Fundo P�blico e
Desenvolvimento Regional no Brasil: elementos para debate no contexto do Novo
Arcabou�o Fiscal
Public Fund and Regional Development in Brazil: elements for debate in
the context of the New Fiscal Framework
Daniel Pereira SAMPAIO*
https://orcid.org/0000-0002-6130-2753
INTRODU��O
E |
ste trabalho realiza um
di�logo com os textos dos professores Evil�sio Salvador (UnB) (2024) e Osmar
Gomes de Alencar J�nior (UFDPAR) (2024) na se��o Debates deste peri�dico, Argumentum, sobre fundo p�blico e o novo arcabou�o fiscal
(NAF, lei complementar n� 200/2023). Al�m do di�logo em si, que trata do novo
arcabou�o fiscal em tempos de capitalismo em crise, s�o apresentados elementos
que busquem relacionar com o desenvolvimento regional no Brasil, tendo em vista
as elevadas disparidades existentes entre as regi�es em nosso pa�s, bem como �
Pol�tica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).
Em 2024 s�o completados
30 anos do Plano Real e 25 anos do Trip� Macroecon�mico. A estrat�gia de
pol�tica econ�mica do Plano Real combateu com sucesso o processo
(hiper)inflacion�rio da economia brasileira, por�m agravou o problema fiscal,
do financiamento externo, do baixo crescimento e da crise social (Oliveira,
2012). A estrat�gia do Plano Real coroou o neoliberalismo no Brasil (Belluzzo;
Almeida, 2002) e instalou um ajuste fiscal permanente (Behring, 2022), que
progressivamente vem desmontando os mecanismos de financiamento das pol�ticas
sociais.
O trip� macroecon�mico
� constitu�do por sistema de metas de infla��o, super�vit prim�rio e c�mbio
flutuante �, regime de pol�tica macroecon�mica institu�do em 1999, n�o sofreu
altera��es substantivas ao longo do tempo, no que tange � condu��o da pol�tica
macroecon�mica (fiscal, monet�ria e cambial), mesmo durante o per�odo da Nova
Matriz Macroecon�mica (Prates; Fritz; Paula, 2017). Ao longo do tempo,
predominou a combina��o de super�vits prim�rios elevados, taxa de c�mbio
valorizada e taxa de juros altas (dentre as maiores do mundo), conformando
aquilo que Wilson Cano chamou de trilogia insana (Cano, 2008).
A a��o do Estado, da
pol�tica econ�mica e do fundo p�blico no Brasil est�o subordinadas �
financeiriza��o global e suas a��es atuam no sentido de promover a acumula��o, a
concentra��o e a centraliza��o do capital. O controle do d�ficit e da d�vida
p�blica s�o vari�veis-chave da pol�tica econ�mica voltada para estas
finalidades, o que tende a comprometer as condi��es para a reprodu��o social. O
NAF � um novo cap�tulo nesse sentido, pois constitucionaliza (Emenda
Constitucional n� 126/2022) novamente a austeridade no Brasil em substitui��o �
Emenda Constitucional n� 95/2016 (Bastos, 2023). Em meio � renova��o da austeridade, �
importante ressaltar que o Brasil tem passado por graves problemas, por
exemplo, um logo processo de estagna��o econ�mica � especialmente na d�cada de
2010, a d�cada mais que perdida (Barros, 2022) � e de
desindustrializa��o (Sampaio, 2019), al�m do recrudescimento da crise social.
Evidentemente, o Brasil
� um pa�s de dimens�es continentais, de elevada popula��o e suas regi�es n�o
s�o homog�neas. Pelo contr�rio, a heterogeneidade inter-regional e
intrarregional s�o marcas da forma��o econ�mica, social e territorial
brasileira (Brand�o, 2007; Cano, 2008; Macedo, 2023). Parte substantiva do
Produto Interno Bruto (PIB), produ��o industrial e popula��o do pa�s ainda est�
localizado na regi�o Centro-Sul e na faixa litor�nea do pa�s. A crise e as
pr�ticas de austeridade, portanto, afetam de modos distintos as por��es
territoriais o pa�s, a depender dos elementos econ�micos, sociais e
territoriais que est�o presentes nelas. O fundo p�blico teve (e ainda tem) um
papel central na articula��o das distintas por��es territoriais do pa�s,
contribuindo para o processo de integra��o regional (Macedo, 2023), mas, por
outro lado, tamb�m pode contribuir para refor�ar as desigualdades regionais.
Al�m dos elementos expl�citos da Pol�tica Nacional de Desenvolvimento Regional
(PNDR), o fundo p�blico pode atuar de maneira impl�cita, por exemplo, via
financiamento de pol�tica sociais e, assim, contribuir para a redu��o das
disparidades regionais. Por�m, o ajuste fiscal permanente, cujo atual nome �
NAF, pode servir como um uma esp�cie freio para a redu��o das
disparidades regionais.
O presente artigo �
composto por tr�s se��es, al�m desta introdu��o e das considera��es finais. A
primeira discute algumas notas sobre austeridade e o NAF e, a segunda, traz
elementos para debate da rela��o entre o NAF e o desenvolvimento regional. Por
fim, � discutida poss�veis rela��es entre fundo p�blico e a PNDR.
NOTAS SOBRE A
AUSTERIDADE E O NOVO ARCABOU�O FISCAL (NAF)
Em livro recente, Clara
Mattei (2023) recorda que a austeridade tem suas origens como pol�tica de
distintos Estados nacionais no Reino Unido (liberal) e na It�lia (fascista)
ap�s primeira Guerra Mundial. A austeridade conforma um conjunto de medidas de
estrito controle do gasto p�blico, que levam � coer��o para grande parte da
popula��o, privando-as de acesso a servi�os p�blicos essenciais para a
reprodu��o social. Segundo a autora �[...] especialistas econ�micos, fascistas
ou liberais, reconheceram que, para garantir a liberdade econ�mica � isto �, a
liberdade de mercado para o poupador-empreendedor �virtuoso� � os pa�ses tinham
que renunciar �s liberdades pol�ticas, ou, no m�nimo, coloca-las em segundo
plano� (Mattei, 2003, p. 32). Nesse sentido, a pr�tica da austeridade,
lastreada em corpo te�rico burgu�s bem como sua domina��o ideol�gica, priva o
or�amento da decis�o popular a soberana. Tal avalia��o n�o destoa de um dos
principais economistas da teoria convencional, Olivier Blanchard (2016), pois
para ele a condu��o da pol�tica econ�mica convencional �Em algum momento a
quest�o do d�ficit de democracia surge� (Blanchard, 2016, p. 286).
A crise de 2008
demonstrou limites da financeiriza��o do capital em escala global, tanto no
centro quanto na periferia capitalista. Inicialmente, foi conclamada a nova era
da austeridade (Rossi; Dweck; Arantes, 2018), mas logo os Estados nacionais
foram chamados para promover a limpeza dos balan�os cont�beis dos setores
empresariais privados afetados pela crise, incluindo a estatiza��o de empresas
(Mazzucchelli, 2008). A justificativa para tais medidas, foi que o resgate do
setor privado era fundamental, pois eles s�o muito grandes para quebrar
(�too big to fail�
na l�ngua inglesa). Evidentemente, a opera��o de resgate mobilizou trilh�es de
d�lares e recaiu, dentre outros, sobre a expans�o da d�vida p�blica de v�rias
economias. Evidentemente, ap�s o resgate ao setor privado, a classe
trabalhadora � chamada a pagar a conta por meio da austeridade:
S�o as
pessoas que na realidade dependem dos servi�os governamentais e ficaram com uma
enorme quantidade de d�vida (em rela��o aos respectivos rendimentos) que ser� �fiscalmente
consolidada�. [...] quando se espera que os da base paguem desproporcionalmente
um problema criado pelos do topo, quando os do topo fogem ativamente a qualquer
responsabilidade pelo problema, atribuindo a culpa dos seus erros ao Estado,
espremer os da base n�o s� n�o produzir� receitas suficientes para resolver as
coisas como produzir� uma sociedade ainda mais polarizada e politizada, em que
as condi��es para uma pol�tica sustent�vel de lidar com mais d�vida e menos
crescimento est�o minadas (Blyth, 2017, p. 33).
Ou seja, a evolu��o da
d�vida p�blica significa mais press�o sobre o gasto social e de investimento.
Segundo, Rossi, Dweck e Arantes (2018), a pr�tica da austeridade leva a um c�rculo
vicioso da austeridade: a redu��o dos gastos e dos investimentos p�blicos
impacta negativamente na demanda privada, que, por sua vez, leva a uma redu��o
do crescimento, � redu��o da arrecada��o e, por fim, � piora do resultado
prim�rio. A austeridade, portanto, n�o resulta, necessariamente, em equil�brio
do d�ficit e da d�vida.
Durante a pandemia, o
Estado tamb�m foi chamado para salvaguardar o capital. A Confer�ncia das Na��es
Unidas para o Com�rcio e o Desenvolvimento (United Comission
for Trade and Devolpment, 2020), que realizou estudo a partir do an�ncio
de medidas dos governos ainda no in�cio da pandemia, estimou que dos US$ 5
trilh�es anunciados pelos governos apenas 25% seria efetivo para manuten��o do
emprego e da renda. Ela alertou para a possibilidade de os pacotes econ�micos
anunciados pelos governos contribu�rem mais para a limpeza dos balan�os de
empresas privadas do que efetivamente contribuir para a reprodu��o social e
manuten��o do emprego e da renda em meio a uma crise sanit�ria.
As pr�ticas de
austeridade afetaram de forma diferenciada as classes sociais. Na verdade,
conforme j� discutido, ela escolhe a classe que ser� respons�vel pelo ajuste
na disputa pelo or�amento. Nesse sentido, Kelton
(2023) questiona:
Mas voc�
j� notou que isso nunca parece ser um problema quando o assunto e ampliar o
or�amento de defesa, resgatar bancos ou proporcionar incentivos fiscais
gigantes para os mais ricos, mesmo se essas medidas significarem um aumento
consider�vel do d�ficit? [...] D�ficits n�o impediram Franklin Delano Roosevelt
de implementar o New Deal nos anos 1930. N�o
dissuadiram John F. Kennedy de enviar um homem � lua. E nunca impediram o
Congresso de entrar em uma guerra (Kelton, 2023, p.
22).
Ap�s a pandemia, Estados
nacionais foram chamados � guerra, que mobiliza parte importante do or�amento e
contribui para amplia��o da d�vida. As guerras da Ucr�nia e da Palestina
demonstram o esfor�o internacional pela conquista de territ�rios
internacionais, sendo a classe trabalhadora a mais afetada por interesses alheios
e estranhos a elas. A crise social, p�s pandemia, como o aumento da fome e da
desigualdade, n�o mobilizam recursos e nem a vontade dos grupos no poder, assim
como � com as guerras. �Essas crises s�o reais. O d�ficit federal n�o � uma
crise� (Kelton, 2023, p. 31).
No Brasil, o Plano Real
inaugurou a pr�tica de austeridade permanente (Behring, 2022).
Progressivamente, foram desmontados os mecanismos de financiamento de pol�tica
sociais previstos pela Constitui��o de 1988. O discurso do combate ao d�ficit
fiscal prevaleceu sobre a busca pela justi�a social. Contudo, a
d�vida brasileira n�o deixou de crescer, o que ocorreu mais em virtude dos
gastos financeiros do que do pr�prio resultado prim�rio. Al�m do trip�
macroecon�mico, o NAF ter� impactos sobre o controle dos gastos prim�rios, que
afetar� a oferta de servi�os p�blicos essenciais. Evidentemente, a austeridade
tem impactos diferenciados no territ�rio, o que pode frear a redu��o das
desigualdades regionais.
NOVO ARCABOU�O FISCAL E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS PARA DEBATE
� marca da forma��o
econ�mica, social e territorial brasileira o colonialismo e a escravid�o. S�o
produzidas e reproduzidas no territ�rio os elementos constituintes de uma
economia subdesenvolvida, dependente e perif�rica. Articulam-se entre os n�veis
internacional, regional e local, os grupos no poder, bem como de atividades
econ�micas no territ�rio, especialmente o controle sobre a terra � o n� cego
do desenvolvimentismo brasileiro (Fiori, 1994).
O Estado � ator
fundamental no direcionamento do processo de acumula��o de capital, bem como de
sua localiza��o territorial utilizando-se, dentre outros, o fundo p�blico. O
capital, em busca de valoriza��o, apropria-se do territ�rio, moldando-o de
acordo com suas necessidades no processo de produ��o e valoriza��o, incluindo
a� a acumula��o primitiva ou a acumula��o por espolia��o, com impactos
diferenciados nos territ�rios. S�o produzidas e reproduzidas heterogeneidades
inter-regionais e intrarregionais no territ�rio, levando a elevadas disparidades
regionais, especialmente em economias subdesenvolvidas, dependentes e
perif�ricas. A reprodu��o social no capitalismo ocorre no territ�rio, assim
como as pol�ticas sociais. A disputa do fundo p�blico ocorre n�o s� entre as
classes, mas tamb�m nos diferentes territ�rios, de acordo com as diferentes
articula��es que podem ocorrer no n�vel internacional, nacional, regional ou
local.
A partir da op��o pelo
modelo neoliberal na d�cada de 1990, o Estado brasileiro tendeu a diminuir o
seu papel como agente coordenador, planejador, indutor, investidor e empres�rio
na economia. Nesse sentido, foram enfraquecidos os instrumentos que articulavam
as regi�es do pa�s � que sob hegemonia paulista constitu�ram um sistema
econ�mico nacional � prevalecendo, a partir da d�cada de 1990, l�gica
concorrencial entre os territ�rios para capta��o de recursos e atra��o de
investimentos. As reformas econ�micas, como abertura comercial, financeira e
privatiza��es tamb�m afetaram as distintas regi�es do pa�s. A austeridade n�o
ficou restrita ao �mbito nacional, mas, tamb�m, compareceu para estados e
munic�pios, por exemplo, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar n� 101/2000).
A economia brasileira �
uma federa��o organizada pela Uni�o, estados e mun�cipios, cada qual com um
conjunto de atribui��es, tal qual definida pela Constitui��o de 1988. Em geral,
a discuss�o sobre o federalismo no Brasil � centrada no federalismo fiscal,
dada a relev�ncia da discuss�o fiscal no Brasil, tanto para a Uni�o, mas,
tamb�m, para os estados e munic�pios (Oliveira, 2020). O pacto federativo no
Brasil � predominantemente competitivo, e sua exacerba��o se deu ap�s o
Plano Real, no qual a chamada guerra fiscal se fez mais presente
(Cardozo, 2010). O principal
instrumento da guerra fiscal utilizado pelos estados para atrair
investimentos para seus territ�rios � o Imposto sobre Circula��o de Mercadorias
e Servi�os (ICMS)[1].
A guerra fiscal tem
um papel relevante no processo de lenta desconcentra��o produtiva regional no
Brasil, tendo ganhado f�lego a partir do Plano Real, uma vez que regi�es
perif�ricas tem sido l�cus de atra��o e investimento sem a devida coordena��o
federativa. A desconcentra��o produtiva regional pode ser entendida como a
perda, no longo prazo, de participa��o do estado de S�o Paulo e sua regi�o
metropolitana no PIB e na ind�stria de transforma��o. No per�odo de 1970 a 1985
em virtude de um contexto de crescimento econ�mico acelerado ela pode ser
chamada de virtuosa. Nesse per�odo, S�o Paulo cresceu a taxas elevadas,
ainda fazendo o papel de locomotiva nacional, por�m as demais regi�es cresceram
a taxas mais elevadas. Por�m, ap�s 1985, com a tend�ncia � estagna��o econ�mica
e desindustrializa��o, ela pode ser chamada de esp�ria (Cano, 2008).
Nesse per�odo, S�o Paulo cresceu a taxas baixas, em valores inferiores aos
obtidos pelo restante do pa�s.
Durante o per�odo
p�s-1990 � poss�vel observar que a din�mica econ�mica de determinadas regi�es
do pa�s voltou a estar mais relacionadas com o setor externo do que ao mercado
interno, especialmente com o relativo enfraquecimento de conex�es comerciais e produtivas
realizadas a partir da economia paulista. Isto pode ser observado, por exemplo,
na macrorregi�o do Centro-Oeste, que apresentou aumento na participa��o do PIB
nacional, com destaque para o agroneg�cio exportador. � poss�vel afirmar,
portanto que h� uma tend�ncia � fragmenta��o da na��o, que tende a
diminuir os efeitos irradiadores do crescimento no mercado interno (Brand�o,
2007; Cano, 2008; Macedo, 2023).
Dentre outros, a
desconcentra��o produtiva regional, a guerra fiscal e a fragmenta��o
espacial s�o elementos constituintes das novas determina��es da quest�o
urbano-regional do Brasil no p�s-1980 (Cano, 2011). Elas se d�o no contexto de
mudan�as profundas na economia brasileira, sem que ela tenha superado as
perversas heran�as quando aderiu ao movimento ao movimento global da
financeiriza��o.
De acordo com Affonso
(1994), a costura do pacto federativo brasileiro se d� por meio do fundo
p�blico e o mercado � insuficiente para faz�-lo. De acordo com este autor, o
fundo p�blico pode ser observado por meio de receitas tribut�rias (pr�prias,
transferidas, constitucionais ou negociadas), receita dispon�vel da Uni�o,
gasto das empresas estatais, incentivos fiscais regionais e setoriais, e, por
fim, empr�stimos do setor financeiro p�blico.
Dentre os elementos
destacados, est�o inclusos aqueles da face mais vis�vel do fundo p�blico, ou
seja, aqueles presentes no or�amento dos distintos entes federativos. H�,
tamb�m, outros elementos que comp�em o fundo p�blico que n�o passam,
necessariamente, pelo or�amento. � importante ressaltar, segundo Macedo (2023),
que o fundo p�blico tem papel relevante no processo de integra��o comercial e
produtiva do Brasil, contribuindo para a constru��o do sistema econ�mico
nacional (quem vem sendo crescentemente desarticulado no p�s-1990).
De acordo com o
exposto, bem como a avalia��o do NAF feita por Evil�sio Salvador e Osmar Gomes
de Alencar J�nior neste n�mero da Argumentum, o NAF
poder� reduzir a atua��o do fundo p�blico nos distintos subespa�os regionais
seja por meio do gasto corrente, seja por meio dos investimentos, podendo
acirrar os conflitos pela disputa de recurso numa federa��o em crise.
A POL�TICA NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E O FUNDO P�BLICO NO CONTEXTO DO NOVO ARCABOU�O FISCAL
A Pol�tica Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR, Decreto n� 11.962/2024) (Brasil, 2024) tem por objetivo, considerando as especificidades
locais: i) reduzir as desigualdades regionais, ii)
consolidar uma rede polic�ntricas de cidades, iii)
estimular ganhos de produtividade e a competitividade da produ��o regional, iv) fomentar a agrega��o de valor e a diversifica��o
econ�mica, promovendo a sustentabilidade especialmente nas regi�es altamente
especializadas na produ��o de commodities agr�colas ou minerais. De forma
geral, trata-se de medidas voltadas para a dinamiza��o e atividades produtivas
nas regi�es que s�o alvo da pol�tica[2].
S�o regi�es-alvo da
PNDR: i) macrorregi�es da Amaz�nia Legal, Nordeste e Centro-Oeste[3], ii) sub-regi�es correspondentes ao recorte territorial da
PNDR, a saber, a faixa de fronteira, a Regi�o Integrada de Desenvolvimento (RIDE),
e o semi�rido, iii) por fim, aquelas definidas pelo
Comit�-Executivo da C�mara de Pol�ticas de Integra��o Nacional e
Desenvolvimento Regional.
Para atingir seus
objetivos, al�m de uma estrutura de governan�a[4], a
PNDR contribui para a orienta��o de recursos do fundo p�blico, principalmente
de origem federal, que atua sobre as regi�es que s�o alvo da pol�tica. Em
rela��o aos instrumentos de a��o[5],
de acordo com o Minist�rio da Integra��o e do Desenvolvimento Regional (MDR)[6] �
poss�vel elencar:
� Fundo de
Desenvolvimento Regional (Fundo de Desenvolvimento da Amaz�nia-FDA, Fundo de
Desenvolvimento do Nordeste-FDN e Fundo de Desenvolvimento do
Centro-Oeste-FDCO): tem por objetivo prover recursos financeiros nas �reas de
abrang�ncia da Superintend�ncia do Desenvolvimento da Amaz�nia (SUDAM),
Superintend�ncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e Superintend�ncia do
Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) para promo��o de infraestrutura,
servi�os p�blicos e empreendimentos produtivos de
maior porte.
� Incentivos fiscais:
incentivar o aumento da taxa de investimento em �reas e setores priorit�rias
das regi�es de abrang�ncia da SUDAM e da SUDENE, utilizando como principal
instrumento a dedu��o do Imposto de Renda sobre Pessoa Jur�dica (IRPJ).
� Regime Especial de
Incentivos para Desenvolvimento da Infraestrutura: promover a desonera��o da
implanta��o em projetos de infraestrutura, utilizando a suspens�o do pagamento
do Programa de Integra��o Social (PIS) e Contribui��o para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS).
� Fundos Constitucionais
de Financiamento (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte-FNO, Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste-FNE, Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste-FCO): fundos pr�-mercado e voltados para atua��o
priorit�ria para micro, pequenas e m�dias empresas nas �reas de atua��o da
SUDAM, SUDENE e SUDECO.
Em que pese a atua��o
dos diversos elementos relacionados com o fundo p�blico coordenados pelo MDR,
tamb�m � poss�vel elencar outros que afetam o desenvolvimento regional nas
regi�es que s�o alvo da pol�tica, mas que n�o est�o articulados com os instrumentos
de a��o deste Minist�rio. De acordo com o exposto acima, os instrumentos da
PNDR contribuem para estimular atividades produtivas nas regi�es que s�o alvo
da pol�tica, por�m, dado o baixo dinamismo econ�mico, muitas delas n�o s�o
atrativas ao capital, os que pode limitar o raio de a��o da pol�tica.
Outras pol�ticas, que
fogem ao escopo da coordena��o do MDR, podem ter um impacto mais direto em
regi�es de baixo dinamismo econ�mico. Por exemplo, os recursos empregados em
previd�ncia social, em pol�ticas de transfer�ncia de renda, as pol�ticas de
valoriza��o do sal�rio-m�nimo, a realiza��o de investimentos p�blicos, os
programas de habita��o, os recursos aplicados institui��es de ensino superior,
a atua��o de bancos p�blicos e de desenvolvimento regional, entre outros
(Macedo, 2023), os quais podem estar relacionadas tanto com o governo federal
quanto dos entes subnacionais t�m impactos significativos na economia e no
territ�rio, sobretudo nas regi�es de menor dinamismo econ�mico. Elas podem ser
chamadas de pol�ticas impl�citas de desenvolvimento regional e, tamb�m,
contribuem para a diminui��o das desigualdades regionais, sobretudo quando
est�o relacionadas com pol�ticas sociais.
Considerando as
pol�ticas impl�citas e explicitas de desenvolvimento regional, �
importante ressaltar, segundo Macedo (2023) que
[...] as pol�ticas
regionais devem ser pensadas e executadas cada vez mais coordenadas com as
demais a��es federais, estaduais e municipais, o que torna a dicotomia entre
pol�ticas regionais expl�citas e impl�citas menos importante. Relevante � a
coordena��o federativa, que inexiste, dificultando, logo, qualquer perspectiva
de combate aos desequil�brios regionais (Macedo, 2023, p. 255).
Independente da
pol�tica de desenvolvimento regional ser expl�cita ou impl�cita,
o fundo p�blico est� presente, ora soldando os interesses do capital e dos
grupos locais, ora atuando na melhoria de condi��es de vida das pessoas que
demandam pol�ticas sociais. O NAF estabelece certos limites para atua��o
especialmente das pol�ticas impl�citas, tendo em vista que elas s�o
parte do gasto prim�rio do governo. Portanto, pode ser entendido como uma
esp�cie de freio � redu��o das desigualdades sociais regionais.
CONSIDERA��ES FINAIS
O tema da austeridade
n�o � novo na economia internacional e tem novos contornos na atualidade,
especialmente em um momento de capitalismo em crise. A op��o � clara: os
direitos sociais conquistados s�o caros e n�o s�o prioridade para governos. O
ajuste recai sobre a parcela mais vulner�vel da popula��o, com medidas
restritivas de acesso a servi�os p�blicos e sociais. Principalmente em momentos
de crise, o fundo p�blico � chamado para salvar o capital, como foi o caso da
crise de 2008 e da pandemia.
No Brasil, pode-se
afirmar que a austeridade est� relacionada com o neoliberalismo e ganhou f�lego
a partir do Plano Real. A longa estagna��o econ�mica, a desindustrializa��o, a
austeridade s�o marcas do neoliberalismo tardio no Brasil. J� em rela��o ao desenvolvimento
regional, entre outros, o lento processo de desconcentra��o produtiva, a guerra
fiscal e a fragmenta��o espacial, dentre outras, podem ser
considerados como elementos constituintes da quest�o urbano-regional do Brasil
no p�s-1980. Tais elementos tem contribu�do para o recrudescimento das
desigualdades econ�micas, sociais e regionais no pa�s.
Como forma de combater
as desigualdades regionais, foi criada a PNDR. A utiliza��o do fundo p�blico
via PNDR ocorre tanto nas pol�ticas expl�citas, mais voltada para a
dinamiza��o de atividades produtivas, quanto para as pol�ticas impl�citas,
incluindo a� o financiamento de pol�ticas sociais. O presente texto buscou
demonstrar que na pr�tica o novo cap�tulo da austeridade no Brasil proposto
pela NAF pode servir como uma esp�cie de freio para as pol�ticas impl�citas
de desenvolvimento regional, pois os investimentos p�blicos e os gastos sociais
afetam regi�es de menor dinamismo econ�mico, que geralmente n�o s�o atrativas
ao capital.
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Daniel Pereira SAMPAIO
Professor de Magist�rio
Superior no Departamento de Economia e professor permanente do Programa de
P�s-Gradua��o em Pol�tica Social da Universidade Federal do Esp�rito Santo (Ufes).
Doutor e Mestre em Desenvolvimento Econ�mico pela Universidade de Campinas (UNICAMP).
Bacharel em Ci�ncias Econ�micas pela Ufes.
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* Economista.
Doutor em Desenvolvimento Econ�mico. Professor do Programa de P�s-gradua��o em
Pol�tica Social e do Departamento de Economia da Universidade Federal do
Esp�rito Santo. (Ufes, Vit�ria, Brasil).
Av. Fernando Ferrari, n� 514,
Goiabeiras, Vit�ria (ES), CEP.
29075-910. E-mail: daniel.sampaio@ufes.br.
� A(s)
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[1] Evidentemente, a atual reforma tribut�ria,
dada pela Emenda Constitucional n� 132/2023 (ainda em processo de
regulamenta��o), ao alterar e simplificar o sistema tribut�rio, tende a
diminuir a capacidade dos estados em manterem em funcionamento o principal
instrumento da guerra fiscal.
[2] Uma avalia��o da evolu��o sobre o debate
das pol�ticas de desenvolvimento regional pode ser acessada em Macedo (2023).
[3] Tendo em vista que a regi�o Centro-Oeste
tem apresentado elevado dinamismo econ�mico, via exporta��o de produtos do
agroneg�cio, e, tamb�m, tem apresentado elevados indicadores sociais, Macedo
(2023) questiona se ela deveria ser alvo da PNDR.
[4] As estruturas de governan�a da PNDR est�o
descritas no Decreto (Brasil, 2014) que a institui, a saber: C�mara de
Pol�ticas de Integra��o e Desenvolvimento Regional, Comite Executivo da C�mara,
N�cleo de Intelig�ncia Regional.
[5] Em geral, os fundos, principalmente
constitucionais, n�o est�o no raio de atua��o da austeridade.
[6] Dispon�vel em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/fundos-regionais-e-incentivos-fiscais. Acesso em: 28 abr. 2024.