Novo Arcabouo Fiscal:
regime fiscal sustentvel para o capital e destrutivo para o trabalho
New Fiscal Framework: a tax regime that sustains capital and
destroys labour
Osmar Gomes de ALENCAR JNIOR*
https://orcid.org/0000-0001-9389-2949
INTRODUO
V |
ivenciamos um perodo
histrico de crise profunda no modo de produo capitalista, em que a lei de
tendncia decrescente da taxa de lucro se faz presente e com mais vigor nos
pases do centro, acirrando as disputas intercapitalistas e imperialistas em escala
planetria.
A reao do capital
imperialista queda tendencial da taxa de lucro se expressa, nessa conjuntura,
nas guerras atualmente em curso por territrios e controle de insumos e
matrias-primas estratgicas para a acumulao capitalista; na superexplorao
do trabalho por meio da ampliao da jornada de trabalho, intensificao do
trabalho e rebaixamento dos salrios, nos moldes de Marini (2000); no
incremento do exrcito industrial de reserva; e, principalmente, na acelerao
da rotao do capital, isto , na reduo do prazo de produo e circulao do
capital, promovida pelo Estado.
Esse movimento de
contratendncia lei busca aumentar a massa de lucro e reduzir os efeitos das
crises sobre o capital, isto , as possibilidades de os capitalistas no
obterem lucro. Nesse sentido, o Estado, atravs do fundo pblico, tem cumprido
papel fundamental para acelerar a rotao do capital e garantir a realizao da
produo e acumulao de forma ininterrupta. Dentre os vrios instrumentos de
captura privada do fundo pblico, a dvida pblica um dos principais
mecanismos dessa dinmica.
Sendo assim, na atual
fase do modo de produo capitalista, a dvida pblica um dos principais
instrumentos de acumulao privada e responsvel para compensar a queda da taxa
de lucro capitalista. Qualquer alterao positiva ou negativa na rotao do capital
provoca efeito contrrio sobre a taxa de lucro, afetando diretamente os
interesses da burguesia e de suas fraes detentoras dos crditos oriundos
desse endividamento.
Como o Estado no
imparcial e utiliza o fundo pblico para reproduzir o capital e a fora de
trabalho, buscando regular o equilbrio instvel entre as classes, mas mantendo
a dominao de classe, a estabilidade macroeconmica da dvida pblica proposta
pelo Regime Fiscal Sustentvel (RFS) ou, como popularmente conhecido, Novo
Arcabouo Fiscal (NAF) serve, prioritariamente, aos interesses de quais classes
e fraes de classe no Brasil? A sustentabilidade da dvida pblica baseada
apenas no controle da despesa primria beneficiar a frao da burguesia
financeira ou a classe trabalhadora no terceiro governo Lula?
Para responder aos
questionamentos e dialogar com o artigo intitulado O arcabouo fiscal e as
implicaes no financiamento das polticas sociais, apresentado por Evilasio Salvador nessa edio da Revista Argumentum, o texto tem como objetivo identificar as
classes sociais e fraes de classe que sero priorizadas pela poltica fiscal
da Unio expressa no NAF/RFS.
Alm da introduo e
das consideraes finais, o artigo apresentar o papel do Estado, do fundo
pblico e da poltica fiscal na atual fase da mundializao imperialista
neoliberal, para em seguida demonstrar como a poltica fiscal, atravs do
NAF/RFS, pode promover uma inverso na sua funo redistributiva em favor da
classe burguesa e de suas fraes.
ESTADO, FUNDO PBLICO E
POLTICA FISCAL SOB A GIDE DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL
Na etapa atual do
capitalismo, da mundializao imperialista[1],
em que o capital portador de juros ou capital financeiro[2]
dominante em todo o planeta, imprescindvel conformar um tipo de Estado que
assegure a acumulao financeira, em que o fundo pblico[3]
priorize os interesses de acumulao da burguesia financeira, principalmente
sob a forma de pagamento da dvida pblica, em detrimento da classe
trabalhadora, em meio a uma longa crise de superproduo e superacumulao.
A forma de assegurar a
acumulao financeira em meio tendncia decrescente da taxa de lucro[4],
passa tambm pela contrarreforma do Estado, principalmente por alteraes na
estrutura tributria e na composio da despesa pblica; portanto, na formao
e alocao dos recursos do fundo pblico, com impacto direto nos interesses da
burguesia e da classe trabalhadora, e isso foi alcanado pelo protagonismo das
ideias neoliberais.
O neoliberalismo foi
uma reao [...] terica e poltica veemente contra o Estado intervencionista
e de Bem-Estar. [...]. Seu propsito era combater o keynesianismo e o
solidarismo reinantes e preparar as bases de outro tipo de capitalismo, duro e
livre de regras para o futuro (Anderson, 1995, p. 10).
Do ponto de vista
ideolgico, promoveu a mundializao da concorrncia e a diminuio da
participao do Estado na economia, por meio de polticas macroeconmicas
fiscal e monetria restritivas, em busca da estabilidade econmica e no mais
do crescimento e do pleno emprego keynesianos.
Mas, na prtica, a
busca neoliberal pela estabilidade, ao utilizar os juros elevados e o supervit
fiscal como principais instrumentos de poltica macroeconmica, alm do cmbio
flexvel, produziu uma desacelerao e, em alguns momentos, queda no crescimento,
com repercusso negativa na arrecadao tributria.
O decrscimo na receita
pblica no foi acompanhado, na mesma velocidade, pela diminuio da despesa
pblica, o que provocou dficit pblico e a necessidade de financiamento;
portanto, resultou na elevao da dvida pblica e da participao do Estado na
economia, ou seja, no inverso do prometido pela ideologia neoliberal.
Tal poltica
macroeconmica neoliberal gerou crescimento econmico pfio nas ltimas
dcadas, e em muitas vezes, recesso econmica prolongada e crise econmica;
assim, provocou maiores riscos para a acumulao capitalista e a necessidade de
maior interveno do Estado para minimiz-los, tornando o fundo pblico um
mecanismo estratgico para reduzir o tempo de rotao do capital[5] e
aumentar a taxa de lucro, principalmente nos pases perifricos, como o Brasil.
A estabilidade
econmica, isto , a estabilidade monetria e a disciplina oramentria
passaram a ser prioridade de qualquer governo neoliberal em busca do
crescimento econmico voltado para assegurar, prioritariamente, os interesses
da burguesia, em especial da sua frao financeira. Na Amrica Latina, combinou
[...] a abolio da democracia [...], com um programa de governo que promovia
a desregulao, o desemprego massivo, a represso sindical, a redistribuio de
renda em favor dos ricos e a privatizao de bens pblicos (Alencar Jnior,
2021, p. 83).
A conduo para a
estabilidade econmica neoliberal, por meio do protagonismo da poltica
monetria, aprisionou a poltica fiscal, retirou sua finalidade redistributiva
e assegurou-lhe o papel coadjuvante de priorizar os recursos pblicos, via
supervit primrio, para a acumulao financeira.
Para garantir esse
mecanismo de apropriao privada do fundo pblico cada vez maior, o Estado
instituiu uma legislao que assegurou o equilbrio fiscal do governo, punindo
aqueles que no cumprissem as metas fiscais estabelecidas na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) institucionalizada no Brasil (Brasil, 2020).
A LRF expressa a
obrigatoriedade de os governos produzirem supervits primrios receitas
primrias superiores s despesas primrias isto , os governos passaram a
poupar compulsoriamente os recursos arrecadados da populao, nas suas mais
diversas atividades produtivas ou improdutivas, para efetuarem o pagamento de
juros, encargos e amortizao da dvida pblica, e no para o financiamento de
polticas pblicas enquanto polticas sociais capazes de mitigar as
contradies promovidas pelo modo de produo capitalista.
A partir de ento, uma
ordem na disputa pelos recursos do fundo pblico no pas foi
institucionalizada: a prioridade para o pagamento das despesas financeiras em
detrimento das no financeiras ou primrias. Assim, os governos passaram a
privilegiar os interesses da burguesia e sua frao financeira nacional e
internacional e retirar direitos da classe trabalhadora.
Desde a aprovao da
LRF em 2020, todos os governos, nas esferas federal, estadual ou municipal,
independentemente de seus matizes ideolgicos, perseguiram e/ou cumpriram a
determinao fiscal legal da institucionalidade neoliberal, o supervit
primrio. No entanto, o alcanaram quase sempre pela via do controle da
despesa, e muito pouco pelo caminho da progressividade na arrecadao da
receita. Mesmo ao priorizar os limites para a despesa, o regime fiscal, desde
ento, no previu limites para o gasto financeiro, mas o fez para o gasto
primrio ou no-financeiro.
A prtica dessa regra
fiscal, ao comprimir apenas a despesa primria, uma das partes da despesa
pblica, mudou a composio da despesa oramentria governamental em favor
daquela que nunca foi limitada, a despesa financeira. Portanto, todas as regras
fiscais que sucederam, modificando ou no o regime fiscal brasileiro, a partir
da LRF, no se contrapuseram a essa dinmica fiscal.
Mais recentemente, o
Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95) e o NAF/RFS, aprovados em 2016 e
2022, respectivamente, seguiram a mesma lgica de busca do supervit primrio
por meio da imposio de limites exclusivamente para a despesa primria e no
para a despesa financeira, desacelerando o crescimento da primeira e
impulsionando o incremento da segunda.
Para evidenciar essa
dinmica fiscal, o recente estudo sobre o efeito do NRF na composio da
despesa federal no perodo de 2015 a 2022, realizado pelo Observatrio do Fundo
Pblico[6],
verificou que a Despesa Financeira (DF) cresceu de forma real 9,72%, enquanto a
despesa primria ou Despesa No Financeira (DNF) incrementou 6,28% no perodo
analisado. A DNF desacelerou e teve reduzido o crescimento at 2019, enquanto a
DF comportou-se no sentido inverso: acelerou o crescimento at 2018 e registrou
reduo em 2019 (Brito, 2023).
O estudo ainda mostrou
que, em relao participao da DNF e da DF no gasto oramentrio total
federal no perodo anterior pandemia, houve um [...] decrscimo de 0,74% na
participao da DNF e um crescimento de 2,47% na DF de 2015 a 2019 (Brito,
2023, p. 39). Deste modo, enquanto a DNF desacelerou e teve reduzida sua
participao, a DF cresceu gradativamente.
Outra evidncia do
impacto dessa dinmica fiscal nas despesas pblicas da Unio, nos perodos
anterior e posterior implementao do NRF, foi o comportamento dos gastos
social[7] e
financeiro[8],
representados pelos somatrios das despesas nas reas da educao, seguridade
social, cincia e tecnologia, direitos da cidadania, comunicaes, gesto
ambiental, desporto e lazer, e cultura; e nos servios da dvida interna e
externa, respectivamente.
O gasto social cresceu
a taxas anuais [...] de 3,89% e 8,69% nos intervalos de 2015-2016 e 2016-2017,
porm passou a ter redues sucessivas de 5,88% e 1,95% nos perodos 2017-2018
e 2018-2019 [...] (Brito, 2023, p. 41), acumulando um crescimento de 4,21% no
perodo 2015-2019.
Enquanto o gasto
financeiro federal decresceu 8,88% em 2015-2016, cresceu 5,41% e 25,04% nos
intervalos de 2016-2017 e 2017-2018, respectivamente, e tornou a decrescer em
8,64% em 2018-2019. Essa dinmica mostrou a expanso da DF a partir de 2016,
acelerando nos dois primeiros anos da implementao da EC 95, para em seguida
apresentar crescimento negativo, no primeiro ano do governo Bolsonaro. Mesmo
com tal oscilao no comportamento, o gasto financeiro cresceu 6,45%, acima do
gasto social, no perodo 2015-2019 (Brito, 2023).
Os dados apresentados
corroboram a tese de que o regime fiscal neoliberal brasileiro, a partir da LRF
e aprofundado com o NRF, vem alterando a composio da despesa oramentria
pblica brasileira em favor da despesa financeira, atendendo cada vez mais os
interesses da burguesia, em especial aos da sua frao financeira, em
detrimento da classe trabalhadora, independentemente dos diferentes matizes
ideolgicos dos governos.
DVIDA PBLICA
SUSTENTVEL: O FALSEAMENTO IDEOLGICO DA APROPRIAO PRIVADA DO FUNDO PBLICO
NO TERCEIRO GOVERNO LULA
A transio do governo
Bolsonaro para o governo Lula 3 no Brasil foi marcada por um debate sobre a
mudana no regime fiscal vigente, pois o NRF estabelecido pelo governo Temer
no atingiu seu objetivo de reduzir ou estabilizar a dvida pblica.
A sada novamente
conciliadora do governo Lula foi a institucionalizao do NAF/RFS no primeiro
semestre de 2023. Assim como no governo Temer, o NAF/RFS instituiu uma nova
regra fiscal nacional, constituda de mecanismos limitadores quantitativos da
despesa primria para combater o dficit fiscal e estabilizar a relao entre a
Dvida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o Produto Interno Bruto (PIB); isto ,
uma poltica fiscal para manter a dvida pblica sustentvel (Brasil, 2023).
No entanto, para obter
sucesso na implementao de uma regra fiscal preciso definir bem as variveis
a serem limitadas. No caso brasileiro do NAF/RFS, a varivel selecionada foi
somente a despesa primria. Essa estratgia tem como vantagem o fornecimento de
uma direo no curto prazo para a poltica fiscal, simplicidade e
transparncia; e como desvantagem, uma [...] menor ligao com o objetivo de
sustentabilidade fiscal, pois ela controla a despesa, mas no leva em conta a
receita [...]. Outra desvantagem que ela pode afetar negativamente a
qualidade do gasto (Giambiagi, 2021, p. 219).
Do ponto de vista do ajuste fiscal pelo lado da receita, o NAF/RFS praticamente o
desconsiderou, pois somente no final do texto do 3 do Art. 1 da Lei
Complementar n 200/2023 foi sinalizada a
possibilidade de recuperao e gesto de receitas pblicas (Brasil, 2023).
Corroborando com Giambiagi (2021), uma regra fiscal, como o
caso do NAF/RFS, que busca controlar apenas a despesa e de forma mais grave,
somente parte dela e despreocupando-se com a receita, no tem como objetivo
central a sustentabilidade fiscal.
Um exemplo disso pode
ser visto na contradio entre o esforo fiscal dos governos em atingir a meta
de supervit fiscal, via reduo das despesas primrias, imposta pelas regras
fiscais e a expanso das renncias tributrias, que promovem ao mesmo tempo, a
reduo de receita arrecadada e o aumento do gasto tributrio do governo
federal, reforando a insustentabilidade fiscal.
Segundo Saiki (2023), R$ 5,42 trilhes de receitas pblicas
foram renunciados pela Unio em 12 anos, significando uma mdia anual de R$ 442
bilhes no perodo 2008-2019, e apresentando uma trajetria de crescimento,
conforme apresentado no Grfico 1.
Grfico 1 - Evoluo dos gastos tributrios da
Unio, de 2008-2019 (em R$ milhes, valores deflacionados pelo IGP-DI, jun.
2022)
Fonte: Saiki (2023).
Na comparao entre os anos inicial e final do perodo
analisado, as renncias, alm de promoverem o rebaixamento da receita
oramentria, incrementaram em 49% o gasto tributrio federal. Tal medida
incoerente com o contingenciamento de despesas e com a sustentabilidade fiscal
pretendida pelo regime fiscal neoliberal.
Ainda segundo a autora, o resultado das razes entre os
indicadores do gasto tributrio federal/receita tributria federal e do gasto
tributrio federal/PIB cresceu no perodo analisado, de acordo com o Grfico 2.
Grfico 2 - Evoluo da participao dos gastos tributrios do
governo federal em relao receita tributria e ao PIB, no perodo de
2008-2019 (em %)
Fonte: Saiki (2023).
O montante do gasto tributrio correspondia a 17,38% da
receita tributria federal em 2008 e passou para 22,02% em 2019, registrando um
crescimento de 26,68% no perodo 2008-2019 (Saiki, 2023). Isso representou que
a renncia de receita geradora do gasto tributrio cresceu numa velocidade
superior ao incremento da receita tributria, aumentando sua influncia na
tendncia de desacelerao e rebaixamento das receitas pblicas federais, e portanto, no desequilbrio fiscal, isto , no crescimento
do dficit e da dvida pblica.
Em relao ao produto interno bruto, o montante do gasto
tributrio correspondia a 3,82% em 2008 e alcanou 4,30% em 2019, acumulando um
crescimento de 12,53% no perodo 2008-2019 (Saiki, 2023). As mdias nacional e
mundial do gasto tributrio em relao ao PIB eram de 4,07% e 3,8%
respectivamente, no perodo 2008-2019 (Redonda; Haldenwang;
Aliu, 2021; Brasil, 2022). Assim, o gasto tributrio
federal cresceu numa proporo maior que o PIB, e em uma mdia superior
mundial; ou seja, um indicativo de que cada vez mais o governo federal
compromete a apropriao da riqueza produzida na forma de arrecadao
tributria, com impacto negativo no dinamismo econmico, no incremento de
receita e na sustentabilidade fiscal, agravando a situao fiscal.
O governo federal, ao expandir sua poltica de renncia
fiscal em contraposio ao aprofundamento do ajuste fiscal sobre a despesa
primria, comprometeu, em mdia, 20% da arrecadao tributria e 4,07% do PIB
no perodo 2008-2019, instituindo uma verdadeira trava na receita pblica,
conforme os dados do Grfico 2.
Essa poltica renncia fiscal travou a receita oramentria,
para de forma disfarada exigir a compresso da despesa primria via desfinanciamento das polticas sociais e dos investimentos
pblicos, ao mesmo tempo em que invisibilizou esse mecanismo de trava na
receita e de expanso do gasto tributrio. Ao realizar esse movimento, a
poltica fiscal usada ideologicamente para escamotear os verdadeiros fatores
determinantes do desequilbrio fiscal e convencer a sociedade, principalmente a
classe trabalhadora, de que a nica alternativa para o equilbrio fiscal o
controle da despesa primria, por meio do discurso de que o governo perdulrio e ineficiente no gasto pblico, principalmente
naqueles diretamente relacionados aos direitos dos trabalhadores.
A utilizao ideolgica da poltica fiscal pelos neoliberais
impe a necessidade permanente de conter a despesa para promover o equilbrio
fiscal, e o faz por meio de ajustes fiscais permanentes.
Porm, os ajustes fiscais que impem limites apenas na
despesa primria, excluindo as renncias tributrias, as despesas financeiras e
a promoo da progressividade na arrecadao tributria, no buscam garantir o
equilbrio sustentvel das contas pblicas, mas promover continuamente o
desequilbrio sustentvel, isto , propiciar as condies necessrias para a
reproduo da trava na receita e da conteno na despesa primria,
determinantes para a manuteno do supervit primrio e a transferncia crescente
de recursos oramentrios para o pagamento do servio da dvida pblica
federal.
Essa prtica equivocada de ajuste fiscal pela via da
despesa, instituda pelo NAF/RFS, repete o mesmo erro da EC 95, pr-cclica e
potencializar, por um lado, o prolongamento da recesso econmica, da
tendncia reduo da receita e do dficit fiscal, e, por outro, a necessidade
de financiamento do dficit pblico, mais contratao de dvida e ampliao
pagamento do seu servio junto aos credores nacionais e internacionais. Nesse
sentido corroboro com os argumentos de que
o NAF/NRF
no anticclico em um momento de desacelerao da economia, mas apenas modera
a reduo da taxa de crescimento do gasto pblico quando a economia freia e
perde velocidade. Como veremos, isso problemtico na conjuntura atual de
desacelerao da economia, o que pode gerar uma espiral de baixo crescimento e,
com o tempo, impor um teto no s ao crescimento econmico, mas popularidade
do presidente, alm de enfraquecer a unidade da coalizo social que elegeu Lula
(Bastos, 2023, p. 4).
E, tambm, de que o
regime fiscal sustentvel
[...] teria
efeito poltico semelhante Lei do Teto de Gastos: conter o investimento
pblico, e induzir novas leis e emendas constitucionais de corte neoliberal que
atacam a promessa social desenvolvimentista da Constituio Federal de 1988 e
dos programas do Partido dos Trabalhadores, como a poltica de valorizao real
do salrio-mnimo, o piso mnimo de remunerao da Previdncia Social ou os
pisos constitucionais da sade e da educao (Bastos; Deccache;
Alves Jnior, 2023, p. 27).
Esses argumentos so
reafirmados pela tese defendida por Evilasio Salvador
no artigo O arcabouo fiscal e as implicaes no financiamento das polticas
sociais, publicado nessa edio da Revista Argumentum,
de que o NAF/RFS est inserido em um cenrio de ajuste fiscal permanente
imposto economia brasileira desde os anos 1990. E de que,
[...] ainda
que mais flexvel no ajuste fiscal quando comparado EC 95, segue a poltica
de austeridade ao impor entraves permanentes para o crescimento dos gastos
pblicos sociais no mbito da Unio, como o impedimento de acompanhar a
variao das receitas governamentais. Tudo isso, para viabilizar a retomada de
resultados primrios positivos, a fim de garantir a sustentabilidade da dvida
pblica e a captura do fundo pblico para o pagamento de juros e encargos para
os rentistas (Salvador, 2024, p. 16).
Em sntese, trata-se de
um regime que no visa a sustentabilidade fiscal, isto , a estabilizao da
dvida bruta do governo em relao ao PIB, mas controlar a parte maior da
despesa, fazendo com que ela cresa numa proporo menor que o incremento da receita,
poupando recursos para transferir o maior volume de receitas para o pagamento
do servio da dvida pblica.
Esta situao reflete a
ordem de prioridade institucionalizada desde a LRF, e continuamente reafirmada
pelos governos posteriores, inclusive nos governos Lula: a de que a despesa
financeira intocvel, mesmo que a austeridade fiscal custe milhares de vidas,
conforme ocorrido no perodo da pandemia de COVID-19.
CONSIDERAES FINAIS
Na atual fase do
capitalismo, da mundializao imperialista, o fundo pblico neoliberal cumpre
uma funo estratgica em tempo de crise: ao mesmo tempo, acelera a rotao do
capital por meio do incremento das despesas pblicas com o setor privado e
desacelera ou trava a receita pblica por meio das renncias tributrias.
Esse movimento duplo se
expressa no RFS/NAF, nos limites impostos despesa primria e no despesa
financeira e renncia de receita, tendo como consequncia a produo do desequilbrio sustentvel para a manuteno do
supervit primrio, desviando cada vez mais recursos pblicos para o pagamento
do servio da dvida pblica federal.
Assim, a busca pela
sustentabilidade da dvida pblica baseada no controle da despesa primria
conduz ao falseamento ideolgico da apropriao privada do fundo pblico, a
prioridade no atendimento dos interesses da burguesia, em especial a sua frao
financeira, tornando o regime fiscal (RFS/NAF) sustentvel para o capital e
destrutivo para o trabalho, no terceiro governo Lula.
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________________________________________________________________________________________________
Osmar Gomes de ALENCAR JNIOR
Graduado em Cincias
Econmicas e Doutor em Polticas Pblicas. Professor Associado do curso de
Cincias Econmicas da Universidade Federal do Delta do Parnaba (UFDPar) e do Programa de Ps-Graduao em Polticas
Pblicas da UFPI. Coordenador do Observatrio do Fundo Pblico na UFDPar e do GT Estado e Polticas Pblicas da Sociedade
Brasileira de Economia Poltica (SEP); lder do Grupo de Pesquisa Observatrio
do Fundo Pblico e pesquisador do Grupo de Estudos de Hegemonia e Lutas na
Amrica Latina (GEHLAL) e do FOHPS ncleo de estudos e pesquisas sobre Fundo
Pblico, Oramento, Hegemonia e Poltica Social. Atualmente Pr-Reitor de
Planejamento da UFDPar.
________________________________________________________________________________________________
* Economista. Doutor em Polticas Pblicas. Professor
Associado do curso de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Delta do
Parnaba (UFDPar,
Parnaba, Brasil). Av. So Sebastio, n 2819, Nossa Sra. de
Ftima, Parnaba (PI), CEP. 64202-020. Professor do Programa de
Ps-Graduao em Polticas Pblicas da Universidade Federal do Piau. (UFPI,
Teresina, Brasil). Campus Universitrio Ministro Petrnio
Portella, Ininga, Teresina (PI), CEP. 64049-550.
E-mail: jrosmar@ufdpar.edu.br.
A(s)
Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024 Acesso Aberto Esta obra est licenciada sob os
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que comercial. O licenciante no
pode revogar estes direitos desde que voc respeite os termos da licena.
[1] Para mais detalhes, ver Alencar Jnior
(2021).
[2] Quando o dinheiro efetua
de forma autnoma movimentos puramente tcnicos no processo de circulao de um
capital em particular e nada mais faz alm disso, ou quando s suas demais
funes se associam as de emprestar, de tomar emprestado e de negociar com
crdito, essa forma capital transforma-se em capital financeiro (Marx, 2008).
[3] Toda a capacidade do Estado de arrecadar
ou no recursos para o financiamento das polticas pblicas (Alencar Jnior,
2021).
[4] A busca por aumento de lucro via aumento
do capital constante em relao ao capital varivel, por meio do crescimento na
composio orgnica do capital, tem por consequncia a [...] queda gradual na
taxa geral de lucro, desde que no varie a taxa de mais-valia ou o grau de
explorao do trabalho pelo capital (Marx, 2008, p. 282).
[5] o tempo de produo e circulao do
capital; este varia na razo inversa da taxa de lucro desde que a taxa de mais
valia, jornada de trabalho e a composio do capital no se altere (Marx,
2008).
[6] Ncleo de estudo, pesquisa e extenso do
curso de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Delta do Parnaba (UFDPar) e grupo de pesquisa vinculado ao CNPQ.
[7] Gastos que representam os interesses da
classe trabalhadora na forma de polticas sociais.
[8] Despesas que representam os interesses da
classe burguesa, especialmente os da frao financeira.