
A CRÍTICA DE LEIBNIZ À TEORIA DOS QUALIA DE DESCARTES
LEIBNIZ’S CRITIQUE OF DESCARTES’ THEORY OF QUALIA
William Teixeira
UnB – Universidade de Brasília
Recebido: 15/06/2025
Received: 15/06/2025
Aprovado: 25/07/2025
Approved: 25/07/2025
Publicado: 08/08/2025
Published: 08/08/2025
Resumo
O objetivo desse artigo é tentar responder à crítica feita por Leibniz à teoria dos qualia de Descartes. Na primeira parte do artigo, eu exponho e discuto a principal razão oferecida por Leibniz para atribuir qualia a teoria da percepção cartesiana. Na segunda parte, eu apresento os argumentos pelos quais julgo ser possível rejeitar a crítica leibniziana aos qualia cartesianos. Em minha visão, três elementos são fundamentais para responder à crítica de Leibniz: a instituição da natureza, o ocasionalismo deísta e o paralelismo psicofísico cartesianos. Eu concluo mostrando que todos esses três elementos parecem ter exercido uma grande influência tanto na hipótese da harmonia pré-estabelecida, quanto na teoria expressiva da percepção leibnizianas, que consistem justamente nas alternativas elaboradas pelo filósofo alemão para solucionar o problema dos qualia.
Palavras-chave: Qualia; instituição da natureza; ocasionalismo; paralelismo psicofísico; harmonia pré-estabelecida; expressão.
Abstract
This paper aims at trying to answer Leibniz’s critique of Descartes’ theory of qualia. First, I discuss the main reason given by Leibniz for assigning qualia to the Cartesian theory of perception. Then, I put forward the reasons why I believe that it is possible to reject Leibniz’s critique. In my view, there are three elements found in Descartes’ philosophy which should be considered in order to answer Leibniz’s critique: the institution of nature, the deist occasionalism and the psychophysical parallelism. I conclude by suggesting that all these three elements of Descartes’ philosophy seem to have exerted a great influence in shaping both Leibniz’s hypothesis of pre-established harmony and his expressive theory of perception, which were the alternatives that the German philosopher had conceived in order to solve the qualia problem.
Keywords: Qualia; institution of nature; occasionalism; psychophysical parallelism; pre-established harmony; expression.
Introdução
Segundo Leibniz, Descartes teria articulado uma teoria da percepção na qual haveria uma total ‘desconexão’ e uma completa ‘arbitrariedade’ entre os termos da relação perceptiva, isto é, entre as qualidades sensíveis do objeto exterior e sua representação mental (a ideia). Trata-se do problema que ficou conhecido na filosofia da mente contemporânea como ‘problema dos qualia’, nomenclatura que passarei a empregar na sequência desse artigo. Eis como Leibniz coloca esse problema no prefácio aos Novos ensaios sobre o entendimento humano (doravante apenas Novos ensaios):
[...] Os cartesianos, assim como nosso autor[1], [...] concebem as percepções que nós temos dessas qualidades [as cores, o calor e as outras qualidades sensíveis] como arbitrárias, isto é, como se Deus as tivesse dado à alma segundo seu agrado, sem levar em consideração nenhuma relação essencial entre as percepções e os objetos, opinião que me surpreende e que me parece pouco digna da sabedoria do Autor das coisas, que não faz nada sem harmonia e sem razão (Leibniz, 1974, p. 198).
Visto que, na passagem citada, Leibniz se refere aos ‘cartesianos’ e não propriamente a Descartes, poder-se-ia pensar que ele estaria se referindo a Nicholas Malebranche (1638-1715), pois trata-se, de fato, de um cartesiano que realmente defendeu que não há “nenhuma relação essencial entre as percepções e os objetos”. Com efeito, em defesa da ‘ortodoxia cartesiana’ concernente à distinção entre o mental e o corpóreo, decorrente do dualismo de substâncias postulado por Descartes nas suas Meditações de Filosofia Primeira (1641), Malebranche, atento ao fato que um objeto físico é única e exclusivamente dotado de propriedades mecânicas e geométricas (isto é, o movimento e a tridimensionalidade essenciais à res extensa), sustenta que o mesmo, definido de tal maneira, não pode ser capaz de modificar-se na forma de qualidades semelhantes a cores, gostos, sons, odores ou qualquer outra qualidade sensível. Por isso, Malebranche parece justificado em afirmar, no capítulo 1, do livro 1, de sua primeira e mais importante obra, A busca da verdade (1674), que
[...] As sensações da alma não têm qualquer relação necessária com o exterior. [...] Todas as sensações de que somos capazes poderiam subsistir sem que houvesse um objeto fora de nós. Seu ser não encerra relação necessária com os corpos que parecem causá-las [...] e as sensações são somente a alma modificada de uma tal ou tal maneira, de modo que elas são propriamente as modificações da alma (Malebranche, 2004, pp. 63-64).
Malebranche leva tão a sério sua defensa da ‘ortodoxia cartesiana’ a ponto de, no prefácio da mesma obra, criticar Santo Agostinho[2] (354-430) por não ter reconhecido que as qualidades sensíveis que atribuímos aos objetos materiais não são nada além do que modificações de nossa alma. Segundo Malebranche, apesar de Agostinho ter explicado
[...] melhor as propriedades da alma e do corpo do que todos aqueles que o precederam e que o seguiram até nosso século, seria, contudo, desejável que ele não tivesse atribuído aos corpos que nos cercam todas as qualidades sensíveis que percebemos [...], pois, afinal, elas não estão claramente contidas na ideia que ele tinha da matéria. De maneira que se pode dizer, com alguma segurança, que somente se conheceu bastante claramente a diferença entre o espírito e o corpo em anos recentes (Malebranche, 2004, p. 50-51).
Portanto, segundo a leitura de Malebranche, Agostinho concebia as qualidades sensíveis como elementos intrínsecos aos corpos. Embora não o mencione na passagem citada, a ‘descoberta’ referida por Malebranche se deve a Descartes, já que este, ao postular o dualismo corpo-alma, ao contrário de Agostinho, realizou a distinção entre aquelas propriedades que são exclusivas da matéria (as qualidades primárias: grandeza, figura, movimento) e aquelas que são exclusivas da mente (as qualidades secundárias: cores, odores, sabores, sons). É justamente dessa distinção que vai resultar os qualia.
O corolário dessa negação de qualquer ‘relação necessária’ entre as qualidades secundárias (sensações) e as qualidades primárias (os objetos que causariam as sensações) para a filosofia da mente do Malebranche é claramente enunciado por Jolley:
[...] Malebranche firmly resists the temptation to treat intentionality as a characteristic of all mental state. Within the sphere of mental acts, Malebranche recognizes a class of items which have no objects of any kind; such are called sentiments. In this category, [...], Malebranche places sensations such as pains and all sensations of secondary qualities (Jolley, 1990 p. 4).
No entanto, embora Malebranche seja, sem dúvida nenhuma, um cartesiano que nega o caráter intencional[3] das sensações, há razões, por outro lado, para se sustentar que as críticas de Leibniz são de fato direcionadas a Descartes. Além da sugestão contida na crítica de Malebranche a Agostinho, parece ser questão pacífica sustentar, como afirma Simmons, que “this whole discussion [about qualia] is typically taken to be the legacy of Descartes [...]” (Simmons, 1999, p. 347). Com efeito, além de poder ser considerada como uma natural implicação do dualismo de substâncias ou ‘distinção real entre mente e corpo’, há passagens nos escritos cartesianos em que seu autor parece estar realmente sugerindo uma teoria dos qualia. Um claro exemplo disso se encontra nas Sextas Respostas, na qual ele afirma, na esteira de Galileu e Demócrito, que “as cores, os odores e os sabores, e outras coisas similares são apenas certas sensações existentes em meu pensamento” (Descartes, 1996, AT[4] 9, p. 440). A mesma tese também é sustentada no artigo 68, do Livro 1, dos Princípios da Filosofia, na qual Descartes afirma que
[...] possuímos um conhecimento claro e distinto da dor, da cor e outras coisas dessa sorte quando as consideramos simplesmente como sensações ou pensamentos[5]; mas, quando as julgamos como certas coisas que subsistem fora do nosso espírito, somos plenamente incapazes de formar qualquer concepção delas (Descartes, 1996, AT 8 p. 33).
Além disso, Antoine Arnauld (1612-1694), em suas Quartas Objeções às Meditações, ao expor sua compreensão acerca da teoria da percepção daquele que, ao lado de Santo Agostinho, será um de seus ‘mentores’ intelectuais, parece indicar com bastante clareza as razões que levariam à suposição de que há efetivamente uma teoria dos qualia em Descartes. Eis o que o Monsieur de Port-Royal diz:
Descartes considera que não existe qualidades sensíveis [nos corpos], mas apenas os vários movimentos dos corpúsculos adjacentes a nós, pelos quais percebemos aquelas impressões variadas que designamos de cor, sabor, odor, de modo que resta [na natureza] apenas figura, extensão e movimento (Descartes, 1996, AT 7, p. 217).
Portanto, há, de fato, evidências não desprezíveis em favor da tese leibniziana acerca da presença dos qualia na teoria da percepção de Descartes. Não obstante, julgo lícito contestar a tese do filósofo alemão, pois me parece haver razões para sugerir a hipótese, segundo a qual Leibniz talvez não tenha realizado uma leitura e interpretação muito acuradas dos textos do filósofo francês. Na esteira de Leibniz, os comentadores do filósofo alemão tendem a incidir no mesmo erro, reiterando os julgamentos críticos do filósofo alemão em relação à teoria da percepção de Descartes. Eis o que afirma um deles[6]:
em si mesmas, as nossas sensações não possuem, para Descartes, nenhum caráter objetivamente representativo. Ora, esse ideal cartesiano de representação é justamente o que Leibniz buscar evitar ao trazer para o interior de toda percepção o modelo da perspectiva projetiva de inspiração arguesiana [...] (Kontic, 2016, p. 64).
Portanto, segundo essa visão ‘oficial’, sendo propriedades exclusivas da mente, pois não estariam instanciadas nos próprios objetos do mundo exterior, isto é, não são, na linguagem cartesiana, modos da res extensa, os qualia seriam, de acordo com Simmons, uma comentadora de Descartes que também endossa a tese leibniziana, aspectos meramente fenomenológicos das sensações que “[...] do little more than give an ornamental […] flair to our sense perceptual experience” (Simmons, 1999, p. 347). Nesse sentido, as qualidades sensíveis não seriam propriedades intrínsecas dos objetos, mas, ao contrário, lhes seriam atribuídas única e exclusivamente por ‘denominação extrínseca’. No entanto, em direta oposição a essa interpretação ‘oficial’, pretendo defender que não há qualia na teoria da percepção de Descartes, pois é possível mostrar, apesar de sua ontologia dualista e da distinção entre qualidades primárias e secundárias, que “[…] Descartes held that sensations are intrinsic representations of the corporeal world”[7] (De Rosa, 2010, p. 55).
A rejeição dos qualia em Descartes
Já na Dioptrique (1637), ou seja, antes mesmo de ter que se defrontar com as dificuldades decorrentes de sua proposta, realizada nas Meditações de Filosofia Primeira (1641), acerca da ‘distinção real entre mente e corpo’, Descartes parece dispor de recursos teóricos para se contrapor à atribuição de qualia à sua teoria da percepção. Nessa obra, dedicada ao estudo da luz e da visão, bem como dos instrumentos que poderiam aperfeiçoar esta última[8], Descartes apresenta seu entendimento acerca de como se realiza o processo de percepção-representação, isto é, sobre como o que é material e exterior pode ser exibido no interior de um substrato imaterial, como o é a mente. Para dar conta dessa problemática relação entre o mundo corpóreo e a esfera do imaterial, Descartes postula a decisiva noção de ‘instituição da natureza’. Eis como Descartes explica a relação entre o material e o mental à ocasião da percepção sensível através da instituição da natureza: “[...] são os movimentos dos quais [a estimulação que chega no cérebro através dos nervos] é composta, que, agindo diretamente sobre nossa alma, na medida em que ela está unida a nosso corpo, são instituídos pela natureza[9] para fazer que ela tenha essas sensações” (Descartes, 1996, AT 6, p. 130).
Em minha visão, é essa noção de ‘instituição da natureza’ que garante o caráter indubitavelmente ‘intencional’ das sensações cartesianas. Portanto, dado o papel decisivo que julgo ser desempenhado pela noção de instituição da natureza para a solução do problema dos qualia na teoria da percepção de Descartes, é necessário que seja apresentada uma definição para a mesma, definição esta que, até onde sei, não foi apresentada pelo próprio Descartes. A instituição da natureza pode ser definida como uma espécie de correlação nomológica psicofísica[10] que associa, talvez à maneira do ‘paralelismo psicofísico’ de Espinosa, certos padrões mecânicos de estimulação corpórea (qualidades primárias) a determinados tipos de sensações (qualidades secundárias). Insistindo na comparação com o pensamento do filósofo holândes, para explicar a instituição da natureza aos espinosistas, talvez poder-se-ia dizer que, em conformidade com a proposição 7, da Segunda Parte da Ética, a relação corpo-mente está articulada de uma tal maneira que “a ordem e a conexão das ideias e a ordem e a conexão das coisas é a mesma” (Espinosa, 2007, p. 87). Desse modo, como é dito no escólio da mesma proposição, “[...] um modo da extensão e a ideia desse modo são uma só e mesma coisa, que se exprime, entretanto, de duas maneiras [distintas]” (Espinosa, 2007, p. 87). De acordo com Radner, é justamente através do recurso ao ‘paralelismo psicofísico’ que “Spinoza succeeds in dispensing with the Cartesian gap between the internal characteristics of ideas and the accuracy with which they represent external things” (Radner, 1971, p. 358). Todavia, julgo de alta importância salientar que Descartes na Sexta Meditação – na qual também há uma referência à instituição da natureza, como veremos abaixo – parece, de algum modo, ‘antecipar’ ou ‘preparar’ o paralelismo psicofísico de Espinosa, quando sustenta que “[...] um mesmo movimento no cérebro não pode produzir senão uma mesma sensação na mente [...]” (Descartes, 1996, AT 7, p. 88). Ou seja, a instituição da natureza cartesiana, assim como o paralelismo psicofísico de Espinosa, estabelecem um processo de ‘correspondência unívoca’ entre qualidades primárias (estimulações mecânico-fisiológicas) e as qualidades secundárias (ideias sensíveis ou sensações diversas), produzindo, desse modo, um ‘paralelismo’ entre as estimulações corpóreas e os estados mentais.
Ainda insistindo na comparação com o pensamento do filósofo holândes para caracterizar a noção cartesiana de instituição da natureza, vale lembrar aos espinosistas que a ‘natureza’ que realizou a ‘instituição’ é o próprio Deus. Essa ‘identificação’ entre Deus e natureza, fundamental na metafísica de Espinosa, é apresentada por Descartes na Sexta Meditação. Com efeito, na passagem em questão, Descartes ‘intercambia’, como o fará, mutatis mutandis, algumas décadas mais tarde, Espinosa, o nome de Deus pelo de Natureza. Para que não haja dúvida sobre essa identificação entre Deus e natureza, eis as palavras de Descartes: “De fato, por natureza, considerada em geral, entendo agora nenhuma outra coisa do que o próprio Deus ou a coordenação das coisas criadas instituída por Deus” (Descartes, 1996, AT 7, p. 80). Ou seja, trata-se de uma institutio naturae sive Dei (instituição da natureza ou de Deus). Doravante, sempre que mencionar a expressão ‘instituição da natureza’, terei essa definição em mente.
Embora Descartes não tenha tematizado, nem se ocupado em teorizar e explorar as consequências dessa noção de ‘instituição da natureza’ (talvez por se tratar de uma noção ‘extra-mecânica’?), a mesma é mencionada em suas principais obras para justificar a ocorrência dos processos de percepção, sensação e as paixões da alma, isto é, todas as relações em que algum processo ocorrendo no corpo produz algum efeito sobre a mente. Ei-lás em ordem cronológica. No Le Monde (1633), capítulo 1:
Ora, se as palavras, que apenas significam pela instituição humana, bastam para nos fazer conceber as coisas com as quais elas não têm nenhuma semelhança, por quê a Natureza não poderia também ter estabelecido certo signo que nos faça ter a sensação da luz, ainda que esse signo não tenha nada em si que seja semelhante a essa sensação? E não é assim que ela estabeleceu o riso e as lágrimas para nos fazer ler a alegria e a tristeza na face dos homens? (Descartes, 1996, AT 11, p. 4).
Na Sexta Meditação (1641):
[...] A Física me ensinou que, quando sinto um dor no pé, essa sensação se produz por obra dos nervos esparsos pelo pé, os quais se estendem dali até o cérebro, à semelhança de cordas, as quais, quando puxadas no pé, puxam também as partes interiores do cérebro, nas quais eles terminam, nelas excitando um certo movimento que foi instituído pela natureza, para que afete a mente como uma dor existente no pé (Descartes, 1996, AT 7, p. 87).
Nas Tratado das paixões (1649), há uma referência no artigo 36, da Primeira Parte, intitulado “Exemplo da maneira como as paixões são produzidas na alma”: “[...] do simples fato que esses espíritos [animais][11] entram nesses poros [do cérebro], eles excitam um movimento particular nessa glândula [pineal], o qual é instituído pela natureza, para fazer a alma sentir essa paixão [do medo]” (Descartes, 1996, AT 11, p. 357); e duas referências no artigo 94, da Segunda Parte. A primeira delas diz respeito à ocorrência do sentimento de alegria:
[...] a causa que faz que, ordinariamente, a alegria siga das cócegas é que tudo isso que se chama cócegas ou sensação agradável consiste no fato que os objetos dos sentidos excitam algum movimento nos nervos, que seria capaz de danificá-los, se eles não fossem resistentes o suficiente para evitar de sê-lo, ou que o corpo não estivesse bem disposto. Isto produz uma impressão no cérebro, que, tendo sido instituída pela Natureza para testemunhar essa boa disposição e essa força, a representa à alma como um bem que lhe pertence, na medida em que ela está unida ao corpo, e assim excita nela a alegria (Descartes, 1996, AT 11, p. 399).
Na segunda referência, ainda no mesmo artigo 94, Descartes explica a ocorrência do sentimento de tristeza:
A causa que faz que a dor produza ordinariamente a tristeza é que a sensação que chamamos de dor vem sempre de alguma ação tão violenta que ela agride os nervos, de modo que, tendo sido instituída pela natureza[12] para significar à alma o dano recebido pelo corpo nessa ação e sua fraqueza em não poder resistir a ele, ela [a sensação] lhe [à alma] representa um e outro [o dano e a fraqueza] como males que lhe [à alma] são sempre desagradáveis [...] (Descartes, 1996, AT 11, p. 399-400).
Embora sem menção expressa à própria instituição da natureza, como nas passagens mencionadas acima, algo que talvez possa ser chamado de seu ‘ato inaugural’ é descrito por Descartes na seguinte passagem do seu Traité de l’homme (1633-4)[13]:
[...] Quando Deus unir uma alma racional a essa máquina [o corpo humano] [...], ele dará a ela sua sede principal no cérebro e a fará de tal natureza que, segundo as diversas maneiras que as entradas dos poros que estão na superfície interior do cérebro forem abertas por intermédio dos nervos, ela terá diversos sentimentos [sentiments] (Descartes, 1996, AT 11, p. 143).
Como todas essas passagens atestam, a instituição da natureza, ainda que, até onde sei, jamais tenha sido tomada em si mesma como um objeto de discussão, é uma noção explicativa que está presente em quase toda a produção filosófica de Descartes, sendo mencionada em suas principais obras. No intento de ressaltar a importância que julgo dever ser atribuída à instituição da natureza para a compreensão da relação corpo-mente na filosofia cartesiana, é relevante, em minha visão, notar que, ao iniciar o artigo 37, da Primeira Parte, do Tratado das paixões, Descartes, referindo-se à explicação que acabara de articular no artigo anterior, afirma que “[...] coisa semelhante [le semblable] ocorre em todas as outras paixões [...]” (Descartes, 1996, AT 11, p. 357), isto é, todas as paixões podem ser explicadas de maneira semelhante à explicação apresentada no artigo 36 citado acima, ou seja, em todas a instituição da natureza estaria operando. Em razão disso, julgo ser lícito, com o fito de rejeitar os qualia e mostrar que há, de fato, uma ‘conexão necessária’ ou intencionalidade ou ‘paralelismo’ entre estados corpóreos-cerebrais e estados mentais (ideias), tomar a noção de instituição da natureza em consideração para explicar a relação entre o corpo e mente, nos contextos em que a percepção, a sensação e as paixões estiverem sendo discutidas[14].
Pressupondo a instituição da natureza, que garante, em virtude do ‘paralelismo psicofísico’ entre as estimulações mecânicas que afetam o corpo e seu correspondente efeito que resulta em um determinado estado mental, o caráter intencional das percepções, sensações e paixões, Descartes oferece mais detalhes a respeito de sua concepção acerca da relação corpo-mente por meio de uma ‘linguagem ocasionalista’[15]. Assim como a instituição da natureza, a linguagem ocasionalista também aparece desde as primeiras obras de Descartes. Além disso, como afirma Campos (2014, p. 666), “dentre os textos em que Descartes faz uso de uma linguagem ocasionalista, encontram-se na maior parte dos casos passagens que tratam da causalidade corpo-mente”. Eis alguns exemplos que confirmam essa afirmação, apresentados em ordem cronológica: no capítulo 1 do Le Monde (1633): “[...] as ideias das cócegas e da dor, que se formam em nosso pensamento à ocasião dos corpos externos que nos tocam, não têm nenhuma semelhança com eles” (Descartes, 1996, AT 11, p. 5-6); no Traité de l’homme (1633-4), logo após a descrição do ‘ato inaugural’ da instituição da natureza, novamente para explicar a sensação de dor e também a ocorrência de cócegas, Descartes afirma que, se os nervos forem puxados com excessiva força, “[...] o movimento que eles causarão no cérebro dará ocasião à alma [...] de ter o sentimento de dor” (Descartes, 1996, AT 11, p. 143-4); por outro lado, continua Descartes, se os nervos forem puxados com uma força semelhante, sem, entretanto, serem danificados, “[...] eles causarão um movimento no cérebro que [...] dará ocasião à alma de sentir uma certa volúpia corporal que chamamos de cócegas [...]” (Descartes, 1996, AT 11, p. 144); ainda no Traité de l’homme, ao discorrer sobre o sentido da visão, Descartes afirma que, quando os movimentos que afetam o nervo óptico chegarem ao cérebro, eles “[...] darão ocasião à alma [...] de conceber as diversas ideias das cores e da luz” (Descartes, 1996 AT XI, p. 151); novamente no Traité de l’homme, Descartes afirma que, quando o líquido que sobe do estômago até a garganta contem apenas ar ou vapor e não suficiente água, aquele líquido “[...] agindo, então, sobre seus nervos [da garganta] de maneira diferente da usual, causa um movimento no cérebro que dará ocasião à alma de conceber a ideia de sede” (Descartes, 1996, AT XI, 164); outra passagem do Traité de l’homme, na qual Descartes sustenta que as diversas figuras que os espíritos animais traçarão na glândula pineal “[...] poderão dar ocasião à alma de sentir o movimento, o tamanho, a distância, os sons, os odores e outras qualidades semelhantes e mesmo aquelas que poderão fazer que ela [a alma] sinta cócegas, dor, fome, sede, alegria, tristeza e outras paixões” (Descartes, 1996, AT XI, 176); na quarta parte da Dioptrique, ao explicar como o cego percebe o mundo, Descartes afirma que o contato da bengala daquele com os objetos “[...] dá ocasião à sua alma de sentir diversas qualidades nesses corpos que correspondem à diversidade dos movimentos que são causados por eles em seu cérebro (Descartes, 1996, AT 6, 114)”[16].
Uma das últimas aparições do uso da linguagem ocasionalista e não a única, como afirma Vieira[17], parece ocorrer nas Notae in programma quoddam[18] (doravante apenas Notae). Nesse texto apologético[19], escrito em 1647-8, Descartes, além de pressupor a instituição da natureza[20], argumenta que todas nossas ideias, sem exceção, são inatas, incluindo, portanto, nesse rol as ideias sensíveis e, consequentemente, eliminando a possibilidade de existir ‘ideias adventícias’[21]. Explicando como ocorre a relação corpo-mente no ato da percepção, Descartes sustenta nas Notae que os estados mentais ocorrem “não porque essas coisas [os objetos sensíveis] enviaram as próprias [ideias] através dos órgãos dos sentidos à nossa mente, mas, todavia, porque enviaram algo [aliquid] que lhe [à mente] deu ocasião para formá-las [as ideias] nesse momento preferencialmente do que em outro através de sua faculdade inata”[22] (Descartes, 1996, AT 8 B, p. 359). Esse ‘algo’ [aliquid] proveniente dos objetos sensíveis, como Descartes explica, por exemplo, no artigo 196 da parte IV dos Princípios de Filosofia – e em todas as passagens em que faz uso da ‘linguagem ocasionalista’ –, refere-se aos movimentos que, após afetarem os sentidos externos, são conduzidos pelos nervos até o cérebro, onde, finalmente, a mente poderá, ao atribuir-lhes uma ‘significação’ intencional ou representativa, produzir o fenômeno da percepção consciente do mundo exterior (Descartes, AT 8B, p. 319-20). Em outras palavras, a estimulação mecânico-geométrica recebida pelos órgãos sensoriais do mundo exterior e transmitidas até o cérebro através dos nervos produz a ‘ocasião’ que permite à mente, em virtude da ‘instituição da natureza’, decodificar, por assim dizer, aqueles movimentos e exibir à consciência as qualidades sensíveis e fenomênicas correspondentes àquela estimulação mecânico-geométrica. Desse modo, pode-se dizer que, de acordo com Descartes, ter uma sensação ou uma paixão
[...] n’est donc plus accéder aux choses mêmes via leur tableau, leur simulacre ou leur similitude[23], c’est plutôt déchiffrer un signe produit ou projeté par la nature dans notre cerveau, un signe que la Nature (ou Dieu) a en quelque sorte ‘institué’ pour qu’il soit, en son lieu, ‘lisible’ au principe spirituel, l’âme [...] (Hamou, 2014, p. 65).
Harmonia pré-estabelecida e teoria expressiva da percepção em Leibniz: duas heranças cartesianas?
Em oposição ao que afirma a crítica de Leibniz, que atribui qualia à teoria da percepção sensível de Descartes, julgo que as discussões realizadas acima permitem sustentar que, para o filósofo francês, ao contrário de Malebranche, as percepções sensoriais ou ideias sensíveis possuem necessariamente um referente, a saber, um objeto corpóreo-material, ou seja, é perfeitamente justificado atribuir a elas um ‘conteúdo intencional’. Isso significa que, para Descartes, a percepção de uma qualidade sensível, como, por exemplo, uma cor, um som, um odor, um sabor, ou qualquer outra sensação ou paixão da alma, é necessariamente ocasionada por um certo objeto dotado de determinada estrutura mecânico-geométrica da matéria extensa da qual é constituída toda a natureza. Em conformidade com isso, parece lícito afirmar que não haveria qualia na teoria da percepção de Descartes, porque “[…] the true object […] of the idea of red is a particular arragement of the insensible geometrical and mechanical properties of matter […]”[24] (De Rosa, 2010, p. 47). Desse modo, julgo que há de fato uma ‘correlação nomológica’ ou um ‘paralelismo psicofísico’ entre o objeto da percepção, o qual, em conformidade com o mecanicismo cartesiano, se reduz às qualidades primárias (isto é, à estrutura mecânico-geométrica do referente material externo da percepção) responsáveis por fornecer à mente a ocasião adequada para, em virtude da instituição da natureza, produzir as sensações (qualidades secundárias) correspondentes ao conteúdo representativo do objeto da percepção (a ideia da cor, da dor, do som, do sabor, odor etc). Isto posto, não me parece errôneo sugerir que não apenas para Descartes, mas também para Leibniz, a percepção das qualidades sensíveis é redutível às qualidades primárias da matéria[25] e, portanto, não haveria qualia na teoria da percepção de Descartes, isto é, não há desconexão e arbritariedade entre a sensação e seu objeto, pois a conexão entre ambas foi estabelecida pela natureza ou Deus[26], como também é defendido por Leibniz por meio de sua hipótese da harmonia pré-estabelecida.
A propósito da harmonia pré-estabelecida de Leibniz, trata-se de uma hipótese que, à semelhança da instituição da natureza de Descartes, serve, segundo o parágrafo 3 dos Princípios da Natureza e da Graça, para explicar e justificar como e que “[...] há uma harmonia perfeita entre as percepções da mônada e os movimentos do corpo [...]; seguindo as afecções deste [do corpo] ela [a mônada-alma] representa [...] as coisas que estão fora dela [...]” (Leibniz, 1974, p. 714). Em outra palavras, a harmonia pré-estabelecida garante que as percepções da mônada corresponderão e serão uma decorrência dos movimentos presentes no seu corpo próprio. Esses movimentos, como Descartes afirmara claramente na passagem das Notae citada acima, servirão como a ‘ocasião’ para que a substância monâdica ‘desperte’, como afirmado nos prefácio aos Novos ensaios, os conteúdos representativos que correspondem com exatidão, devido justamente à harmonia pré-estabelecida, aos objetos exteriores que deram ocasião aos movimentos que resultaram naquelas percepções ou estados mentais.
Outra semelhança inegável entre a instituição da natureza e a harmonia pré-estabelecida é que ambas são obras de Deus. No entanto, as semelhanças não cessam nesse ponto. Leibniz, com sua harmonia pré-estabelecida de origem divina, também seria, julgo, um defensor do ‘ocasionalismo deísta’ postulado por Descartes. Em uma passagem do Éclaircissement ao Système nouveau de la nature, resposta ao seu crítico Simon Foucher (1644-1696), Leibniz não deixa dúvida a respeito de quem é o responsável por sua ‘hipótese da harmonia’, assim como parece sugerir, ao mesmo tempo, sua adesão ao ‘ocasionalismo deísta’ de Descartes, bem como sua rejeição ao ‘ocasionalismo teísta’ de Malebranche. Eis as palavras do filósofo alemão: “[...] minha hipótese da harmonia [...], que atribuo ao Autor da Natureza [...], serve para explicar a comunicação entre as substâncias e a união da alma com o corpo por leis da natureza estabelecidas previamente, sem lançar mão [...] de um novo recurso a Deus, que parece pouco conveniente” (Leibniz, 1974, p. 131). Tendo sido concebida por Deus, a harmonia pré-estabelecida entre o corpo e a alma é uma lei da natureza que vai permitir a Leibniz explicar como ocorre a percepção e as sensações, assim como todas as outras interações entre o corpo e alma (incluindo as ações voluntárias)[27], sem que seja necessário que Deus intervenha em qualquer desses fenômenos após o ato de sua concepção, ao contrário do que postulava Malebranche com seu ‘Deus causa eficiente de tudo em todos os momentos’.
É interessante notar que essa analogia que estou sugerindo entre a instituição da natureza e a harmonia pré-estabelecida parece, de certo modo, ser indiretamente insinuada pelo próprio Leibniz. Na mesma passagem do prefácio aos Novos Ensaios, citada na introdução desse artigo, em que critica os cartesianos por postularem que nossas percepções sensíveis seriam qualia, Leibniz inclui Locke entre os defensores dessa teoria. No entanto, em um texto entitulado Remarques sur le sentiment du P. Malebranche qui porte que nous voyons tout en Dieu, concernant l’examen que Mr. Locke en a fait[28] (1708), Leibniz reporta que Locke afirma que “[...] é possível que Deus tenha feito nossas almas e as tenha unido ao corpo de uma tal maneira que, dados [sur] certos movimentos do corpo, a alma teria tais e tais percepções, mas de uma maneira que nos é inconcebível [...]”[29] (Leibniz, 1974, pp. 450-1). Além de considerar não somente que essa opinião do filósofo inglês “[...] vai ao encontro de meus sentimentos [sentiments]” (Leibniz, 1974, p. 450), Leibniz também afirma que “ao dizer isto, Locke parece ter vislumbrado meu sistema da harmonia pré-estabelecida ou qualquer coisa semelhante [d’approchant]” (Leibniz, 1974, pp. 450-1). À luz desse reconhecimento por Leibniz de que Locke, em uma única passagem, teria articulado uma teoria muito semelhante a sua harmonia pré-estabelecida, parece lícito, em meu entender, questionar se o filósofo alemão, em sua familiaridade com a obra de Descartes, não teria igualmente identificado a antecipação de sua harmonia pré-estabelecida na instituição da natureza nos diversos momentos em que esta é mencionada na obra de Descartes.
Se minha interpretação estiver correta, além de ter preparado ou antecipado a harmonia pré-estabelecida de Leibniz, Descartes talvez também tenha vislumbrado algo semelhante à ‘teoria expressiva da percepção’ do filósofo alemão, pois, conforme ao ‘paralelismo psicofísico’ apresentado por Descartes, na Sexta Meditação, “[...] the occurrence of certain types of sensory ideas is regularly caused by the presence of certain types of bodies (or cofigurations of matter) [...]” (De Rosa, 2010, p. 146). Ora, parece ser exatamente esse tipo de ‘relação causal’ que é proposta na teoria expressiva da percepção de Leibniz. Além disso, é interessante notar que Leibniz, com sua teoria expressiva da percepção, visa igualmente criticar os qualia de Descartes. Nas palavras do editor do Cambridge Companion to Leibniz, Nicholas Jolley: “Leibniz’s conception of expression allows him to make an additional point against Descartes: the relationship between qualia and physical states is not arbitrary, as Descartes supposed, since the quale expresses the mental state” (Jolley, 1990, p. 141-2). A teoria expressiva da percepção leibniziana postula, em minha visão, exatamente a mesma redução das qualidades sensíveis às qualidades primárias da matéria que encontramos em todas as passagens da obra de Descartes em que este faz uso da linguagem ocasionalista e da instituição da natureza.
Para comprovação do que acaba de ser afirmado, eis algumas passagens da obra Leibniz nas quais ele articula sua teoria expressiva da percepção. Em carta a Arnauld, Leibniz explica seu entendimento acerca da ‘percepção expressiva’:
[...] Na percepção natural e no sentimento basta que aquilo que é divisível e material e se encontra disperso em diversos seres seja expresso ou representado em um só ser indivisível ou em um ser que é dotado de uma verdadeira unidade. Não se pode duvidar da possibilidade de uma bela representação em uma única, visto que nossa alma nos fornece um exemplo disso (Leibniz, 1974, p. 844).
Na sequência da mesma carta, Leibniz continua explorando seu modelo de percepção expressiva:
Ora, visto que nós não nos apercebemos dos outros corpos senão pela relação [rapport] que eles estabelecem com o nosso, eu tenho razão em dizer que a alma exprime melhor aquilo que pertence ao nosso corpo; assim, conhecemos os satélites de Saturno ou Júpiter apenas conforme os movimentos que são produzidos [por eles] em nossos olhos (Leibniz, 1974, p. 844).
No parágrafo 15, do capítulo 8, do livro II dos Novos ensaios, pressupondo uma relação expressiva entre os elementos envolvidos na sensação de dor, Leibniz sustenta que “é verdade que a dor não se assemelha aos movimentos de um alfinete, mas ela pode certamente se assemelhar aos movimentos que esse alfinete causa em nosso corpo e representar esses movimentos na alma, como eu de modo algum duvido que se faça” (Leibniz, 1974, p. 232).
Considerações finais
Em minha visão, como espero ter ficado claro no desenvolvimento desse artigo, todos esses elementos da percepção expressiva de Leibniz estão presentes na teoria da percepção de Descartes, como fica manifesto, julgo, em todas as passagens em que o filósofo francês faz uso da linguagem ocasionalista e da instituição da natureza. Portanto, em face de tantas semelhanças entre as teorias da percepção de ambos filósofos, julgo errônea a afirmação de Leibniz, segundo a qual Descartes teria defendido uma teoria dos qualia. Esse equívoco, em minha avaliação, é um decorrência de uma leitura e interpretação muito pouco acuradas por Leibniz das obras de Descartes. Essa falta de acuidade na leitura e interpretação não permitiu a Leibniz perceber que, na verdade, Descartes estava, no mínimo, ‘preparando’ ou ‘antecipando’ sua hipótese da harmonia pré-estabelecida, fundada no ocasionalismo deísta, e sua teoria expressiva da percepção, fundada no ‘paralelismo psicofísico’.
Referências bibliográficas
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William Teixeira
Doutorando em filosofia pela Universidade de Brasília (UnB).
Os textos deste artigo foram revisados por terceiros e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação
[1] O ‘autor’ em questão é manifestamente John Locke, que, com seu Ensaio sobre o entendimento humano (1690), é o grande motivador da escrita dos Novos ensaios de Leibniz. A referência ao nome de Locke nessa passagem é importante, pois voltarei a me referir a ambos nas ‘Considerações finais’ desse artigo.
[2] Para se poder apreciar devidamente o alcance dessa crítica, é preciso ter em mente que Melabranche não era apenas um filósofo, mas também um padre do Oratório. O Oratório era uma congregração religiosa de inspiração agostiniana fundada em 1611, em Paris, pelo cardinal Pierre de Bérulle (1575-1629). Ou seja, antes mesmo de se tornar um ‘cartesiano’, Malebranche já era um ‘agostiniano’.
[3] ‘Intencionalidade’, como classicamente definida por Franz Brentanto (1838-1917), em sua Psicologia de um ponto de vista empírico (1874), consiste no fato de estados mentais serem direcionados ou terem como referente algum objeto, algo que é manifestamente negado por Malebranche, no caso das qualidades sensíveis dos objetos.
[4] ‘AT’ refere-se à edição das Oeuvres de Descartes, publicadas por Charles Adam & Paul Tannery, em 11 volumes. O algarismo arábico que acompanha AT indica o volume.
[5] Como veremos abaixo, essa ‘clareza e distinção’ que Descartes atribui ‘à dor, à cor e às outras coisas dessa sorte’ se deve ao fato que ele considera todas as qualidades sensíveis como inatas, o que elimina as ‘ideias adventícias’, as quais, enquanto ideias provenientes dos sentidos, seriam ‘confusas e obscuras’.
[6] Para citar apenas alguns exemplos de outros artigos recentes que corroboram essa opinião, cf. Puryear (2012), Pearce (2016), Ott (2016).
[7] Como ficará claro na sequência desse artigo, embora eu esteja de acordo com essa tese de De Rosa, nós discordamos totalmente na maneira como chegamos a ela.
[8] Eis, nas palavras do próprio Descartes, a organização temático-estrutural da Dioptrique: “[...] começarei pela explicação da luz e de seus raios luminosos; depois, tendo feito uma breve descrição das partes do olho, direi detalhadamente de que modo se faz a visão; e, em seguida, após ter anotado todas as coisas que são capazes de torná-la mais perfeita, mostrarei como podem ser ajudadas pelas invenções [lunetas, telescópios] que descreverei” (Descartes, 1996, AT 6, p. 83).
[9] Destaque meu.
[10] Essa concepção é corroborada por um dos grandes especialistas na fisiologia cartesiana, Gary Hatfield: “[H]e [Descartes] explained the sensing of light and color according to the principle of psychophysical correspondance: the nature of our mind is such that the ‘force’ and ‘character’ of the movement that affect the soul in the brain cause us to have sensations of light and color” (Hatfield e Epstein, 1979, p. 375). Ainda segundo Hatfield e Epstein, “Similarly, through an ‘institution of Nature’ sensation of location and distance are produced directly in the soul by the arrangement and character of motions in the brain” (Hatfield e Epstein, 1979, p. 375).
[11] Segundo o Traité de l’homme, os espíritos animais são “[...] um certo vento muito sutil ou, antes, uma chama muito viva e muita pura” (Descartes, 1996, AT 11, p. 129). A essas características, o artigo 10 do Tratado das Paixões acrescenta que se trata de “[...] partes do sangue muito sutis [...] que o calor do coração tornou rarefeitas [...]” (Descartes, 1996, AT 11, p. 334). Portanto, apesar de serem designados de ‘espíritos’, no mesmo artigo, Descartes esclarece que não há nada de ‘imaterial’ neles: “[...] isto que eu nomeio aqui de espíritos são apenas corpos e eles não têm outra propriedade, exceto que são corpos muito pequenos e que se movem muito rapidamente [...]” (Descartes, 1996, AT 11, p. 335). Sendo um elemento material, a funçao dos espíritos animais no corpo humano pode ser classificada, conforme a estimulação mecânica que produzem na glândula pineal. Eis o que Descartes diz a respeito disso no artigo 47 da Primeira Parte do Tratado das Paixões: “É possível distinguir dois tipos de movimentos produzidos pelos espíritos na glândual [pineal]: uns representam à alma os objetos que estimulam os sentidos ou as impressões que se encontram no cérebro e não produzem nenhum efeito sobre a vontade [trata-se das percepões]; os outros [movimentos] produzem algum efeito sobre a vontade, a saber, aqueles que causam as paixões ou os movimentos do corpo que as acompanham” (Descartes, 1996, AT 11, p. 365).
[12] Embora, como notado acima, a ‘natureza’ que realizou a ‘instituição’ seja Deus, nesse mesmo artigo 94 a primeira referência a ela se faz com letra maiúscula, ao passo que a segunda se faz com letra minúscula. De minha parte, serei consistente com a inconsistência de Descartes ao mencionar essa expressão.
[13] Trata-se de uma obra de publicação póstuma que parece ter sido elaborada na mesma época do igualmente póstumo Le Monde. Não por acaso essas duas obras se encontram em sequência na edição na edição AT.
[14] Além disso, sou da opinião que essa mesma noção de instituição da natureza poderia igualmente servir para explicar as ações voluntárias, aquelas em que alma atua causalmente sobre o corpo, movendo-o, isto é, a relação mente-corpo. Em minha visão, o emprego da noção de instituição da natureza traria maior coerência e consistência à explicação das interações mente e corpo no sistema cartesiano, permitindo não somente responder às objeções feitas por Espinosa no Prefácio à Quinta Parte da Ética (cf. Espinosa, 2007, p. 367, p. 369), mas também excluir a ‘terceira noção primitiva’, aquela da união entre mente e corpo, a explicação ad hoc apresentada apenas na correspondência a Elisabeth (cf. Descartes, 1996, AT 3, 665-667) e em nenhuma outra obra anterior ou posterior, ao contrário da instituição da natureza, que, como vimos, perpassa toda a obra. No entanto, até o momento, não encontrei nenhuma sugestão na obra de Descartes que viabilize uma tal interpretação.
[15] Essa expressão é utilizada pela professora Mariana Campos (2014, p. 666). No entanto, julgo ser necessário qualificar essa expressão. Em minha visão, o que distingue o ocasionalismo de Descartes é o fato dele ser ‘deísta’ e, por isso, difere daquele propugnado por Malebranche, que é ‘teísta’. O ocasionalismo cartesiano é ‘deísta’, pois a intervenção de Deus (via instituição da natureza) se faz imprescindível para se explicar como ocorre a interação entre o mundo material dos corpos e o mundo imaterial da mente. Todavia, diferentemente do ocasionalismo teísta de Malebranche, que postula Deus como a causa eficiente de tudo o que ocorre no mundo (essa concepção de Deus como causa eficiente única e exclusiva fica bastante evidente no Esclarecimento XV d’ A busca da verdade, na qual Malebranche define Deus como “[...] a mão daquele que faz tudo em todas as coisas” (Malebranche, 2004, p. 323)), a versão proposta por Descartes não requer a ação direta e contínua de Deus para a efetivação de todos os eventos causais no universo. No sistema do ex-aluno de La Flèche, Deus criou um mundo que tem o seu funcionamento regido por leis da natureza e que, por isso, pode prencindir de Sua constante intervenção, ao contrário do que se passa no sistema cosmológico concebido pelo padre oratoriano. Em outras palavras, para Descartes, Deus é a ‘causa primária’ do universo e este, por sua vez, funciona em conformidade com as leis da natureza ou causae secundariae estabelecidas por Aquele. No artigo 37 da parte II dos “Princípios da Filosofia” (na qual, aliás, se encontra enunciada pela primeira vez a ‘lei da inércia’), Descartes utiliza a expressão ‘leis da natureza’ (leges naturae) e ‘causas segundas’ (causae secundariae) intercambialvemente e, portanto, as trata como sinônimas (cf. Descartes, 1996, AT 8B, p. 62). Descartes denomina as leis da natureza de causas secundárias justamente para distingui-las da ‘causa primeira’ (Deus). Uma dessas causas secundárias seria justamente aquela que enuncia que, quando houver certos movimentos no cérebro, a mente formará a ideia de uma determinada qualidade sensível, sensação ou paixão, sem que haja necessidade de contato local entre ambos os termos dessa relação, o corpóreo e o mental. Deus, como descrito no ‘ato inaugural’ da instituição da natureza exposto no Traité de l’homme, é o responsável por constituir esse ‘vínculo causal’, sem, entretanto, precisar atuar diretamente para a consecução do mesmo, visto que Ele instituiu que a natureza por Ele concebida deverá operar dessa maneira, sempre que houver a ‘ocasião’ para fazê-lo. Como veremos logo na sequência, é precisamente o uso do termo ‘ocasião’, elemento característico da ‘linguagem ocasionalista’, que justificaria a classificação da relação corpo-mente cartesiana de ‘ocasionalista’, dado que a ‘instituição da natureza’, uma causa secundária que conecta o corpo e a mente, requer um ‘momento preciso’, isto é, uma certa ‘ocasião’ para ocorrer, como Descartes explica nas diversas passagens que serão mencionadas na sequência desse artigo.
[16] Outras duas referências ao uso da ‘linguagem ocasionalista’ serão feitas na sequência. No entanto, não pretendo que essa exposição do uso da ‘linguagem ocasionalista’ seja exaustiva. Assim como no caso da instituição da natureza, trata-se apenas de uma ‘amostra’ do uso da linguagem ocasionalista, coletada a partir da minha pesquisa em andamento da obra de Descartes. Portanto, não descarto a possibilidade de haver outras passagens além das mencionas nesse artigo. Exemplos de outras passagens em que Descartes continua a empregar a ‘linguagem ocasionalista’ se encontram na página 149 do Traité do l’homme, na qual é explicada a percepção dos cheiros pelo olfato e dos sons pela audição (cf. Descartes, 1996, AT 11).
[17] Em sua tese de doutorado, recentemente defendida na Unicamp, Vieira sustenta erroneamente que “[...] ele [Descartes] ainda não tinha elaborado o conceito de causa ocasional no período das Meditações. O conceito de causa ocasional só é apresentado por Descartes em 1648, em Notas sobre um certo cartaz [i. e. Notae in programma quoddam]” (Vieira, 2022, p, 135). ‘Causa ocasional’ se refere ao uso da ‘linguagem ocasionalista’.
[18] Com o título Observações de René Descartes sobre um certo panfleto [...], a primeira tradução integral e a partir do original latino desse texto para a língua portuguesa foi recentemente publicada no número 45, de 2021, dos Cadernos Espinosanos (p. 257-283).
[19] É contra um dos muitos seguidores que teve na segunda metade do século XVII que Descartes escreve as Notae in programma quoddam. Entretanto, antes de se ver obrigado a escrever esse texto apologético contra Henry le Roy ou Henricus Regius (1598-1679), professor de medicina na Universidade de Utrecht, na atual Holanda – nesse país, ao contrário da França, o cartesianismo tinha sido relativamente bem sucedido em seu processo de institucionalização universitária –, Descartes o saudava como um de seus melhores discípulos, ao ponto de reconhecer nos ensinamentos daquele sua própria doutrina. Com efeito, os cursos de medicina de Regius se baseavam na fisiologia mecanicista de Descartes, a exemplo da explicação da circulação do sangue e do funcionamento do coração. Todavia, quando se tratava de ‘questões metafísicas’, como no caso de seu panfleto acerca da Explicação da mente humana ou da alma racional, onde explica-se o que ela é e o que pode ser, Regius aparentemente pretendia defender concepções próprias, se afastando demasiadamente das concepções defendidas pelo mestre. É, portanto, para corrigir os equívocos divulgados por um autor que poderia ser facilmente tomado por um ‘cartesiano’ que Descartes decide escrever as Notae.
[20] Ainda que a instituição da natureza não seja direta e explicitamente mencionada nas Notae, julgo correto afirmar que Descartes de fato a está pressupondo. Prova disso é a referência que o próprio Descartes faz, na página 359 das Notae, às explicações do fenômeno da percepção na Dioptrique, citadas por mim acima, na qual a instituição da natureza é expressamente mencionada.
[21] Como afirma Jolley, comentando as Notae, “[...] ideias sensíveis não podem ser adventícias – e devem, portanto, ser inatas – porque não há nenhuma similaridade entre tais ideias e os movimentos corpóreos” (Jolley, 1990, p. 42). Uma defesa e discussão aprofundada dessa tese se encontra no artigo de Geoffrey Gorham “Descartes on the innateness of all ideas” (2002). Gorham sustenta sua tese principalmente como base na passagem das Notae citada por mim na sequência desse artigo.
[22] Em carta a Mersenne de 22 de julho de 1641, na qual encontramos outra instância do uso da ‘linguagem ocasionalista’, Descartes já defendia uma tese inatista muito semelhante a esta apresentada nas Notae. Em ambos os texto, julgo que Descartes está eliminando a noção de ‘ideia adventícia’ em favor da tese do ‘inatismo de todas as ideias’: “[...] considero que todas aquelas [ideias] que não envolvem nenhum afirmação ou negação nos são inatas, pois os órgãos dos sentidos não nos fornecem nada que seja tal como a ideia que desperta em nós nessa ocasião e, assim, essa ideia deveria estar em nós previamente” (Descartes, 1996, AT 3, p. 418). Essa tese será consagrada a partir dos Novos ensaios de Leibniz como ‘inatismo disposicional’, tornando-se a principal arma de ataque do filósofo alemão contra o empirismo lockiano. Em sua apresentação no prefácio da obra mencinada, é notória a utilização por Leibniz dos mesmos termos-chave empregados por Descartes na carta a Mersenne, a saber, o verbo réveiller (despertar) e o substantivo occasion (ocasião) para descrever sua concepção de inatismo. Eis as palavras de Leibniz: “[...] a alma contem originariamente princípios de várias noções e doutrinas que os objetos despertam [réveillent] na [devida] ocasião [occasion] [...]” (Leibniz, 1974, p. 194).
[23] Segundo Descartes, em virtude de sua proposta de uma nova ‘imagem de natureza’ mecanicista em oposição à concepção hilemórfica dos peripatéticos, é inaceitável e improvável que o processo de percepção, como propunham os escolásticos através de suas ‘espécies intencionais’, possa envolver imagens (ou tableau, simulacre, similitude) transmitidas dos objetos até o cérebro. Em suas palavras: “É necessário [...] tomar o cuidado de não supor que, para sentir, a alma precise contemplar certas imagens que seriam enviadas pelos objetos até o cérebro, como fazem comumente nossos filósofos [escolásticos]” (Descartes, 1996, AT 6, p. 112).
[24] Essa tese é igualmente defendida pelo professor Raul Landim, em seu artigo “A percepção sensível em Descartes” (cf. Landim, 2019).
[25] Que Leibniz reduz as qualidades secundárias às primárias, pode ser constatado na seguinte passagem das Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as ideias: “[...] Ao percebermos as cores ou odores, […] não percebemos nenhuma outra coisa senão as figuras e os movimentos, mas tão complexos e tão pequenos que nosso espírito, em seu estado presente, não é capaz de os distinguir um por um; por isso, ele não percebe que sua apercepção é somente composta de figuras e de percepções de movimentos minúsculos” (Leibniz, 1974, p. 81). Essa tese da redução das qualidades secundárias às primárias é endossada nos artigos de Puryear (2012) e Pearce (2016). Evidências adicionais para a fundamentação dessa ‘tese da redução’ em Leibniz serão fornecidas logo abaixo, quando for mencionada sua teoria expressiva da percepção em comparação com o ‘paralelismo psicofísico’ de Descartes.
[26] Ademais, por meio da instituição da natureza, é possível prescindir de complicadas (ou sofisticadas) explicações para rejeitar os qualia da teoria da percepção de Descartes, como aquela proposta por De Rosa. Eis como a professora italiana rejeita os qualia da teoria da percepção de Descartes: “Ideas represent their objects by expressing some satisfaction conditions or an identifying description of their referent. So, even if sensations do not resemble their objects they could still contain (although confusedly and obscurely) some identifying description of their objects and represent them in virtue of such latent description” (De Rosa, 2010, p. 176).
[27] Ao contrário de Descartes, Leibniz utiliza enfaticamente sua ‘hipótese da harmonia’ não apenas para explicar as percepções e sensações, mas também as ações voluntárias, aquelas em que a alma faz com que o corpo se mova.
[28] Nas primeiras linhas desse texto, Leibniz explica que esse Examen é um texto que se encontra nas obras póstumas de Locke, publicada em Londres em 1706 (cf. Leibniz, 1974, p. 450). Trata-se, portanto, de um comentário de Leibniz sobre um comentário de Locke a respeito da famosa e controversa tese da ‘visão em Deus’ de Malebranche. Essa tese da ‘visão em Deus’ é apresentada e discutida por Malebranche no capítulo 6, da parte 2, do livro 3 d’A busca da verdade.
[29] De acordo com essa leitura de Leibniz, julgo, Locke também seria um proponente do ‘ocasionalismo deísta’ e do ‘paralelismo psicofísico’.