. Esse programa, denominado construcionismo social, afirmava que emoções eram produtos de fatores sociais e não poderiam ser compreendidas em um vocabulário adaptacionista. No entanto, ao longo do tempo essas teorias perderam grande parte de sua força e popularidade, e praticamente desapareceram da filosofia das emoções contemporânea. O objetivo do presente artigo será diagnosticar esse predicamento, e perguntar se o construcionismo social ainda poderia ser uma via teórica interessante para o estudo das emoções. Para isso, iremos clarificar o significado da metáfora da “construção” e examinar algumas das principais teorias construcionistas de emoções. Embora nossas conclusões sejam negativas em relação ao rótulo da construção social, elas podem ainda assim trazer algum alívio para aqueles que se simpatizam com suas pretensões teóricas, prescrições metodológicas e foco de análise.

Palavras-chave: Emoções. Construção Social. Afetividade situada. Variação cultural. Debunking project.

Abstract

In the 1980s, a research program became popular in the field of philosophy and psychology of emotions. This program, called social constructionism, claimed that emotions were products of social factors and could not be understood in an adaptationist vocabulary. However, over time these theories lost much of their strength and popularity, and practically disappeared from contemporary philosophy of emotions. The goal of this paper will be to diagnose this predicament, and ask whether social constructionism could still be an interesting theoretical path for the study of emotions. To do this, we will clarify the meaning of the “construction” metaphor and examine some of the main constructionist theories of emotions. Although our conclusions will be mostly negative regarding the social construction label, they may nevertheless bring some relief to those who are sympathetic to its theoretical goals, methodological prescriptions and focus of analysis.

Keywords: Emotions. Social construction. Situated affectivity. Cultural variation. Debunking project.

 

Introdução

Given the multiple uses of the term ‘social construction,’ one might wonder why it matters whether this or that project is properly characterized as a form of social constructionism. And of course, in the abstract it matters very little. But in the current academic context, the classification of some view as social constructionist can mean that it is not worth taking seriously or, alternatively, that it is one of the views to be taken seriously (Haslanger, 2012, p. 113-114).

Durante as décadas de 1960 e 1970, o programa de pesquisa adaptacionista sobre emoções ganhava proeminência em debates científico-filosóficos. Fortemente ancorado nas evidências recém descobertas de Paul Ekman & Wallace Friesen (1971), Carrol Izard (1971) e Robert Plutchik (1970) sobre a suposta universalidade das expressões faciais de emoções e dos circuitos neurais subjacentes a cada emoção, o programa adaptacionista compreendia emoções discretas como raiva, medo, tristeza etc.[1], como respostas adaptativas selecionadas pela evolução por terem ajudado nossos ancestrais a lidar com desafios ambientais recorrentes (como ameaças, perdas, disputas etc.), cada uma delas com seu conjunto característico de movimentos faciais e corporais involuntários, ativação neural e do sistema nervoso autônomo, e assim por diante. Esses comprometimentos teóricos podem ser claramente observados nas seguintes passagens:

Emoções evoluíram através da adaptação ao nosso ambiente. Embora sejamos uma espécie capaz de uma enorme carga cognitiva, também fomos dotados de mecanismos biológicos que nos permitem reagir a tarefas de vida fundamentais – predicamentos humanos universais como perdas, frustrações, sucessos e alegrias. Cada emoção básica nos leva em uma direção que, ao longo da evolução, funcionou melhor que outras soluções em circunstâncias recorrentes que são relevantes para nossos objetivos (Ekman & Cordaro 2011, p. 364).

 

Para prover uma definição geral de emoção precisamos usar uma linguagem funcional ou adaptacionista. [...] Uma emoção é uma reação corporal padronizada para proteção, destruição, reprodução, deprivação, incorporação, rejeição, exploração ou orientação, ou uma combinação destes, causada por um estímulo (Plutchik, 1970, p. 12).

Uma reação significativa ao programa adaptacionista ocorreu na década de 1980, através de teorias socioconstrutivistas que criticaram duramente a validade de construtos teóricos da biologia evolutiva para uma compreensão adequada das emoções. Claro, os socioconstrutivistas não queriam com isso dizer que sistemas biológicos não estivessem de alguma forma envolvidos na ocorrência de episódios e estados emocionais; o ponto principal é que a linguagem adaptacionista nunca conseguiria explicar adequadamente as emoções pois não operariam no nível de análise adequado para tal empreitada teórica. Ao invés disso, os teóricos socioconstrutivistas diziam que emoções eram fenômenos socioculturais, e, portanto, só podiam ser compreendidas olhando para normas sociais e sistemas culturais mais amplos em que agentes afetivos estão inseridos, e que dão sentido para suas emoções. Como diz James Averill, “emoções não são apenas resquícios de nosso passado filogenético, nem podem ser compreendidas em termos estritamente fisiológicos. Ao invés disso, são construções sociais, e podem ser totalmente compreendidas apenas em um nível social de análise” (1980, p. 309).

No momento em que escrevemos esse artigo, cerca de 40 anos após a publicação das principais teorias socioconstrutivistas[2], é curioso notar que, ao passo que a teoria das emoções básicas, e teorias adaptacionistas de modo geral, ainda são desenvolvidas e debatidas na literatura[3], pouco se ouve sobre teorias socioconstrutivistas de emoções, exceto talvez como resquícios do passado que figuram em manuais como parte da história da filosofia das emoções contemporânea.[4]

Mas o que explica o sumiço quase completo destas teorias do panorama atual? Não é que o programa adaptacionista tenha de alguma forma “vencido” o debate – na verdade, boa parte dos desenvolvimentos mais recentes em filosofia das emoções compreende emoções como fenômenos constitutivamente sociais, realizados intersubjetivamente e sensíveis a normas e contextos sócio-culturais.[5] No entanto, nenhuma dessas teorias carrega consigo o rótulo de “socioconstrutivistas”, ou afirma que emoções são “construções sociais”. Mas por que a filosofia das emoções se desenvolveu desta forma, para longe do construcionismo social? Por que nos sentimos confortáveis em investigar a dimensão social das emoções, mas não em implementar tal investigação em um vocabulário socioconstrutivista?

À primeira vista, podemos pensar em algumas razões para esta desconfiança e resistência aos socioconstrutivistas. Em primeiro lugar, talvez não nos sintamos tão à vontade com a crítica forte desse programa de pesquisa ao uso de ferramentas teóricas da biologia evolutiva, ou ao vocabulário adaptacionista de modo geral. Como afirma Prinz, “toda emoção para qual temos um nome é produto ao mesmo tempo da natureza e da cultura. Emoções são adaptações e construções. A dicotomia entre as duas abordagens não se sustenta” (2004, p. 69). Ou seja, se quisermos de alguma forma manter uma explicação adaptacionista, ainda que parcial, de nossas emoções, parece que teremos que fazê-lo do lado de fora do construcionismo social, que, como vimos, parece defender o abandono de qualquer explicação ou vocabulário oriundos da biologia. Em segundo lugar, é particularmente difícil saber exatamente o que os socioconstrutivistas querem dizer com a afirmação de que “emoções são construções sociais”, visto que a metáfora da “construção” é raramente explicitada ou clarificada por seus proponentes. Nesse cenário, talvez seja de fato mais prudente investigar a dimensão social das emoções sem se comprometer teoricamente com um construto obscuro e duvidoso como “construção social”, algo que talvez nos remeta a vertentes mais radicais da sociologia que estão distantes de nossos objetivos teóricos.[6]

Mas será que tais preocupações estão realmente justificadas, e que devemos de fato abandonar o construcionismo social como um caminho teórico viável para o estudo filosófico das emoções? O objetivo do presente texto será fazer um esforço de compreensão do programa socioconstrutivista em algumas de suas diferentes vertentes, para que, ao fim de nosso percurso discursivo, estejamos em uma melhor posição para avaliar sua viabilidade teórica.

A estrutura do texto será a seguinte. Na próxima seção procuraremos clarificar a metáfora da “construção” e o significado da tese construcionista, a partir dos trabalhos de Ian Hacking (1999) e Sally Haslanger (2012). Em seguida, iremos aplicar estas conclusões a duas teorias construcionistas populares, de Rom Harré (1986) e James Averill (1980), explicando o sentido em que emoções são construções sociais nessas teorias. A seção seguinte irá explorar a possibilidade de investigar teoricamente os fatores sociais que influenciam as emoções fora de um quadro construcionista, enquanto a seção final esboçará algumas conclusões a respeito de porque o construcionismo social já não é mais tão popular como foi na década de 1980, e se haveria ainda espaço para algum tipo de construcionismo na filosofia das emoções contemporânea. Embora enxerguemos com aprovação a ideia de investigar as diferentes formas em que contextos culturais e sociomateriais influenciam e moldam fenômenos afetivos, também acreditamos que o rótulo “construcionismo social” traz pouco ganho teórico a essa empreitada, e, portanto, pode ser abandonado sem prejuízo.

Construção social: elementos gerais

Como já foi dito na seção anterior, uma das principais dificuldades em se avaliar teorias socioconstrutivistas diz respeito à falta de clareza quanto ao significado da metáfora da “construção”. O termo parece sugerir algo mais forte que uma mera “influência” social; é como se o objeto da construção passasse a existir apenas através da ação de forças históricas, sociais, culturais etc. Ou seja, mesmo que nossas reações emocionais sejam realizadas, de certa forma, por sistemas biológicos, são fatores sociais que fazem dessas reações uma emoção.

Essas observações, no entanto, ainda dizem muito pouco sobre o que seria uma teoria socioconstrutivista de emoções. Afinal, ainda nos resta saber, que forças históricas, sociais e culturais seriam essas? E porque supor que tais forças constroem emoções, ao invés de meramente influenciar a expressão e o gerenciamento de respostas emocionais, tal como sugerido por Ekman & Friesen (1975) com suas “regras de exibição”? Ao dizer que emoções são construções sociais, estamos dizendo que estão mais próximas de invenções humanas como dinheiro ou futebol e mais distantes de estados fisiológicos como fome ou fadiga, mas o que há de comum entre a afirmação que o sistema monetário é uma construção social e a de que emoções são construções sociais?

Essas dificuldades foram confrontadas por Ian Hacking em The social construction of what? (1999). Como observa o filósofo, tantas coisas diferentes já foram consideradas como construções sociais – de “fatos” a “realidade”, de “gênero” a “conhecimento”, de “natureza” a “nacionalismo”, de “refugiados” a “assassinos em série”[7] – que torna difícil saber se há de fato uma resposta geral sobre o significado da tese construcionista. A solução de Hacking face a essas dificuldades é deslocar o foco de análise e começar perguntando não sobre o conteúdo das teses construcionistas, mas sim sobre o objetivo de se articular uma tese desse tipo (1999, p. 5). Ou seja, o que queremos dizer ao afirmar (SCx): x é socialmente construído?

Segundo Hacking, (SCx) funciona como um tipo de denúncia, feita com o objetivo de criar, ou intensificar, a consciência social sobre um domínio em questão, a fim de alterar o modo como pensamos e agimos em relação a este domínio. Nesta perspectiva, (SCx) pode ser compreendida através do seguinte esquema:

(1)   X não precisava ter existido, ou ser do modo como é. X, ou x tal como é atualmente, não é determinado pela natureza das coisas; não é inevitável;

(2)   X é muito ruim da forma como é atualmente;

(3) Nossa situação seria melhor se nos livrássemos de X, ou transformássemos X radicalmente (Hacking, 1999, p. 6).

Mais tarde no texto, Hacking adiciona uma pré-condição ao esquema acima:

(0) no atual estado das coisas, x é tomado como dado; x parece ser inevitável (ibid., p. 13).

Esta pré-condição é importante, pois se já não há dúvidas quanto ao estatuto social de x, não há porque argumentar que x é uma construção social. É por isso que não encontramos trabalhos acadêmicos defendendo que dinheiro ou leis são construções sociais; isto já é óbvio demais, algo que não precisa de argumentação. Mas tomemos agora um dos exemplos favoritos de construção social, o gênero. A literatura feminista já nos convenceu de que (1) atributos relacionados a um ou outro gênero são altamente contingentes, que (2) eles são opressores às mulheres, e (3) que as mulheres estariam melhores se os atributos e papeis de gênero tradicionais do patriarcado fossem abandonados ou reformados. Além disso, a pré-condição (0) é satisfeita: até hoje há uma suposição cultural de que atributos de gênero são biologicamente determinados, e que mulheres são mais submissas, dóceis e maternais devido a características biológicas. Assim, ao dizer que o gênero de uma pessoa é socialmente construído, está a se fazer uma denúncia de que papéis de gênero são opressores e que, apesar de sua aparência de inevitabilidade, esses papéis são contingentes e resultado de práticas e decisões humanas, e por isso podem (e devem) ser alterados.

Mas embora o esquema de Hacking nos ajude a compreender um pouco mais o que está em jogo na asserção (SCx), ainda não é claro como ele pode ser aplicado ao caso das emoções, nosso tópico principal de investigação. O que exatamente queremos denunciar ao afirmar (SCe): emoções são socialmente construídas?

Curiosamente, Hacking analisa o caso das emoções como uma exceção. Isto é, para Hacking só faz sentido dizer que nossas ideias, conceitos ou sistemas de classificação são construções sociais, e não que as coisas elas mesmas o sejam. Afinal, são nossas ideias sobre gênero, raça, refugiados, sexualidade etc., que são socialmente construídas, e não os indivíduos eles mesmos que porventura poderão ser classificados desta forma. No entanto, no caso das emoções, a tese não é que nossas ideias sobre emoções são socialmente construídas (algo que parece óbvio), mas sim que as emoções elas mesmas são construções sociais (1999, p. 18). Hacking argumenta que se for esta a tese construcionista, ela perde todo o sentido, já que não há como uma emoção ser, literalmente, uma construção social, do mesmo modo que uma ideia ou um sistema de classificação. Nesse caso, Hacking sugere que devemos interpretar a ideia de construção meramente como um tipo de marcador, que sinaliza que emoções são culturalmente variáveis e não respostas biológicas automáticas e universais, e que não haveria nenhum ganho teórico na utilização do termo “construção social” que não poderia ser obtido simplesmente falando de “variação cultural”. Ou seja, a teoria socioconstrutivista de emoções é na verdade uma confusão conceitual, e, como tal, não se encaixa no esquema acima. Como diz Hacking, “já que não estamos falando (no caso das emoções) de nada que é literalmente construído, não é óbvio que esses insights (construcionistas) devam ser expressos em um vocabulário construcionista” (1999, p. 19).

Mas o que é para algo ser “literalmente” construído, e por que emoções não podem ser frutos desse processo? Isto tem a ver com a visão de Hacking brevemente exposta acima, de que apenas ideias, conceitos e classificações podem ser socialmente construídos. Nossas ideias não existem em um vácuo, mas fazem parte de uma certa matriz social que dá sentido à ideia em questão. Para usar o exemplo de Hacking, o termo “refugiada” existe em uma matriz social complexa que inclui instituições, advogados, decisões judiciais, procedimentos imigratórios, passaportes, formulários, centros de detenção etc. (1999, p. 10). Ser uma refugiada, nesse sentido, é ser parte desta matriz, e a tese construcionista é que o termo “refugiada” não é simplesmente determinado pela “natureza das coisas” (por exemplo, uma mulher que pede asilo político em outro país), mas faz parte dessa matriz social complexa em que a classificação carrega um certo estigma social e influencia o comportamento e a auto concepção das pessoas assim classificadas.

Mas o que é socialmente construído é a classificação “refugiada”, e não a pessoa assim classificada (apesar desta última ser psicologicamente afetada pela classificação em questão). Como diz Hacking, “quando lemos sobre a construção social de x, o mais comum é que queira se dizer com isso a ideia de x (em sua matriz)” (1999, p. 11). Aplicando o esquema visto anteriormente, a tese construcionista visa fazer uma denúncia, de que, apesar da aparente inevitabilidade de x (por exemplo, papéis de gênero), esta inevitabilidade é ilusória; papéis de gênero são contingentemente construídos pela matriz social em que essa ideia se encontra, e como essa matriz é atualmente opressora para mulheres, devemos alterá-la. Mas, como emoções não são o tipo de coisa que existem em uma matriz social da mesma forma que ideias, não faz sentido falar de construção social de emoções.

Mas por que emoções não podem existir em uma matriz social? Hacking não deixa claro o que ele entende por emoções, mas suspeitamos que ele tenha em mente algo como um estado interno, e nesse caso faz sentido pensar que é de fato uma confusão conceitual pensar que o estado interno em si possa existir em uma matriz social, ao invés do termo que utilizamos para falar desse estado. Mas se supormos, por exemplo, que uma emoção é um papel social, como sugere o construcionista James Averill (1980), por que não dizer que emoções existem em matrizes sociais? Afinal, papéis sociais tradicionais, como “marido”, “colega de trabalho” ou “professor”, existem dentro de matrizes sociais. O modo como me comporto quando desempenho algum desses papéis, algo que inclui coisas como postura corporal, tom de voz, vestuário apropriado, orientações verbais e afetivas etc., é ele mesmo parte de uma matriz social, constituída por instituições (família, universidade etc.), arranjos informais, contratos, responsabilidades, e assim por diante. Não é apenas a ideia desses papéis sociais, ou o termo que usamos para classificá-los, que faz parte desta matriz, mas o próprio comportamento.

Assim, suspeitamos que o diagnóstico que faz Hacking, de que a tese construcionista sobre emoções é meramente uma confusão conceitual, deriva de uma concepção limitada de emoções. Mas se adotarmos uma concepção menos ortodoxa, como propõem os construcionistas, nada impede que sejam partes de matrizes sociais, e assim “literalmente” construídas no sentido de Hacking. Assim, de acordo com as sugestões de Sally Haslanger (2012), propomos entender o construcionismo social da seguinte forma:

       (SCxF) x é socialmente construído constitutivamente como um F sse x é de um tipo F tal que, ao definir o que é ser F, devemos fazer referência a fatores sociais (ou: tal que, para que x seja F, x deve existir dentro de uma matriz social que constitui F (2012, p. 131).

Para Haslanger, o que o construcionista faz ao afirmar (SCxF) é se engajar em um tipo de “projeto desmascarador”, ou “debunking project”. Isto é, enquanto se pensava que F (raça, gênero, uma emoção) era um tipo natural, e que, portanto, dizer que x é do tipo F é atribuir uma propriedade biológica a x, (SCxF) irá desafiar as condições de verdade da afirmação “x é F”, mostrando que estas condições de verdade devem fazer referência a fatores sociais que fazem parte da matriz de F. Por exemplo, o enunciado “ela é uma mulher”, de acordo com o debunking project, não é verdadeiro sse a pessoa indicada pelo pronome feminino tem um par de cromossomos X; ele é verdadeiro sse a pessoa indicada pelo pronome feminino ocupa uma certa posição em uma matriz social (ver Haslanger 2012, p. 132). No caso das emoções, o construcionista diria que atribuir uma emoção a alguém (“ele está com raiva”) não é identificar uma resposta automática selecionada pela evolução, já que a raiva só pode ser entendida dentro de sua matriz social, e que, portanto, as condições de verdade da atribuição devem mencionar tais fatores sociais.

Este é, portanto, o esquema geral que captura de forma adequada o que está em jogo nas teses construcionistas. A ideia de Haslanger de um “debunking project” é compatível com o objetivo de denúncia enfatizado por Hacking, mas julgamos a definição de Haslanger superior por nos permitir analisar como emoções em si, e não apenas conceitos ou ideias, podem ser socialmente construídas – por exemplo, em termos de papeis sociais (Averill, 1980). Nesse sentido, a tese construcionista, de um modo geral, diria que para se definir emoções, deve-se fazer, constitutivamente, referência a fatores sociais. Esta é uma tese forte, que coloca fatores sociais na própria definição do que é uma emoção. Mas que fatores sociais seriam esses? Na seção seguinte iremos explorar algumas opções, com base nas teorias de Rom Harré (1986) e James Averill (1980).

Construção social: teorias específicas

Após a discussão sobre o que significa dizer que algo é socialmente construído, evidenciou-se a importância de especificar quais seriam os fatores sociais constitutivos de uma emoção. Nesse ínterim, ênfase será dada, nesta seção, à discussão de teorias socioconstrutivistas que elencam a linguagem e os conceitos como elementos sociais fundamentais na constituição das emoções. Enquanto construtos sociais, linguagem e conceitos atribuem aos fenômenos emocionais uma relatividade cultural, se afastando assim, de concepções teóricas universalistas e naturalistas, tais como a apresentada na introdução deste artigo.

O papel que a linguagem desempenha no construcionismo social das emoções é salientado pelo filósofo e psicólogo neozelandês-britânico Rom Harré. Ao defender a primazia dos aspectos sociais no estudo das emoções, Harré evidencia o papel preponderante da linguagem enquanto construto social. Segundo o autor, tanto a ordem moral quanto a linguagem correspondem a “duas questões sociais que afetam fortemente a experiência pessoal de emoção” (Harré, 1986, p. 9). Tais questões são intrinsecamente relacionadas ao contexto, o que o conduz a entender emoções em seu caráter sociocultural, pois segundo ele, “a maior parte da humanidade vive dentro de sistemas de pensamento e sentimento que guardam semelhanças superficiais entre si” (Harré, 1986, p.12). Em vista disso, a abordagem de Harré se configura em oposição às abordagens naturalistas, recusando, assim, a busca por uma essência ou mecanismo causal intrínseco às emoções. Nessa perspectiva, aspectos fisiológicos são compreendidos como fenômenos sociais mais básicos (Harré, 1986) e relegados a um segundo plano, o que coloca esta abordagem na contramão de perspectivas que entendem emoções enquanto imunes a variações contextuais e socioculturais. A articulação entre elementos biológicos e socioculturais na abordagem de Harré pode ser assim explicada:

Se as emoções são as condições fisiológicas, cognitivas e comportamentais que devem ser atendidas para que as palavras de emoção sejam aplicadas corretamente, e as gramáticas locais estipulam quais palavras de emoção requerem quais condições, segue-se que “pode haver variedade cultural nos repertórios emocionais de diferentes povos e épocas” (Harré, 1986, pp. 7-8). Ou seja, a rica paleta de termos emocionais entre culturas e períodos históricos não pode ser reduzida a uma pequena lista de emoções supostamente primárias, fundamentais ou básicas. “Cada palavra de emoção deve ser tratada como o índice de um conjunto único de condições” (Aranguren, 2017, p. 7)[8].

Conforme exposto, a linguagem exerce um papel preponderante na teoria socioconstrutivista de Harré, sinalizando um arcabouço sociocultural impossível de ser desvinculado das práticas sociais, sobretudo das experiências emocionais. Isso posto, Harré compreende a conduta humana como “[...] implementação de um sistema de crenças no curso do qual a linguagem desempenha um papel distinto e irredutível” (Harré, 1987, p. 4). A linguagem ocupa um lugar de destaque, pois “as relações sociais entre os seres humanos são criadas e mantidas principalmente pela fala (e mais recentemente pela escrita)” (Harré, 1986, p. 4). É em vista disso que Aranguren (2017, p. 6) salienta que “[...] entender a ação equivale a identificar a intenção que a ação expressa para o ator e para os outros”, sublinhando a importância em se deter na semântica das experiências ao invés de buscar relações causais das emoções.

Tendo como pano de fundo o papel significativo da linguagem, pode-se apontar dois princípios que fundamentam o socioconstrutivismo de Harré:

1) Os seres humanos adquirem suas características psicológicas tipicamente humanas, poderes e tendências em interações simbióticas com outros seres humanos (Harré, 1998, p. 27);

2) Os processos psicológicos dos seres humanos maduros são essencialmente coletivos e contingencialmente privados e individualizados (ibid., p. 29).

Nesse contexto, a concepção que entende “a atividade psicológica como um ato inerentemente individual e eventualmente construído de maneira social” (Abreu, 2021, p. 95), é substituída por uma na qual o ambiente sociocultural vai além de apenas fornecer estímulos, passando a integrar de modo efetivo a configuração das experiências emocionais. Não obstante, tal concepção esboça certa articulação entre aspectos linguísticos e avaliativos (appraisals)[9]:

A visão de Harré acerca das emoções articula alguns aspectos da teoria da avaliação (Arnold, 1960), em especial, o interesse pelo papel desempenhado pelos julgamentos cognitivos na construção dos afetos; e uma preocupação com a ação discursiva e performativa preconizada por essa emoção. Segundo o autor, “um sentimento emocional, e sua demonstração correlata, deve ser entendido como um fenômeno discursivo, uma expressão de um julgamento e uma performance de um ato social” (Harré; Gillet, 1994: 147) (Abreu, 2021, p. 100).

Com base no que foi apresentado, fica claro na perspectiva de Harré uma conexão entre as funções ativas do indivíduo e do ambiente. O primeiro desempenha um papel através de sua habilidade de avaliação, enquanto o segundo cria as condições socioculturais nas quais o primeiro se desenvolve e atua. Sendo assim, o autor concebe uma teoria na qual ele denomina como Emociologia, cujo método consiste na conjunção entre agitação corporal, julgamento avaliativo e tendência de ação – cujo emprego do termo emocional se dará em consonância com os padrões socioculturais do meio. Em suas palavras, “eu me chamaria de ‘zangado’ se sentisse um certo tipo de agitação, pensasse ter sido injustamente ferido de alguma forma, e tivesse uma tendência a responder à situação de uma maneira bastante forte” (Harré, 2009, p. 296). Ainda que estes elementos possuam certo grau de importância, nem sempre eles serão necessários para atribuição correta de termos emocionais. A título de exemplo podemos citar casos de “solidão” ou “orgulho”, que não esboçam manifestação de agitações fisiológicas de forma clara (Harré, 1986). Aranguren destaca a contribuição que a Emocionologia de Harré oferece ao campo socioconstrutivista de estudos das emoções, elucidando o papel que os elementos “social” e “construção” desempenham:

O elemento “social” é fornecido mais precisamente pelas regras culturalmente compartilhadas e socialmente impostas para o uso correto das palavras, que podem ser denominadas, abreviadamente, na gramática. O elemento “construção” visualiza as emoções não como unidades seladas dadas, mas como o resultado de processos ativos de montagem de componentes de nível inferior de acordo com essas “regras” (Aranguren, 2017, p. 6).

Aplicando o esquema de Haslanger a esta teoria, podemos dizer que, para Harré, emoções são híbridos somáticos-cognitivo-comportamentais, e são socialmente construídas porque, ao atribuir raiva a alguém (ou a si mesmo), deve-se fazer referência a fatores sociais para que a atribuição seja apta – a saber, o sistema sociolinguístico e a ordem moral em que o agente se encontra. Em outras palavras:

       (SCeF) Um certo conjunto híbrido e é socialmente construído constitutivamente como ‘raiva’ sse e é de um tipo tal que, ao definir o que é ter raiva, devemos fazer referência a fatores sociais (ou: tal que, para que e seja raiva, e deve existir dentro de uma matriz social que constitui a raiva, i.e., o sistema sociolinguístico e a ordem moral em que o agente se encontra).

Assim como Harré, James R. Averill, eminente estudioso no campo da psicologia, estabelece uma ligação entre o elemento linguístico, relacionado aos padrões socioculturais do ambiente, e diversos outros aspectos cognitivos do indivíduo. Segundo o autor, uma emoção pode ser entendida enquanto “uma síndrome socialmente constituída”, que pode envolver uma diversidade de ocorrências psicológicas. (Averill, 1980). Na obra A constructivist view of emotion (1980), Averill ressalta a preponderância do elemento construtivista em sua teoria:

O termo “construtivista” no título deste capítulo tem um duplo sentido. Primeiro, significa que as emoções são construções sociais, não dados biológicos. Em segundo lugar, significa que as emoções são improvisações, baseadas na interpretação individual da situação. Esses dois significados não são independentes (Averill, 1980, p. 305).

Nesse sentido, se contrapondo à ideia universalizante de emoções, segundo a qual haveria algo “[...]comum a todas as instâncias de raiva e ao qual o termo ‘raiva’ se refere em última instância” (Averill, 1980, p. 308), Averill lança mão do termo síndrome[10] para se referir às emoções, salientando seu aspecto diverso, contextual e dinâmico:

Uma síndrome pode ser definida como um conjunto de respostas que covariam de forma sistemática. Os dois elementos-chave nesta definição são “conjunto” e “sistemático”. A noção de conjunto implica que uma síndrome consiste em uma variedade de elementos diferentes; isto é, uma síndrome não é uma resposta unitária ou invariável. Mas nem qualquer conjunto de elementos pode formar uma síndrome. Os elementos também devem estar relacionados de tal maneira que formem um sistema coerente. Nesse sentido, as síndromes também podem ser definidas como sistemas de comportamento, em oposição a reações específicas (Averill, 1980, p. 307).

De acordo com o exposto, ainda que determinados componentes de uma emoção possam ser vislumbrados em diferentes ocasiões, nenhum destes são, de fato, necessários para caracterizar uma emoção – o que corrobora a concepção anti-naturalista e anti-universalizante de Averill. Para tanto, Averill recorre à noção de papéis sociais transitórios, subjacente à concepção de síndrome socialmente construída, sendo desejável, portanto, compreender como emoções podem se relacionar com papéis sociais transitórios. De acordo com o autor, um papel social corresponde a um padrão “socialmente prescrito de respostas a serem seguidas por uma pessoa em uma determinada situação” (Averill, 1980). Evidencia-se, assim, certa correspondência com a concepção de síndrome, por envolver sistemas de comportamento que são constituídos por elementos em interação.

Tal concepção nos remete à definição de síndrome apresentada, ou seja, de sistemas de comportamento, constituídos por elementos em interação. Certamente, a concepção de papel social enriquece a compreensão da síndrome, uma vez que o primeiro estabelece as circunstâncias que, por meio de diretrizes e normas sociais, permitem a formação de sistemas de comportamento adequado (Averill, 1980). Conforme relembra Cornelius (2000, s/p.), “Parte da função social das emoções [...] é regular o comportamento dessa maneira”.

De fato, as normas padronizadas que formam as síndromes se assemelham a estruturas cognitivas, como regras gramaticais, desempenhando um papel na formação dos padrões de comportamento, conforme delineados pelos papéis emocionais (Averill, 1980). Em vista disso, ressalta-se o papel significativo que aspectos linguísticos desempenham na teoria socioconstrutivista de Averill, na medida em que estes esboçam padrões normativos que subjazem a configuração dos papéis sociais transitórios das emoções. Nesse ínterim, Cornelius (2000, s/p.) ressalta que, “Até mesmo nosso sentimento de estar fora de controle e possuído por algo primordial e animalesco quando estamos com raiva é socialmente construído”. Isso acontece possivelmente porque a avaliação de estar fora de controle em situações de raiva resulta de uma interpretação influenciada por normas e valores culturais que moldam nosso comportamento, aos quais são perpassados por padrões linguísticos (Cornelius, 2000).

Todavia, ainda que síndromes emocionais envolvam papéis sociais transitórios, elas também incorporam aspectos biológicos. Porém, como Averill assevera, “o significado da emoção – seu significado funcional – deve ser encontrado principalmente no sistema sociocultural” (Averill, 1980, p. 337).

Fica claro que, tanto na abordagem de Harré quanto na de Averill, a construção social está intrinsecamente ligada à linguagem. Isso ocorre na teoria de Harré, por um lado, onde a linguagem desempenha o papel de representar construtos socioculturais, e na teoria de Averill, por outro lado, na qual a linguagem se manifesta na forma de conceitos que expressam emoções linguisticamente e na percepção de papéis sociais. Nas palavras de Aranguren (2017, p. 10), “o que é socialmente construído são papéis e estes precisam ser representados linguisticamente para sua atuação e reconhecimento”.

Não obstante, entre Harré e Averill, alguns aspectos apontam em direções distintas: se para Harré o aspecto linguístico se esboça pelas palavras emocionais, segundo as quais propiciam agrupar respostas emocionais distintas em uma mesma emoção unitária, para Averill, o foco está nos requisitos funcionais do sistema social, fornecidos pelos papéis sociais transitórios. Os fenômenos que chamamos de emoções são, na verdade, fundamentalmente uma classe especial de papéis sociais que cumprem funções sistêmicas específicas, dentre elas as funções linguísticas de comunicação. A linguagem para Averill, nesse sentido, se situa no domínio dos papéis sociais transitórios, sendo estes, de fato, os protagonistas em sua teoria de emoções.

Em suma, foi possível constatar que para Harré e Averill há uma conjunção entre elementos cognitivos e influência de padrões socioculturais na constituição de emoções, cujo aspecto linguístico é valorizado. Embora empregado de modo distinto, o papel que a linguagem desempenha no arcabouço sociocultural que subjaz a configuração das experiências emocionais é realçado pelos referidos autores.  Por meio da ênfase na linguagem, Harré e Averill expõem uma das marcas distintivas das abordagens socioconstrutivistas das emoções, a saber, sua variabilidade contextual e a inexistência de aspectos biológicos necessariamente indispensáveis na constituição de uma emoção, a despeito de seu caráter multicultural.

Aplicando o esquema de Haslanger a esta teoria, podemos dizer que, para Averill, emoções são papéis sociais transitórios, e são socialmente construídas porque, ao atribuir raiva a alguém (ou a si mesmo), deve-se fazer referência a fatores sociais para que a atribuição seja apta – a saber, a função social da emoção dentro da cultura em que o agente se encontra. Em outras palavras:

       (SCeF) Um papel social transitório e é socialmente construído constitutivamente como ‘raiva’ sse e é de um tipo tal que, ao definir o que é ter raiva, devemos fazer referência a fatores sociais (ou: tal que, para que e seja raiva, e deve existir dentro de uma matriz social que constitui a raiva, i.e., a função social que a raiva desempenha dentro de uma cultura).

Outros caminhos: fatores sociais sem construção social?

Na seção anterior, examinamos duas teorias socioconstrutivistas influentes, a saber, a de Rom Harré (1986) e James Averill (1980), e mostramos o sentido em que emoções, nessas teorias, são construídas de acordo com o esquema (SCxF) proposto por Sally Haslanger; isto é, que tipo de coisas são emoções e que tipos de fatores sociais devem ser mencionados para que coisas desse tipo (um papel social transitório, ou um híbrido somático-cognitivo-comportamental) sejam emoções.

No entanto, há ainda uma questão importante que precisa ser examinada: qual papel teórico a metáfora da “construção” desempenha aqui? Será que há de fato algum ganho teórico significativo em se utilizar o termo “construção social”, que não poderia ser obtido simplesmente dizendo (por exemplo) que emoções são papéis sociais transitórios que desempenham uma certa função social dentro de uma cultura? Por que, além disso, precisamos dizer que essas funções sociais constroem as emoções? A construção social é a única, ou a melhor, forma de se investigar a influência de fatores sociais nos fenômenos que chamamos de “emoções”?

Em um sentido forte, o termo “construção social” propõe uma tese e um caminho investigativo específicos para as emoções. Supomos, em primeiro lugar, de acordo com o esquema (SCxF), que fatores sociais são elementos constitutivos das definições de emoções particulares, e que as condições de verdade de sentenças que atribuem emoções devem mencionar esses fatores sociais. Então, em um segundo momento, começamos a investigar quais fatores seriam esses, e de que modo entram na definição de emoções particulares. Se conseguirmos mostrar que não se pode de fato definir o que é uma emoção sem fazer referência a esses fatores sociais, teremos um caso de construção social constitutiva, e a metáfora da construção terá um papel teórico específico: indicar que fatores sociais fazem parte da definição de emoções. É isso o que significa dizer que emoções são construções sociais.

Mas podemos também interpretar o construcionismo social em um sentido fraco, mais ou menos como Hacking faz, isto é, como um modo de marcar o fato de que emoções são fenômenos sociais, manifestados em contextos sociomateriais e influenciados por arranjos e normas socioculturais, e não respostas automáticas universais investigadas com ferramentas teóricas da biologia evolutiva. Nesse caso, o construcionismo seria apenas um tipo de prescrição metodológica, de que emoções devem ser investigadas através do contexto social mais amplo em que ocorrem. Mas esta versão mais fraca do construcionismo é compatível com esses elementos do contexto social mais amplo não serem parte da definição de emoções, mas desempenharem algum outro papel na teoria.

Como exemplo, tomemos a teoria situada de emoções desenvolvida por Griffiths & Scarantino (2008). De acordo com essa teoria, emoções seriam: I) Projetadas para funcionar em um contexto social; II) Formas de engajamento habilidoso no mundo, (sem envolver pensamento conceitual); III) Sustentadas (scaffolded) pelo ambiente; IV) Dinamicamente acopladas ao ambiente.

Conforme exposto, considerando o papel ativo que o ambiente desempenha nos processos emocionais, depreende-se a relevância de contextos, configurados por acoplamentos organismo-ambiente, na constituição e gerenciamento das emoções. Assim sendo, esboça-se uma relação de reciprocidade entre contexto e emoção, cuja alteração em uma das partes implica em alterações em outra, que se mostra significativa para investigações das experiências emocionais. E é com base nessa concepção que Griffiths e Scarantino se debruçam sobre o estudo dos efeitos do público nas experiências emocionais. Os autores sublinham a existência de diferenças nas respostas emocionais que se coadunam com os distintos contextos nos quais as emoções ocorrem. A depender dos interlocutores presentes em determinado contexto, as respostas emocionais poderão variar, esboçando assim, um aspecto comunicativo das emoções. Sorrisos de Duchene[11], por exemplo, podem corresponder a “gestos afiliativos feitos por uma pessoa a outra com respeito a algo bom que ocorreu. Isso se encaixa no modelo de emoções como movimentos estratégicos no contexto de uma transação social” (Griffiths & Scarantino, 2008, p. 439). Assim, percebe-se o papel ativo da presença do “público” na forma como emoções são configuradas – o que nos leva a vislumbrar a importância do contextos sociais, haja vista serem estes os cenários essenciais da maior parte de nossas experiências emocionais.

Ao evidenciar o papel do contexto social, a perspectiva situada das emoções se afasta da defesa do pensamento conceitual nas emoções, valorizando, em contrapartida, o engajamento habilidoso dos organismos no ambiente. À vista disso, Griffiths e Scarantino articulam emoção e ação da seguinte maneira:

O conteúdo emocional tem uma dimensão fundamentalmente pragmática, no sentido de que o ambiente é representado em termos do que ele oferece (to afford) ao agente na forma de engajamento habilidoso com este. Para obter um controle mais vívido e intuitivo sobre isso, imagine o mundo percebido (ümwelt) de um antílope de repente confrontado por um leão. Os elementos dominantes do ümwelt do antílope são “Possibilidades de escape” [...], como todos os seus aspectos cognitivos, perceptuais e habilidades motoras são recrutadas para descobrir e executar uma sequência de ação que evita o predador (2008, p. 441).

Nesse contexto, a dimensão situacional da vivência emocional possibilita e é impulsionada pela ação planejada, delineando, assim, um fluxo dinâmico que confere ao contexto um papel crucial. É com base no contexto que a pessoa perceberá as oportunidades de ação no ambiente de acordo com suas experiências emocionais, modificando, consequentemente, o ambiente e revitalizando o contexto. O pragmatismo envolvido na relação organismo-ambiente expõe o caráter proeminente das ações, ao invés de “[...] gerar uma representação multifuncional do ambiente” (ibidem). Tal concepção possibilita considerarmos experiências emocionais não conceituais também em seres desprovidos de linguagem (Bermudez, 2003). Todavia, Griffiths e Scarantino (2008, p. 450) advertem que “[...] os fenômenos emocionais constituem um domínio representacional próprio, que incorpora uma marca ainda não compreendida de conteúdo não conceitual”.

No que tange a um possível aspecto socioconstrutivista da perspectiva situada, pode ser evidenciado o papel significativo que padrões socioculturais desempenham na constituição das emoções. Griffiths e Scarantino (2008, p. 443) apontam para uma articulação entre evolução e contexto social, segundo a qual “[...] uma característica do fenótipo emocional pode ser um produto (filogenético) da evolução e um produto (ontogenético) de um rico contexto de socialização”. A interligação entre evolução e contexto social abarca uma natureza evolutiva na interação entre os estímulos do ambiente e as respostas do organismo, além da formação de um organismo que manifesta padrões de reações emocionais (disposições) que não foram necessariamente escolhidos em fases anteriores da história humana. Nesse sentido, aspectos evolutivos se articulam com padrões socioculturais configurando disposições que se atualizam em determinados contextos e envolvem fatores ideacionais e fatores materiais.

Fatores ideacionais são caracterizados por Griffiths e Scarantino como padrões normativos quanto à ocorrência e expressão das emoções ou scripts emocionais, segundo os quais são entendimentos internalizados e compartilhados dos padrões desejáveis socialmente dos episódios emocionais. Fatores ideacionais também podem envolver etnoteorias que são, a saber, “sistemas de crenças específicas de uma cultura sobre a natureza e o valor das emoções” (2008, p. 444). Já fatores materiais abarcam os recursos emocionais relativos a determinado status social, de gênero etc., ou ainda “locais em que certas performances emocionais são favorecidas (um confessionário, um estádio, um templo etc.), e uma série de tecnologias emocionais para a gestão de emoções, de oração a Prozac” (ibidem).

Assim, embora a perspectiva situada de Griffiths e Scarantino enfatize fortemente o aspecto social e contextual das emoções, ela não é um construcionismo social no sentido forte. Isto é, segundo esta perspectiva, emoções são definidas simplesmente como “sinais projetados para influenciar o comportamento de outros organismos, ou como movimentos estratégicos em uma transação contínua entre organismos” (2008, p. 438); os fatores sociais contextuais (ideacionais e materiais) não entram na teoria como parte da definição de uma emoção, mas sim como elementos que situam a emoção em um contexto específico, seja de forma sincrônica (como andaimes afetivos que sustentam uma transação emocional particular) ou diacrônica (como arranjos, normas e pressões sociais que moldam a aquisição, repetição e transmissão de nossos repertórios emocionais).

Ora, mas se uma abordagem desse tipo é apenas fracamente construcionista, de fato concordamos com Hacking que o rótulo de “construção social” torna-se supérfluo, algo que nada acrescenta à abordagem em questão. Inclusive, ao marcar a teoria como construcionista, corre-se o risco de confundi-la com um construcionismo forte, algo que invalidaria as observações de Griffiths & Scarantino (ver acima) de que a perspectiva situada é compatível com uma abordagem adaptacionista. Ou seja, o construcionismo social fraco é uma posição instável que se dilui em qualquer tipo de teoria de emoções que admita fatores sociais e contextuais, fazendo com que o rótulo de construção social perca o sentido. Hacking tem razão nesse ponto.

Mas se isso é verdade, o que podemos dizer sobre a viabilidade teórica do construcionismo social na filosofia das emoções contemporânea? Responder essa questão será um dos objetivos principais de nossa conclusão.

Considerações finais

Nesse artigo levantamos duas questões importantes acerca do construcionismo social como um programa de pesquisa sobre emoções:

1.      Por que esse programa perdeu quase que totalmente sua força e popularidade na filosofia das emoções contemporânea, desde que foi inicialmente desenvolvido na década de 1980?

2.      O construcionismo social ainda pode ser uma via teórica interessante para se explorar o modo como fatores sociais contextuais influenciam e moldam nossas emoções?

Uma possível resposta, seguindo as sugestões de Hacking, é que o construcionismo social sobre emoções é fruto de um erro categórico. Apenas ideias podem ser socialmente construídas, mas como a tese construcionista diz que são as emoções elas mesmas os produtos da construção, o rótulo “construcionismo” deve ser entendido aqui apenas como um marcador de que a teoria vê emoções como fenômenos sociais e culturalmente variáveis, e não como respostas automáticas universais selecionadas pela evolução, como soluções adaptativas para problemas recorrentes enfrentados por nossos ancestrais.

No entanto, vimos também que este diagnóstico deriva de uma visão limitada sobre a natureza das emoções, e que, em um entendimento mais amplo, nada impede que emoções, assim como ideias, sejam socialmente construídas. Para capturar o que está em jogo na tese construcionista nos valemos do trabalho de Sally Haslanger (2012), segundo o qual uma emoção é socialmente construída de forma constitutiva quando não é possível definir a emoção sem fazer referência a fatores sociais contextuais. Chamamos essa posição de construcionismo social forte.

Em seguida, vimos duas teorias construcionistas influentes, de Rom Harré (1986) e James Averill (1980), e explicamos o sentido em que emoções são construções sociais nessas teorias, segundo o esquema (SCxF) de Haslanger. Levantamos também a possibilidade de um construcionismo social fraco, mais ou menos na linha de Hacking, em que o rótulo serve apenas para marcar um reconhecimento da variabilidade social e contextual das emoções, mas sem supor que os fatores sociais relevantes façam parte da definição de uma emoção. Apresentamos a perspectiva situada de Griffiths & Scarantino (2008) como uma teoria desse tipo. Mas, se for só esta a função do rótulo “construcionismo social”, ele é supérfluo, e nada acrescenta à teoria em questão. Ou seja, o único tipo de construcionismo teoricamente estável é o construcionismo forte.

Agora, após todo o nosso percurso discursivo, estamos finalmente em posição de responder as questões (1) e (2) acima. Em relação à questão (1), se nos lembrarmos das observações de Hacking de que a tese construcionista funciona como um tipo de denúncia, e a ideia de Haslanger de que o construcionismo social é um tipo de “debunking project”, não é difícil entender porque teorias construcionistas se popularizaram na década de 1980, logo após o auge do programa adaptacionista e da teoria das emoções básicas nas décadas de 1960 e 1970. Ora, naquele momento era importante implementar algum tipo de “debunking project” que pudesse mostrar a enorme variação cultural e contextual das emoções para além do universalismo pancultural de Ekman, Plutchik etc. De certa forma, foi esse o papel desempenhado pelo psicólogo James Russell (embora ele mesmo não utilizasse esse termo), um dos principais críticos de Ekman, que, pelo menos desde as décadas de 1970 e 1980, vem levantando problemas metodológicos e conceituais aos experimentos de Ekman, e produzindo uma série de novas evidências a favor da variação contextual e social das emoções.[12]

Hoje em dia, no entanto, o caráter social e a variabilidade contextual e cultural das emoções já é em grande parte aceito, até mesmo por pesquisadores dentro do paradigma das emoções básicas (Keltner et al., 2019), e portanto há pouca necessidade de um “debunking project” como o realizado na década de 1980 por James Russell e construcionistas como Harré e Averill. Isso pode explicar a perda de força e popularidade do programa construcionista na filosofia das emoções contemporânea. Sem seu elemento normativo, a tese construcionista se transforma naquilo que chamamos de “construcionismo forte”, segundo o qual fatores sociais fazem parte da definição de emoções. Isso nos leva diretamente à pergunta (2) – pode haver então lugar para um construcionismo forte na filosofia das emoções?

Acreditamos ser mais produtivo investigar os fatores sociais que influenciam as emoções a partir de uma perspectiva mais ampla, que não comece com a pressuposição de que tais fatores façam parte da definição de uma emoção, mas ainda assim nos permita investigar formas em que o contexto cultural e sociomaterial influencia nossas emoções; seja como estratégias sociais (Griffiths & Scarantino, 2008), andaimes afetivos (Colombetti & Krueger, 2015), arranjos heterogêneos de agentes, lugares e objetos materiais (Slaby, Mühlhoff & Wüschner, 2019), invasão mental (Slaby, 2016), artefatos afetivos (Piredda, 2020), milieus afetivos compostos por agentes, situações, normas sociais, instituições etc. (Schuetze, 2021), hábitos afetivos (Candiotto & Dreon, 2021), e assim por diante. Nenhuma dessas teorias pressupõe um construcionismo forte, mas ainda assim apresentam conceitos e quadros teóricos ricos que nos permitem entender e tratar teoricamente os mais diversos tipos de efeitos sociais e contextuais sobre as emoções.

Sally Haslanger diz que “o ponto - talvez agora óbvio – é que ideias e objetos interagem e se transformam mutuamente ao longo do tempo. De modo geral, a construção social é sobre essa interação complexa” (2012, p. 129, grifo nosso). Felizmente, nosso entendimento sobre emoções não necessita mais de um “debunking project”, e a filosofia das emoções contemporânea já convive bem com a ideia de que práticas e arranjos sociais influenciam as emoções, que por sua vez afetam essas mesmas práticas e arranjos, e assim sucessivamente. Entender melhor essa interação complexa, como sugere Haslanger, é uma empreitada teórica louvável, mas se o construcionismo social for apenas um marcador para esse tipo de foco teórico, então ele será um construcionismo fraco, e, portanto, tal rótulo será desnecessário.

Referências

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Felipe Nogueira de Carvalho 

Professor adjunto do departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Lavras. Se interessa por emoções e pela afetividade e suas relações com domínios diversos como a epistemologia, a percepção, a literatura, a filosofia da ciência etc.

 

Sabrina Ramos Ferreira  

Doutoranda em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em filosofia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Pesquisa a constituição de emoções na linha de Lógica, Ciência, Mente e Linguagem do PPG de Filosofia da UFMG.

 

Os textos deste artigo foram revisados por terceiros e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação



[1] Em outras palavras, as chamadas “emoções básicas” descritas por Ekman & Cordaro (2011): raiva, medo, tristeza, nojo, surpresa, desprezo e contentamento. Diferentes teóricos do programa adaptacionista discordam se outras emoções, como ciúme ou vergonha, fazem parte desta mesma categoria. Para uma discussão contemporânea ver Keltner et al., 2019.

[2] Aqui estamos pensando principalmente em Averill, 1980; Armon-Jones, 1985; Harré, 1986.

[3] Ver Hutto, Robertson & Kirchhoff, 2018; Keltner et al., 2019; Levenson, 2011; Scarantino & Griffiths, 2011.

[4] Ver por exemplo Scarantino (handbook; Prinz, 2004; Griffiths, 1997.

[5] Ver por exemplo Griffiths & Scarantino, 2008; Colombetti & Krueger, 2015; von Maur, 2021; Candiotto & Dreon, 2021.

[6] Ver, por exemplo, Berger & Luckmann 1966, The Social Construction of Reality.

[7] A lista de Hacking inclui 23 tipos de coisas diferentes, encontradas em trabalhos acadêmicos até a data de publicação do livro (1999).

[8] Ainda que tal perspectiva acene para certo grau de relativismo, cabendo aos psicólogos apenas se deter na investigação de emoções no âmbito da avaliação nativa de significados, seja pelo prisma da ordem moral local, seja pela função social de demonstração de emoções particulares (Harré, 1986), segundo Harré tal limitação não configura, de fato, um problema. O autor acredita que essa restrição motiva a psicologia a prosseguir em direção a novas fronteiras de pesquisa, rompendo com as barreiras que a mantiveram estagnada em certos aspectos.

[9] A teoria avaliativa sustenta que emoções resultam de processos de avaliação (appraisal), segundo os quais “eventos do ambiente são julgados como bons ou ruins para nós” (Cornelius, 2000, s/p.) De acordo com essa perspectiva, cada emoção corresponde a um padrão avaliativo específico, que envolve tanto aspectos do organismo (história, personalidade, estado fisiológico), quanto aspectos da situação em que o organismo se encontra.

[10] Reconhecendo que o uso do termo “síndrome” pode ser interpretado de maneira biologizante, Averill esclarece que ele não implica a ideia de doença e, de forma alguma, sugere que as emoções sejam consideradas como distúrbios mentais. No entanto, Averill argumenta que o termo ainda é valioso, pois permite contestar as teorias das emoções básicas e tipos naturais de emoções, especialmente no que diz respeito ao critério essencialista subjacente a essas abordagens.

[11] O nome sorrisos de Duchenne foi inspirado no trabalho do neurologista francês Guillaume Duchenne de Boulogne (1806-1875), especialista em distúrbios nervosos e musculares. Esses sorrisos se caracterizam pela elevação dos cantos dos lábios e ativação dos músculos dos olhos destinados ao abrir e fechar das pálpebras, responsáveis por criar os “pés de galinha” nos cantos dos olhos.

[12] Ver principalmente Russell & Fehr, 1987; Russell, 1994; Russell & Carroll, 1996.