“Reparando” a falta: um olhar sobre a histórica “feminização” do serviço social
Abstract
Ao propor uma análise sobre a histórica “feminização” do Serviço Social este texto, conforme sinalizado em seu título, intenta trazer o duplo sentido do verbo “reparar”, representando tanto a ideia de “chamar a atenção” para algo, como a de “suprir a sua falta”. Deste modo, busca-se construir uma análise que, pautada na perspectiva teórica do gênero, desnaturalize a constituição do Serviço Social como “profissão de mulher” e “para mulheres”, situando historicamente este processo na apropriação dos atributos femininos pelo Estado, no trato das expressões da “questão social”, através, sobretudo, da Assistência Social. O desprestígio social conferido ao Serviço Social, extensivo a outras profissões marcadas pela “feminização”, não resulta de um movimento espontâneo, tampouco natural, mas decorre das relações sociais estruturadas na e pela sociedade patriarcal capitalista.
Entender o histórico processo de “feminização” do Serviço faz-se necessário à medida em que as “marcas femininas” foram bastante contundentes no gestar da profissão imprimindo-lhe características de subalternidade e exploração. Calcado na divisão sexual do trabalho tais atributos refletiam a própria condição social impostas às mulheres e por extensão às profissões tidas como femininas. Desta forma, entender os nexos entre gênero e o surgimento do Serviço Social é um caminho para se repensar a particularidade da profissão como tipicamente de “mulher e para mulher”, assim como as implicações destas marcas para a categoria profissional, visto que a condição de subalternidade das mulheres é apropriada no intuito de garantir e intensificar a exploração capitalista.
A perspectiva de análise a partir do gênero possibilita o desvelamento da condição de subalternidade conferida ao Serviço Social como profissão “de mulheres”. Permite uma análise para além da essência fenomênica das relações sociais visto que as pensam compreendendo-as em sua totalidade e complexidade. É importante o reconhecimento de que a predominância de mulheres no Serviço Social não necessariamente reproduz práticas e valores conservadores vinculados ao feminino, visto que não é o sexo que determina valores e ações, mas as relações sociais, especialmente a de classe, gênero e raça/etnia. Analisar o processo de “feminização” do Serviço Social e a subalternidade conferida às profissões consideradas femininas, portanto, requer a compreensão das determinações do fenômeno, como e por que ele é construído e a quais interesses ele atende.
Desta forma almeja-se desvelar as nuances da histórica “feminização” do Serviço Social atrelando-a à “questão social” e a constituição das políticas sociais, especialmente a Assistência Social. A partir da revisão bibliográfica sobre o tema, aventa-se que a gênese do Serviço Social está ligada ao emergir da “questão social” e ao seu “tratamento” via política social, com destaque para a Assistência Social. A escolha desta política decorreu em função da vinculação histórica entre o Serviço Social e a Assistência Social, que demarcou a inserção do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho, bem como por suas “marcas femininas”. No bojo das contradições entre capital e trabalho os/as assistentes sociais foram requisitados pelo Estado no intuito de assegurar a reprodução da força de trabalho e amenizar os conflitos de classe de modo a garantir a “ordem e o progresso” do capital. Para alcançar tal finalidade o Estado demandou dos/as assistentes sociais atributos e valores socialmente construídos como “femininos”. Destarte, o Serviço Social e a política de Assistência Social se constituíram com traços confessionais, enveredando pelo campo da “ajuda ao próximo” e com a missão de “servir e cuidar do outro” tornando-se uma profissão de “mulheres” e voltada para as mulheres.
Embora a profissão tenha se “renovado” e a Assistência Social legalizada como política pública coexistem continuísmos conservadores, embora com novas roupagens, que se intensificam em face ao avanço ideopolítico do neoliberalismo, tais como: assistencialismo, clientelismo e a marca de gênero. Esta análise se debruçará sobre este último aspecto tendo em vista a expressividade da “feminização” no Serviço Social, das categorias profissionais que compõem a Política de Assistência Social, bem como do seu público prioritário, cujo foco na mulher/mãe contribui para reforçar estereótipos e desigualdades de gênero ao destinar às mulheres a responsabilidade pela reprodução social.