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Fundo Pblico e Desenvolvimento Regional no Brasil: elementos para debate no contexto do Novo Arcabouo Fiscal

 

Public Fund and Regional Development in Brazil: elements for debate in the context of the New Fiscal Framework

 

Daniel Pereira SAMPAIO*

Descrio: cone

Descrio gerada automaticamente https://orcid.org/0000-0002-6130-2753

 

INTRODUO

 

E

ste trabalho realiza um dilogo com os textos dos professores Evilsio Salvador (UnB) (2024) e Osmar Gomes de Alencar Jnior (UFDPAR) (2024) na seo Debates deste peridico, Argumentum, sobre fundo pblico e o novo arcabouo fiscal (NAF, lei complementar n 200/2023). Alm do dilogo em si, que trata do novo arcabouo fiscal em tempos de capitalismo em crise, so apresentados elementos que busquem relacionar com o desenvolvimento regional no Brasil, tendo em vista as elevadas disparidades existentes entre as regies em nosso pas, bem como Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).

 

Em 2024 so completados 30 anos do Plano Real e 25 anos do Trip Macroeconmico. A estratgia de poltica econmica do Plano Real combateu com sucesso o processo (hiper)inflacionrio da economia brasileira, porm agravou o problema fiscal, do financiamento externo, do baixo crescimento e da crise social (Oliveira, 2012). A estratgia do Plano Real coroou o neoliberalismo no Brasil (Belluzzo; Almeida, 2002) e instalou um ajuste fiscal permanente (Behring, 2022), que progressivamente vem desmontando os mecanismos de financiamento das polticas sociais.

 

O trip macroeconmico constitudo por sistema de metas de inflao, supervit primrio e cmbio flutuante , regime de poltica macroeconmica institudo em 1999, no sofreu alteraes substantivas ao longo do tempo, no que tange conduo da poltica macroeconmica (fiscal, monetria e cambial), mesmo durante o perodo da Nova Matriz Macroeconmica (Prates; Fritz; Paula, 2017). Ao longo do tempo, predominou a combinao de supervits primrios elevados, taxa de cmbio valorizada e taxa de juros altas (dentre as maiores do mundo), conformando aquilo que Wilson Cano chamou de trilogia insana (Cano, 2008).

A ao do Estado, da poltica econmica e do fundo pblico no Brasil esto subordinadas financeirizao global e suas aes atuam no sentido de promover a acumulao, a concentrao e a centralizao do capital. O controle do dficit e da dvida pblica so variveis-chave da poltica econmica voltada para estas finalidades, o que tende a comprometer as condies para a reproduo social. O NAF um novo captulo nesse sentido, pois constitucionaliza (Emenda Constitucional n 126/2022) novamente a austeridade no Brasil em substituio Emenda Constitucional n 95/2016 (Bastos, 2023).  Em meio renovao da austeridade, importante ressaltar que o Brasil tem passado por graves problemas, por exemplo, um logo processo de estagnao econmica especialmente na dcada de 2010, a dcada mais que perdida (Barros, 2022) e de desindustrializao (Sampaio, 2019), alm do recrudescimento da crise social.

 

Evidentemente, o Brasil um pas de dimenses continentais, de elevada populao e suas regies no so homogneas. Pelo contrrio, a heterogeneidade inter-regional e intrarregional so marcas da formao econmica, social e territorial brasileira (Brando, 2007; Cano, 2008; Macedo, 2023). Parte substantiva do Produto Interno Bruto (PIB), produo industrial e populao do pas ainda est localizado na regio Centro-Sul e na faixa litornea do pas. A crise e as prticas de austeridade, portanto, afetam de modos distintos as pores territoriais o pas, a depender dos elementos econmicos, sociais e territoriais que esto presentes nelas. O fundo pblico teve (e ainda tem) um papel central na articulao das distintas pores territoriais do pas, contribuindo para o processo de integrao regional (Macedo, 2023), mas, por outro lado, tambm pode contribuir para reforar as desigualdades regionais. Alm dos elementos explcitos da Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), o fundo pblico pode atuar de maneira implcita, por exemplo, via financiamento de poltica sociais e, assim, contribuir para a reduo das disparidades regionais. Porm, o ajuste fiscal permanente, cujo atual nome NAF, pode servir como um uma espcie freio para a reduo das disparidades regionais.

 

O presente artigo composto por trs sees, alm desta introduo e das consideraes finais. A primeira discute algumas notas sobre austeridade e o NAF e, a segunda, traz elementos para debate da relao entre o NAF e o desenvolvimento regional. Por fim, discutida possveis relaes entre fundo pblico e a PNDR. 

 

NOTAS SOBRE A AUSTERIDADE E O NOVO ARCABOUO FISCAL (NAF)

 

Em livro recente, Clara Mattei (2023) recorda que a austeridade tem suas origens como poltica de distintos Estados nacionais no Reino Unido (liberal) e na Itlia (fascista) aps primeira Guerra Mundial. A austeridade conforma um conjunto de medidas de estrito controle do gasto pblico, que levam coero para grande parte da populao, privando-as de acesso a servios pblicos essenciais para a reproduo social. Segundo a autora [...] especialistas econmicos, fascistas ou liberais, reconheceram que, para garantir a liberdade econmica isto , a liberdade de mercado para o poupador-empreendedor virtuoso os pases tinham que renunciar s liberdades polticas, ou, no mnimo, coloca-las em segundo plano (Mattei, 2003, p. 32). Nesse sentido, a prtica da austeridade, lastreada em corpo terico burgus bem como sua dominao ideolgica, priva o oramento da deciso popular a soberana. Tal avaliao no destoa de um dos principais economistas da teoria convencional, Olivier Blanchard (2016), pois para ele a conduo da poltica econmica convencional Em algum momento a questo do dficit de democracia surge (Blanchard, 2016, p. 286).

A crise de 2008 demonstrou limites da financeirizao do capital em escala global, tanto no centro quanto na periferia capitalista. Inicialmente, foi conclamada a nova era da austeridade (Rossi; Dweck; Arantes, 2018), mas logo os Estados nacionais foram chamados para promover a limpeza dos balanos contbeis dos setores empresariais privados afetados pela crise, incluindo a estatizao de empresas (Mazzucchelli, 2008). A justificativa para tais medidas, foi que o resgate do setor privado era fundamental, pois eles so muito grandes para quebrar (too big to fail na lngua inglesa). Evidentemente, a operao de resgate mobilizou trilhes de dlares e recaiu, dentre outros, sobre a expanso da dvida pblica de vrias economias. Evidentemente, aps o resgate ao setor privado, a classe trabalhadora chamada a pagar a conta por meio da austeridade:

 

So as pessoas que na realidade dependem dos servios governamentais e ficaram com uma enorme quantidade de dvida (em relao aos respectivos rendimentos) que ser fiscalmente consolidada. [...] quando se espera que os da base paguem desproporcionalmente um problema criado pelos do topo, quando os do topo fogem ativamente a qualquer responsabilidade pelo problema, atribuindo a culpa dos seus erros ao Estado, espremer os da base no s no produzir receitas suficientes para resolver as coisas como produzir uma sociedade ainda mais polarizada e politizada, em que as condies para uma poltica sustentvel de lidar com mais dvida e menos crescimento esto minadas (Blyth, 2017, p. 33).

              

Ou seja, a evoluo da dvida pblica significa mais presso sobre o gasto social e de investimento. Segundo, Rossi, Dweck e Arantes (2018), a prtica da austeridade leva a um crculo vicioso da austeridade: a reduo dos gastos e dos investimentos pblicos impacta negativamente na demanda privada, que, por sua vez, leva a uma reduo do crescimento, reduo da arrecadao e, por fim, piora do resultado primrio. A austeridade, portanto, no resulta, necessariamente, em equilbrio do dficit e da dvida.

 

Durante a pandemia, o Estado tambm foi chamado para salvaguardar o capital. A Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e o Desenvolvimento (United Comission for Trade and Devolpment, 2020), que realizou estudo a partir do anncio de medidas dos governos ainda no incio da pandemia, estimou que dos US$ 5 trilhes anunciados pelos governos apenas 25% seria efetivo para manuteno do emprego e da renda. Ela alertou para a possibilidade de os pacotes econmicos anunciados pelos governos contriburem mais para a limpeza dos balanos de empresas privadas do que efetivamente contribuir para a reproduo social e manuteno do emprego e da renda em meio a uma crise sanitria.

 

As prticas de austeridade afetaram de forma diferenciada as classes sociais. Na verdade, conforme j discutido, ela escolhe a classe que ser responsvel pelo ajuste na disputa pelo oramento. Nesse sentido, Kelton (2023) questiona:

 

Mas voc j notou que isso nunca parece ser um problema quando o assunto e ampliar o oramento de defesa, resgatar bancos ou proporcionar incentivos fiscais gigantes para os mais ricos, mesmo se essas medidas significarem um aumento considervel do dficit? [...] Dficits no impediram Franklin Delano Roosevelt de implementar o New Deal nos anos 1930. No dissuadiram John F. Kennedy de enviar um homem lua. E nunca impediram o Congresso de entrar em uma guerra (Kelton, 2023, p. 22).

 

Aps a pandemia, Estados nacionais foram chamados guerra, que mobiliza parte importante do oramento e contribui para ampliao da dvida. As guerras da Ucrnia e da Palestina demonstram o esforo internacional pela conquista de territrios internacionais, sendo a classe trabalhadora a mais afetada por interesses alheios e estranhos a elas. A crise social, ps pandemia, como o aumento da fome e da desigualdade, no mobilizam recursos e nem a vontade dos grupos no poder, assim como com as guerras. Essas crises so reais. O dficit federal no uma crise (Kelton, 2023, p. 31).

 

No Brasil, o Plano Real inaugurou a prtica de austeridade permanente (Behring, 2022). Progressivamente, foram desmontados os mecanismos de financiamento de poltica sociais previstos pela Constituio de 1988. O discurso do combate ao dficit fiscal prevaleceu sobre a busca pela justia social. Contudo, a dvida brasileira no deixou de crescer, o que ocorreu mais em virtude dos gastos financeiros do que do prprio resultado primrio. Alm do trip macroeconmico, o NAF ter impactos sobre o controle dos gastos primrios, que afetar a oferta de servios pblicos essenciais. Evidentemente, a austeridade tem impactos diferenciados no territrio, o que pode frear a reduo das desigualdades regionais.

 

NOVO ARCABOUO FISCAL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS PARA DEBATE

 

marca da formao econmica, social e territorial brasileira o colonialismo e a escravido. So produzidas e reproduzidas no territrio os elementos constituintes de uma economia subdesenvolvida, dependente e perifrica. Articulam-se entre os nveis internacional, regional e local, os grupos no poder, bem como de atividades econmicas no territrio, especialmente o controle sobre a terra o n cego do desenvolvimentismo brasileiro (Fiori, 1994).

 

O Estado ator fundamental no direcionamento do processo de acumulao de capital, bem como de sua localizao territorial utilizando-se, dentre outros, o fundo pblico. O capital, em busca de valorizao, apropria-se do territrio, moldando-o de acordo com suas necessidades no processo de produo e valorizao, incluindo a a acumulao primitiva ou a acumulao por espoliao, com impactos diferenciados nos territrios. So produzidas e reproduzidas heterogeneidades inter-regionais e intrarregionais no territrio, levando a elevadas disparidades regionais, especialmente em economias subdesenvolvidas, dependentes e perifricas. A reproduo social no capitalismo ocorre no territrio, assim como as polticas sociais. A disputa do fundo pblico ocorre no s entre as classes, mas tambm nos diferentes territrios, de acordo com as diferentes articulaes que podem ocorrer no nvel internacional, nacional, regional ou local.

 

A partir da opo pelo modelo neoliberal na dcada de 1990, o Estado brasileiro tendeu a diminuir o seu papel como agente coordenador, planejador, indutor, investidor e empresrio na economia. Nesse sentido, foram enfraquecidos os instrumentos que articulavam as regies do pas que sob hegemonia paulista constituram um sistema econmico nacional prevalecendo, a partir da dcada de 1990, lgica concorrencial entre os territrios para captao de recursos e atrao de investimentos. As reformas econmicas, como abertura comercial, financeira e privatizaes tambm afetaram as distintas regies do pas. A austeridade no ficou restrita ao mbito nacional, mas, tambm, compareceu para estados e municpios, por exemplo, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n 101/2000).

 

A economia brasileira uma federao organizada pela Unio, estados e muncipios, cada qual com um conjunto de atribuies, tal qual definida pela Constituio de 1988. Em geral, a discusso sobre o federalismo no Brasil centrada no federalismo fiscal, dada a relevncia da discusso fiscal no Brasil, tanto para a Unio, mas, tambm, para os estados e municpios (Oliveira, 2020). O pacto federativo no Brasil predominantemente competitivo, e sua exacerbao se deu aps o Plano Real, no qual a chamada guerra fiscal se fez mais presente (Cardozo, 2010).  O principal instrumento da guerra fiscal utilizado pelos estados para atrair investimentos para seus territrios o Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS)[1].

 

A guerra fiscal tem um papel relevante no processo de lenta desconcentrao produtiva regional no Brasil, tendo ganhado flego a partir do Plano Real, uma vez que regies perifricas tem sido lcus de atrao e investimento sem a devida coordenao federativa. A desconcentrao produtiva regional pode ser entendida como a perda, no longo prazo, de participao do estado de So Paulo e sua regio metropolitana no PIB e na indstria de transformao. No perodo de 1970 a 1985 em virtude de um contexto de crescimento econmico acelerado ela pode ser chamada de virtuosa. Nesse perodo, So Paulo cresceu a taxas elevadas, ainda fazendo o papel de locomotiva nacional, porm as demais regies cresceram a taxas mais elevadas. Porm, aps 1985, com a tendncia estagnao econmica e desindustrializao, ela pode ser chamada de espria (Cano, 2008). Nesse perodo, So Paulo cresceu a taxas baixas, em valores inferiores aos obtidos pelo restante do pas.

 

Durante o perodo ps-1990 possvel observar que a dinmica econmica de determinadas regies do pas voltou a estar mais relacionadas com o setor externo do que ao mercado interno, especialmente com o relativo enfraquecimento de conexes comerciais e produtivas realizadas a partir da economia paulista. Isto pode ser observado, por exemplo, na macrorregio do Centro-Oeste, que apresentou aumento na participao do PIB nacional, com destaque para o agronegcio exportador. possvel afirmar, portanto que h uma tendncia fragmentao da nao, que tende a diminuir os efeitos irradiadores do crescimento no mercado interno (Brando, 2007; Cano, 2008; Macedo, 2023).

 

Dentre outros, a desconcentrao produtiva regional, a guerra fiscal e a fragmentao espacial so elementos constituintes das novas determinaes da questo urbano-regional do Brasil no ps-1980 (Cano, 2011). Elas se do no contexto de mudanas profundas na economia brasileira, sem que ela tenha superado as perversas heranas quando aderiu ao movimento ao movimento global da financeirizao.

 

De acordo com Affonso (1994), a costura do pacto federativo brasileiro se d por meio do fundo pblico e o mercado insuficiente para faz-lo. De acordo com este autor, o fundo pblico pode ser observado por meio de receitas tributrias (prprias, transferidas, constitucionais ou negociadas), receita disponvel da Unio, gasto das empresas estatais, incentivos fiscais regionais e setoriais, e, por fim, emprstimos do setor financeiro pblico.

 

Dentre os elementos destacados, esto inclusos aqueles da face mais visvel do fundo pblico, ou seja, aqueles presentes no oramento dos distintos entes federativos. H, tambm, outros elementos que compem o fundo pblico que no passam, necessariamente, pelo oramento. importante ressaltar, segundo Macedo (2023), que o fundo pblico tem papel relevante no processo de integrao comercial e produtiva do Brasil, contribuindo para a construo do sistema econmico nacional (quem vem sendo crescentemente desarticulado no ps-1990).

 

De acordo com o exposto, bem como a avaliao do NAF feita por Evilsio Salvador e Osmar Gomes de Alencar Jnior neste nmero da Argumentum, o NAF poder reduzir a atuao do fundo pblico nos distintos subespaos regionais seja por meio do gasto corrente, seja por meio dos investimentos, podendo acirrar os conflitos pela disputa de recurso numa federao em crise.

 

A POLTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E O FUNDO PBLICO NO CONTEXTO DO NOVO ARCABOUO FISCAL

 

A Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR, Decreto n 11.962/2024) (Brasil, 2024) tem por objetivo, considerando as especificidades locais: i) reduzir as desigualdades regionais, ii) consolidar uma rede policntricas de cidades, iii) estimular ganhos de produtividade e a competitividade da produo regional, iv) fomentar a agregao de valor e a diversificao econmica, promovendo a sustentabilidade especialmente nas regies altamente especializadas na produo de commodities agrcolas ou minerais. De forma geral, trata-se de medidas voltadas para a dinamizao e atividades produtivas nas regies que so alvo da poltica[2].

 

So regies-alvo da PNDR: i) macrorregies da Amaznia Legal, Nordeste e Centro-Oeste[3], ii) sub-regies correspondentes ao recorte territorial da PNDR, a saber, a faixa de fronteira, a Regio Integrada de Desenvolvimento (RIDE), e o semirido, iii) por fim, aquelas definidas pelo Comit-Executivo da Cmara de Polticas de Integrao Nacional e Desenvolvimento Regional.

 

Para atingir seus objetivos, alm de uma estrutura de governana[4], a PNDR contribui para a orientao de recursos do fundo pblico, principalmente de origem federal, que atua sobre as regies que so alvo da poltica. Em relao aos instrumentos de ao[5], de acordo com o Ministrio da Integrao e do Desenvolvimento Regional (MDR)[6] possvel elencar:

 

       Fundo de Desenvolvimento Regional (Fundo de Desenvolvimento da Amaznia-FDA, Fundo de Desenvolvimento do Nordeste-FDN e Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste-FDCO): tem por objetivo prover recursos financeiros nas reas de abrangncia da Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM), Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e Superintendncia do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) para promoo de infraestrutura, servios pblicos e empreendimentos produtivos de maior porte.

       Incentivos fiscais: incentivar o aumento da taxa de investimento em reas e setores prioritrias das regies de abrangncia da SUDAM e da SUDENE, utilizando como principal instrumento a deduo do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurdica (IRPJ).

       Regime Especial de Incentivos para Desenvolvimento da Infraestrutura: promover a desonerao da implantao em projetos de infraestrutura, utilizando a suspenso do pagamento do Programa de Integrao Social (PIS) e Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

       Fundos Constitucionais de Financiamento (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte-FNO, Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste-FNE, Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste-FCO): fundos pr-mercado e voltados para atuao prioritria para micro, pequenas e mdias empresas nas reas de atuao da SUDAM, SUDENE e SUDECO.

 

Em que pese a atuao dos diversos elementos relacionados com o fundo pblico coordenados pelo MDR, tambm possvel elencar outros que afetam o desenvolvimento regional nas regies que so alvo da poltica, mas que no esto articulados com os instrumentos de ao deste Ministrio. De acordo com o exposto acima, os instrumentos da PNDR contribuem para estimular atividades produtivas nas regies que so alvo da poltica, porm, dado o baixo dinamismo econmico, muitas delas no so atrativas ao capital, os que pode limitar o raio de ao da poltica.

 

Outras polticas, que fogem ao escopo da coordenao do MDR, podem ter um impacto mais direto em regies de baixo dinamismo econmico. Por exemplo, os recursos empregados em previdncia social, em polticas de transferncia de renda, as polticas de valorizao do salrio-mnimo, a realizao de investimentos pblicos, os programas de habitao, os recursos aplicados instituies de ensino superior, a atuao de bancos pblicos e de desenvolvimento regional, entre outros (Macedo, 2023), os quais podem estar relacionadas tanto com o governo federal quanto dos entes subnacionais tm impactos significativos na economia e no territrio, sobretudo nas regies de menor dinamismo econmico. Elas podem ser chamadas de polticas implcitas de desenvolvimento regional e, tambm, contribuem para a diminuio das desigualdades regionais, sobretudo quando esto relacionadas com polticas sociais.

 

Considerando as polticas implcitas e explicitas de desenvolvimento regional, importante ressaltar, segundo Macedo (2023) que

 

[...] as polticas regionais devem ser pensadas e executadas cada vez mais coordenadas com as demais aes federais, estaduais e municipais, o que torna a dicotomia entre polticas regionais explcitas e implcitas menos importante. Relevante a coordenao federativa, que inexiste, dificultando, logo, qualquer perspectiva de combate aos desequilbrios regionais (Macedo, 2023, p. 255).

              

Independente da poltica de desenvolvimento regional ser explcita ou implcita, o fundo pblico est presente, ora soldando os interesses do capital e dos grupos locais, ora atuando na melhoria de condies de vida das pessoas que demandam polticas sociais. O NAF estabelece certos limites para atuao especialmente das polticas implcitas, tendo em vista que elas so parte do gasto primrio do governo. Portanto, pode ser entendido como uma espcie de freio reduo das desigualdades sociais regionais.

 

CONSIDERAES FINAIS

 

O tema da austeridade no novo na economia internacional e tem novos contornos na atualidade, especialmente em um momento de capitalismo em crise. A opo clara: os direitos sociais conquistados so caros e no so prioridade para governos. O ajuste recai sobre a parcela mais vulnervel da populao, com medidas restritivas de acesso a servios pblicos e sociais. Principalmente em momentos de crise, o fundo pblico chamado para salvar o capital, como foi o caso da crise de 2008 e da pandemia.

 

No Brasil, pode-se afirmar que a austeridade est relacionada com o neoliberalismo e ganhou flego a partir do Plano Real. A longa estagnao econmica, a desindustrializao, a austeridade so marcas do neoliberalismo tardio no Brasil. J em relao ao desenvolvimento regional, entre outros, o lento processo de desconcentrao produtiva, a guerra fiscal e a fragmentao espacial, dentre outras, podem ser considerados como elementos constituintes da questo urbano-regional do Brasil no ps-1980. Tais elementos tem contribudo para o recrudescimento das desigualdades econmicas, sociais e regionais no pas.

 

Como forma de combater as desigualdades regionais, foi criada a PNDR. A utilizao do fundo pblico via PNDR ocorre tanto nas polticas explcitas, mais voltada para a dinamizao de atividades produtivas, quanto para as polticas implcitas, incluindo a o financiamento de polticas sociais. O presente texto buscou demonstrar que na prtica o novo captulo da austeridade no Brasil proposto pela NAF pode servir como uma espcie de freio para as polticas implcitas de desenvolvimento regional, pois os investimentos pblicos e os gastos sociais afetam regies de menor dinamismo econmico, que geralmente no so atrativas ao capital.

 

REFERNCIAS

 

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Daniel Pereira SAMPAIO

Professor de Magistrio Superior no Departamento de Economia e professor permanente do Programa de Ps-Graduao em Poltica Social da Universidade Federal do Esprito Santo (Ufes). Doutor e Mestre em Desenvolvimento Econmico pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Bacharel em Cincias Econmicas pela Ufes.

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* Economista. Doutor em Desenvolvimento Econmico. Professor do Programa de Ps-graduao em Poltica Social e do Departamento de Economia da Universidade Federal do Esprito Santo. (Ufes, Vitria, Brasil).  Av. Fernando Ferrari, n 514, Goiabeiras, Vitria (ES), CEP.  29075-910. E-mail: daniel.sampaio@ufes.br.

 

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[1] Evidentemente, a atual reforma tributria, dada pela Emenda Constitucional n 132/2023 (ainda em processo de regulamentao), ao alterar e simplificar o sistema tributrio, tende a diminuir a capacidade dos estados em manterem em funcionamento o principal instrumento da guerra fiscal.

[2] Uma avaliao da evoluo sobre o debate das polticas de desenvolvimento regional pode ser acessada em Macedo (2023).

[3] Tendo em vista que a regio Centro-Oeste tem apresentado elevado dinamismo econmico, via exportao de produtos do agronegcio, e, tambm, tem apresentado elevados indicadores sociais, Macedo (2023) questiona se ela deveria ser alvo da PNDR.

[4] As estruturas de governana da PNDR esto descritas no Decreto (Brasil, 2014) que a institui, a saber: Cmara de Polticas de Integrao e Desenvolvimento Regional, Comite Executivo da Cmara, Ncleo de Inteligncia Regional.

[5] Em geral, os fundos, principalmente constitucionais, no esto no raio de atuao da austeridade.

[6] Disponvel em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/fundos-regionais-e-incentivos-fiscais. Acesso em: 28 abr. 2024.