A mulher em cárcere: uma análise da assistência à saúde prestada as mulheres em cárcere no Brasil
Abstract
Este trabalho é parte da pesquisa desenvolvida como trabalho de conclusão de curso em Serviço Social, que se pautou na problemática das condições de acesso à saúde oferecidas às mulheres em situação de cárcere, a partir da constatação do crescimento significativo do encarceramento feminino no Brasil nos últimos anos (SILVA; COUTINHO, 2019). O objetivo desse trabalho é refletir sobre a qualidade da assistência à saúde que vem sendo prestada às mulheres no sistema prisional, a partir dos dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pelo Ministério da Saúde, pelo Departamento Penitenciário Nacional, pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional. Pretendeu-se fazer uma análise da assistência à saúde da mulher em cárcere em termos da efetivação das políticas sociais no cenário atual. De acordo com os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no Brasil, no período de julho a dezembro do ano de 2020, havia 41.580 (Quarenta e um mil, quinhentos e oitenta) mulheres em encarceramento (MJSP, 2020). Dados que se revelam preocupantes, devido à maioria das instituições prisionais, não estar preparada para atender às necessidades femininas (FLEURY, 2017). A falta de consonância vigente entre a prisão e as políticas sociais exprimem o dissenso entre a realidade concreta da população feminina encarcerada e os direitos que possuem, considerando o que postula a quase 40 anos, a Lei da Execução Penal, em seu o artigo 41 (BRASIL, 1984), que já assegurava os direitos das pessoas encarceradas. É notório, portanto, ainda se conviver com tal divergência entre o que consta na lei e o que é aplicado na prática. A título de exemplo, apesar de previsto no Inciso I da referida lei, direito à alimentação e vestuário (BRASIL, 1984, Art.41), segundo estudo desenvolvido por Varella (2017, p. 95) “(...) as únicas peças de vestuário fornecidas pelo Estado na chegada das presas são uma calça e uma bermuda marrom ou cáqui ou uma camiseta branca, do uniforme obrigatório. Calcados, roupas de baixo e agasalhos ficam por conta de cada uma”. Essa realidade delega condições de higiene e, por consequência, de saúde das mulheres, a seus familiares, quando estes estão presentes e participam da vida da mulher enquanto encarcerada ou à caridade de ONG’s de suporte e auxílio a encarcerados. Conforme demonstrado por Varella (op,cit,), é recorrente a perpetuação de contaminação por fungos causadores das micoses devido ao uso repetitivo da mesma peça íntima por vários dias e/ou anos. Relato de uso de outros materiais, como miolos de pão para segurar o fluxo menstrual, é frequente. Para além das questões de limitação de acesso aos produtos mínimos para a higiene íntima, tal realidade fere os princípios básicos da dignidade humana. Em termos da caracterização sociodemográfica das mulheres em cárcere, os resultados indicam que a maior parte das mulheres em situação de cárcere não chegaram a concluir o ensino médio, são majoritariamente negras, com idade entre 18 a 45 anos, existindo também uma pequena parcela de mulheres encarceradas entre 61 a 70 anos. Uma situação ainda mais dramática, por se constatar à perpetuação das desigualdades de renda, raça e gênero, que, apesar de já denunciadas desde muito tempo, se encontram ainda como motivo de lutas e de resistências por parte das mulheres. No que diz respeito ao gênero, os papéis sociais pré-estabelecidos, reforçam essas diferenças como naturais, por meio da ideologia hegemônica patriarcal e capitalista. Com relação à assistência à saúde ofertada a essas mulheres, pode-se concluir que as políticas sociais de assistência não atuam de forma plena na qualidade da saúde da mulher em cárcere. Ao contrário, vem perpetuando desigualdades social, de raça e de gênero, assim como, condições precárias de acesso à saúde prorrogando quadros crônicos de adoecimentos e de agravos à dignidade humana. Tem-se verificado, desse modo, que as mulheres em situação de cárcere, estão inseridas em uma instituição que não garante seus direitos nem individuais e nem coletivos, além de desconsiderar necessidades que são inerentes à fisiologia dos corpos femininos. Tais constatações conduzem, conforme já evidenciado por Silva e Coutinho (2019) à incapacidade de as instituições representativas do Estado, assim como da sociedade de uma forma geral, garantirem, por meio da esfera política, a efetivação de leis. Exprimindo, portanto, um sistema prisional como espaço de uma crise sanitária crônica, forte sonegação de direitos e de propagação das ideologias dominantes, por consequência, de vulnerabilidade para as mulheres.
Referências
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