Novo Arcabou�o Fiscal:
regime fiscal sustent�vel para o capital e destrutivo para o trabalho
New Fiscal Framework: a tax regime that sustains capital and
destroys labour
Osmar Gomes de ALENCAR J�NIOR*
https://orcid.org/0000-0001-9389-2949
INTRODU��O
V |
ivenciamos um per�odo
hist�rico de crise profunda no modo de produ��o capitalista, em que a lei de
tend�ncia decrescente da taxa de lucro se faz presente e com mais vigor nos
pa�ses do centro, acirrando as disputas intercapitalistas e imperialistas em escala
planet�ria.
A rea��o do capital
imperialista � queda tendencial da taxa de lucro se expressa, nessa conjuntura,
nas guerras atualmente em curso por territ�rios e controle de insumos e
mat�rias-primas estrat�gicas para a acumula��o capitalista; na superexplora��o
do trabalho por meio da amplia��o da jornada de trabalho, intensifica��o do
trabalho e rebaixamento dos sal�rios, nos moldes de Marini (2000); no
incremento do ex�rcito industrial de reserva; e, principalmente, na acelera��o
da rota��o do capital, isto �, na redu��o do prazo de produ��o e circula��o do
capital, promovida pelo Estado.
Esse movimento de
contratend�ncia � lei busca aumentar a massa de lucro e reduzir os efeitos das
crises sobre o capital, isto �, as possibilidades de os capitalistas n�o
obterem lucro. Nesse sentido, o Estado, atrav�s do fundo p�blico, tem cumprido
papel fundamental para acelerar a rota��o do capital e garantir a realiza��o da
produ��o e acumula��o de forma ininterrupta. Dentre os v�rios instrumentos de
captura privada do fundo p�blico, a d�vida p�blica � um dos principais
mecanismos dessa din�mica.
Sendo assim, na atual
fase do modo de produ��o capitalista, a d�vida p�blica � um dos principais
instrumentos de acumula��o privada e respons�vel para compensar a queda da taxa
de lucro capitalista. Qualquer altera��o positiva ou negativa na rota��o do capital
provoca efeito contr�rio sobre a taxa de lucro, afetando diretamente os
interesses da burguesia e de suas fra��es detentoras dos cr�ditos oriundos
desse endividamento.
Como o Estado n�o �
imparcial e utiliza o fundo p�blico para reproduzir o capital e a for�a de
trabalho, buscando regular o equil�brio inst�vel entre as classes, mas mantendo
a domina��o de classe, a estabilidade macroecon�mica da d�vida p�blica proposta
pelo Regime Fiscal Sustent�vel (RFS) ou, como popularmente conhecido, Novo
Arcabou�o Fiscal (NAF) serve, prioritariamente, aos interesses de quais classes
e fra��es de classe no Brasil? A sustentabilidade da d�vida p�blica baseada
apenas no controle da despesa prim�ria beneficiar� a fra��o da burguesia
financeira ou a classe trabalhadora no terceiro governo Lula?
Para responder aos
questionamentos e dialogar com o artigo intitulado O arcabou�o fiscal e as
implica��es no financiamento das pol�ticas sociais, apresentado por Evilasio Salvador nessa edi��o da Revista Argumentum, o texto tem como objetivo identificar as
classes sociais e fra��es de classe que ser�o priorizadas pela pol�tica fiscal
da Uni�o expressa no NAF/RFS.
Al�m da introdu��o e
das considera��es finais, o artigo apresentar� o papel do Estado, do fundo
p�blico e da pol�tica fiscal na atual fase da mundializa��o imperialista
neoliberal, para em seguida demonstrar como a pol�tica fiscal, atrav�s do
NAF/RFS, pode promover uma invers�o na sua fun��o redistributiva em favor da
classe burguesa e de suas fra��es.
ESTADO, FUNDO P�BLICO E
POL�TICA FISCAL SOB A �GIDE DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL
Na etapa atual do
capitalismo, da mundializa��o imperialista[1],
em que o capital portador de juros ou capital financeiro[2] �
dominante em todo o planeta, � imprescind�vel conformar um tipo de Estado que
assegure a acumula��o financeira, em que o fundo p�blico[3]
priorize os interesses de acumula��o da burguesia financeira, principalmente
sob a forma de pagamento da d�vida p�blica, em detrimento da classe
trabalhadora, em meio a uma longa crise de superprodu��o e superacumula��o.
A forma de assegurar a
acumula��o financeira em meio � tend�ncia decrescente da taxa de lucro[4],
passa tamb�m pela contrarreforma do Estado, principalmente por altera��es na
estrutura tribut�ria e na composi��o da despesa p�blica; portanto, na forma��o
e aloca��o dos recursos do fundo p�blico, com impacto direto nos interesses da
burguesia e da classe trabalhadora, e isso foi alcan�ado pelo protagonismo das
ideias neoliberais.
O neoliberalismo foi
uma rea��o �[...] te�rica e pol�tica veemente contra o Estado intervencionista
e de Bem-Estar. [...]. Seu prop�sito era combater o keynesianismo e o
solidarismo reinantes e preparar as bases de outro tipo de capitalismo, duro e
livre de regras para o futuro� (Anderson, 1995, p. 10).
Do ponto de vista
ideol�gico, promoveu a mundializa��o da concorr�ncia e a diminui��o da
participa��o do Estado na economia, por meio de pol�ticas macroecon�micas
fiscal e monet�ria restritivas, em busca da estabilidade econ�mica e n�o mais
do crescimento e do pleno emprego keynesianos.
Mas, na pr�tica, a
busca neoliberal pela estabilidade, ao utilizar os juros elevados e o super�vit
fiscal como principais instrumentos de pol�tica macroecon�mica, al�m do c�mbio
flex�vel, produziu uma desacelera��o e, em alguns momentos, queda no crescimento,
com repercuss�o negativa na arrecada��o tribut�ria.
O decr�scimo na receita
p�blica n�o foi acompanhado, na mesma velocidade, pela diminui��o da despesa
p�blica, o que provocou d�ficit p�blico e a necessidade de financiamento;
portanto, resultou na eleva��o da d�vida p�blica e da participa��o do Estado na
economia, ou seja, no inverso do prometido pela ideologia neoliberal.
Tal pol�tica
macroecon�mica neoliberal gerou crescimento econ�mico p�fio nas �ltimas
d�cadas, e em muitas vezes, recess�o econ�mica prolongada e crise econ�mica;
assim, provocou maiores riscos para a acumula��o capitalista e a necessidade de
maior interven��o do Estado para minimiz�-los, tornando o fundo p�blico um
mecanismo estrat�gico para reduzir o tempo de rota��o do capital[5] e
aumentar a taxa de lucro, principalmente nos pa�ses perif�ricos, como o Brasil.
A estabilidade
econ�mica, isto �, a estabilidade monet�ria e a disciplina or�ament�ria
passaram a ser prioridade de qualquer governo neoliberal em busca do
crescimento econ�mico voltado para assegurar, prioritariamente, os interesses
da burguesia, em especial da sua fra��o financeira. Na Am�rica Latina, combinou
�[...] a aboli��o da democracia [...], com um programa de governo que promovia
a desregula��o, o desemprego massivo, a repress�o sindical, a redistribui��o de
renda em favor dos ricos e a privatiza��o de bens p�blicos� (Alencar J�nior,
2021, p. 83).
A condu��o para a
estabilidade econ�mica neoliberal, por meio do protagonismo da pol�tica
monet�ria, aprisionou a pol�tica fiscal, retirou sua finalidade redistributiva
e assegurou-lhe o papel coadjuvante de priorizar os recursos p�blicos, via
super�vit prim�rio, para a acumula��o financeira.
Para garantir esse
mecanismo de apropria��o privada do fundo p�blico cada vez maior, o Estado
instituiu uma legisla��o que assegurou o equil�brio fiscal do governo, punindo
aqueles que n�o cumprissem as metas fiscais estabelecidas na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) institucionalizada no Brasil (Brasil, 2020).
A LRF expressa a
obrigatoriedade de os governos produzirem super�vits prim�rios � receitas
prim�rias superiores �s despesas prim�rias � isto �, os governos passaram a
poupar compulsoriamente os recursos arrecadados da popula��o, nas suas mais
diversas atividades produtivas ou improdutivas, para efetuarem o pagamento de
juros, encargos e amortiza��o da d�vida p�blica, e n�o para o financiamento de
pol�ticas p�blicas enquanto pol�ticas sociais capazes de mitigar as
contradi��es promovidas pelo modo de produ��o capitalista.
A partir de ent�o, uma
ordem na disputa pelos recursos do fundo p�blico no pa�s foi
institucionalizada: a prioridade para o pagamento das despesas financeiras em
detrimento das n�o financeiras ou prim�rias. Assim, os governos passaram a
privilegiar os interesses da burguesia e sua fra��o financeira nacional e
internacional e retirar direitos da classe trabalhadora.
Desde a aprova��o da
LRF em 2020, todos os governos, nas esferas federal, estadual ou municipal,
independentemente de seus matizes ideol�gicos, perseguiram e/ou cumpriram a
determina��o fiscal legal da institucionalidade neoliberal, o super�vit
prim�rio. No entanto, o alcan�aram quase sempre pela via do controle da
despesa, e muito pouco pelo caminho da progressividade na arrecada��o da
receita. Mesmo ao priorizar os limites para a despesa, o regime fiscal, desde
ent�o, n�o previu limites para o gasto financeiro, mas o fez para o gasto
prim�rio ou n�o-financeiro.
A pr�tica dessa regra
fiscal, ao comprimir apenas a despesa prim�ria, uma das partes da despesa
p�blica, mudou a composi��o da despesa or�ament�ria governamental em favor
daquela que nunca foi limitada, a despesa financeira. Portanto, todas as regras
fiscais que sucederam, modificando ou n�o o regime fiscal brasileiro, a partir
da LRF, n�o se contrapuseram a essa din�mica fiscal.
Mais recentemente, o
Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95) e o NAF/RFS, aprovados em 2016 e
2022, respectivamente, seguiram a mesma l�gica de busca do super�vit prim�rio
por meio da imposi��o de limites exclusivamente para a despesa prim�ria e n�o
para a despesa financeira, desacelerando o crescimento da primeira e
impulsionando o incremento da segunda.
Para evidenciar essa
din�mica fiscal, o recente estudo sobre o efeito do NRF na composi��o da
despesa federal no per�odo de 2015 a 2022, realizado pelo Observat�rio do Fundo
P�blico[6],
verificou que a Despesa Financeira (DF) cresceu de forma real 9,72%, enquanto a
despesa prim�ria ou Despesa N�o Financeira (DNF) incrementou 6,28% no per�odo
analisado. A DNF desacelerou e teve reduzido o crescimento at� 2019, enquanto a
DF comportou-se no sentido inverso: acelerou o crescimento at� 2018 e registrou
redu��o em 2019 (Brito, 2023).
O estudo ainda mostrou
que, em rela��o � participa��o da DNF e da DF no gasto or�ament�rio total
federal no per�odo anterior � pandemia, houve um �[...] decr�scimo de 0,74% na
participa��o da DNF e um crescimento de 2,47% na DF de 2015 a 2019� (Brito,
2023, p. 39). Deste modo, enquanto a DNF desacelerou e teve reduzida sua
participa��o, a DF cresceu gradativamente.
Outra evid�ncia do
impacto dessa din�mica fiscal nas despesas p�blicas da Uni�o, nos per�odos
anterior e posterior � implementa��o do NRF, foi o comportamento dos gastos
social[7] e
financeiro[8],
representados pelos somat�rios das despesas nas �reas da educa��o, seguridade
social, ci�ncia e tecnologia, direitos da cidadania, comunica��es, gest�o
ambiental, desporto e lazer, e cultura; e nos servi�os da d�vida interna e
externa, respectivamente.
O gasto social cresceu
a taxas anuais �[...] de 3,89% e 8,69% nos intervalos de 2015-2016 e 2016-2017,
por�m passou a ter redu��es sucessivas de 5,88% e 1,95% nos per�odos 2017-2018
e 2018-2019 [...]� (Brito, 2023, p. 41), acumulando um crescimento de 4,21% no
per�odo 2015-2019.
Enquanto o gasto
financeiro federal decresceu 8,88% em 2015-2016, cresceu 5,41% e 25,04% nos
intervalos de 2016-2017 e 2017-2018, respectivamente, e tornou a decrescer em
8,64% em 2018-2019. Essa din�mica mostrou a expans�o da DF a partir de 2016,
acelerando nos dois primeiros anos da implementa��o da EC 95, para em seguida
apresentar crescimento negativo, no primeiro ano do governo Bolsonaro. Mesmo
com tal oscila��o no comportamento, o gasto financeiro cresceu 6,45%, acima do
gasto social, no per�odo 2015-2019 (Brito, 2023).
Os dados apresentados
corroboram a tese de que o regime fiscal neoliberal brasileiro, a partir da LRF
e aprofundado com o NRF, vem alterando a composi��o da despesa or�ament�ria
p�blica brasileira em favor da despesa financeira, atendendo cada vez mais os
interesses da burguesia, em especial aos da sua fra��o financeira, em
detrimento da classe trabalhadora, independentemente dos diferentes matizes
ideol�gicos dos governos.
D�VIDA P�BLICA
SUSTENT�VEL: O FALSEAMENTO IDEOL�GICO DA APROPRIA��O PRIVADA DO FUNDO P�BLICO
NO TERCEIRO GOVERNO LULA
A transi��o do governo
Bolsonaro para o governo Lula 3 no Brasil foi marcada por um debate sobre a
mudan�a no regime fiscal vigente, pois o NRF estabelecido pelo governo Temer
n�o atingiu seu objetivo de reduzir ou estabilizar a d�vida p�blica.
A sa�da novamente
conciliadora do governo Lula foi a institucionaliza��o do NAF/RFS no primeiro
semestre de 2023. Assim como no governo Temer, o NAF/RFS instituiu uma nova
regra fiscal nacional, constitu�da de mecanismos limitadores quantitativos da
despesa prim�ria para combater o d�ficit fiscal e estabilizar a rela��o entre a
D�vida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o Produto Interno Bruto (PIB); isto �,
uma pol�tica fiscal para manter a d�vida p�blica sustent�vel (Brasil, 2023).
No entanto, para obter
sucesso na implementa��o de uma regra fiscal � preciso definir bem as vari�veis
a serem limitadas. No caso brasileiro do NAF/RFS, a vari�vel selecionada foi
somente a despesa prim�ria. Essa estrat�gia tem como vantagem o fornecimento de
uma dire��o no curto prazo para a pol�tica fiscal, simplicidade e
transpar�ncia; e como desvantagem, uma �[...] menor liga��o com o objetivo de
sustentabilidade fiscal, pois ela controla a despesa, mas n�o leva em conta a
receita [...]. Outra desvantagem � que ela pode afetar negativamente a
qualidade do gasto� (Giambiagi, 2021, p. 219).
Do ponto de vista do ajuste fiscal pelo lado da receita, o NAF/RFS praticamente o
desconsiderou, pois somente no final do texto do �3� do Art. 1� da Lei
Complementar n� 200/2023 foi sinalizada a
possibilidade de recupera��o e gest�o de receitas p�blicas (Brasil, 2023).
Corroborando com Giambiagi (2021), uma regra fiscal, como � o
caso do NAF/RFS, que busca controlar apenas a despesa � e de forma mais grave,
somente parte dela � e despreocupando-se com a receita, n�o tem como objetivo
central a sustentabilidade fiscal.
Um exemplo disso pode
ser visto na contradi��o entre o esfor�o fiscal dos governos em atingir a meta
de super�vit fiscal, via redu��o das despesas prim�rias, imposta pelas regras
fiscais e a expans�o das ren�ncias tribut�rias, que promovem ao mesmo tempo, a
redu��o de receita arrecadada e o aumento do gasto tribut�rio do governo
federal, refor�ando a insustentabilidade fiscal.
Segundo Saiki (2023), R$ 5,42 trilh�es de receitas p�blicas
foram renunciados pela Uni�o em 12 anos, significando uma m�dia anual de R$ 442
bilh�es no per�odo 2008-2019, e apresentando uma trajet�ria de crescimento,
conforme apresentado no Gr�fico 1.
Gr�fico 1 - Evolu��o dos gastos tribut�rios da
Uni�o, de 2008-2019 (em R$ milh�es, valores deflacionados pelo IGP-DI, jun.
2022)
Fonte: Saiki (2023).
Na compara��o entre os anos inicial e final do per�odo
analisado, as ren�ncias, al�m de promoverem o rebaixamento da receita
or�ament�ria, incrementaram em 49% o gasto tribut�rio federal. Tal medida �
incoerente com o contingenciamento de despesas e com a sustentabilidade fiscal
pretendida pelo regime fiscal neoliberal.
Ainda segundo a autora, o resultado das raz�es entre os
indicadores do gasto tribut�rio federal/receita tribut�ria federal e do gasto
tribut�rio federal/PIB cresceu no per�odo analisado, de acordo com o Gr�fico 2.
Gr�fico 2 - Evolu��o da participa��o dos gastos tribut�rios do
governo federal em rela��o � receita tribut�ria e ao PIB, no per�odo de
2008-2019 (em %)
Fonte: Saiki (2023).
O montante do gasto tribut�rio correspondia a 17,38% da
receita tribut�ria federal em 2008 e passou para 22,02% em 2019, registrando um
crescimento de 26,68% no per�odo 2008-2019 (Saiki, 2023). Isso representou que
a ren�ncia de receita geradora do gasto tribut�rio cresceu numa velocidade
superior ao incremento da receita tribut�ria, aumentando sua influ�ncia na
tend�ncia de desacelera��o e rebaixamento das receitas p�blicas federais, e portanto, no desequil�brio fiscal, isto �, no crescimento
do d�ficit e da d�vida p�blica.
Em rela��o ao produto interno bruto, o montante do gasto
tribut�rio correspondia a 3,82% em 2008 e alcan�ou 4,30% em 2019, acumulando um
crescimento de 12,53% no per�odo 2008-2019 (Saiki, 2023). As m�dias nacional e
mundial do gasto tribut�rio em rela��o ao PIB eram de 4,07% e 3,8%
respectivamente, no per�odo 2008-2019 (Redonda; Haldenwang;
Aliu, 2021; Brasil, 2022). Assim, o gasto tribut�rio
federal cresceu numa propor��o maior que o PIB, e em uma m�dia superior �
mundial; ou seja, um indicativo de que cada vez mais o governo federal
compromete a apropria��o da riqueza produzida na forma de arrecada��o
tribut�ria, com impacto negativo no dinamismo econ�mico, no incremento de
receita e na sustentabilidade fiscal, agravando a situa��o fiscal.
O governo federal, ao expandir sua pol�tica de ren�ncia
fiscal em contraposi��o ao aprofundamento do ajuste fiscal sobre a despesa
prim�ria, comprometeu, em m�dia, 20% da arrecada��o tribut�ria e 4,07% do PIB
no per�odo 2008-2019, instituindo uma verdadeira trava na receita p�blica,
conforme os dados do Gr�fico 2.
Essa pol�tica ren�ncia fiscal travou a receita or�ament�ria,
para de forma disfar�ada exigir a compress�o da despesa prim�ria via desfinanciamento das pol�ticas sociais e dos investimentos
p�blicos, ao mesmo tempo em que invisibilizou esse mecanismo de trava na
receita e de expans�o do gasto tribut�rio. Ao realizar esse movimento, a
pol�tica fiscal � usada ideologicamente para escamotear os verdadeiros fatores
determinantes do desequil�brio fiscal e convencer a sociedade, principalmente a
classe trabalhadora, de que a �nica alternativa para o equil�brio fiscal � o
controle da despesa prim�ria, por meio do discurso de que o governo � perdul�rio e ineficiente no gasto p�blico, principalmente
naqueles diretamente relacionados aos direitos dos trabalhadores.
A utiliza��o ideol�gica da pol�tica fiscal pelos neoliberais
imp�e a necessidade permanente de conter a despesa para promover o equil�brio
fiscal, e o faz por meio de ajustes fiscais permanentes.
Por�m, os ajustes fiscais que imp�em limites apenas na
despesa prim�ria, excluindo as ren�ncias tribut�rias, as despesas financeiras e
a promo��o da progressividade na arrecada��o tribut�ria, n�o buscam garantir o
equil�brio sustent�vel das contas p�blicas, mas promover continuamente o
desequil�brio sustent�vel, isto �, propiciar as condi��es necess�rias para a
reprodu��o da trava na receita e da conten��o na despesa prim�ria,
determinantes para a manuten��o do super�vit prim�rio e a transfer�ncia crescente
de recursos or�ament�rios para o pagamento do servi�o da d�vida p�blica
federal.
Essa pr�tica equivocada de ajuste fiscal pela via da
despesa, institu�da pelo NAF/RFS, repete o mesmo erro da EC 95, � pr�-c�clica e
potencializar�, por um lado, o prolongamento da recess�o econ�mica, da
tend�ncia � redu��o da receita e do d�ficit fiscal, e, por outro, a necessidade
de financiamento do d�ficit p�blico, mais contrata��o de d�vida e amplia��o
pagamento do seu servi�o junto aos credores nacionais e internacionais. Nesse
sentido corroboro com os argumentos de que
o NAF/NRF
n�o � antic�clico em um momento de desacelera��o da economia, mas apenas modera
a redu��o da taxa de crescimento do gasto p�blico quando a economia freia e
perde velocidade. Como veremos, isso � problem�tico na conjuntura atual de
desacelera��o da economia, o que pode gerar uma espiral de baixo crescimento e,
com o tempo, impor um teto n�o s� ao crescimento econ�mico, mas � popularidade
do presidente, al�m de enfraquecer a unidade da coaliz�o social que elegeu Lula
(Bastos, 2023, p. 4).
E, tamb�m, de que o
regime fiscal sustent�vel
[...] teria
efeito pol�tico semelhante � Lei do Teto de Gastos: conter o investimento
p�blico, e induzir novas leis e emendas constitucionais de corte neoliberal que
atacam a promessa social desenvolvimentista da Constitui��o Federal de 1988 e
dos programas do Partido dos Trabalhadores, como a pol�tica de valoriza��o real
do sal�rio-m�nimo, o piso m�nimo de remunera��o da Previd�ncia Social ou os
pisos constitucionais da sa�de e da educa��o (Bastos; Deccache;
Alves J�nior, 2023, p. 27).
Esses argumentos s�o
reafirmados pela tese defendida por Evilasio Salvador
no artigo O arcabou�o fiscal e as implica��es no financiamento das pol�ticas
sociais, publicado nessa edi��o da Revista Argumentum,
de que o NAF/RFS est� inserido em um cen�rio de ajuste fiscal permanente
imposto � economia brasileira desde os anos 1990. E de que,
[...] ainda
que mais flex�vel no ajuste fiscal quando comparado � EC 95, segue a pol�tica
de austeridade ao impor entraves permanentes para o crescimento dos gastos
p�blicos sociais no �mbito da Uni�o, como o impedimento de acompanhar a
varia��o das receitas governamentais. Tudo isso, para viabilizar a retomada de
resultados prim�rios positivos, a fim de garantir a sustentabilidade da d�vida
p�blica e a captura do fundo p�blico para o pagamento de juros e encargos para
os rentistas (Salvador, 2024, p. 16).
Em s�ntese, trata-se de
um regime que n�o visa a sustentabilidade fiscal, isto �, a estabiliza��o da
d�vida bruta do governo em rela��o ao PIB, mas controlar a parte maior da
despesa, fazendo com que ela cres�a numa propor��o menor que o incremento da receita,
poupando recursos para transferir o maior volume de receitas para o pagamento
do servi�o da d�vida p�blica.
Esta situa��o reflete a
ordem de prioridade institucionalizada desde a LRF, e continuamente reafirmada
pelos governos posteriores, inclusive nos governos Lula: a de que a despesa
financeira � intoc�vel, mesmo que a austeridade fiscal custe milhares de vidas,
conforme ocorrido no per�odo da pandemia de COVID-19.
CONSIDERA��ES FINAIS
Na atual fase do
capitalismo, da mundializa��o imperialista, o fundo p�blico neoliberal cumpre
uma fun��o estrat�gica em tempo de crise: ao mesmo tempo, acelera a rota��o do
capital por meio do incremento das despesas p�blicas com o setor privado e
desacelera ou trava a receita p�blica por meio das ren�ncias tribut�rias.
Esse movimento duplo se
expressa no RFS/NAF, nos limites impostos � despesa prim�ria e n�o � despesa
financeira e � ren�ncia de receita, tendo como consequ�ncia a produ��o do desequil�brio sustent�vel para a manuten��o do
super�vit prim�rio, desviando cada vez mais recursos p�blicos para o pagamento
do servi�o da d�vida p�blica federal.
Assim, a busca pela
sustentabilidade da d�vida p�blica baseada no controle da despesa prim�ria
conduz ao falseamento ideol�gico da apropria��o privada do fundo p�blico, a
prioridade no atendimento dos interesses da burguesia, em especial a sua fra��o
financeira, tornando o regime fiscal (RFS/NAF) sustent�vel para o capital e
destrutivo para o trabalho, no terceiro governo Lula.
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SAIKI, T. M. A. Ren�ncia de receita tribut�ria: efeito no fundo p�blico do estado do Piau� no per�odo de 2015 a 2021.
Disserta��o de Mestrado (Pol�ticas P�blicas)-Universidade
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SALVADOR, E. O arcabou�o fiscal e as
implica��es no financiamento das pol�ticas sociais. Argumentum,
Vit�ria, v. 16, n. 1, p. 6-19, jan./abr. 2024. Dispon�vel em: https://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/44218.
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Osmar Gomes de ALENCAR J�NIOR
Graduado em Ci�ncias
Econ�micas e Doutor em Pol�ticas P�blicas. Professor Associado do curso de
Ci�ncias Econ�micas da Universidade Federal do Delta do Parna�ba (UFDPar) e do Programa de P�s-Gradua��o em Pol�ticas
P�blicas da UFPI. Coordenador do Observat�rio do Fundo P�blico na UFDPar e do GT Estado e Pol�ticas P�blicas da Sociedade
Brasileira de Economia Pol�tica (SEP); l�der do Grupo de Pesquisa Observat�rio
do Fundo P�blico e pesquisador do Grupo de Estudos de Hegemonia e Lutas na
Am�rica Latina (GEHLAL) e do FOHPS n�cleo de estudos e pesquisas sobre Fundo
P�blico, Or�amento, Hegemonia e Pol�tica Social. Atualmente Pr�-Reitor de
Planejamento da UFDPar.
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* Economista. Doutor em Pol�ticas P�blicas. Professor
Associado do curso de Ci�ncias Econ�micas da Universidade Federal do Delta do
Parna�ba (UFDPar,
Parna�ba, Brasil). Av. S�o Sebasti�o, n� 2819, Nossa Sra. de
F�tima, Parna�ba (PI), CEP. 64202-020. Professor do Programa de
P�s-Gradua��o em Pol�ticas P�blicas da Universidade Federal do Piau�. (UFPI,
Teresina, Brasil). Campus Universit�rio Ministro Petr�nio
Portella, Ininga, Teresina (PI), CEP. 64049-550.
E-mail: jrosmar@ufdpar.edu.br.
� A(s)
Autora(s)/O(s) Autor(es). 2024 Acesso Aberto Esta obra est� licenciada sob os
termos da Licen�a Creative Commons Atribui��o 4.0
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que comercial. O licenciante n�o
pode revogar estes direitos desde que voc� respeite os termos da licen�a.
[1] Para mais detalhes, ver Alencar J�nior
(2021).
[2] Quando o dinheiro efetua
de forma aut�noma movimentos puramente t�cnicos no processo de circula��o de um
capital em particular e nada mais faz al�m disso, ou quando �s suas demais
fun��es se associam as de emprestar, de tomar emprestado e de negociar com
cr�dito, essa forma capital transforma-se em capital financeiro (Marx, 2008).
[3] Toda a capacidade do Estado de arrecadar
ou n�o recursos para o financiamento das pol�ticas p�blicas (Alencar J�nior,
2021).
[4] A busca por aumento de lucro via aumento
do capital constante em rela��o ao capital vari�vel, por meio do crescimento na
composi��o org�nica do capital, tem por consequ�ncia a �[...] queda gradual na
taxa geral de lucro, desde que n�o varie a taxa de mais-valia ou o grau de
explora��o do trabalho pelo capital� (Marx, 2008, p. 282).
[5] � o tempo de produ��o e circula��o do
capital; este varia na raz�o inversa da taxa de lucro desde que a taxa de mais
valia, jornada de trabalho e a composi��o do capital n�o se altere (Marx,
2008).
[6] N�cleo de estudo, pesquisa e extens�o do
curso de Ci�ncias Econ�micas da Universidade Federal do Delta do Parna�ba (UFDPar) e grupo de pesquisa vinculado ao CNPQ.
[7] Gastos que representam os interesses da
classe trabalhadora na forma de pol�ticas sociais.
[8] Despesas que representam os interesses da
classe burguesa, especialmente os da fra��o financeira.