Resenha
Book
Review
SENOR, T. D. A
critical Introduction to the Epistemology of Memory. London: Bloomsbury, 2019.
192 p.
Róbson da Rosa Barcelos
Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM)-Brasil
E-mail:
robigolrobson@gmail.com
Bruna Nátalia Richter
UFSM-Brasil
E-mail:
brunataliarichter@gmail.com
Pamella Cossul
UFSM-Brasil
E-mail: pamellacossul@gmail.com
A
presente resenha versa sobre o livro de Thomas D. Senor, “A critical
introduction to the epistemology of memory”. O livro pretende discutir sobre a
diferença em vir a acreditar em uma crença e continuar a acreditar nessa
crença, e as condições necessárias para a justificação nesses casos. Em relação
a justificação de uma crença Senor afirma existirem duas formas principais, a
justificação prima facie ocorre quando não se tem nenhuma razão contra a
crença, e, a justificação ultima facie ocorre quando tudo já foi
considerado. As teorias epistêmicas afirmam que a justificação se dá apenas
quando as crenças são formadas ou a sua justificação é uma função do que é
considerado como sendo verdade para o sujeito no momento presente.
Senor
começa seu livro apontando para as crenças novas, as quais formamos podendo
serem justificadas se estiver em uma relação com as crenças formadas em um
momento anterior, ou seja, se estas já estiverem devidamente justificadas. Para
Senor relembrar uma proposição é ter um estado mental presente sobre uma crença
que foi formada anteriormente e na qual ainda se acredita. Porém, uma nova
crença só é formada pelo processo de rememoração se a recordação for uma representação
da memória, mas somente se for originada a partir desse processo. Senor não
deixa claro neste capítulo sobre qual tipo de memória ele pretende desenvolver
ao longo de seu livro. Em alguns momentos Senor versa sobre imagens mentais que
parecem remeter a memória episódica; em outros momentos
acerca da rememoração de proposições, as quais fazem referência a memória
semântica; e alguns momentos ao tratar da confiabilidade parece estar falando
da memória de trabalho. Consequentemente dificultando a compreensão do livro.
Ainda
no primeiro capítulo do livro, Senor se propõe a esboçar os principais
elementos que uma teoria deve satisfazer para que suas crenças sejam
justificadas. Assim, uma crença é justificada se ela tiver garantia,
racionalidade e consistência epistêmica. Uma crença para satisfazer os critérios da garantia
epistêmica de Gettier, ela precisa estar baseada em uma boa base objetiva. Uma
pessoa é considerada dotada de racionalidade epistêmica em acreditar em uma
proposição apenas se a crença for baseada em evidências que estejam avaliáveis
para ela. A consistência epistêmica equivale a dizer a alguém estar
epistemicamente justificado em crer em uma proposição se possui
responsabilidade na formação dessa crença.
No
segundo capítulo, Senor aborda processos cognitivos de formação de crenças
endossados por Gilbert Harman, os quais são estáveis e só devemos desconfiar
deles e revisá-los se tivermos boas razões para fazê-lo. Essa forma de
conservadorismo afirma que, as crenças formadas são crenças boas até o
contrário ser provado. Isso leva Harman a embasar sua teoria no coerentismo,
segundo o qual uma crença só é abandonada se é inconsistente com as outras
crenças. Harman admite o conservadorismo enquanto melhor teoria sobre a
justificação das crenças as quais continuamos a crer, deste modo, essa teoria vai
contra a teoria da fundação. A teoria da fundação afirma estarmos justificados
em continuar crendo em uma proposição se a sua justificação não foi derrotada
ou se ela se baseia em uma outra crença cuja justificação não derrotada. Desse
modo, o conservadorismo admite uma crença justificada prima facie
simplesmente pelo fato de ser acreditada.
Harman
endossa seu coerentismo em um estudo mostrando que não rastreamos ou mesmo
mantemos um rastreamento sobre a relação de justificação das crenças. Desse
modo, não percebemos que não estamos justificados ao formar essas crenças,
assim como as crenças as quais tem a função de evidência para outras crenças,
cuja é derrotada e deixamos de acreditar nela. Porém, não deixamos de acreditar
naquela que não foi derrotada pelo fato de não nos lembrarmos da sua relação de
justificação com a crença já derrotada. Senor denota ser inconclusivo em
relação a rastreação da relação justificacional, dado o modo como o teste foi
aplicado. Para tal afirmação, Harman aponta que, a memória possui um limite de
armazenagem, enquanto Senor apresenta alguns estudos e modos como a discussão
da memória de longo prazo é conduzida mostrando que psicólogos não apontam
nenhuma forma de limite a capacidade de armazenagem da memória, mas sim a desenham
como uma capacidade ilimitada.
No
capítulo três Senor aborda quatro problemas acerca do conservadorismo. Segundo
ele esses problemas não conseguem ser respondidos de forma adequada para
garantir a garantia da justificação, não sendo uma boa teoria sobre as crenças
de memória. O primeiro é o problema da parcialidade, ou seja, acreditar que uma
crença lhe concede justificação prima facie pelo simples fato de alguém
acreditar na crença. Isso para David Christensen, rompe com o princípio da
imparcialidade epistêmica, no qual o fato de alguém acreditar em uma crença não
epistemicamente relevante. O segundo é problema da conversão, no qual uma
crença pode ir de não justificada em um tempo inicial a ser justificada
posteriormente. Isso mesmo sem a crença ter sua base epistêmica melhorada no
tempo posterior, em comparação a sua base no tempo anterior, isto é, enquanto o
sujeito se lembrar de um derrotador das crenças ele não está justificado, logo
se o sujeito esquecer o derrotador obterá sua justificação. O terceiro é o
problema do impulso epistêmico no qual a crença tem um impulso epistêmico
somente pelo fato do ato de, ou seja, da crença ser acreditada, mesmo que nada
de importante mude. O quarto problema é o da paridade, o qual consiste em
reconhecer todas as crenças enquanto prima facie justificadas, implicando que
todas as crenças possuem o mesmo status epistêmico. Portanto, os problemas não
demonstram o conservadorismo como uma boa teoria para a epistemologia da
memória.
O
capítulo quatro é dedicado a explorar a teoria evidencialista da justificação
da crença sobre memória. Senor trabalha a partir da noção Lockeana na qual
devemos orientar nossas crenças apenas pelas evidências que possuímos no
momento. Também menciona a teoria evidencialista da superveniência e do
mentalismo propostas por Richard Feldman e Earl Conee. Segundo Senor a teoria
evidencialista da memória é sincrônica; as experiências e crenças passadas são
relevantes para as respectivas atuais. Frente a isso, Senor questiona o
evidencialismo quanto a justificação da crença de memória frente ao problema da
evidência esquecida. Ou seja, quando cremos em algo no passado, mas esquecemos
a evidência particular geradora da crença. Nesse caso, perderíamos a razão para
sustentar a crença atual. Todavia, podemos ter evidências gerais como, por
exemplo, o funcionamento confiável da memória. Esse tipo de evidência, para
Senor, acaba culminando no problema da paridade, o qual não podemos conceber
uma mesma evidência possa servir como justificação para diferentes e quaisquer
crenças sobre memória. Uma possível solução proposta por Senor é a noção de
confiança, a qual é carregada junto com a crença, justificando-a ainda que a
evidência particular seja esquecida. O problema encontrado por Senor é o
internalismo proposto pelo evidencialismo, isto é, somente têm relevância as
informações disponíveis e o estado mental do sujeito. Assim, Senor propõe um
evidencialismo externalista, onde se leve em conta a probabilidade das
evidências como justificação ao invés de somente a confiabilidade. Porém, o
autor termina o capítulo afirmando que nenhuma teoria evidencialista será
suficiente para justificar a crença sobre memória.
No
capítulo cinco Senor trata sobre a justificação da crença em relação memória, a
partir da perspectiva da teoria epistêmica fundacionista. Inicialmente ele
apresenta conceitos epistêmicos do fundacionismo e sua estrutura de
justificação segundo crenças básicas e não-básicas. Dessa forma, Senor faz um
comparativo das crenças básicas autoevidentes, as quais se justificam na
experiência perceptiva com base no fenômeno da memória episódica, isto é, nas
qualidades fenomenicamente perceptivas. As crenças sobre memória episódica,
nesse sentido, seriam prima facie justificadas pela experiência
fenomênica da recordação. A base da explicação é feita a partir da teoria
fundacionista de Pollock e Cruz. Entretanto, Senor propõe também uma teoria
híbrida entre o conservadorismo e o fundacionismo (conservadorismo fenomenal),
mas acaba considerando que a mesma não sustentaria algumas objeções. Ao final
do capítulo, o autor apresenta algumas objeções ao fundacionismo sobre memória
a partir do problema da natureza da memória (como é o caso das memórias
falsas), que levam em conta questões ainda mais confusas do ponto de vista epistêmico,
como é o caso da distinção entre memória e imaginação. As objeções propostas
por Senor acabam ficando de certa forma em aberto, pois a teoria fundacionista
trata muito mais da estrutura da justificação do que sua natureza. Assim, Senor
encerra o capítulo afirmando que o fundacionismo não consegue ser uma teoria
sobre a garantia da justificação epistêmica.
Senor,
no último capítulo analisa as teorias presentes nos capítulos anteriores. Os
problemas desenvolvidos por Senor, seriam advindos da questão de que se crenças
sobre memória podem ser justificadas ou não. Enquanto algumas teorias são
consideradas por Senor como sincrônicas, ele propõe a análise de uma teoria
diacrônica, e se essa pode responder os problemas. Senor trata sobre o
preservacionismo e a coloca como uma teoria intermediária entre conservadorismo
e fundacionismo, segundo a qual simplesmente ter a crença na memória ou
evocá-la não a justifica. Então, o preservacionismo é situado como útil para a
teoria da justificação junto com o confiabilismo, o qual basicamente significa
manter a justificação da crença original quando lembramos, e não que geramos
novas crenças. Essa afirmação é feita a partir de um contraponto com o
gerativismo de Lackey. O Preservacionismo de Senor afirma o status epistêmico
de uma crença de memória, pelo menos em parte determinado pelo status da crença
quando ela foi adquirida. Deste modo, quando nada é acrescentado para dar
suporte a crença ou mesmo enfraquecê-la, o status epistêmico se mantém o mesmo.
A justificação, dessa forma é mantida se o sujeito não mais lembrar das
evidências justificadoras da crença. O preservacionismo, portanto, nega que não
pode haver uma elevação epistêmica nas crenças, isso quer dizer, uma crença não
pode ir de não justificada quando adquirida para justifica pelo mero fato de
ser rememorada.
Senor
então apresenta a teoria gerativa de Lackey. Essa teoria aponta a memória como
epistemicamente gerativa em relação a formação de crenças e de justificação.
Para tentar mostrar que a memória não é gerativa Senor versa sobre o que é
preciso para algo ser epistemicamente gerativo, um processo no qual conferia
justificação original das crenças, isso necessita da habilidade de produzir
justificação prima facie original. Porém, nos casos de Lackey a crença é
formada pela primeira vez com base na memória, mas para Senor isso não quer
dizer que seja uma crença preexistente a qual se justifica pelos processos
memoriais. Senor alega também que os casos não apresentam contraexemplo para o
preservacionismo, pois as crenças não ganham justificação por serem recordadas.
Também não apresentam problemas maiores ao preservacionismo, dado que essa é
uma teoria sobre a relação entre o status epistêmico de uma crença no momento
na qual é adquirida e os mesmo status epistêmico da mesma crença em um tempo
posterior. A teoria gerativa só representaria um problema ao preservacionismo
de Senor se apresentasse um caso no qual produzisse justificação prima facie
sobre uma crença com apenas a sua sustentação ao longo do tempo. Portanto,
Senor junta o preservacionismo com a confiabilidade como a melhor opção entre
as teorias da garantia das crenças de memória, dado que serão mantidas por um
processo confiável.
Para
Lackey (2005) podemos afirmar que alguém tem conhecimento se as crenças não
estão na presença de derrotadores. Ela nos apresenta dois casos como contraexemplo
ao preservacionismo de crenças formadas pela memória em um momento posterior no
qual não há mais derrotadores em ação, e no primeiro momento não consistiam em
conhecimento. Um dos casos a crença se torna conhecimento a partir de mudanças
no ambiente, os derrotadores não estão mais presentes, esse caso de Arthur é
apresentado por Senor. Porém, o principal caso, o exemplo de Nora, ela mostrou
que as mudanças internas ocorridas no sistema cognitivo do sujeito revelam que
a memória não somente é capaz de gerar o status epistêmico da crença, mas em
gerar a crença em si mesma. Senor não consegue aplicar a sua distinção entre
conhecimento prima facie e ultima facie no exemplo de Nora, já
que é rebatido por Lackey (2007). Assim, Lackey afirma que essa distinção não
tem um sentido claro na qual possa ser aplicada aos casos em que ela
apresentou, pois é compreendida na justificação e formação epistêmica de modo
menos rigoroso que Senor. Para ela há somente a possibilidade da presença de
derrotadores epistêmicos, os quais impedem a possibilidade de justificação e
formação de novas crenças, não necessitando da distinção entre crenças prima
e ultima facie.
Nos
casos citados por Lackey não há o impulso epistêmico pela permanência das
crenças, pois não são consideradas conhecimento quando foram armazenadas na
memória enquanto informações adquiridas por outras fontes que não a memória. A
informação adquirida só ganha status epistêmico no momento da rememoração das
crenças as quais foram confiavelmente registradas no sistema cognitivo.
Portanto,
o livro de Senor visa esclarecer a memória em termos epistemológicos, contudo
não obtém sucesso devido ao fato de que memória não possui valor de verdade tal
qual as proposições, verdade ou falsidade. Isso forneceria, na medida em que a
memória poderia ser esclarecida em termos epistemológicos, crença ou
justificação para outra crença. No entanto, Lackey esclarece a memória no nível
metafísico, considerando a memória enquanto constituída ou não pelo agente. Ela
obtém ganho explicativo na medida em que versa sobre memória no nível
metafísico no qual as crenças existem ou não segundo a presença de derrotadores
das crenças.
Referências
LACKEY, J.
Memory as a generative epistemic source. In: Philosophy and
Phenomenological Research, vol. 70, no. 3, 2005, pp. 636–658. Disponível em:<
www.jstor.org/stable/40040820>. Acessado 26 maio 2019.
LACKEY, J.
Why memory really is a generative epistemic source: A reply to Senor. In:
Philosophy and Phenomenological Research, vol. 74, no. 1, 2007, pp. 209–219. Disponível
em:< www.jstor.org/stable/40041034>.
Acessado 28 maio 2019.
SENOR, T. D.
Preserving preservationism: A reply to Lackey. In: Philosophy and
Phenomenological Research, vol. 74, no. 1, 2007, pp. 199–208. Available in:<
www.jstor.org/stable/40041033>.
Acessado 27 maio 2019.
SENOR, T. D. A
critical Introduction to the Epistemology of Memory. London: Bloomsbury