
Os sentidos fenomenológicos da verdade na 6ª Investigação Lógica
The phenomenological senses of truth in the 6th Logical Investigation
João M. Silva da Rocha
IFBA – Instituto Federal da Bahia
Recebido: 26/09/2024
Received: 26/09/2024
Aprovado:17/12/2024
Approved: 17/12/2024
Publicado: 31/12/2024
Published: 31/12/2024
RESUMO
Este artigo objetiva expor e analisar os diferentes sentidos do conceito de verdade delineados por Edmund Husserl na 6ª Investigação Lógica. Inicialmente, aborda-se a concepção tradicional de verdade enquanto correspondência em seus aspectos mais fundamentais. A seguir, examina-se como essa ideia de adequação, reinterpretada fenomenologicamente a partir da estrutura intencional do preenchimento, orienta a reflexão husserliana ao conceito de evidência e, por sua vez, como essa análise conduz à tematização do conceito de verdade, uma vez que Husserl define a verdade como o correlato objetivo da evidência. Com isso, chega-se ao núcleo da investigação: procede-se com a caracterização e discussão dos quatro sentidos de verdade elencados por Husserl no parágrafo 39 da 6ª Investigação Lógica. Por fim, são apontados alguns aspectos gerais que articulam esses quatro sentidos, com ênfase especial na primazia do sentido de verdade enquanto “ser verdadeiro” em relação aos demais sentidos fenomenológicos apresentados do conceito.
Palavras-chave: Husserl; verdade; evidência; concordância; adequação.
ABSTRACT
This paper aims to present and analyze the different meanings of the concept of 'truth' outlined by Edmund Husserl in the 6th Logical Investigation. Initially, it addresses the traditional conception of truth as correspondence in its most fundamental aspects. Next, it examines how this idea of adequation, phenomenologically reinterpreted in light of the intentional structure of fulfillment, guides Husserl’s reflection on the concept of evidence, and thus, how this analysis leads to the thematization of the concept of truth, since Husserl defines it as the objective correlate of evidence. This brings us to the core of the investigation: a characterization and discussion of the four senses of truth enumerated by Husserl in paragraph 39 of the 6th Logical Investigation. Finally, some general aspects that articulate these four senses are highlighted, with special emphasis on the primacy of the sense of truth as "being true" in relation to the other phenomenological senses of the concept presented.
Keywords: Husserl; truth; evidence; concordance; adequation.
Introdução
“O que é a verdade?” Uma investigação que se compromete com essa questão fundamental pode tomar vários rumos. De todos eles, porém, o caminho que notoriamente se destaca é o de compreender a verdade como “adequação”, “correspondência” ou “concordância” – compreensão que, inclusive, pode ser apontada como “a mais venerável de todos os tipos de teorias da verdade” (Kirkham, 2001, p. 119) e que, por isso, representa aquela que é largamente reconhecida como a concepção tradicional da verdade[1]. Essa concepção da verdade como correspondência pode ser caracterizada lato sensu a partir de dois critérios elencados por Martin Heidegger, em Ser e Tempo: “1. O ‘lugar’ da verdade é a proposição (o juízo) [e] 2. A essência da verdade reside na ‘concordância’ entre o juízo e seu objeto” (2005, p. 282 [GA 2, p. 215])[2]. Esse entendimento genérico da verdade como um acordo entre aquilo que se pensa (e se fala) sobre algo e a própria coisa naquilo que ela efetivamente remonta, pelo menos, aos ensinamentos de Platão e Aristóteles e encontrará sua formulação provavelmente mais famosa no pensamento de Tomás de Aquino, sintetizada na máxima “a verdade é a adequação da coisa e do intelecto [veritas est adaequatio rei et intellectus]” (Aquino, 2009, p. 360).
De um modo geral, tal concepção tradicional assume que a verdade “é a conformidade do pensamento com as coisas como elas são na realidade” (Sister, 2002, p. 10) ou, mais precisamente, que “a verdade consiste na correspondência de um elemento portador de verdade (conhecimento, juízo, proposição ou conceito) a um elemento gerador de verdade (objeto, fato ou evento), o qual torna o portador verdadeiro” (Perin, 2010, p. 98). Nesse cenário, refletir sobre o sentido da verdade é pensar, “antes de tudo, na ideia de uma relação referencial entre linguagem/pensamento e realidade” (Szaif, 2006, p. 2), na qual “a verdade ou falsidade de uma crença sempre depende de alguma coisa que se encontra fora da própria crença” (Russell, 2001, p. 70), de modo que a coisa (em sentido amplo) é assumida como a medida ou a condição da verdade de qualquer pensamento/juízo que enuncia algo sobre ela. Parte-se, portanto, da ideia de que “existe um mundo lá fora; e que o que nós dizemos é ‘verdadeiro’ quando o capta do jeito que ele é e é ‘falso’ quando não corresponde ao jeito que ele é” (Putnam, 2010, p. I). Por isso, verdadeiro será o pensamento/juízo que concordar com aquilo que está lá fora, que corresponder à coisa, ou que estiver devidamente adequado a ela. Em termos mais precisos, o panorama geral da concepção correspondencial da verdade pode ser assim delineado:
A noção de verdade envolve, portanto, três noções logicamente distintas: proposições ou juízos, fatos ou coisas com suas propriedades e a relação de correspondência. Cada um destes elementos desempenha uma função específica: as proposições (entidade linguísticas) ou juízos (entidades mentais) descrevem os fatos ou as coisas; os fatos (ou coisas) tornam as proposições (ou juízos) verdadeiras; a relação de correspondência liga as entidades linguísticas (ou mentais) com as entidades extralinguísticas (ou extramentais). (…) a relação é assimétrica, pois são as proposições, e não os fatos, que têm uma função descritiva (...); [mas] são os fatos (ou coisas com suas propriedades) que tornam as proposições verdadeiras. Donde a realidade é norma da verdade, ou, como afirma o adágio escolástico, o verdadeiro é uma consequência do ser das coisas. Assim, a correspondência entre proposições e fatos exprime a conformidade das proposições aos fatos (Landim Filho, 1992, p. 11-12, grifos nossos).
Edmund Husserl está entre aqueles pensadores que explicitamente defendem a concepção correspondencial da verdade, ainda que com especificidades relevantes derivadas sobretudo do modo como compreende a estrutura intencional da consciência, posto que a descrição husserliana da verdade “pressupõe uma fenomenologia do preenchimento e da plenitude” (Zuidervaart, 2017, p. 134).
Considerando isso, antes de nos dedicarmos diretamente à delimitação e análise dos diferentes sentidos do conceito de verdade propostos pelo fenomenólogo no §39 da 6ª Investigação Lógica, observemos, em linhas gerais, o contexto investigativo a partir do qual a tematização da verdade é ensejada, intimamente associada à ideia de adequação, à estrutura do preenchimento intencional com vistas ao conhecimento e à caracterização do conceito de evidência.
1. Adequação e Evidência
Nas Investigações Lógicas, o fenomenólogo explicitamente recorre à clássica formulação da concepção correspondencial da verdade – a adaequatio rei et intellectus – no §37 da 6ª Investigação (que trata da percepção, ato intuitivo por excelência, na função de preenchimento e do ideal de preenchimento definitivo), com o objetivo de descrever a “meta definitiva dos acréscimos de preenchimento, na qual a intenção pura e global se preenche, não de um modo intermediário e parcial, mas de um modo último e definitivo (...) por meio dessa percepção idealmente perfeita” (Husserl, 1996, p. 115 [Hua XIX/2, p. 647])[3]. Mais precisamente, Husserl recorre à formulação consagrada na tradição para sumarizar o ideal de todo preenchimento com vistas ao conhecimento:
Quando uma representação é definitivamente preenchida por meio dessa percepção idealmente perfeita, produz uma genuína adaequatio rei et intellectus: o objetal está efetivamente ‘presente’ ou ‘dado’ exatamente como aquilo-como-o-que é intencionado; nenhuma intenção parcial que careça de preenchimento permanece implícita (Husserl, 1996, p. 115 [Hua XIX/2, p. 647], grifos do autor).
A clássica formulação correspondencial da verdade é, portanto, assimilada por Husserl como forma de sumarizar o ideal de todo preenchimento, de modo que os termos “adaequatio” e “intellectus”, quando fenomenologicamente considerados, adquirem sentidos específicos: este não se refere ao “pensamento” de um modo geral, mas particularmente à intenção de significação e aquela, por sua vez, “é realizada quando a objetalidade significada é dada, no sentido estrito, na intuição, e dada exatamente como aquilo-como-o-que é pensada e nomeada” (Husserl, 1996, p. 115 [Hua XIX/2, p. 648]). A adequação, portanto, não envolve pura e simplesmente “pensamento” e “coisa”, mas sim a perfeita correlação entre atos signitivo e intuitivo e seus respectivos correlatos no processo de preenchimento, de tal maneira que a coisa intuída possa preencher a intenção vazia e, assim, “res” e “intellectus” possam se ajustar adequadamente.
Em sintonia com essa definição, duas formas de adequação são apontadas por Husserl “quando um ato intuitivo está na função de dar plenitude particularmente a uma intenção signitiva” (1996, p. 100 [Hua XIX/2, p. 629]). Por um lado, existe a adequação entre as vivências intencionais envolvidas na síntese de recobrimento: há adequação quando a significação, em todas suas partes, é preenchida pela intuição ou, em termos husserlianos, quando “o ajustamento à intuição é perfeito, pois o pensamento não visa nada que a intuição preenchedora não apresente completamente como pertencente a ele” (Husserl, 1996, p. 116 [Hua XIX/2, p. 648]). Por outro lado, “adequação” também designa a relação entre intuição preenchedora e intuído: a intuição se adequa precisamente àquela objetalidade tal qual visada signitivamente na intenção vazia. Tal duplicidade envolvida na conceituação da “adequação” demonstra que é necessário haver intenção significativa para que haja a determinação da referência objetiva à qual a intuição deve se adequar, assim como é necessário haver intuição para que a intenção vazia, adequando-se a ela, possa se relacionar com a objetalidade visada. Resumindo essa dupla significação da adequação, o fenomenólogo explica que: “a primeira determina, portanto, a completude da adequação de atos signitivos a intuições correspondentes; a segunda, a completude da adequação de atos signitivos – mediante intuições completas – ao próprio objeto” (Husserl, 1996, p. 100 [Hua XIX/2, p. 629], grifos do autor).
Outrossim, corroborando essa dupla dimensão, Husserl sustenta que tais maneiras de se conceber a adequação, apesar de manifestamente complementares, devem ser diferenciadas uma do outra: “devemos distinguir portanto: a perfeição do ajustamento à intuição (adequação, no sentido natural e mais amplo da palavra) daquela que (...) é a perfeição do preenchimento definitivo (adequação à ‘própria coisa’)” (Husserl, 1996, p. 116 [Hua XIX/2, p. 629], grifos do autor). Há, portanto, lato sensu, a atribuição de um sentido de “adequação” à síntese das vivências intencionais entre si, mas também o reconhecimento de um sentido stricto sensu associado diretamente ao acesso à objetalidade, o que ressalta a própria objetalidade como a medida da segunda forma de adequação: mais ou menos adequado é, neste sentido, o ato que se conforma mais ou menos ao objeto ou estado-de-coisas visado. Mais radicalmente, apesar de não encontrar reconhecimento expresso no texto husserliano, convém ressaltar que o sentido amplo da “adequação” depende do seu sentido estrito, descrito pelo fenomenólogo como a “adequação à própria coisa”, uma vez que “só a adequação da intuição ao objeto oferece o preenchimento final à intenção que nela culmina, só ela não necessita de qualquer preenchimento posterior” (Zuidervaart, 2017, p. 135).
O reconhecimento desta possibilidade ideal na qual a intenção pura e global se preenche plenamente conduz a reflexão husserliana sobre a adequação rumo à evidência, na medida em que “o ideal de adequação nos dá a evidência” (Husserl, 1996, p. 117 [Hua XIX/2, p. 647]). Diante disso, no §38 da 6ª Investigação, Husserl apresenta a “evidência” por meio de dois sentidos. Por um lado, afirma Husserl: “falamos em evidência, no sentido lato, sempre que uma intenção posicionante (sobretudo, uma afirmação), é confirmada por uma percepção correspondente” (1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651]). Nessa acepção ampla, sempre que houver preenchimento da intenção vazia em algum nível, mais ou menos pleno, haverá evidência, enquanto ato sintético de identificação responsável pela síntese entre intenção vazia e intuição. Assim, admite-se a possibilidade de variação da confirmação supracitada de acordo com o grau de preenchimento e, consequentemente, aponta Husserl, nesse sentido amplo, “é legítimo falar então em graus de evidência” (1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651], grifos do autor). À luz dessa acepção, portanto, Husserl “nos permite falar vagamente de evidência – na verdade, de conhecimento – onde existirem graus mais baixos, mas ainda assim expressivos da presença intuitiva” (Willard, 1999, p. 153). Por outro lado, porém, em sentido estrito, não se admite gradações e a evidência concerne exclusivamente ao ato da síntese de preenchimento mais perfeita de todas, objetivo último do conhecimento, o qual “dá à intenção, por exemplo, à intenção do juízo, a absoluta plenitude de conteúdo, a plenitude do próprio objeto. O objeto não é meramente visado, mas, em vez disso, ele é dado, no sentido estrito, tal como visado” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651], grifos do autor).
Tanto em um sentido quanto no outro, a evidência é concebida como o terceiro ato envolvido no processo de preenchimento cognitivo, responsável pela síntese entre significação e intuição e que, especificamente considerada em seu sentido estrito, promove a “síntese de recobrimento mais perfeita de todas” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651]), qualificando, desse modo, o ato de identificação plenamente adequado, em virtude do qual “todas as dimensões da coisa foram postas em cena, todas as implicações foram delineadas”, conforme aponta Sokolowski (2010, p. 66) e, assim, nada mais resta a ser preenchido do objeto ou estado-de-coisas visado.
No desenvolvimento do texto husserliano, é o reconhecimento dessa caracterização da evidência enquanto ato sintético que identifica o visado e o intuído que encaminha as atenções do fenomenólogo ao conceito de “verdade”, na medida em que o correlato objetivo da evidência, afirma Husserl, “é chamado de ser no sentido de verdade ou também de verdade” (1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651], grifos do autor). Com essa constatação, o fenomenólogo finaliza o §38 da 6ª Investigação e passa ao §39, que ostenta precisamente o título de “evidência e verdade”.
2. Os quatro sentidos fenomenológicos de “verdade”
No §39 da 6ª Investigação, Husserl apresenta quatro sentidos para o conceito de “verdade”, os quais denominaremos da seguinte maneira: primeiro sentido – concordância objetal (ou V1); segundo sentido – adequação inter-ativa (ou V2); terceiro sentido – ser verdadeiro (ou V3); quarto sentido – intenção verdadeira (ou V4). As justificativas para essas propostas de nomeação são apresentadas na discussão de cada um dos sentidos.
2.1 Primeiro sentido: concordância objetal.
O primeiro sentido de verdade, acima apresentado como o
correlato objetivo da evidência stricto sensu, é definido no início do
parágrafo 39 nos seguintes termos:
“1. [...] a verdade, enquanto correlato de um ato identificante,
é um estado de coisas, e, enquanto correlato de uma identificação por
recobrimento, uma identidade: a plena concordância entre o visado e o dado
enquanto tal” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651-652], grifos
do autor).
Como se nota, “verdade” nesta primeira acepção concerne ao polo objetivo da estrutura intencional de preenchimento, sendo definida como o resultado da relação entre a objetalidade da intenção significativa (o visado pela intenção) e a objetalidade da intuição preenchedora (o autodado enquanto tal): há verdade quando há plena concordância entre esses dois polos objetais. Nesse sentido, aponta Husserl, a verdade pode ser entendida como um estado-de-coisas e como uma identidade: um estado-de-coisas, na medida em que abarca a articulação sintética entre duas objetalidades, na consciência de que elas concordam uma com a outra; e uma identidade pois o que esse estado-de-coisas manifesta é que a objetalidade visada e a intuída são precisamente a mesma, apenas em distintos modos de doação. Por conseguinte, como correlato do ato de identificação por recobrimento, V1 descreve a relação identitária – uma identidade objetal – obtida por meio da concordância entre os correlatos objetais dos atos vazio e preenchedor e, por isso, denominamo-la de concordância objetal.
Essa primeira determinação husserliana da verdade marca uma importante discrepância em comparação com a consagrada concepção correspondencial. Conforme observa Taddei (2014, p. 32), “tradicionalmente, concebe-se tal relação como vigendo entre dois itens ontologicamente heterogêneos”. Ou seja, de um lado, há o “intellectus”, isto é, a mente, o espírito, a consciência, ou ainda o pensamento, o juízo, a proposição; do outro, há a “res”, isto é, o mundo externo, as coisas, os objetos, os estados-de-coisas, eventos etc. Nessa relação entre duas entidades ontologicamente diferentes, a verdade se configura, grosso modo, como sabemos, quando o polo subjetivo estiver devidamente adequado à coisa, concordar ou corresponder àquilo acerca do qual ele se realiza. Ao conceber a verdade como concordância objetal, porém, Husserl se afasta desse paradigma, pois V1 não é a correspondência de duas coisas ontologicamente heterogêneas, mas sim de entidades ontologicamente semelhantes, visto que o que concorda, nesta perspectiva de encarar o processo de preenchimento e o conceito de verdade, não são atos e correlatos de naturezas diversas, mas tão somente os correlatos objetais que figuram como momentos da unidade de identificação. Isso representa um aspecto bastante relevante do tratamento husserliano da verdade, uma vez que o reconhecimento de tal acepção deste conceito não seria possível sem as distinções intencionais realizadas por ele.
Esta acepção ocupa um lugar privilegiado na reflexão de Husserl sobre a verdade, na medida em que a concordância plena entre o visado e o dado enquanto tal é identificada por ele como a meta última e insuperável de todo conhecimento e, por isso, V1 deve funcionar como ideal mobilizador de todo conhecimento científico que almeja se constituir de modo absolutamente rigoroso. Nisso repousa a importância da primeira acepção fenomenológica da verdade.
Imediatamente após apresentar tal definição de verdade, Husserl recorre à noção de evidência como vivência da verdade e afirma que “essa concordância é vivida na evidência na medida em que a evidência é o perfazer-se atual da identificação adequada” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651-652]). Nesse sentido, a evidência se articula com V1 enquanto ato subjetivo concreto que realiza a identificação da correspondência entre os dois polos objetivos e, assim, possui a correspondência objetal como seu correlato. Dito de outro modo: “assim, Husserl pode falar da verdade como uma identidade. Na evidência adequada, vivenciamos a coincidência completa entre o que é intencionado de modo vazio e o que é dado intuitivamente” (Lohmar, 1997, p. 709)[4].
Ademais, ainda acerca dessa determinação da evidência como vivência da verdade no presente sentido, Husserl pondera que, enquanto “perfazer-se do recobrimento identificante, [a evidência] ainda não é uma atual percepção da concordância objetal, vindo somente a sê-lo por meio de um ato próprio de apreensão objetivante” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 652]). Isso significa que a vivência da concordância entre o visado e o autodado não carrega consigo uma percepção específica que traz à reflexão o fato (mais precisamente, o estado-de-coisas) de que essa identidade é verdade. Para isso, ainda seria necessário outro ato, um ato próprio de apreensão objetivante, nos termos da passagem supracitada, que não está presente na caracterização de V1. Nesta acepção, portanto, “pode-se vivenciar esta verdade, esta identidade objetiva, de uma forma pré-reflexiva” (Zuidervaart, 2017, p. 33, grifos nossos). “Pré-reflexivo” aqui não quer dizer não-intencional, pré-consciente ou inconsciente. Por óbvio, a vivência da identidade objetal é consciente e possui uma estrutura intencional própria (notadamente a da síntese de preenchimento). Pré-reflexivo quer dizer que, além do ato sintético de evidência a ela já vinculado, não há, na configuração de V1, uma consciência proposicional direcionada à identidade objetal constituída, a qual poderia expressar predicativamente que tal identidade é verdadeira. Por outras palavras, “pré-reflexivo significa que a identidade se apresenta diretamente ao ato sintético e não precisa se apresentar como um ‘estado de coisas’ sobre o qual se faz uma afirmação proposicional” (Zuidervaart, 2017, p. 33). É por isso que, discutindo sobre a evidência relacionada a essa primeira acepção de “verdade”, Husserl sustenta que esse ato sintético, esse ato de evidência, no qual a verdade como concordância objetal é vivenciada, não precisa ser propriamente uma percepção da verdade desta identidade.
A fim de clarificar essa diferença, imaginemos que, diante de um papel branco, alguém afirme que o papel é branco. Neste caso, vivencia-se, por meio de uma síntese estática de preenchimento, a concordância entre o julgado e o percebido: o papel é efetivamente branco, tal qual afirmado. Ou seja, vivencia-se a verdade no primeiro sentido apresentado pelo fenomenólogo. Ora bem, isso não significa que haja uma vivência intencional específica apreendendo que esse estado-de-coisas (a identidade objetal) é verdadeiro. Há tão somente a vivência de que o papel visado é o papel intuído, e não uma apreensão particular que manifeste proposicionalmente isso. Noutras palavras, não há outra asserção, fundada na identidade objetal, que expresse a proposição “é verdade que o papel é branco”. Essa distinção indica, pois, duas camadas intencionais diversas, ainda que relacionadas: uma é o direcionar-se (signitiva, intuitiva e sinteticamente) diretamente para a objetalidade, vivenciando a concordância objetal (ou, simplesmente, a verdade); a outra é o direcionar-se para algo acerca desta mesma identidade, apreendendo, por exemplo, que esse estado-de-coisas é verdadeiro. Dentre essas duas possibilidades, somente a primeira diz respeito à determinação do primeiro sentido de verdade elencado no §39 da 6ª Investigação. Essa primeira acepção, portanto, apresenta um sentido pré-reflexivo, pré-proposicional ou ainda, pré-predicativo, da verdade, que descreve o resultado (dotado de um estatuto objetal próprio) da relação em que o intuído pela intuição preenchedora corresponde ao visado pela intenção significativa, o qual figura como correlato do ato de síntese identificante (ou, simplesmente, da evidência em sentido estrito).
2.2 Segundo sentido: adequação inter-ativa.
O segundo sentido de verdade é delineado por Husserl através das seguintes palavras:
2. Um outro conceito de verdade se refere à relação ideal que vige na unidade de recobrimento, definida como evidência, entre as essências cognitivas dos atos que se recobrem. Enquanto a verdade, no sentido anterior, era o objetal que correspondia ao ato de evidência, a verdade, no presente sentido, é a ideia que pertence à forma do ato, ou seja, à essência cognitiva, compreendida como ideia, do ato de evidência empiricamente acidental, ou ainda, a ideia da adequação absoluta como tal (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 652], grifos do autor).
Assim definida, esta acepção do conceito de verdade se configura fundamentalmente através de duas características: (i) ser contraparte intencional subjetiva de V1 e (ii) possuir um caráter ideal.
Sobre a primeira característica, Husserl aponta que, se, em V1, “verdade” diz respeito à relação entre as objetalidades intencionadas, agora, a aplicação do conceito se volta para as próprias vivências intencionais. Mais precisamente, este segundo sentido de verdade concerne à relação entre os atos signitivo e intuitivo, unificados na evidência, e se manifestará quando o resultado dessa relação for a absoluta adequação entre tais atos. Daí a denominação de V2 como adequação inter-ativa, ou seja, é um sentido de verdade que expressa a correspondência entre atos, ou, conforme bem explica Heidegger (2002, p. 277), “considera-se agora a relação estrutural dos atos de visar e intuir, a estrutura da própria intencionalidade da evidência”.
Por isso, assim como em V1, também não há heterogeneidade ontológica na configuração deste segundo sentido de verdade, com a diferença de que as entidades ontologicamente afins cuja relação resulta na adequação inter-ativa não são os correlatos objetivos, mas sim as intenções. De todo modo, a discrepância perante a tradicional adaequatio rei et intellectus também se apresenta aqui: “de acordo com a fórmula tradicional da correspondência, a verdade consiste numa adequação da mente à coisa; de acordo com Husserl, a correspondência é entre intenção de significado e intenção de preenchimento” (Soffer, 1991, p. 79). Compreendida nesses termos, a verdade enquanto adequação inter-ativa (V2) está fortemente associada à verdade enquanto correspondência objetal (V1), porquanto ambos os sentidos descrevem o mesmo processo de preenchimento intencional, apenas descrevendo o fenômeno da correspondência desde perspectivas diferentes e essencialmente complementares: o visado e o autodado referidos em V1 que, do ponto de vista objetivo da relação intencional, concordam entre si são, respectiva e precisamente, os correlatos da intenção significativa e da intuição que, na caracterização de V2, do ponto de vista subjetivo dessa relação, adequam-se plenamente entre si.
É em virtude dessa correlação entre tais sentidos de verdade que se pode sustentar que, à perfeita unidade de identidade característica da concordância objetal está, intrínseca e essencialmente vinculada, no polo subjetivo da relação, a evidência stricto sensu e que a análise da estrutura intencional particular desta manifesta o segundo sentido da verdade: V2 não se confunde com a evidência em sentido estrito propriamente dita, mas a ocorrência dessa evidência – isto é, o perfazimento do ato sintético de identificação, da mais completa síntese de recobrimento na qual a plenitude da intuição preenchedora provê ao ato signitivo vazio a absoluta plenitude de conteúdo – pressupõe e carrega em si a adequação entre intenção e intuição: só há evidência (ato constituído) porque esses dois atos (momentos constituintes) formam uma unidade com base na mesma matéria intencional por eles compartilhada. Destarte, delineia-se, em resumo, a seguinte situação fenomenológica: a evidência é o correlato subjetivo da verdade entendida como a plena concordância entre o visado e o dado enquanto tal (conforme visto no tópico anterior) e a adequação entre os atos signitivo e intuitivo, enquanto resultado da relação constitutiva da evidência, representa a contraparte intencional subjetiva de V1.
Todavia, não se trata aqui de qualquer adequação, ressalta Husserl. Diferentemente do primeiro conceito de verdade, que “permanece centrado na respectiva experiência empírica das intenções individuais (...), o significado do conceito de verdade vai além do ato individual” (Lohmar, 1998, p. 196). Além de concernir a uma adequação absoluta, o que V2 especificamente descreve não é a relação entre atos particulares, concretamente realizados, que constituem uma evidência adequada singular, mas sim o resultado da relação ideal entre as essências cognitivas de tais atos.
Nesse sentido, por exemplo, se, vendo um papel branco, alguém afirma “este papel é branco”, a verdade enquanto adequação inter-ativa não se constituirá com base na relação entre os atos reais de intenção signitiva e intuição, mas sim através da conformidade entre a essência semântica ideal instanciada na asserção “este papel é branco” e a essência intuitiva ideal instanciada na percepção sensível concreta do papel branco. A distinção vigente aqui é a seguinte: tomado enquanto processo real, o ato sintético de identificação é contingente, mas a relação entre os conteúdos dos seus atos fundantes é ideal e, por isso, pode ser promovida a partir de conexões entre atos signitivo e intuitivo espaço-temporalmente diversos: se outra pessoa proferir a mesma asserção vendo outro papel igualmente branco ou ainda uma terceira pessoa afirmar o mesmo em outro momento, diante daquele papel, haverá diferentes ocorrências reais, mas da mesma relação ideal de adequação entre essências cognitivas. Em V2, portanto, sublinha Zuidervaart (2016, p. 168), “a síntese requerida não é entre atos concretos, mas entre suas essências epistêmicas” (semântica no signitivo e intuitiva no perceptivo), instanciadas naqueles atos.
Assim compreendida, a adequação ideal absoluta que caracteriza V2 desempenha o papel regulador dos atos sintéticos de preenchimento reais. Ou seja, esse segundo sentido da verdade estabelece a meta última para a evidência em sentido estrito. O que significa dizer que a evidência neste sentido só existe se houver uma adequação completa entre as essências cognitivas dos atos que a fundamentam. Em suma, considerando os dois sentidos de verdade examinados até o momento, podemos dizer que a evidência estrita, então, é aquela que, por um lado, possui a verdade como seu correlato (enquanto concordância objetal ou V1) e, por outro, é aquela que possui a verdade como seu elemento ideal constitutivo (enquanto adequação inter-ativa ou V2).
*** *** ***
De acordo com os dois sentidos abordados até o momento, a “verdade” é definida como o resultado da correspondência entre membros que figuram do mesmo lado da relação intencional constitutiva da síntese de preenchimento (atos vazio e intuitivo de um lado, objeto visado e objeto intuído do outro), de modo que é a própria relação que delimita o conceito de verdade (relação de concordância entre os objetos em V1 e relação de adequação entre os atos em V2). Entretanto, Husserl sustenta que “verdade” pode não só designar as relações, mas também predicar um dos relata envolvido no processo de preenchimento; isto é, além de ser um conceito relacional, ela também pode ser um conceito atributivo. À luz dessa segunda possibilidade, mais dois sentidos de verdade são apresentados pelo fenomenólogo: enquanto atributo do que figura no polo objetivo (V3) ou enquanto atributo do ato, qualificando o polo subjetivo da relação intencional (V4).
2.3 Terceiro sentido: ser verdadeiro.
Segundo Husserl, diz-se “verdade”, numa terceira acepção fenomenológica do conceito, nos seguintes termos:
3. Ademais, por parte do ato que traz plenitude, vivemos na evidência o objeto dado à maneira do que é visado: ele é a própria plenitude. Também ele pode ser designado como o ser, a verdade, o verdadeiro, precisamente na medida em que é vivido aqui não como era vivido na mera percepção da adequação, mas como a plenitude ideal para uma intenção, como verificante [wahrmachender]; ou como plenitude ideal da essência cognitiva específica da intenção (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 652]).
Como claramente determinado na passagem, a verdade é aqui atribuída ao “objeto dado à maneira do que é visado”, o que significa dizer que ela é definida como uma propriedade da objetalidade apreendida pela intuição exatamente da maneira como é visada pela intenção vazia. Nesse sentido, “podemos dizer que o próprio objeto é verdadeiro” (Zuidervaart, 2017, p. 139, grifos nossos) e que “este uso bastante incomum da linguagem reflete que, para Husserl, o qualificador ‘verdadeiro’ se aplica não apenas a juízos, mas também a coisas, e ainda mais principalmente a estas últimas” (SOFFER, 1991, p. 80). Ademais, devido à equivalência aqui estabelecida por Husserl entre “ser” e “verdade”, pode-se sustentar que, nesta acepção, tal objetalidade também é designada como ser verdadeiro. À luz disso, denominar este terceiro sentido de verdade como “ser verdadeiro” busca justamente destacar a existência de uma dimensão ontológica da verdade nessa reflexão husserliana, na medida em que esta acepção do conceito concerne diretamente às próprias coisas e não ao que se pensa ou se diz acerca delas. Dito de maneira mais precisa, esse sentido de verdade diz respeito à objetalidade da intuição que, inserida na síntese de preenchimento, presenta o conteúdo meramente visado pela intenção vazia à unidade de identificação plena. Ou seja, Husserl determina como verdadeiro o objeto ou estado-de-coisas responsável pelo preenchimento, o qual fornece à intenção signitiva a objetalidade visada (seu “o quê”), precisamente da maneira visada (seu “como”) e que, por causa disso, garante a consecução da evidência em sentido estrito, enquanto “ato dessa síntese de preenchimento (...) que dá à intenção (...) a absoluta plenitude de conteúdo, a plenitude do próprio objeto” (Husserl, 1996, p. 118 [Hua XIX/2, p. 651]).
Essa posição que ocupa na estrutura intencional justifica a vinculação do “ser verdadeiro” à plenitude ideal e sua caracterização como verificante – elementos que aparecem na apresentação de V3 supramencionada.
Em primeiro lugar, Husserl aponta o objeto intuído ao qual V3 se refere como “a própria plenitude”. Conforme exposto entre os parágrafos 21 e 23 da 6ª Investigação, a plenitude é o momento do ato intuitivo (portanto, do polo subjetivo da relação intencional) cujos conteúdos representantes-apreendidos – se possuírem o máximo de extensão, vivacidade e realidade – captam a própria coisa, ou, por outras palavras, trazem a objetalidade tal qual visada à intuição. Levando isso em consideração, é possível entender a maneira através da qual objeto e plenitude podem ser relacionados nessa definição da verdade, preservando as perspectivas subjetiva e objetiva inerentes a cada um, do seguinte modo: a formulação “ele [o objeto] é a própria plenitude” (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 652]) não busca estabelecer uma relação de identidade na qual plenitude e objeto seriam a mesma coisa. Interpretar desse modo implicaria na desconsideração de que se eles estão em polos distintos da relação intencional. O objeto é a própria plenitude no sentido de que este teor intuitivo do ato preenchedor (polo subjetivo), na configuração da evidência adequada, corresponde completamente à objetalidade (polo objetivo), ou ainda, no sentido de que a plenitude intuitiva presenta absolutamente o objeto ou estado-de-coisas visado e, devido a isso, é capaz de plenificar a intenção vazia. Ou seja, o objeto é a própria plenitude porque “o objeto dado é experimentado como o preenchimento (...) de uma intenção” (Lohmar, 1997, p. 709). Entre plenitude e objetalidade, então, vigora uma relação de identificação, mas não de identidade: um corresponde ao outro, mas um não é o outro.
Assim compreendido, o terceiro sentido de verdade, aponta Husserl ademais, não diz respeito à plenitude de uma intuição contingente, mas sim à plenitude ideal de uma intuição possível. Isso distingue o objeto enquanto ser verdadeiro de um objeto singular intuído por uma percepção adequada concreta. Estabelece-se aqui, por conseguinte, uma vinculação do objeto enquanto ser verdadeiro com a essência significativa da intenção, indicando-o como a “plenitude ideal da essência cognitiva específica da intenção” (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 652]). Observa-se assim novamente a ênfase na natureza ideal da verdade, também presente na determinação de V2.
Articulando essa dimensão ideal de V3 com a relação inter-ativa configuradora de V2, então, justifica-se a possibilidade de que a essência cognitiva da intuição possa se adequar à essência signitiva da intenção vazia: isso acontece porque, ainda que sejam instanciadas em atos particulares de percepção e intenção signitiva, o que entra em correspondência nesses atos são justamente a plenitude ideal da intuição (essencialmente vinculado ao ser verdadeiro - V3) e a significação ideal da intenção vazia (à qual será atribuída, por sua vez, a quarta acepção de verdade, como veremos a seguir). É por isso que, na formulação de V3, o fenomenólogo aponta como verdadeira não qualquer objetalidade presente em “carne e osso” à intuição, mas exatamente a objetalidade tal qual signitivamente intencionada – ou, em termos husserlianos, como o objeto dado à maneira do que é visado – e que, consequentemente, o objeto enquanto ser verdadeiro é a plenitude ideal, ou seja, é aquilo que é trazido à tona pela intuição.
Em segundo lugar, cumprindo essa função de prover a plenitude ideal capaz de preencher a intenção vazia, o ser verdadeiro se manifesta, a rigor, como verificante, ou ainda – a fim de revelar mais claramente a propriedade que o próprio termo originalmente utilizado por Husserl indica –, como gerador da verdade [wahrmachen].
Para abordar essa característica de V3, lembremos que, como apontado na introdução do presente trabalho, um dos aspectos mais fundamentais da concepção correspondencial tradicional da verdade é o entendimento de que a verdade consiste no resultado da relação entre um elemento portador da verdade, ao qual será atribuída a verdade ou a falsidade (como o conhecimento, o juízo, ou o conceito), e um outro elemento, o gerador da verdade (como o objeto, o fato, evento, estado de coisas, ou, de um modo geral, a realidade). Este último, conforme a denominação sugere, é o responsável por tornar o portador verdadeiro ou falso: o portador será verdadeiro se corresponder ao gerador; falso se não houver correspondência. Isso implica em assumir que a tradicional relação de correspondência constitutiva da verdade é essencialmente assimétrica, pois o elemento gerador da verdade é a medida ou a condição da verdade do elemento portador. Dito de outro modo: há uma prioridade do gerador perante o portador da verdade, visto que, sem o primeiro – isto é, se não houver algo ao qual o pensamento, conhecimento ou juízo possa se voltar, com a possibilidade de a ele corresponder precisamente ou não –, então perde-se completamente o sentido de se falar da verdade ou falsidade do segundo. Portanto, a verdade do portador depende do elemento gerador.
Pois bem, na exposição do terceiro sentido de verdade, como já visto, Husserl, por sua vez, advoga que: “também ele [o objeto] pode ser designado como o ser, a verdade, o verdadeiro, precisamente na medida em que é vivido aqui (...) como a plenitude ideal para uma intenção, como gerador da verdade” (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 652], grifos nossos). Essa formulação husserliana reitera seu alinhamento ao paradigma correspondencial, ao mesmo tempo em que também demonstra mais uma diferença do tratamento da verdade enquanto correspondência a partir de bases intencionais. Por um lado, Husserl reconhece a existência de um elemento gerador da verdade e o faz atribuindo essa qualificação ao polo objetivo da relação de correspondência. Isso significa que as implicações referentes à assimetria entre os membros da relação veritativa também marcam a concepção correspondencial husserliana: a verdade do elemento portador (que será exposta a seguir, por meio do quarto sentido) depende da efetividade da objetalidade à qual este terceiro sentido de verdade é atribuído. Por outro lado, o elemento gerador da verdade não é aqui o objeto, a coisa ou o estado-de-coisas pura e simplesmente, mas sim a objetalidade especificamente dada da maneira que fora visada, a qual o ato intuitivo idealmente apreende em sua plenitude. Desse modo, em termos fenomenológicos, é a objetalidade intuída que figura como geradora da verdade, pois é precisamente ela, ausente na correlação com a intenção signitiva, que o ato intuitivo traz ao processo de preenchimento cognitivo. Ou seja, ela é geradora da verdade porque, se não houvesse a objetalidade que é plenamente apreendida pela intuição, não haveria plenitude intuitiva; sem esta plenitude preenchedora, não haveria preenchimento da intenção vazia; sem esse preenchimento, não faria sentido falar em verdade (ou falsidade), nem em conhecimento verdadeiro, uma vez que “a intenção signitiva simplesmente indica o objeto” (Husserl, 1996, p. 82 [Hua XIX/2, p. 607]), mas não o acessa efetivamente. Torna-se patente, assim, a importância da verdade enquanto ser verdadeiro para a concepção husserliana apresentada no parágrafo 39 da 6ª Investigação: como afirma o próprio Husserl, é por seu intermédio que “uma intenção qualquer (...) poderá tornar-se verdadeira (adequadamente preenchida)” (1996, p. 121 [Hua XIX/2, p. 607]). A autodoação da objetalidade é, pois, o que produz a verdade da intenção vazia.
2.4 Quarto sentido: intenção verdadeira.
Essa verdade da intenção vazia, por sua vez, é abordada por Husserl através do quarto sentido do conceito:
4. (...) do ponto de vista da intenção, da apreensão da relação de evidência resulta a verdade como a correção da intenção (especialmente, por exemplo, como a correção do julgar) ou como sua adequação ao objeto verdadeiro; ou como a correção da essência cognitiva da intenção in specie. Deste último ponto de vista, temos, por exemplo, a correção do juízo, no sentido lógico da proposição: a proposição se rege pela própria coisa; ela diz que é assim, e assim efetivamente é. Mas, com isso, fica enunciada a possibilidade ideal, e portanto geral, de que uma proposição com tal matéria possa ser preenchida, no sentido da mais estrita adequação (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 653]).
Como podemos observar nessa passagem, assim como V2, tal acepção da verdade concerne ao polo subjetivo da estrutura intencional. Porém, diferentemente de V2, ela não descreve o resultado da relação entre elementos, mas sim é atribuída a um dos membros da síntese de preenchimento, da mesma forma que V3. No entanto, enquanto V3 diz respeito ao objeto intuído, qualificando-o como verdadeiro, V4, por sua vez, se refere à intenção vazia, que, segundo Husserl, torna-se verdadeira ao se adequar ao objeto enquanto ser verdadeiro (donde provém a denominação “intenção verdadeira” para este quarto sentido da verdade). Nas palavras de Tugendhat (1970, p. 93), “Husserl descreve a verdade neste sentido como uma propriedade da visada (especialmente, por exemplo, da visada judicativa), que se deve à sua identidade com a própria coisa”.
Essa acepção do conceito é caracterizada pelo fenomenólogo como (i) a correção da intenção; (ii) a correção do juízo; (iii) a correção da essência cognitiva da intenção in specie e ainda como (iv) a correção da proposição ideal. Cada uma dessas qualificações apresenta V4 a partir de perspectivas diferentes – respectivamente, (i) a partir de uma intenção particular qualquer; (ii) de uma intenção concreta, a do processo psicológico real que instancia proposições, ou seja, do juízo; (iii) da essência semântica ideal do ato concreto, cuja matéria é responsável pelo direcionamento objetivo; e (iv) da proposição ideal que é instanciada enquanto significação no juízo –, mas que são fundamentalmente complementares porque tratam da mesma situação fenomenológica: a intenção, seja considerada enquanto ato real (i) genérico ou (ii) concreto, seja considerada à luz do seu direcionamento ao correlato objetivo ideal (iii e iv), é verdadeira em virtude de sua correta orientação para ou de seu exato ajustamento à objetalidade intuída. Ou seja, para haver V4,
a intenção da asserção deve se “corrigir” com base no objeto evidente dado. Neste sentido, a sua verdade é a “correção”. Em particular, a asserção linguística de um estado-de-coisas, ou seja, a frase declarativa, se quiser ser verdadeira, deve se “corrigir” com base no estado-de-coisas intuído (Lohmar, 1998, p. 164).
Ou ainda, dito resumidamente: “o ato é ‘correto’, ‘verdadeiro’ se se regula pela própria coisa” (Tugendhat, 1970, p. 93). Nesse cenário, portanto, o ser verdadeiro (V3) é a medida da verdade da intenção (V4), o que demonstra a primazia do terceiro sentido de verdade perante esta última acepção: sem a objetalidade intuída, não existem parâmetros para a determinação do valor de verdade da intenção signitiva. Consequentemente, “o quarto conceito de verdade no sentido de ‘correção’ em relação à autodoação do objeto mostra que a autodoação original (ou seja, V3) é o ponto de partida primário da concepção de verdade de Husserl” (Lohmar, 1998, p. 164, grifos nossos). Assim, uma vez que a verdade da intenção depende de sua adequação à própria coisa intuída, podemos dizer, aproximando a formulação husserliana da tradicional concepção correspondencial da verdade, que V4 é sentido portador da verdade, cujo sentido gerador é V3.
Outro aspecto importante de aproximação com a concepção tradicional se refere à dimensão proposicional da verdade. Considerado particularmente como correção do juízo, este quarto sentido se revela, para Husserl, como o lócus da verdade proposicional, o que pode ser observado nos seguintes termos já citados: “deste último ponto de vista, temos, por exemplo, a correção do juízo, no sentido lógico da proposição: a proposição se rege pela própria coisa; ela diz que é assim, e assim efetivamente é” (Husserl, 1996, p. 119 [Hua XIX/2, p. 653]). Essas palavras demonstram que o fenomenólogo também está em consonância com a concepção tradicional no que concerne ao nexo causal constitutivo da verdade proposicional: há um determinado estado-de-coisas que efetivamente é de determinado jeito e, por causa disso, é verdadeira a proposição que diz que esse estado-de-coisas é do jeito que ele efetivamente é. Em face disso, a fim de tornar seu sentido mais explícito, essa descrição husserliana de V4 como verdade proposicional pode ser reelaborada e apresentada da seguinte maneira: a proposição se rege pela própria coisa: a coisa é efetivamente assim e a proposição é verdadeira se diz que assim a coisa efetivamente é.
3. Considerações gerais (e finais) sobre os quatro sentidos de verdade.
Após proceder com a exposição e um breve exame de cada um dos quatro sentidos, é importante ressaltar, a título conclusivo, alguns aspectos gerais que os articularam. Como se pôde entrever acima, as acepções de verdade elencadas por Husserl podem ser agrupadas a partir de dois critérios: de acordo com um primeiro critério, os sentidos de verdade podem ser articulados em função do polo da relação intencional ao qual estão imputados. Desse modo, “verdade” entendida enquanto concordância objetal (V1) e como ser verdadeiro (V3) se referem ao polo objetivo, enquanto a adequação inter-ativa (V2) e a intenção verdadeira (V4) se referem ao polo subjetivo da síntese de preenchimento identificante[5]. Por outro lado, à luz de um segundo critério, tais sentidos podem ser agrupados conforme o tipo de caracterização realizada: se se compreende a verdade como resultado da relação ou como atributo de um dos polos da relação. De acordo com esse segundo critério, os sentidos V1 e V2 claramente determinam a verdade como resultado da correspondência – mais precisamente, determinam a verdade enquanto concordância em V1 e enquanto adequação em V2 –, ao passo que os sentidos V3 e V4 determinam-na como atributo, respectivamente, do polo objetivo (da objetalidade intuída) e subjetivo (da intenção) da síntese de preenchimento em questão. Tais distinções podem ser apresentadas do seguinte modo:
Tabela 1 – Resumo dos quatro sentidos de verdade na 6ª Investigação Lógica[6]
|
Conforme o |
Enquanto resultado da relação |
Enquanto atributo |
|
Objetivo |
Concordância objetal (V1) |
Ser verdadeiro (V3) |
|
Subjetivo |
Adequação inter-ativa (V2) |
Intenção verdadeira (V4) |
Ao distinguir esses quatro sentidos e conceder a cada um a sua legitimidade à luz da estrutura da consciência intencional, Husserl fornece uma proposta abrangente de interpretar a verdade: sua concepção quadridimensional da verdade explica fenomenologicamente a tradicional determinação proposicional da verdade a partir de uma perspectiva mais ampla, por não restringir o portador da verdade somente ao juízo (ato relacionante) ou proposições, mas também abarcar atos signitivos nominais e afirmar a importância dos atos intuitivos, notadamente os atos perceptivos, ressaltando assim o complexo caráter intencional do conhecimento. Essa ampliação do escopo da “verdade” é reconhecida na 6ª Investigação, logo após a exposição dos quatro sentidos:
Na maioria das vezes, entretanto, os conceitos de verdade, de correção e de verdadeiro, são compreendidos num sentido mais restrito do que o nosso, sendo aplicados aos juízos e proposições ou a seus correlatos objetivos, os estados de coisas; e, ao mesmo tempo, fala-se em ser, de preferência com respeito a objetos absolutos (os não-estados-de-coisas), embora sem uma delimitação precisa. É incontestável o direito que temos de interpretar esses conceitos de um modo mais geral. A natureza da própria coisa exige que os conceitos de verdade e falsidade sejam, pelo menos numa primeira abordagem, estendidos a tal ponto que cheguem a abranger toda a esfera de atos objetivantes (Husserl, 1996, p. 120 [Hua XIX/2, p. 654-655]).
O fenomenólogo, portanto, reivindica para sua concepção o alargamento da compreensão da verdade de modo a extrapolar o sentido meramente judicativo/proposicional e abarcar todos os atos que visam objetalidades, isto é, que fazem referência a objetos ou estados-de-coisas, sejam atos predicativos, nominais, perceptivos etc.[7]
Outro aspecto relevante relacionado à estrutura quadridimensional da verdade acima exposta concerne à importância do sentido de verdade atribuído à objetalidade intuída (V3) para a concepção husserliana.
Em relação a V1 e V2, a primazia do “ser verdadeiro” (V3) pode ser observada da seguinte maneira: as definições de verdade como concordância objetal (V1) e adequação inter-ativa (V2) são essencialmente relacionais, como já apresentado. Portanto, se um dos elementos da relação estiver ausente, a própria relação e, consequentemente, a obtenção da verdade relacional se tornam inviáveis. Tendo isso em vista, consideremos a verdade como concordância objetal. Para que ela ocorra, isto é, para que haja a plena concordância entre visado e autodado, é imprescindível, antes de tudo, (i) que exista uma objetalidade e (ii) que ela esteja disponível à intuição exatamente como é visada pela intenção vazia. Se essa dupla condição não for atendida, ou seja, caso V3 não aconteça, então não é possível falar em verdade nos termos de V1, pois não haverá nada para corresponder ao visado e, assim, produzir a concordância objetal. Associado a isso, uma vez que V2 é a contraparte subjetiva de V1, se esta verdade como concordância objetal restar inviabilizada, então a adequação inter-ativa também não acontecerá. Da perspectiva dos atos cuja relação resulta no segundo sentido da verdade, pode-se considerar que, (i) se não há a objetalidade passível de apreensão pelo ato intuitivo, então a intuição é frustrada e não traz como sua plenitude o conteúdo correspondente à objetalidade visada pela intenção vazia; assim como, (ii) se há um objetalidade apreendida pela intuição, mas ela não é exatamente como a visada pela intenção signitiva, então a síntese de recobrimento entre os atos também não produzirá a adequação absoluta como tal. Em ambos os casos, o motivo e o resultado são os mesmos: algo relacionado a V3 (a ausência da objetalidade no primeiro caso ou a apreensão equivocada no segundo) inviabiliza a consecução da adequação inter-ativa. Por outras palavras, é a existência e a precisa apreensão da objetalidade especificamente como visada que garantem as condições para o estabelecimento da devida adequação entre os atos de intenção signitiva e intuição. Ou seja, V2 depende da verdade enquanto ser verdadeiro. Por fim, como já apontado, V3 também fundamenta diretamente a verdade da intenção, quarto sentido do conceito elencado por Husserl. Em resumo, o sentido da verdade designado enquanto ser verdadeiro e qualificado como gerador da verdade, de fato, possui uma primazia no tratamento husserliano desse conceito, conforme o exposto no §39 da 6ª Investigação Lógica: sem V3, nenhuma das demais acepções da verdade seria possível. Devido a isso, conforme sublinha Tugendhat (1970, p. 94-95),
este conceito de verdade, segundo o qual “o verdadeiro” significa “o verdadeiramente existente”, “a coisa como ela mesma é”, não é apenas a base da verdade como correspondência e da verdade como correção, mas também é mais abrangente.
Tal acepção é motivadora de uma concepção mais abrangente na medida em que não se resume a considerar o resultado de uma relação que, se verdadeiro, confirmará ou, se falso, refutará uma correspondência pressuposta, mas se debruça diretamente sobre a própria coisa responsável por todo o processo de efetivação ou não das demais possibilidade de se vislumbrar a verdade. Desse modo, além de apontar um sentido não-proposicional (a rigor, pré-proposicional), que também está inscrito nos dois primeiros sentidos examinados, este terceiro sentido manifesta uma abordagem não-relacional da verdade, porquanto se volta detidamente para aquilo que produz a verdade, nas demais acepções fenomenologicamente delimitadas do conceito. Por isso, este “terceiro conceito de verdade ganha uma clara prioridade sobre os outros conceitos de verdade. Ele está subjacente a todos os outros conceitos de verdade” (Lohmar, 1998, p. 164).
*** *** ***
O reconhecimento da importância da terceira acepção de verdade vinculada à objetalidade intuída abre caminho para outras perquirições em torno do significado do conceito de verdade no pensamento husserliano de verdade, tendo em vista, por exemplo, que a transição para a versão especificamente transcendental é marcada por transformações fundamentais na fenomenologia husserliana e, dentre elas, algumas dizem respeito precisamente ao estatuto da objetalidade que fundamenta a relação veritativa. Desse modo, podemos questionar: quais mudanças marcam a compreensão fenomenológico-transcendental acerca da natureza subjetividade, da objetalidade e da relação entre ambas? E em que medida elas implicam (ou deveriam implicar) modificações na conceituação fenomenológica da verdade vigente na Fenomenologia Transcendental? Dito mais precisamente, como é possível conceber a adaequatio rei et intellectus conforme os parâmetros constitutivos da Fenomenologia Transcendental? É a esse conjunto de questões que nos dedicaremos em reflexões vindouras.
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João Marcelo Silva da Rocha
Professor de Filosofia do Instituto Federal da Bahia, lotado no campus Juazeiro. Graduado e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (respectivamente em 2015 e 2018) e Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (2024). Participou do programa de mobilidade acadêmica na Universidade de Coimbra (2015.1). Possui especial interesse pela Filosofia contemporânea, notadamente pelos temas relacionados à Ética e Política e à Fenomenologia Transcendental, com ênfase na questão da verdade transcendental.
Os textos deste artigo foram revisados por terceiros e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação
[1] A importância e a força dessa maneira de caracterizar a verdade na história da filosofia é tamanha que se afirma que “a teoria de que a verdade é correspondência é certamente a teoria natural. Antes de Kant, talvez seja impossível encontrar algum filósofo que não tivesse uma teoria da verdade como correspondência” (Putnam, 1981, p. 56). Consideramos a expressão “teoria da verdade” como estruturalmente problemática, pois emprega aquilo que procura explicar, uma vez que toda e qualquer teoria já levanta pretensões de verdade; assim, o conceito de verdade, a ser determinado, já está sendo pressuposto. Portanto, em nosso texto, optaremos por utilizar “concepção” para nos referir ao modo como a verdade é concebida e descrita. A expressão “teoria da verdade” somente é preservada nas citações em que seu uso se faz presente no texto original citado.
[2] Tais critérios, indica Heidegger, revelam a estrutura formal da verdade: “a verdade possui a estrutura formal do assim como ou do como tal e o nome que nós damos a esta estrutura completamente formal do assim como é ‘correspondência’ ou, em latim, adaequatio” (2010, p. 32 [GA 21, p. 10]).
[3] Acerca da notação das referências de obras husserlianas: considerando que a paginação pode variar em função de diferenças entre as edições traduzidas, apontaremos, após a referência da tradução utilizada e entre colchetes, o volume da Husserliana relativo à obra em questão, seguido da paginação correspondente.
[4] Tal articulação intencional com a evidência, vigente nessa primeira acepção da verdade, também é claramente descrita por Husserl cerca de dois anos após as Investigações Lógicas, nas preleções de inverno de 1902/03 que compõem a obra Teoria Geral do Conhecimento (Husserliana: Materialen III), da seguinte maneira: “trata-se da correspondência plena entre o que visado e o dado. O conceito dessa correspondência constitui o conceito de verdade, pelo menos é um dos conceitos de verdade. Assim, a evidência é a experiência em que a verdade se torna consciente para nós. A verdade está dada nela. A própria verdade é o objeto desta consciência: a identidade do objeto visado e do objeto dado. Portanto, o que é subjetivo na evidência é objetivo na verdade” (Husserl, 2001, p. 133-134 [Hua Mat III] – grifos nossos).
[5] Acerca desse primeiro critério, Zuidervaart afirma (2018, p. 132): “o primeiro e o terceiro referem-se ao que chamo de ‘lado do objeto’ dos atos intencionais objetivantes. Os outros dois dizem respeito ao que chamo de ‘lado do sujeito’ de tais atos. Seu relato oscila entre o lado do objeto e o lado do sujeito”.
[6] A elaboração dessa disposição gráfica dos sentidos de verdade é baseada em tabela proposta por Taddei (cf. 2017, p. 34).
[7] Importante frisar que essa esfera ampliada se circunscreve, a rigor, aos atos objetivantes posicionantes, na medida em que são estes que, ao intencionar a objetalidade como efetividade, levantam pretensão de verdade e, por isso, podem ser verdadeiros ou falsos. Sobre isso, cf. Tugendhat, 1970, p. 97.