Conceituando espécie: uma discussão a partir do quadro conceitual de Darwin
Conceptualizing species: a discussion from Darwin’s conceptual framework
Matheus de Mesquita Silveira
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Heloísa Allgayer
SAP Labs Brasil
Recebido: 19/02/2025
Received: 19/02/2025
Aprovado:13/03/2025
Approved: 13/03/2025
Publicado: 08/05/2025
Published: 08/05/2025
Resumo
Este artigo investiga o conceito darwiniano de espécie e suas consequências para a classificação dos seres vivos. Em sua formulação da teoria evolutiva, Darwin (1872) introduz o conceito de espécie enquanto segmentos de linhagens populacionais. Nessa perspectiva, a seleção natural atua de forma gradual e produz ligeiras variações nos indivíduos através do tempo. O autor vincula o componente evolutivo com a ideia de que a espécie consiste numa classificação taxonômica, na qual variações bem demarcadas são o critério central para classificar as linhagens descendentes. Formulações posteriores do evolucionismo mantiveram tais componentes, mas buscaram substituir o critério de classificação por bases mais objetivas. O resultado foi uma proliferação de definições e consequente controvérsia sobre o tema. Argumentar-se-á que inadequações históricas sobre a definição de Darwin contribuíram para o surgimento dessa discussão. Em conclusão, será desenvolvido um argumento a favor do princípio de seleção natural com base na discussão entre fisiologia e morfologia enquanto mecanismos para o surgimento de novas espécies.
Palavras-chave: Darwin; espécie; evolucionismo; morfologia; fisiologia.
Abstract
This article investigates the Darwinian concept of species and its consequences for classifying living beings. In his formulation of evolutionary theory, Darwin (1872) introduces the concept of species as segments of population lineages. In this perspective, natural selection acts gradually and produces slight variations in individuals over time. The author links the evolutionary component with the idea that the species consists of taxonomic classification, in which strongly marked varieties are the central criterion for classifying descendant lineages. Later formulations of evolutionism maintained these components but sought to replace the classification criterion with more objective bases. The result was a proliferation of definitions and consequent controversy on the topic. The article argues that the historical inadequacies of Darwin's definition contributed to the emergence of this discussion. In conclusion, an argument in favor of natural selection will be developed based on the discussion between physiology and morphology as mechanisms for the emergence of new species.
Keywords: Darwin; species; evolutionism; morphology; physiology.
Darwin (1872) estabelece que o princípio de seleção natural é um fator de ação constante na preservação das espécies através da preservação de variações úteis aos indivíduos em face de suas condições de vida. Dito de outra forma, o autor coletou evidências convincentes de que as espécies não foram criadas, mas evoluíram de uma linhagem em comum. Frente ao debate de sua época, ele propôs a seleção natural como a alternativa científica ao princípio de criação das espécies, segundo o qual elas existiriam tais como são desde seu princípio e nenhuma nova espécie poderia existir sem uma causa supranatural. O problema é que o conceito de espécie estava, até então, enraizado culturalmente como se referindo a indivíduos pertencentes a grupos definitivos. Em outras palavras, todos os membros de uma espécie possuíam descendência por parentesco entre si, mas nenhum descendia de membros de outra espécie.
Um argumento supranatural defendido por Buffon (1764) era que a esterilidade interespécie consistia num mecanismo protetor incutido por Deus para preservar sua pureza. Nesta linha, Owen (1858) apresentou uma sucinta definição em seu tratado sobre primatas, no qual orangotangos e chimpanzés mantinham sua distinção primitiva por peculiaridades gerativas obstrutivas. A diferença entre estas posições e o argumento darwiniano para o surgimento e diferenciação das espécies está na defesa da existência de pequenas variações entre os descendentes de uma mesma linhagem. Ressalta-se que a ideia de que as espécies evoluíram através da descendência com modificação é mais ampla que o conceito de espécie em si, perpassando-o e abrangendo todas as formas de vida. De fato, esse ponto possui uma importância central na explicação de como novas espécies podem surgir na natureza e como outras são extintas ao longo do tempo.
Regner (2006) salienta que, no evolucionismo darwiniano, as características de um indivíduo são selecionadas em benefício daquele que as possui. A seleção dessas características ocorre através de uma variação gradual e sua fixação se dá de forma lenta, mas sempre variando em favor do indivíduo em sua relação com o meio onde vive. As vantagens das formas melhor adaptadas levam ao aumento da prole e à consequente propagação dessas características, resultando no surgimento de novas espécies a partir do critério de diferenciação. Portanto, a explicação darwiniana possui a seguinte formulação: (i) a classificação dos seres vivos ocorre de forma genealogicamente subordinada; (ii) a subordinação ocorre de forma genealógica; (iii) a genealogia da classificação permite afirmar que diferentes espécies possuem uma linhagem originária comum; (iv) a descendência comum com a modificação demarcada origina uma nova espécie.
Acredito que o arranjo dos grupos em cada classe, de acordo com as suas relações e o seu grau de subordinação mútuo, deva, para ser natural, ser estritamente genealógico; mas que a quantidade das diferenças nos diversos ramos ou grupos, embora aliados no mesmo grau de consanguinidade aos diferentes graus de modificação que eles sofreram; e isso é expresso pela disposição das formas classificadas em diferentes gêneros, famílias, seções ou ordens (Darwin, 1872, p. 369).
O problema é que a definição de descendência comum não é simplesmente intercambiável com o conceito de espécie. Afinal, uma vez que espécies evoluem, espera-se que a esterilidade híbrida apresente evidências da evolução contínua através dos limites delas. Foi exatamente essa questão conceitual que não recebeu grande atenção de Darwin (1872), uma vez que há poucas páginas onde ele discute o tema. Talvez a exceção seja a supracitada esterilidade híbrida, mas mesmo em edições posteriores de sua principal obra, às quais fora adicionado um glossário, não há qualquer definição formal dessa questão. Não obstante, Darwin (1872) apresenta indícios de sua conceptualização de espécie, a qual foi reconhecida como útil ao seu propósito: apresentar evidências da transmutação. Segundo Ruse (1987, p. 229), “a evolução estabelece que você pode pegar virtualmente qualquer propriedade que quiser, e se você regressar (ou avançar) o suficiente no tempo, então os ancestrais (descendentes) que não a tiveram (não a terão)”. A definição darwiniana é simples, mas compactua com a ideia de que diferentes espécies têm sua origem num ancestral comum.
Doravante, seremos obrigados a reconhecer que a única distinção entre espécies e variedades bem demarcadas consiste apenas em que se sabe ou se supõe que a última está conectada atualmente por gradações intermediárias, enquanto as espécies eram conectadas anteriormente desta forma (Darwin, 1872, 426).
No segundo capítulo da Origem das Espécies, Darwin (1872) realiza uma breve investigação sobre a dificuldade de distinguir espécie e variedade. Para o autor, quando se torna possível unir duas ou mais formas de vida com outras através de caracteres intermediários, uma é considerada como variedade da outra. Todavia, em certos casos a descrição faz referência a espécie e, noutros, à variedade. De fato, essa declaração parece ser sobre variedades e não espécies, pois formas sem lacunas morfológicas entre si são variedades. Ainda assim, uma definição de espécie está implícita, pois, formas que têm lacunas entre si seriam consideradas espécies separadas.
Temos todos os motivos para acreditar que muitas dessas formas vizinhas e duvidosas mantiveram caracteres próprios de modo permanente por um longo período; por tanto tempo, até onde sabemos, como sendo boas e verdadeiras espécies. Na prática, quando um naturalista pode ligar duas formas por intermediários, ele trata uma como uma variedade da outra; classificando as mais comuns, mas por vezes também a primeira descrita, como espécie, e a outra como a variedade. Mas algumas vezes surgem casos de grande dificuldade, que não enumerarei aqui, ao decidir se uma forma deve ser classificada como uma variedade de outra forma, mesmo quando elas estão intimamente conectadas por vínculos intermediários; nem a natureza híbrida comumente assumida das formas intermediárias removerá em todos os casos a dificuldade (Darwin, 1872, p. 36-37).
O problema é a qualificação agregada a esta passagem, na qual Darwin (1872) defende que, em casos difíceis, o critério de distinção entre espécie e variedade é a opinião e bom senso de naturalistas experientes. A parte final da passagem supracitada é colocada como evidência do niilismo darwiniano sobre o conceito de espécie, contradizendo outras passagens de sua obra. Em verdade, Darwin (1872, p. 137) oscila em sua posição, colocando que “[...] eu acredito que as espécies passam a ser objetos toleravelmente bem definidos, e em nenhum período apresentam um caos inextricável de elos variados e intermediários”. Essa posição soa como oposta às afirmações realizadas no segundo capítulo da referida obra.
A partir das passagens acima, fica claro que há controvérsia com relação ao conceito darwiniano de espécie. Todavia, disso não decorre que espécies não existam. Mallet (2010b) defende que não resulta da posição darwiniana uma arbitrariedade na definição desse conceito. Para o autor, a posição de que naturalistas de bom senso seriam os melhores guias de definição não implica que eles sejam obrigados a realizar deduções educadas. Pelo contrário, o argumento é que espécies são semelhantes a variedades, mas não iguais, posto que a primeira não possuiria intermediários morfológicos. Aparentemente, esse seria o critério de distinção, uma vez que a tarefa consistiria em mostrar a existências de casos fronteiriços, os quais forneceriam evidências da contínua evolução entre as espécies.
Independentemente da miscigenação por intercruzamento, a ausência completa, em uma região bem investigada, de variedades ligando quaisquer duas formas estreitamente relacionadas é provavelmente o mais importante de todos os critérios de sua distinção específica; e isto é, de alguma forma, uma consideração diferente da mera constância de caráter, pois duas formas podem ser altamente variáveis e ainda assim não produzir variáveis intermediárias (Darwin, 1871, p. 124-25).
Mallet (2010b) ressalta que uma boa evidência para essa interpretação é que as passagens mais citadas sobre espécie no capítulo 2 da Origem das Espécies têm no cabeçalho da primeira edição a expressão espécies duvidosas. Em outras palavras, Darwin (1872) estava mostrando que, em casos nebulosos, torna-se difícil diferenciar espécie de variedade, valendo-se disso como um prelúdio para investigações sobre como as espécies evoluem. Portanto, é dubitável o argumento de que o pensamento darwiniano considerou que todas as espécies estão misturadas no supracitado caos inextricável de vínculos intermediários variados.
Inadequação do conceito de espécie
É inegável que a Origem das Espécies está entre as principais obras da história da ciência, e que seu autor demonstrou que as espécies evoluíram a partir de variedades, com a seleção natural consistindo num processo importante na natureza. Contudo, soa paradoxal que o tema central dessa obra seja considerado inadequado e duvidoso dentro das discussões acerca da gênese do evolucionismo. Para Mayr (1963, p. 14), “em retrospecto, é aparente que a falha de Darwin [...] resultou em grande medida de um mal-entendido sobre a verdadeira natureza das espécies”. Mallet (2008) ressalta que a dificuldade está em aceitar que o naturalista inglês compreendeu o que eram espécies e realizou um esforço para explicar sua origem pelas variedades, ou que a seleção natural estava envolvida no processo. Ao que parece, no advento da síntese moderna, tal visão estava enraizada no dogma de que Darwin falhara em seu intento.
Aqui está a evidência de sua crença de que espécies dentro de gêneros e variedades dentro de espécies obedecem às mesmas leis e são os mesmos tipos de coisas, adicionando mais suporte de que sua visão nominalista das espécies e variedades faz sentido (Mallet, 2008b, p. 6).
A aparente inadequação do conceito de espécie ocorre tanto pela dificuldade de sua definição terminológica quanto pelo modo de classificação prática de um ser vivo neste nível. Darwin (1872) coloca tal utilização como passível de arbitrariedade, auferindo duplo sentido ao termo, posto que é definido no sentido da ausência de um fundamento objetivo (o que ocorre nas definições de sua época); e como sendo um nome e não uma entidade. É apenas no segundo caso que há uma fundamentação mais objetiva, a qual é conferida dentro da teoria de seleção natural pela condição genealógica do sistema natural de classificação.
Há um ponto ligado às diferenças individuais, que é extremamente desconcertante: refiro-me aos gêneros chamados “proteus” ou “polimorfos”, nos quais as espécies variam do modo desordenado. Com respeito a muitas dessas formas, dificilmente dois naturalistas concordam em classificá-las como espécies ou como variedades (Darwin, 1872, p. 35).
A crítica de Mayr (1963) está baseada no conceito de espécie biológica da síntese moderna, ou seja, da sua negação enquanto populações isoladas umas das outras por mecanismos de isolamento reprodutivo. O argumento do autor é que o evolucionismo darwiniano não compreendeu a importância central do isolamento reprodutivo na especiação intrínseca ao conceito de espécie. De fato, Darwin (1872, p. 237) destaca que “pode-se assim demonstrar que nem a esterilidade e a fertilidade proporcionam qualquer distinção certa entre espécies e variedades”. O principal argumento de Mayr (1963) está na inadequação do argumento darwiniano acerca do conceito de espécie, em particular na sua posição sobre o hibridismo. Nesta parte, Darwin (1872) se posiciona contra a relevância da esterilidade híbrida como capaz de fornecer uma definição útil ou, ao menos, uma explicação da especiação e sua distinção da variedade.
A partir dessas notas observar-se-á que eu percebo o termo espécie como arbitrariamente dado, por uma questão de conveniência, a um conjunto de indivíduos semelhantes entre si, e que não difere essencialmente do termo variedade, que é aplicado a formas menos distintas e mais variáveis. O termo variedade, novamente, em comparação com simples diferenças individuais, também é aplicado arbitrariamente com o fim de ser mais conveniente (Darwin, 1872, p. 42).
Em contraste, Mayr (1963) ressalta a esterilidade híbrida e outros mecanismos de isolamento como as diferenças centrais entre espécie e variedade, na qual a elucidação de sua origem constitui uma compreensão da especiação. Os mecanismos de isolamento da esterilidade híbrida podem ser compreendidos na perspectiva darwiniana como um subproduto acidental de outras mudanças evolutivas entre as espécies. Neste caso, o termo mecanismo seria inadequado, pois não poderia ser explicado diretamente pela seleção natural.[1] Mallet (2010b) ressalta que o evolucionismo darwiniano não está alheio a como a interesterilidade das espécies e a relutância do acasalamento possibilitou a coexistência entre elas. Inclusive, há discussão na Origem das Espécies sobre como tais características estavam fortemente associadas ao que os taxonomistas reconheciam como espécies separadas. Ainda assim, credita-se à dificuldade que a seleção natural direta tem de explicar a evolução da esterilidade híbrida, da fertilidade de muitos híbridos entre espécies bem adaptadas e da existência de alguns tipos de infertilidade nas próprias espécies o abandono por Darwin da ideia de que espécies poderiam ser relegadas via isolamento reprodutivo.
Darwin conseguiu convencer o mundo da ocorrência da evolução e [...] ele encontrou (na seleção natural) o mecanismo que é responsável pela mudança evolutiva e adaptação. Não é tão amplamente reconhecido que Darwin falhou em resolver o problema indicado pelo título de sua obra. Embora tenha demonstrado a modificação das espécies na dimensão do tempo, ele nunca tentou seriamente uma análise rigorosa do problema da multiplicação das espécies, a divisão de uma espécie em duas (Mayr, 1963, p. 12).
Este ponto não resolve a posição de Darwin (1872) acerca da arbitrariedade na classificação dos seres vivos, pois a perspectiva darwiniana permanece sem um critério de distinção objetivo entre espécie e variedade. O resultado é a arbitrariedade na aplicação desses conceitos e, consequentemente, do modo como os indivíduos são classificados. Nesse sentido, tanto a metodologia de classificação quanto a própria definição de espécie permanecem inadequadas devido a sua classificação arbitrária. Essa arbitrariedade permite que o evolucionismo darwiniano considere sua aplicação prática e reconceituação de modo a tornar os conceitos de espécie e seleção natural como mutuamente dependentes sem a existência de marcadores empíricos mais precisos. O naturalista inglês argumenta favoravelmente acerca da inadequação do conceito de espécie. De fato, ele traz estudos de caso em que os indivíduos são classificados de maneira distinta por diferentes especialistas. Em outras palavras, os mesmos indivíduos são classificados como espécies por alguns pesquisadores, e como variedades por outros. É exatamente essa falta de consenso na aplicação prática dos critérios de classificação dos seres vivos que fragiliza o conceito darwiniano de espécie.
Não se pode contestar que variedades que possuem esta natureza duvidosa estão longe de ser incomuns. Compare as várias floras da Grã-Bretanha, da França ou dos Estados Unidos, descritas por diferentes botânicos, e veja o número surpreendente de formas que fora classificado por um botânico como espécies e por outro como meras variedades (Darwin, 1872, p. 37).
Os problemas para compreender a conceituação darwiniana de espécie remontam a discussões para além do século XX. Dessa maneira, esse mal-entendido antecede a discussão realizada por Mayr (1963) com base na síntese moderna. As sementes dessa questão podem ser encontradas numa das críticas mais positivas sobre a Origem das Espécies no ensejo de sua publicação. Considerado como um dos mais ferrenhos e elogiosos defensores da teoria darwiniana, Huxley (1887, p. 52) escreve que o conceito em questão é “uma das maiores, ou talvez possamos dizer a maior, de todas as dificuldades no caminho para aceitar a teoria da seleção natural como uma explicação completa da origem das espécies”. Anteriormente, o Buldogue de Darwin já expressara sua crítica após uma longa discussão sobre as evidências de Darwin acerca da natureza das espécies.
Não há nenhuma evidência positiva, no momento, de que qualquer grupo de animais, por variação e reprodução seletiva, tenha dado origem a outro grupo que fosse, mesmo que em grau mínimo, infértil com o primeiro. O Sr. Darwin está perfeitamente ciente deste ponto fraco e apresenta uma infinidade de argumentos engenhosos e importantes para diminuir a força da objeção [...], mas ainda, como o caso se apresenta, esta “pequena fenda no alaúde” não deve ser mascarada ou esquecida (Huxley, 1860, p. 309).
Lovejoy (1968) ressalta a notável diferença entre variedades e espécies com respeito à fertilidade como uma das principais inadequações desses conceitos no evolucionismo darwiniano.[2] Desse ponto não decorre que a teoria da evolução falhou em apresentar um novo olhar sobre os processos naturais, a partir dos quais surgiram variedades bem-marcadas nos seres vivos. Todavia, teóricos contemporâneos à publicação da Origem das Espécies não aceitaram de imediato a possibilidade de indivíduos acumularem pequenas variações ao longo do tempo. Afinal, até então o termo espécie era adotado quase exclusivamente como aplicável ao ato especial da criação.
Em linhas gerais, a posição criacionista defendia que todos os seres vivos presentes na natureza resultam de um ato de criação especial realizado por um ser superior. Dessa forma, os indivíduos surgiriam no plano material de forma independente e abrupta. Contrária a essa posição estão as evidências empíricas coletadas pela ciência. Em meio natural, é possível observar inúmeras variações transacionais nas diferentes formas de vida. Na verdade, tais variações são tão demarcadas que não é simples estabelecer um padrão de classificação para esses indivíduos. Afinal, uma vez que possuem tamanha capacidade de as adquirirem, o próprio conceito de espécie relacionado ao ato especial da criação é falho para classificá-los, mesmo que a nível semântico, como espécies.
Alguns poucos naturalistas sustentam que os animais nunca apresentam variedades; enquanto os mesmos naturalistas atribuem um valor específico à menor diferença; e, quando a mesma forma idêntica é encontrada em dois países distantes, ou em duas formações geológicas, eles acreditam que duas espécies distintas estão ocultas sob o mesmo invólucro. O termo espécie torna-se, portanto, uma simples abstração inútil, implicando e afirmando um ato separado de criação (Darwin, 1872, p. 39).
Owen (1859) sintetiza a natureza da discussão ao defender que as espécies, enquanto resultantes do ato especial de criação divina, mantém sua distinção primitiva por peculiaridades gerativas obstrutivas. Neste ponto, Darwin (1872) argumenta contra a definição de espécie com base no isolamento reprodutivo, pois criacionistas como Buffon (1764) propuseram a esterilidade híbrida como evidência de seu posicionamento teórico. Owen (1859, p. 272) reforça essa questão, argumentando que a “esterilidade dos cruzamentos primários e dos híbridos [...] não é um dom especial, mas é incidental e adquirida lentamente, mais especificamente, nos sistemas reprodutivos das formas que cruzaram”. É plausível que o naturalista inglês tenha compreendido que precisava demonstrar que a esterilidade consistia num argumento retoricamente atraente para contrapor a posição de seus críticos. Contudo, para os defensores e detratores do evolucionismo darwiniano que consideravam a explicação da esterilidade híbrida como fundamental à teoria da especiação, o argumento apresentado na Origem das Espécies parecia mitigar sua importância e, por conseguinte, oferecia uma explicação parcial insuficiente.
As regras e fatos acima expostos [...] parecem claramente indicar que a esterilidade, tanto dos cruzamentos primários quanto dos híbridos, é simplesmente acidental ou dependente de diferenças desconhecidas, principalmente nos sistemas reprodutivos das espécies que cruzaram. As diferenças são de natureza tão peculiar e limitada, que em retrocruzamentos entre duas espécies, o componente sexual masculino em uma agirá livremente com frequência sobre o componente sexual feminino da outra, mas não na direção inversa (Owen, 1859, p. 260–61).
Darwin (1872) parecia não compreender exatamente o que causou a esterilidade híbrida, embora algumas causas pudessem ser descartadas. Entretanto, tal fato estava longe de ser universal entre as espécies, sendo disperso e incidental ao ponto de parecer mais improvável que fosse tanto uma adaptação naturalmente selecionada quanto um atributo divino para preservar a sua pureza. Em vez disso, aproxima-se mais de um fator incidental em modificações adquiridas lentamente, ou seja, um subproduto da divergência evolutiva em geral ou, em termos genéticos contemporâneos, uma pleiotropia[3]. As próprias correspondências entre Darwin e Wallace indicam que o naturalista inglês estava insatisfeito com sua explicação parcial, ainda que esse ponto fosse considerado mais problemático por alguns de seus principais interlocutores.
O conceito de espécie e a questão da esterilidade híbrida
A questão da esterilidade híbrida também foi o foco da correspondência entre Darwin e Wallace entre março e abril de 1868. O naturalista inglês foi inquirido se essa característica poderia surgir por meio da seleção natural. Kottler (1985) salienta que o foco da posição darwiniana estava no nível individual de seleção. Ao apontar o caso da Primula veris e da Primula vulgaris, ambas moderadamente estéreis com capacidade de ocasionalmente produzirem híbridos, ele admite que essas características são resultado da seleção natural. Porém, Wallace (1916, p. 170) recebeu como resposta as seguintes palavras de Darwin: “[...] como acredito, que a Seleção Natural não pode resultar no que não é bom para o indivíduo, incluindo neste termo uma comunidade social”. A réplica tocou no argumento de que a rejeição a cópula poderia resultar da seleção natural. Novamente, Kottler (1985) ressalta que a resposta darwiniana foi que não haveria conexão necessária entre a esterilidade e a falta de inclinação para copular. A respostada dada a Wallace (1916, p. 171) por Darwin foi que ele não via “por que não teria sido suficiente evitar que espécies incipientes se misturassem para simplesmente aumentar a falta de inclinação sexual para cruzar”. Nesse ponto, torna-se claro o argumento darwiniano acerca do papel da seleção natural na origem do isolamento reprodutivo pré-acasalamento.[4]
Romanes (1886) estabelece que a seleção natural não seria capaz de causar a diferenciação de espécies. Ele publicou um longo artigo no qual defende que a classificação de espécies com base em fisiologia e separadas pela esterilidade híbrida poderia ter como base o que ele denominou de seleção fisiológica. Esse ponto é consoante ao de outro crítico do argumento darwiniano. Wagner (1868) ressalta que, caso populações fossem geograficamente isoladas, não haveria cruzamento interespécies em variações divergentes e, portanto, a modificação que levaria à separação das espécies ocorreria nos próprios grupos. A diferença entre ambos está exatamente nesse ponto, visto que o segundo não defende que toda especiação se originaria a partir do isolamento geográfico, com a seleção fisiológica tendo o mesmo efeito para impedir o fluxo de genes. Conforme Romanes (1886, p. 352), caso uma variação ocorra, mas não tenha efeito dentro de uma variedade emergente a ponto de gerar esterilidade híbrida, “de tal modo que o sistema reprodutivo [...] continue sendo fértil dentro dos limites da forma da variedade, neste caso a variação não seria inundada pelo cruzamento, nem morreria por conta da esterilidade”. Pelo contrário, nesse caso o autor coloca que a variação seria perpetuada com mais certeza do que uma de qualquer outro tipo.
Assim, repito, o que exigimos em uma teoria da origem das espécies é uma teoria para explicar a primeira e mais constante distinção entre espécies, ou a distinção em virtude da qual elas existem como espécies. Essa distinção, como agora vimos tantas vezes, é uma que pertence exclusivamente ao sistema reprodutivo; e sempre consiste na esterilidade comparativa em relação às formas afins, com a fertilidade continuada dentro da forma varietal (Romanes, 1886, p. 370-71).
Wallace (1889) reconheceu uma aparente semelhança entre a seleção fisiológica e a sua posição nas cartas trocadas com Darwin acerca da evolução da esterilidade pela seleção natural. Esse ponto motivou o autor a se posicionar contra a avaliação de Romanes (1886). A principal crítica é que a importância do conceito de seleção fisiológica é apenas afirmada, sem que seja apresentado um mecanismo convincente pelo qual essa seleção ocorreria ou fornecido evidências empíricas para sua operação. O autor refutou tal posição a partir de um argumento matemático, no qual demonstra que uma variedade nova e mais escassa que produza híbridos estéreis com a tipificação selvagem mais comum eventualmente morreria. Ele salienta que, primeiramente, dois indivíduos do sexo oposto e complementares teriam de sobreviver até a idade reprodutiva, sendo que as chances contra esse encontro são medidas pela infertilidade da espécie. Em suma, caso tais indivíduos produzissem dez filhotes ao ano, as probabilidades de um encontro seriam de nove ou dez para um contra a possibilidade de um deles sobreviver.[5]
No entanto, não há uma passagem no artigo do Sr. Romanes para mostrar que ele reconhece essa dificuldade; ao contrário, ele sempre fala como se qualquer número de variações fisiológicas dentro de uma espécie devessem necessariamente formar uma variedade [...] As chances de sobrevivência dos dois complementos são de cerca de noventa para uma; e então restam as chances contra os dois se encontrarem na época de reprodução, pois, supondo-se, não há nada para juntá-los além do acaso, e isso pode ser qualquer número de milhares para um (Wallace, 1889, p. 131).
Afastando-se do enfoque darwiniano na seleção natural no nível do indivíduo, Wallace (1889) estabelece a seleção de grupos em seu principal argumento em defesa de uma base evolutiva para a esterilidade híbrida. O autor ressalta que as variedades que apresentarem maior esterilidade híbrida teriam maior sucesso evolutivo devido à maior pureza genética resultante de uma melhor adaptação às condições que originaram a divergência. Por exemplo, se uma parte da área de distribuição de uma espécie apresenta duas variedades com diferentes graus de esterilidade híbrida, a que apresenta maior grau deverá sobrepujar a outra nos casos em que ocorra competição entre ambas. Esse é um argumento complicado, pois é diretamente contraposto dentro de nicho ecológico pelo supracitado argumento darwiniano utilizado contra Romanes. Em outras palavras, tal argumento baseia-se na ideia de que populações com maior esterilidade deixam mais descendentes devido à maior pureza genética e melhor adaptação às condições locais em comparação com as que apresentam menor esterilidade e, consequentemente, menor pureza.
Johnson (2008) coloca que a biologia contemporânea aceita que são raras as circunstâncias em que a seleção de grupo nos moldes acima apresentados supera uma força de compensação seletiva dentro das populações. Kotler (1985) salienta que a compreensão da esterilidade pelo que é, ou seja, um problema para o indivíduo, pode levar à percepção de que algumas vezes uma adaptação benéfica que também cause esterilidade permanecerá a despeito desta, pois os benefícios da adaptação superariam a incapacidade de gerar descendentes. Nesse caso, poder-se-ia deferir a primeira hipótese de Wallace (1889), na qual a esterilidade híbrida surgiria como um subproduto da seleção natural. Todavia, Wilson e Wilson (2007) colocam que, ao defender essa característica como uma vantagem potencial direta para as populações, o autor acaba desenvolvendo uma seleção de grupo ingênua.
Em hierarquias biológicas que incluem mais de dois níveis, a regra geral é que “adaptação em qualquer nível requer um processo de seleção natural no mesmo nível e tende a ser enfraquecida pela seleção natural em níveis inferiores”. Todos os estudantes de evolução precisam aprender essa regra para evitar erros do selecionismo de grupo ingênuo (Wilson e Wilson, 2007, p. 338).
A esterilidade híbrida era defendida tanto como um subproduto de ambientes divergentes quanto uma modificação adaptativa herdada de duas variedades emergentes. Wallace (1889, p. 176) reforça esse ponto ao argumentar que tal característica poderia surgir “em correlação com os diferentes modos de vida e as pequenas peculiaridades externas que existem entre eles”. Tem-se aqui uma formulação primária do argumento da pleiotropia: uma adaptação seletiva às condições de vida pode evoluir se superar a desvantagem indireta dos efeitos colaterais negativos dos mesmos genes sobre a esterilidade híbrida. Segundo Drès e Mallet (2002), essa hipótese para a evolução da esterilidade híbrida é mais amplamente apoiada contemporaneamente.
Um argumento de base semelhante é que novas variedades apresentariam uma aversão de pareamento correlacionada. Wallace (1889) coloca que a adaptação a diferentes modos de vida resultaria numa redução na tendência de pareamento entre variedades divergentes, pois, organismos especializados em diferentes recursos encontrar-se-iam com menor frequência. De fato, vários modelos contemporâneos examinaram a rapidez com que a preferência de habitat pode evoluir. Rice (1984) estabelece um cenário no qual a preferência de nicho possui uma base genética quantitativa, com o ambiente sendo distribuído de forma irregular entre dois tipos de habitat. Nesse caso, a seleção natural favorece indivíduos que prefiram um mesmo local em detrimento dos que não apresentam essa preferência. Como resultado, a probabilidade de acasalamento diminui em função do aumento das diferenças na preferência de habitat simplesmente porque os indivíduos tornam-se menos propensos a se encontrarem. Entretanto, Gavrilets (2004) salienta que sustentar essa posição seria como defender o que ficou conhecido como traço mágico: um efeito de pleiotropia que automaticamente auxilia na especiação. Porém, Hendry et al. (2007) defende que efeitos de pleiotropia na adaptação ecológica do acasalamento fornecem um caminho plausível para a especiação.
A velocidade desse processo [de acasalamento] parece ter sido muito acelerada pelo fato de um único lócus determinar tanto a adaptação quanto o acasalamento seletivo. De maneira mais geral, a variedade de modelos tem demonstrado que a especiação será mais fácil e rápida nesses cenários de “um traço” ou “traço mágico”, onde lócus selecionados têm efeitos pleiotrópicos no isolamento reprodutivo (Hendry et al., 2007, p. 456).
Wallace (1916) menciona um último posicionamento darwiniano acerca do tema. Na troca de correspondência entre ambos, Darwin sustenta que a falta de inclinação para formar pares poderia ser potencializada pela seleção natural, pois o processo seletivo reduziria o número descendentes que poderiam se tornar estéreis. Esse argumento foi recuperado por Dobzhansky (1937) em seu estudo sobre drosófilas (Drosophila pseudoobscura). O naturalista ucraniano estabeleceu a discussão sobre heterose[6] ao destacar a importância do estudo de populações naturais. Isso ocorre porque o cruzamento de linhagens endogâmicas produz um aumento no vigor híbrido, uma vez que os deletérios recessivos são encobertos por dominantes variáveis. Posteriormente, Blair (1955) definiu esse processo como reforço, enquanto Grant (1966, p. 99) o denominou de efeito Wallace, o qual ocorre “mais prontamente em organismos de vida curta, como moscas efêmeras ou plantas anuais, nos quais a perda de potencial reprodutivo é especialmente desvantajosa”. Johnson (2008) ressalta que esse fenômeno é geralmente aceito como um meio possivelmente comum pelo qual o isolamento reprodutivo é adquirido via seleção natural em situações específicas.
Coyne & Orr (2004) ressaltam que, qualquer que seja a visão contemporânea sobre as ideias expostas na Origem das Espécies, é consensual que a esterilidade híbrida em si não é uma adaptação. Em retrospectiva, é possível aceitar que as concepções darwinianas centrais não a expliquem satisfatoriamente, uma vez que apenas recentemente suas causas estão sendo compreendidas. Dito de forma ampla, a esterilidade representa uma falha nos híbridos de interações benéficas normais entre os genes que se diferenciaram em populações variadas por um período suficientemente longo. Orr (2009) coloca que, embora esses genes sejam geralmente conhecidos como genes de especiação, há consenso suficiente quanto ao fato de que muitas diferenças responsáveis por interações negativas nos híbridos evoluíram posteriormente à especiação estar completa, raramente causando a diferenciação de espécies.
Uma forma de iniciar uma melhor definição conceitual de espécie em termos darwinianos é atentar para sua correlação com o processo de seleção natural. Conforme visto anteriormente, o conceito darwiniano de espécie é flexível, o que pode ser identificado pela dificuldade de encontrar um padrão para a classificação dos seres vivos que compõem populações variadas. Os indivíduos são classificados como pertencendo a diferentes espécies mediante métodos plurais e, muitas vezes, anacrônicos. Em linhas gerais, a diversidade metodológica na classificação dos seres vivos como espécies ocorre a partir de características peculiares a cada grupo. Tal pluralismo na identificação e classificação dos indivíduos enquanto pertencentes a uma espécie em particular poderá consistir num argumento em defesa da aparente imprecisão do referido conceito na teoria darwiniana. Caso sua conceituação esteja direcionada a uma organização genealógica da vida, então a inter-relação entre o conceito de espécie e o princípio de seleção natural é necessária, pois sem esse mecanismo seria impossível a especiação através do acúmulo de ligeiras variações, assim como a existência de vida é condição prévia para que ocorra a seleção natural.
Embora seja possível observar a existência de variedades bem-marcadas dentro de um mesmo grupo, disso não decorre diretamente a conclusão de que o acúmulo dessas variações pode levar ao surgimento de novas variedades bem-marcadas. Darwin (1872) estabelece que a seleção natural age em favor da preservação dos indivíduos bem adaptados, levando-os a acumular ligeiras variações vantajosas à sobrevivência. Tal acúmulo é o que permite o surgimento de variedades e, consequentemente, de espécies insipientes. Após um longo período e considerando o acúmulo de um número maior de variações, uma variedade adquire características bem-marcadas. Para aprofundar esse ponto, é preciso compreender melhor o argumento darwiniano de espécie, seguido dos distintos focos na fisiologia e na morfologia dos seres vivos.
Reconstrução do conceito darwiniano de espécie
O conceito darwiniano de espécie tem como base o argumento de que os aspectos funcionais dos organismos não surgiram tão funcionalmente de modo repentino. De fato, Darwin (1872, p. 33) estabelece que “quase todas as partes de cada ser orgânico estão tão admiravelmente dispostas em relação às condições complexas da vida, que parece improvável que qualquer destas partes tenha atingido subitamente a perfeição”. O naturalista inglês deixa clara sua posição contrária ao criacionismo, na mesma medida em que abre as portas para uma classificação prática das espécies pelo processo de seleção natural. Em linhas gerais, a estrutura argumentativa em favor de um conceito darwiniano de espécie pode ser estruturada da seguinte forma: (i) exposição da inadequação da aplicação do conceito de espécie na classificação dos seres vivos; (ii) surgimento de variações nos seres vivos; (iii) surgimento de formas intermediárias através do acúmulo de pequenas variações; (iv) surgimento das variedades bem-marcadas através do acúmulo de pequenas variações; e (v) surgimento das espécies através do acúmulo de variações.
No darwinismo, a definição de espécie está relacionada às variedades bem-marcadas, uma vez que o próprio autor não apresenta um critério infalível que as possa diferenciar. O processo de diferenciação ocorre pelo princípio de seleção natural, conforme apresentado nos itens iii, iv e v. O ponto é que, se não forem encontradas as formas intermediárias destes indivíduos, as características diferenciais que servirão como fatores centrais à sua classificação em determinada espécie ou variedade serão arbitrárias. Contudo, cabe salientar que nenhum ser vivo é estático quanto a sua forma, e toda prole possui variações com relação aos seus progenitores. Darwin (1872, p. 34) coloca que “as numerosas pequenas diferenças que aparecem na prole dos mesmos progenitores [...] porque se observam em indivíduos da mesma espécie que habitam a mesma localidade restrita, podem ser chamadas de diferenças individuais”. Nesse sentido, quando surgem variações distintas em membros de uma mesma espécie confinados num mesmo espaço, essas mutações serão denominadas diferenças individuais.
Temos visto que não há critério infalível pelo qual distinguir espécies e variedades bem-marcadas; e quando elos intermediários não foram encontrados entre as formas duvidosas, os naturalistas são compelidos a decidirem-se pela quantidade de diferença entre elas [formas duvidosas], para julgar, por analogia, se esta diferença satisfaz ou não para elevar uma ou ambas ao nível de espécie. Portanto, a quantidade de diferença é um critério muito importante para definir se as duas formas devem ser classificadas como espécies ou variedades (Darwin, 1872, p. 45).
Um dos critérios para determinar o que é uma espécie à época do lançamento da Origem das Espécies era o indivíduo ser visivelmente diferente. Conforme apresentado acima, pequenas variações podem surgir em indivíduos de uma espécie restritos num mesmo ambiente, sendo possível afirmar que essa diferenciação surge independentemente da pressão ambiental. Darwin (1872) salienta que é natural que todos os seres vivos desenvolvam essas pequenas variações. Caso elas sejam benéficas ao seu possuidor, então podem ser acumuladas ao longo do tempo pelo processo de seleção natural. A sua acumulação sucessiva, durante um longo período, pode levar ao surgimento de variedades bem-marcadas. Por sua vez, essas variações consistem em formas orgânicas que possuem previamente um acúmulo de mutações que torna esses indivíduos diferentes de sua espécie originária. Caso o processo continue a ocorrer, levará, dessa maneira, ao surgimento de uma nova espécie na natureza.
As formas que possuem em algum grau notável o caráter de espécies, mas que são tão semelhantes a outras formas, ou que estão tão intimamente vinculadas a elas por gradações intermediárias, que os naturalistas não gostam de classificá-las como espécies distintas, são em vários aspectos as mais importantes para nós. Temos todos os motivos para acreditar que muitas dessas formas duvidosas e estreitamente vinculadas mantiveram permanentemente seus caracteres por um longo período; pelo que sabemos, por tanto tempo como existem espécies boas e verdadeiras (Darwin, 1872, p. 36).
Salienta-se que os critérios para a classificação das espécies não são padronizados, visto que, em muitos casos, há discordância sobre onde alocar indivíduos com variações específicas. Tal desacordo abre espaço à identificação das interrelações entre espécie e variedade, a fim de padronizar a classificação dos organismos no nível da primeira. Por um lado, uma padronização mediante à vinculação comum entre uma espécie ancestral e uma nova apresenta-se como uma posição compatível com o princípio de seleção natural. Todavia, pode-se inviabilizá-la pela necessidade de preencher cada lacuna do registro geológico, em particular com relação à preservação de fósseis – processo hercúleo e impossível de ser realizado em sua completude. Dessa forma, é preciso que se estabeleça uma classificação dos seres vivos que não seja necessariamente regida pela presença de formas intermediárias entre as espécies. O foco na discussão entre os aspectos morfológicos e fisiológicos aponta para uma classificação suficientemente padronizada, a qual leva em conta o surgimento de características marcantes em diferentes grupos com base na sua estrutura natural.
Conceito de espécie na discussão entre morfologia e fisiologia
Huxley (1860) ressalta que o uso do termo espécie por Darwin era de fato útil, mas possuía uma base marcadamente morfológica. Uma proposta concorrente era a de que a fisiologia também consistia num fundamento relevante na diferenciação entre as espécies. De fato, o autor estabelece que indivíduos incapazes de reproduzir deveriam ser classificados como espécies fisiológicas. Entretanto, não está claro se ele cunhou o referido conceito, posto que o termo não aparece na obra de Darwin, ou se ele o cooptou da efervescente discussão da época. Independentemente de sua origem, a ideia de espécie fisiológica transformou-se na pedra de toque da discussão sobre o conceito de espécie[7]. Inclusive, a preferência pelos aspectos fisiológicos aos morfológicos foi uma das principais razões para a rejeição contemporânea da definição darwiniana de espécie.
Se um macho e uma fêmea, selecionados de cada grupo, produzem descendentes, e esses descendentes são férteis com outros produzidos da mesma forma, os grupos são raças e não espécies. Se, por outro lado, não suceder resultados, não houver resultado, ou se a prole for infértil com outras produzidas da mesma forma, elas são verdadeiras espécies fisiológicas (Huxley, 1860, p. 552-53).
Darwin (1871) responde a Huxley aparentemente acrescentando uma dimensão fisiológica ao conceito de espécie. O autor aponta a necessidade de guiar-se pela quantidade de diferenças entre grupos distintos para verificar se eles deveriam ser classificados como espécies ou variedades. De fato, o número de diferenças pode estar relacionado com graus diferentes de disparidade e, nesse caso, podem possuir importância fisiológica. Darwin (1871, p. 93) coloca que “mesmo um leve grau de esterilidade entre quaisquer duas formas quando cruzadas pela primeira vez, ou em sua prole, é geralmente considerado com um teste decisivo de sua distinção específica [...]”. No entanto, esse argumento não exclui em si a questão da lacuna morfológica na posição darwiniana e nem confere à fisiologia o peso dado por Huxley.
Ao determinar se duas ou mais formas próximas devem ser classificadas como espécies ou variedades, naturalistas são praticamente guiados pelas seguintes considerações; isto é, a quantidade de diferença entre elas, e se tais diferenças se relacionam com poucos ou muitos pontos de estrutura, e se eles são de importância fisiológica; mas mais especialmente se eles são constantes. A constância de característica é o que é principalmente valorizado e buscado pelos naturalistas (Darwin, 1871, p. 93).
No início do século XX, Jordan (1905) recupera a discussão de que espécies deveriam ser classificadas fisiologicamente com base em seu isolamento reprodutivo. Com a redescoberta da hereditariedade mendeliana, Bateson (1913) aborda a compreensão das espécies sob a nova óptica da genética experimental, uma vez que a esterilidade híbrida poderia ser investigada em laboratório. O autor reiterou o argumento de que a definição de espécie darwiniana ignorava uma característica central do processo seletivo, que era sua tendência fisiológica de produzir híbridos estéreis. Chetverikov (1926, p. 208) coloca que “a verdadeira fonte de especiação, a verdadeira causa da origem das espécies não é a seleção, mas o isolamento”. O geneticista russo ecoa Bateson (1922) ao defender que o conceito de espécie darwiniano era incompleto, pois não explica a importância da especificidade das espécies na natureza.
Krementsov (1994) salienta a influência que as discussões sobre espécies fisiológicas na Europa e na América do Norte entre o final do século XIX e o início do século XX tiveram no desenvolvimento das ideias naturalistas posteriores sobre o processo de especiação. Ao se voltar para a concepção de raça enquanto variação, Dobzhansky (1937) desvia explicitamente seu foco com a morfologia em si. Entretanto, cabe ressaltar que as evidências apontam para a base genética da hereditariedade e da natureza da mutação enquanto baseadas na ocorrência de atributos morfológicos. O ponto é que, até este momento em sua investigação, ele estava preocupado com a distribuição de mutações e alelomorfos em geral dentro de populações e espécies.
Seu argumento ganha maior relevância quando o foco se direciona para uma questão ontológica específica: o que é uma raça (ou uma variação dentro de uma espécie)? Dobzhansky (1937, p. 62) estabelece que “as unidades fundamentais da variabilidade racial são populações e genes, não as complexas características que conotam na mente popular uma distinção racial”. Sua resposta é consistente com a forma como posteriormente estabeleceria o conceito de espécie a partir da noção de que uma raça não é uma entidade particularmente clara. Sendo assim, a variação não consiste num ente estático, mas num processo com diferentes estágios de desenvolvimento. Seu trabalho resulta de um amálgama da genética mendeliana com o evolucionismo darwiniano, apoiando a ideia de que espécies são classificáveis mediante mecanismos de isolamento fisiológico.
Se permitirmos que a diferenciação prossiga sem impedimentos, a maioria ou todos os indivíduos de uma raça podem vir a possuir certos genes, enquanto os da outra raça não. Finalmente, mecanismos que impedem o cruzamento entre raças podem se desenvolver, dividindo o que costumava ser um único genótipo coletivo em dois eu mais separados. Quando tais mecanismos se desenvolveram, e a prevenção de cruzamentos é mais ou menos completa, estamos lidando com espécies separadas. Uma raça se torna cada vez mais uma “entidade concreta” à medida que esse processo prossegue; o que é essencial nas raças não é o seu estado de ser, mas o de vir a ser. Mas quando a separação das raças estiver completa, não estamos lidando mais com raças, pois o que emergiu são espécies separadas (Dobzhansky, 1937, p. 62-3).
Dobzhansky (1937) estabelece que fenômenos como os da esterilidade híbrida e isolamento sexual ou psicológico poderiam operar num sistema de reforço mútuo. Como consequência, isolamentos posteriores poderiam ser adaptativos em circunstâncias específicas. Uma primeira análise pode apontar que a aplicação dessa hipótese à esterilidade e inviabilidade híbridas poderia consistir num caso da previamente mencionada seleção de grupo ingênua. No entanto, o próprio autor aceita o argumento de que a esterilidade híbrida deve ser considerada como um subproduto da evolução divergente, ao invés de uma influência diretamente selecionada na especiação. Sendo assim, o que parece ocorrer é um aceite à relevância da abordagem darwiniana para a compreensão da definição de espécie, ainda que ambos os autores possuam diferenças em sua visão sobre o tema.
Mayr (1942) ressalta essa definição de isolamento reprodutivo de espécie e a renomeia como o conceito biológico de espécie. O autor não refuga a defesa de que esse novo conceito de espécie é diferente do argumento original apresentado na Origem das Espécies, exigindo uma compreensão nova da obra. Em suma, essa nova visão do processo de especiação é representativa da síntese moderna do darwinismo com a genética mendeliana. É com base nessa nova luz que se pretende retornar à Darwin (1872) e apresentar a relevância atual de sua proposta para responder ao questionamento-base deste artigo: o que é uma espécie?
Repristinação do conceito darwiniano de espécie
Conforma apresentado anteriormente, Darwin (1872) critica o conceito de espécie até então vigente em favor de uma nova conceptualização compatível com o argumento evolucionista por ele proposto. Tendo o processo de seleção natural como base, o autor indica que a especiação ocorre pela preservação e acúmulo de pequenas variações benéficas ao indivíduo, as quais levam ao surgimento de variedades bem-marcadas ou espécies insipientes. Nesse sentido, naturalistas passaram a adotar arbitrariamente um conceito diversificado com base em três critérios centrais: (i) percepção de diferenças visíveis entre os indivíduos; (ii) utilização de elos entre duas formas, com a primeira ou mais comum sendo classificada como espécie e as demais como variações; e (iii) classificação de uma forma como variedade de outra por analogia com a forma já documentada, seja ela atual ou extinta.
O problema dessa diversificação estava precisamente em não haver semanticamente um conceito unificador. Note-se que, em atividades práticas, há grandes divergências quanto à classificação dos seres vivos no nível de espécie e o resultado é a impossibilidade de haver um consenso acerca da forma como classificá-los. O passo dado pela teoria darwiniana foi exatamente o de desenvolver um argumento fundamentado num processo amplamente aceito, a saber, a seleção natural.
A partir da inadequação do conceito de espécie e do intenso debate que sucedeu à publicação da Origem das Espécies, faz-se necessário agora enfatizar as posições que convergem para um ponto comum e que abriram espaço para a compatibilização entre o darwinismo e a genética mendeliana. Possivelmente o argumento central é que todos os organismos apresentam ligeiras variações[8]. Darwin (1872) coloca que é um erro considerar que variações afetam apenas características que não são importantes para os organismos. Anteriormente apresentou-se estudos de caso nos quais é possível verificar a presença de variações em estruturas relevantes, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. O autor salienta que aqueles que refutam sua afirmativa falham em verificar as inúmeras ocorrências dessas variações na natureza. Sua preocupação é enfatizada no peso que concede para tal fenômeno enquanto um dos pilares de sustentação em sua explicação do surgimento natural de novas formas de vida.
Essas diferenças individuais são da maior importância para nós, pois elas são muitas vezes herdadas, como deve ser familiar a todos; e assim fornecem materiais para a seleção natural agir e acumular, da mesma maneira que o homem acumula em qualquer direção diferenças individuais em suas produções domesticadas. Essas diferenças individuais geralmente afetam o que os naturalistas consideram partes sem importância; mas eu poderia mostrar por um longo catálogo de fatos, que as partes que devem ser consideradas importantes, seja vista sob um ponto de vista fisiológico ou classificatório, às vezes variam nos indivíduos da mesma espécie. Eu estou convencido de que o naturalista mais experiente ficaria surpreso com o número de casos de variabilidade, mesmo em partes importantes da estrutura, que ele poderia coletar em boa autoridade, como eu coletei, ao longo dos anos (Darwin, 1872, p. 34).
Darwin (1872) apresenta notável interesse em enfatizar a existência de espécies crípticas. O autor define esses grupos como formas que possuem algum grau considerável de características de determinada espécie, mas que, ao mesmo tempo, são similares a outras formas ou estão estreitamente ligadas por meio de gradações intermediárias. Em geral, naturalistas relutam em classificar grupos desse tipo como uma espécie distinta. O argumento darwiniano baseia-se na analogia entre uma espécie e outras formas, as quais são classificadas em decorrência das distinções observadas e podem ser elencadas como subespécies ou variedades. Nesse ponto tende-se a supor que a forma de vida já existe em algum lugar ou já existiu em tempos passados. A questão é que as espécies crípticas possuem um grau considerável de características compartilhadas. O fator complicante no uso da analogia é que elas possuem tamanha similaridade com outras formas – ou ainda, que estão estreitamente ligadas a essas formas através de gradações intermediárias –, que dificilmente serão classificadas como espécies distintas.
Em muitos casos, no entanto, uma forma é classificada como uma variedade de outra, não porque os elos intermediários foram realmente encontrados, mas porque a analogia leva o observador a supor que eles existem agora em algum lugar, ou podem ter existido anteriormente; e aqui se abre uma ampla porta para a entrada de dúvidas e conjecturas (Darwin, 1872, p. 37).
As peculiaridades apresentadas pelas espécies crípticas servem como um argumento favorável à genética com base na seleção natural. Afinal, tal princípio permite que se compreenda os graus de semelhança e diferenciação pela seleção de genótipos ao longo do tempo, originando variações que gradualmente se tornam as variedades bem-marcadas que definem a formação de novas espécies. O fator críptico retrata a complexidade do processo que envolve tanto a semelhança originada pela descendência comum quanto a diferenciação pela modificação resultante da replicação do DNA parental. Dessa forma, compreende-se o sistema a partir do entendimento do elo comum que é fornecido pela genealogia acrescida da modificação por seleção natural. As variedades bem-marcadas possuem características próprias, ainda que compartilhem traços comuns com grupos distintos. Em suma, é mediante o processo de seleção natural que é possível explicar o surgimento das variações e das variedades bem-marcadas.
As formas que possuem em algum grau considerável o caráter de espécie, mas que são tão semelhantes a outras formas, ou estão tão intimamente ligadas a elas por gradações intermediárias, que os naturalistas não gostam de classificá-las como espécies distintas, são sob vários aspectos o mais importante para nós. Temos todas as razões para acreditar que muitas dessas formas duvidosas e intimamente aliadas mantiveram permanentemente suas características por um longo tempo; por tanto tempo, até onde sabemos, como boas e verdadeiras espécies (Darwin, 1872, p. 36).
Darwin (1872) apresenta uma explicação materialista para o surgimento de novas espécies. O autor ressalta que a exposição de um organismo por um longo período pode sofrer mutações gênicas a partir do processo de seleção natural circunscrito em complexas leis de variação. Tal princípio tende a favorecer a forma modificada na medida em que ela apresentar vantagens adaptativas. A seleção natural opera de modo que pequenas modificações sejam acumuladas geneticamente ao longo do tempo, levando organismos a adaptarem-se de formas diferentes ao meio.
Conforme previamente apresentado, Huxley (1860) não ficou convencido do argumento darwiniano de que não se deveria definir espécies a partir do isolamento reprodutivo. Ele cunhou o termo espécies fisiológicas para conceituar a tese de que o isolamento reprodutivo consistia na natureza fundamental das espécies, ideia que ressurgiu com força em meados do século XX. As fortes divergências acerca do argumento de que espécies deveriam ser fundamentalmente distintas das variedades com base na sua fisiologia levou a uma busca pela repristinação de conceitos fundamentais para definir o que é uma espécie. Dessa forma, Cracraft (1989) coloca que uma espécie filogenética é uma forma distinta que retém diferenças morfológicas ou genéticas estáveis, que seja ou não reprodutivamente isolada. Yang e Rannala (2010) avançam nesse ponto, salientando que é necessário inferir dos dados genéticos pelo menos um tempo mínimo de separação entre um par de populações para que seja possível classificá-las como espécies distintas. Por sua vez, Hilário et al. (2021) apresenta uma versão recente dessa perspectiva, empregando análises estatísticas Bayesianas de coalescência genealógica para determinar a presença de espécies filogeneticamente separadas em um conjunto de dados de sequências genômicas individuais.
Mallet (1995) estabelece que uma delimitação darwiniana de espécies é válida contemporaneamente a partir da teoria sintética. Para o autor, espécies são grupos genotípicos separados quando considerados no sentido genético molecular. Note-se que argumentar em favor de duas espécies com base em dados genéticos é equivalente a defender a possibilidade que dois conjuntos de indivíduos, cada um proveniente de uma população com frequências genéticas, possam diferir entre si. Em outras palavras, significa refutar a hipótese de que existe uma única população no conjunto de dados genéticos e genômicos individuais para provar que a presença de duas populações é uma hipótese melhor, com a vantagem de que este método pode ser estendido para múltiplas populações. Pritchard et al. (2000) ressalta que, ao plotar a distribuição de indivíduos ao longo de eixos representando frequências gênicas multilocus, a distribuição será bimodal se houver duas espécies ou de ápice único caso exista apenas uma.
Huelsenbeck e Andolfatto (2007) reforçam esse argumento ao colocar que os dados podem ser tratados estatisticamente mediante uma abordagem Bayesiana-Markov-Chain-Monte-Carlo. Tal procedimento ficou conhecido como teste de atribuição, pois determina o número apropriado de populações distintas nas quais é possível atribuir cada um dos indivíduos genotipados em uma amostra. Zeng et al. (2010) coloca que testes de atribuição são úteis para delimitar espécies crípticas em plantas baixas. Essa posição é corroborada por Pinzón e LaJeunesse (2011) com relação a corais, por Dasmahapatra et al. (2010) no que tange a borboletas e Weisrock et al. (2010) no tocante a primatas como lêmures (Lemuriformes primates). Peccoud et al. (2009) salienta que tal método é útil para identificar unidades taxonômicas geneticamente distinguíveis que usualmente são consideradas abaixo do nível de espécie, como pulgões (Toxoptera citricidus). Da mesma forma, Hoelzel et al. (2007) estabelece a utilidade dessa abordagem para classificar formas de grupos sociais em mamíferos, tomando-se a orca (Orcinus orca) como exemplo. Em termos darwinianos, esses grupos ecológicos representam exatamente os casos duvidosos que o naturalista inglês usa em seu argumento de que as espécies evoluem a partir de variedades.
Todas as regras, ajudas e dificuldades anteriores na classificação podem ser explicadas, se não me engano muito, na visão de que o Sistema Natural é fundado na descendência com modificação; – que os caracteres que os naturalistas consideram como mostrando verdadeira afinidade entre quaisquer duas ou mais espécies são aqueles que foram herdados de pais comuns, sendo toda classificação verdadeira genealógica; – essa comunidade de descendência é o vínculo oculto que os naturalistas têm buscado inconscientemente, e não algum plano desconhecido de criação, ou a enunciação de proposições gerais, e a mera junção e separação de objetos mais ou menos semelhantes (Darwin, 1872, p. 369).
O conceito darwiniano de espécie surge associado ao princípio de seleção natural, inter-relacionados de tal forma que um não existe sem o outro. O foco de divergência demostrou que, na prática, cada naturalista utiliza diferentes métodos para identificação de uma espécie e, enquanto não houver um fundamento objetivo para o sistema natural que é inconscientemente utilizado, haverá divergências classificatórias. Caso faça-se evidente que o sistema natural está fundamentado na descendência com modificação, então será possível compreender a genealogia subordinada e a relação entre os grupos onde organismos semelhantes possuem ancestrais comuns. À luz da teoria sintética, as frequências dos genes podem diferir se as populações forem isoladas espacialmente sem que isso implique necessariamente em especiação. Por fim, a posição darwiniana é corroborada nos casos em que as populações distinguíveis ocorrem juntas na mesma região e, ainda assim, retêm diferenças em vários lócus gênicos. Como resultado, esses grupos tendem a ser classificados como espécies diferentes. De fato, indivíduos híbridos podem ocorrer, mas, ao menos que sejam raros em áreas de sobreposição, essas populações também podem ser consideradas como espécies delimitadas separadamente.
Conclusão
O conceito darwiniano de espécie mostra-se dinâmico e abre caminho para a tese de que uma classificação permanente somente é possível caso observe-se com atenção as formas intermediárias que ligam a espécie ancestral a seus descendentes. A seleção natural explica desde o acúmulo das variações, passando pelo surgimento de formas intermediárias, até a separação de grupos em novas espécies. Tal princípio possibilita o surgimento de novas espécies naturalmente, dando uma explicação evolutiva para a variação da composição das populações dos seres vivos ao longo do tempo.
O conceito de espécie formulado por Darwin (1872) completou um ciclo que foi do desrespeito geral e chegou ao uso de métodos estatísticos que empregam uma clara noção darwiniana de espécie. Contudo, faz-se relevante ressaltar que o avanço para a teoria da síntese estendida agregou à perspectiva evolutiva o uso de dados genéticos em vez de uma abordagem estritamente morfológica. Nesse sentido, as bases genética e morfológica podem ser vistas contemporaneamente como explicações para a escassez de vínculos intermediários entre espécies. Dessa forma, a bimodalidade genotípica faz sentido prático tanto para os naturalistas que apoiam ambas as abordagens, desde os que defendem mais fortemente as aproximações filogenéticas, quanto para os que sustentam que a perspectiva darwiniana estava correta desde o princípio. O ponto é que ambas genética e morfologia não são, sob uma ótica contemporânea, necessariamente antagônicas. Isso parece oferecer um caminho sólido para encerrar aquilo que o naturalista inglês definiu como uma busca vã pela essência não descoberta do que é uma espécie.
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Matheus de Mesquita Silveira
Professor do PPG Filosofia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2024-atual); Coordenador do grupo X-Lab: philosophy, ethology and cognition (2015-atual); Pesquisador associado no International Wolf Center (2011-atual); Pós-Doutor em Etologia pelo International Wolf Center, Doutor em filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos com intercâmbio na City University of New York; Mestre em filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos com intercâmbio na Universidad de Buenos Aires; Bacharel e Licenciado em filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Especialização em etologia de canídeos pelo International Wolf Center.
Heloísa Allgayer
Custom Code Management BTP ABAP na SAP Labs Brasil (2023-atual); Pesquisadora associada a Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia; Pós-Doutora em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul; Doutora em biologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Mestre em filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Bacharel e Licenciada em biologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Especialização em Big Data, Data Science e Data Analytics.
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[1] Mallet (2010a) salienta que Mayr (1963) concorda com a posição darwiniana segundo a qual não haveria evidências suficientes de que a esterilidade teria evoluído mediante seleção natural. No entanto, sua crítica converge ao ponto de que os mecanismos de isolamento eram adaptativos e, portanto, úteis às espécies como um meio de mantê-las separadas umas das outras.
[2] O artigo citado foi originalmente publicado em 1909 e, posteriormente, revisado para o primeiro centenário da publicação da Origem das Espécies em 1959. Nesse estudo, o autor documenta não apenas o contexto que levou Darwin e Wallace a formular a teoria da evolução, mas também o motivo pelo qual outros biólogos não o fizeram. Huxley (1887, p. 197) comenta que “minha reflexão, quando pela primeira vez dominei a ideia central da ‘Origem’ foi, como fora extremamente estúpido não ter pensado nisso!”. Esse ponto reforça por contraste o argumento sobre o conceito de espécie, pois grande parte da abordagem darwiniana pode ser considerada como bastante objetiva se analisadas em retrospecto.
[3] Pleiotropia é identificada quando um único gene afeta duas ou mais características. No contexto evolutivo, Curtsinger (2001) salienta que esse fenômeno ocorre quando um único gene afeta a aptidão do organismo em diferentes períodos da vida. Por exemplo, caso uma nova mutação melhore a aptidão de indivíduos jovens e idosos, é provável que essa característica seja preservada pela seleção natural. Contudo, um gene que diminua a aptidão de um organismo dessa mesma forma tende a ser extinto pelo processo evolutivo. O autor aponta como casos interessantes aqueles nos quais os efeitos da aptidão em organismos jovens e idosos são negativamente correlacionados ao que se denomina como pleiotropia negativa ou pleiotropia antagônica. Nesse caso, entende-se que as mutações que favoreçam a aptidão inicial em detrimento da tardia tendem a ser privilegiadas.
[4] Em sua resposta, Wallace (1916, p. 172-73) lamenta o trabalho que Darwin teve em respondê-lo, escrevendo ainda que “[...] de fato, eu estava apenas meio convencido de meus próprios argumentos, – e agora penso que há uma chance igual de que a Seleção Natural pode ou não ser capaz de acumular esterilidade”. Como aponta corretamente Kottler (1985), a posição de Wallace de que a esterilidade híbrida seria fonte de controvérsia mostrou-se verdadeira. Nas décadas posteriores à publicação da Origem das Espécies, tanto os críticos da seleção natural quanto muitos dos seus defensores se opuseram à posição darwiniana.
[5] Wallace (1889) coloca que o indivíduo A é infértil com a maior parte de sua espécie, exceto com os indivíduos do sexo oposto a, b, e c. Um segundo indivíduo E, nascido em outra região geográfica, é fértil apenas com indivíduos do sexo oposto e, f e g. Os indivíduos K, P, R e afins podem ter relações semelhantes, sendo cada um fértil apenas com alguns indivíduos da sua espécie, denominados aqui como seus complementos fisiológicos. Separadamente, cada um destes indivíduos constitui uma variedade fisiológica, mas todo o conjunto A, E, K, P e R são, na verdade, cinco variedades distintas. Para formar uma variedade, todos eles teriam que ser férteis com um grupo idêntico de indivíduos do sexo oposto. Conforme o autor, isso é tão altamente improvável que não deveria ser assumido até que seja rigorosamente comprovado com base em evidências empíricas.
[6] Birchler et al. (2010) define heterose como o fenômeno em que a progênie de diversas variedades de uma espécie ou cruzamentos entre espécies exibem maior biomassa, velocidade de desenvolvimento e fertilidade do que seus antecessores.
[7] Em seus escritos sobre borboletas (Heliconius), Bates (1863) faz uma alusão à crítica de Huxley sobre o conceito morfológico de espécie. O autor entende como espécie fisiológica um grupo de indivíduos que não procriará com aqueles do qual derivou mesmo tendo oportunidades de fazê-lo, não exibindo sinais de retornar a uma condição anterior mesmo se colocado nas mesmas condições que seus antepassados. A controvérsia estabelecida desde o ensejo da publicação da teoria darwiniana estaria na carência de evidências empíricas para demarcar espécies com base na sua fisiologia a partir da definição acima. No entanto, Bates (1863, p. 388) tende a mostrar que “uma espécie fisiológica pode ser e á produzida na natureza a partir das variedades de uma família próxima pré-existente”. O exemplo utilizado para sustentar o argumento é que, embora a borboleta carteiro (Heliconius melpomene) e a borboleta flor-de-paixão (Heliconius thelxiope) hibridizem em determinados locais, elas são encontradas em outros locais onde esse processo não ocorre. O ponto é que, embora a taxonomia contemporânea não sustente a posição de Bates, ela auxilia na compreensão da crítica de Huxley à Darwin, em particular na sua necessidade de explicar o papel das espécies fisiológicas como tópico relevante da discussão.
[8] Faria (2011) estabelece que a replicação do DNA parental está impregnada com enzimas de reparação e revisão. A funcionalidade dessas enzimas é corrigir diferenças que ocorrem na cópia, com algumas modificações permanecendo após a correção. Nesse sentido, a mutação consiste numa diferença persistente que não é corrigida pelas enzimas e permanece após a reprodução celular. Então, ocorre o surgimento de uma nova sequência de DNA capaz de codificar uma nova proteína, com propriedades diferentes da original. Note-se que isso ocorre tanto na transferência genética vertical (na geração dos gametas na transmissão de carga genética parental) quanto na horizontal (processo pelo qual um organismo transfere genes para uma célula não descendente). O ponto importante é ressaltar que o conceito de variação é compatível com a genética, pois todas as formas de vida apresentam variações passíveis de serem observadas devido à semelhança química do seu código genético.