Sobre a Revista

Sobre a Revista Cultura e Sul Global

A Revista Cultura e Sul Global está inserida no Núcleo de Pesquisa Diversidade e Descolonização (NUDES), fundado em 2008 e coordenado pela Profª. Drª. Julia Almeida e pelo Profº. Drº. Luis Eustáquio Soares, ambos lotados no Departamento de Línguas e Letras (DLL) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o que pressupõe, se defendêssemos unidades discursivas autônomas, a seguinte interrogação: por que uma revista acadêmica referenciada na cultura, se seu lastro expressivo é o campo da literatura e seu núcleo institucional é o Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da UFES ?

A reposta a apresentamos em interface com Antonio Gramsci de Literatura e vida nacional (1978), que assim se posicionou a respeito:

“É evidente que, para ser exato, deve-se falar de luta por uma nova cultura e não para uma nova arte” (GRAMSCI, 1978, p. 8), pois “a poesia não gera poesia; a partenogênese não existe” (GRAMSCI, 1978, p. 10) e, por extensão, “a literatura não gera literatura” (GRAMSCI, 1978, p. 10).

Compartilhamos com a posição lúcida e realista de Gramsci. As artes (e, nelas, a literatura) não se autoproduzem  e  são sempre variações estéticas da cultura, que pode ser a cultura dominante (há mediações) do sistema de poder da era do capitalismo mundial integrado, imposta (também por meio do soft power)  sobretudo contra os  países do Sul Global pelo Ocidente, liderado por seu Superego e Id imperialistas, ao menos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, EUA; ou a cultura a um tempo da resistência e da alternativa cujo sujeito coletivo não é outro, como potência ascendente do trabalho revolucionário da emancipação da humanidade, senão este: a Maioria Global, desafio histórico irrecusável e necessário do novo senso comum cultural de libertação  das formas de ser e estar do conteúdo do trabalho soberano da autossuficiência criativa e polifônica das interculturalidades entre países, línguas, experiências, mitos, crenças, valores, técnicas, ciências, afetos, fabulações narrativas e líricas, etnias, gêneros, povos, sem cessar, transculturalizando-se. 

E o que é cultura? Adotamos como referência o teórico Raymond Williams. Em Marxismo y literatura (1988) escreveu, a propósito, que a cultura se define como “um processo social constitutivo, criador de estilos de vida específicos e diferentes” (WILLIAMS, 1988, p. 3). Em Materialismo e cultura (2011) argumentou que "a cultura no contemporâneo  são seus meios de produção materiais orientados [...] para a apropriação geral de todas as forças reais da produção” (WILLIAMS, 2011, p.350).

Defendemos, a propósito, que no período da indústria cultural monopolizada por Estados Unidos, a cultura se tornou uma empresa mundial de produção de  subjetividades, compreendidas como o primeiro pilar das forças materiais das formações sociais capitalistas ocidentais, por conformar a mentalidade, sob a forma de estilos de vida, tanto de quem decide quanto de quem é decidido; tanto dos agentes dos acontecimentos que afetam toda a humanidade, quanto da servidão voluntária que os replica, à direita e à (fake) esquerda globalista, encarnando-os no corpo, na totalidade do ser social, em sua versão unipolar.

E, com Gramsci, pelo que devemos lutar? Sim, pelo complexo estratégico-cultural emancipatório do direito inalienável à soberania plena de cada país, orquestrando-se de modo multipolar, poliédrico, em sua dimensão popular, o que significa, autossuficiência tecnológico-cultural na contramão do oligárquico capitalismo de nuvem do Vale do Silício.

Na era do sistema imperialista mundial neoliberal/unipolar e da consequente militarização das relações sociais de produção e, com estas, das subjetividades e, no limite, da própria cultura dominante, o metabolismo entre a sociedade e a natureza detém uma dimensão planetariamente autodestrutiva, constituindo-se como o pivô de uma crise civilizatória que põe o conjunto dos ecossistemas da Terra em risco de extinção. 

É a hora, como jamais, de lutarmos por uma cultura ecossocialista, com o protagonismo dos povos emancipados do milenar pesadelo do estado de exceção oligárquico contra a Marioria Global, razão de ser da Revista Cultura e Sul Global.  

REFERÊNCIAS

GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 1978.

WILLIAMS, Raymond. Materialismo e cultura. Trad. André Glasér. São Paulo: UNESP, 2011.

___. Marxismo y literatura. Tradução de Pablo di Masso. Barcelona: Ediciones Península, 1988.