Encarceramento massivo: reflexões entre o desmonte das políticas sociais e a onda neoconservadora do controle penal
Resumen
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo suscitar debates e reflexões acerca da expansão da população carcerária como resultante da produção do Estado de Controle Penal. Nesse sentido, busca-se evidenciar uma intrínseca relação entre o desmonte das políticas sociais e a crescente onda neoconservadora que respalda um Estado repressivo e penal no que concerne a gestão da “questão social”. Para tanto, utiliza-se uma pesquisa bibliográfica com base no aporte teórico de autores como Wacquant (2003; 2012), Iamamoto (2013) e Killduff (2010), objetivando contribuir com a produção do conhecimento científico, priorizando a importância do fortalecimento dos direitos humanos como estratégia de enfrentamento às reflexões levantadas. Identifica-se que o fenômeno do encarceramento em massa tem se expandido cada vez mais nas sociedades contemporâneas por conta do processo de mundialização das políticas neoliberais, refletindo características peculiares, conforme cada país. Assim, ao debruçar-se diante do caso brasileiro, é possível delinear um recorte singular, baseado em seus aspectos histórico-culturais. O Brasil é um país com forte histórico de desigualdades sociais e trajetória conservadora, o que denota a existência de segmentos da sociedade, composto por trabalhadores (ativos ou desempregados) de modo geral, mulheres, jovens, negros etc., em situação de vulnerabilidade social (IAMAMOTO, 2013). Neste contexto, o trato das disparidades sociais no país tem vivenciado um processo de minimização de esforços do Estado no que diz respeito à esfera social, em prol de investimentos para a economia, resultando no sucateamento da coisa pública e supervalorização da iniciativa privada, conforme aponta Bravo (2011). Em outras palavras, protagonizando uma forte tendência de focalização de políticas públicas, seletividade, terceirização e privatização de acesso a direitos, reforço à lógica filantrópica ou, simplesmente, aniquilação da camada pobre, o Brasil segue os passos do reforço à intervenção penal, protagonizado pelos norte-americanos e europeus, e tal constatação pode ser feita através do retrato caricaturado de suas prisões. Em pesquisa realizada pelo Sistema de Informações Penitenciárias – Infopen identificou-se que, em Junho de 2014, o Brasil chegou à marca de quarto país com a maior população prisional, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Rússia, respectivamente, nesta ordem. Nesse sentido, o montante geral de pessoas em privação de liberdade contabilizou 607.731 indivíduos distribuídos entre prisões estaduais, federais e delegacias, sendo importante destacar que tal dado aponta cerca de 300 presos por cada 100 mil habitantes (BRASIL, 2015). Wacquant (2003), por sua vez, preconiza que com a crise do Estado de Bem Estar Social os investimentos passaram a ser desviados para constituir o chamado Estado Penitência resultando na gestão da pobreza através de medidas como a criminalização dos segmentos pauperizados da sociedade, a adoção de uma política de “tolerância zero” e maior rigor penal. A respeito disso, em consonância com o pensamento de Wacquant, Kilduff (2010) sintetiza que os ideais conservadores se apropriaram do campo econômico e penal para justificar ideologicamente que o Estado de Bem-Estar social não cumpriu com o papel a que se propôs, demonstrando-se falho e, sobretudo, responsabilizando-o pela não resolução de aspectos relacionados à pobreza e disseminação de condutas concebidas como “criminosas”. Nessa conjuntura, levando em conta que o Estado de Bem Estar Social dos Estados Unidos não chegou a ser desenvolvido como nos patamares da Europa Ocidental as ações neoconservadoras versaram sobre o intuito de realizar cortes graduais nos investimentos direcionados à assistência social a partir do início dos anos 1970 até então. Com isso, passou-se a realizar um superávit nos orçamentos penais, tendo em vista que uma das características mais presentes no ranço conservador se refere à existência do maniqueísmo entre homens “bons” e “maus” no interior da sociedade. Assim, “nesta perspectiva, reapareceu com claridade a ideologia burguesa da defesa social, quer dizer, a que permite legitimar a aplicação do poder punitivo por parte do Estado com a finalidade de “proteger” a sociedade do crime” (KILDUFF, 2010, p. 241). No que concerne às características específicas do caso brasileiro, Salla (2006, p. 289) sintetiza que “a criminalização da miséria, a repressão às ilegalidades e estratégias de sobrevivência das camadas pobres e o combate ao tráfico de drogas compõem os principais ingredientes que explicam a explosão nas taxas de encarceramento [...]”. Nesse sentido, a implementação de uma política criminal a qual tem levantado a bandeira da “guerra às drogas” no país, quando na verdade operacionaliza um combate estigmatizante contra seus usuários, tem contribuído bastante para a massificação e mudança do perfil da população prisional (VIEIRA, 2010). Basta utilizar enquanto exemplo, as estatísticas crescentes de mulheres inseridas no sistema penitenciário que, em sua maioria, é acusada por tráfico de entorpecentes. É nesse cenário que os discursos de cunho conservador trazem consigo a lógica da culpabilização do indivíduo e, por conseguinte, a defesa de um viés punitivo mais severo. Assim, investimentos de setores ligados à manutenção das conquistas dos direitos sociais por intermédio da gestão de políticas sociais passam a se destinar às esferas policiais, judiciais e, finalmente, penitenciárias. Com a questão criminal deslocada para o protagonismo central dos discursos políticos, à proporção que se instaura um abrupto processo de fragilização assistencial, as prisões, na cena contemporânea, segundo a análise de Wacquant (2012), não funcionam mais como um instrumento de “adestramento”, conforme postulado por Foucault outrora. Hoje, ela é “direcionada para uma neutralização brutal, uma retribuição automática e a um simples armazenamento – por defeito, se não for algo intencional” (p.22). Haja visto, identifica-se, sob a égide do Neoliberalismo, uma onda de cunho neoconservador a qual tem contribuído para o desmonte das políticas sociais e, desse modo, fortalecido o dispositivo penal como alternativa para administrar a “questão social” de modo seletivo, perpassando por classe, etnia e territórios, evidenciando sua lógica de controle desigual e consequente gestação da miséria. Assim, não à toa, esta mesma população prisional que passa por um quadro de massificação de seu contingente, possui características específicas: os desassistidos pelas Políticas Sociais que tem cor; juventude; reside em bairros pobres; e, quando não chega à prisão, estampa as páginas policiais, contabilizando os laudos do necrotério.
Palavras-Chave: Desmonte das políticas sociais; Neoconservadorismo; População Prisional.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de informações penitenciárias. INFOPEN, jun. 2014. Brasília (DF): Ministério da Justiça, 2015.
BRAVO, Maria Inês. Serviço Social na Reforma Sanitária: Lutas Sociais e Práticas Profissionais. 4. ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2011.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Brasil das desigualdades: “questão social”, trabalho e relações sociais”. SER social, Brasília, v.15, n. 33, p. 261-384, jul./dez. 2013.
KILDUFF, Fernanda. O controle da pobreza operado através do sistema penal. Katálysis. Florianópolis v. 13. n. 2. p. 240-249. jul./dez. 2010.
SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias, Porto Alegre, ano 8. n.16, jul./dez. 2006, p. 274-307.
VIEIRA, Adriana Dias. Cárcere e democracia no Brasil: notas para um debate. Jura Gentium, Rivista di filosofia del diritto internazionale e della politica globale, [s/l], 2010. Disponível em: <http://www.juragentium.org/topics/latina/pt/dias.htm> Acesso em: 29 jan de 2017.
WACQUANT, Loic. Forjando o Estado Neoliberal: trabalho social, regime prisional e insegurança social. In: BATISTA, Vera Malaguti (org.). Loic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.